SUICIDA-SE


SUICIDA-SE
De Gabriel Tonin

PERSONAGENS
Daniel
Ricardo
Silmara
Jaque
André
Vitor
Pessoas
Policiais


CENÁRIO: Uma ponte movimentada.


CENA ÚNICA

(Daniel entra desesperado; há muito barulho de carro; com grande tensão musical, Daniel sobe na grade da ponte e olha pra baixo)

DANIEL
Deus do céu, me perdoe por não ter conseguido. Eu não queria... eu não queria que tivesse que ser assim. O senhor conhece meu coração, pai. (grande suspense) A minha aventura chegou ao fim. (ele se prepara pra pular)

PESSOA
O cara vai pular! O cara vai pular!

(Ricardo o interrompe)

RICARDO
Rapaz! O que você tá fazendo? Amigão? Faz isso não!

DANIEL
Fica longe!

RICARDO
Vamo conversar aqui um poquinho. Venha pra cá, venha.

DANIEL
Não. Acabou. Acabou tudo.

RICARDO
Cara, não fala assim. Tudo tem jeito nessa vida, amigão. Venha aqui, dá a mão pra mim.

DANIEL
Não chega perto! Me deixa em paz!

(Silmara interrompe)

SILMARA
Moço, pelo amor de deus, não faz isso não, moço!

DANIEL
Eu falei pra não chegar perto!

(Jaque e André estão passando e param pra olhar)

RICARDO
Amigão, vamo conversar aqui. Fala pra mim o que tá acontecendo.

DANIEL
Não vai adiantar, vai piorar.

RICARDO
Eu posso ajudar você, venha aqui, por favor.

JAQUE
(para Silmara) O que tá acontecendo?

SILMARA
O cara quer pular.

PESSOA
Depressão quando pega...

(André saca o celular e filma a cena)

DANIEL
Não. Fica longe! Fica longe! Eu que decido!
RICARDO
Calma, amigão.

SILMARA
A gente vai ajudar você, moço. Como é seu nome?

(Vitor está passando de bicicleta e para pra ver)

DANIEL
É Daniel.

VITOR
O cara quer pular?

PESSOA
É. Tá desesperado.

SILMARA
Daniel, vamos conversar aqui fora, venha aqui.

(Vitor liga pra polícia; outros curiosos param pra assistir)

DANIEL
Tudo acabou. Não tem mais nada que eu possa fazer pra me salvar. Acabou. Não tem opção.

JAQUE
Sempre tem opção, moço! Sempre tem! Tem várias coisas boas pra viver na vida, moço.

SILMARA
O que aconteceu, filho? Fala pra mim. Pode falar.

DANIEL
Fica longe! Fica longe!

SILMARA
Tá bom! Tá bom. Mas o que que tá acontecendo?

(silêncio)

DANIEL
Eu... eu não aguento mais. Essa pressão. Eu tenho vários pecados. Eu não mereço estar aqui. Eu não tenho o que fazer.

RICARDO
É dinheiro, amigo? Se for dinheiro fala logo que a gente vai resolver isso já.

ANDRÉ
Eu ajudo! Eu ajudo também.

VITOR
Eu também.

DANIEL
Não. Não é dinheiro. É... porque eu... eu tô morto de qualquer jeito.

RICARDO
Alguém quer te matar?

DANIEL
Vocês não entendem.

(duas pessoas de bicicleta passam gritando)

PESSOAS
Pula! Pula! Pula! (elas saem)

SILMARA
Imbecis!

RICARDO
Não dê ouvidos pra essas pessoas, Daniel! Pra tudo tem uma saída na vida.

DANIEL
A minha saída na vida é a morte, e vai ser agora!

(Daniel vai pular, mas Ricardo e Vitor o seguram)

DANIEL
Não! Me deixa! Me deixa! Me solta! Me solta!

JAQUE
Alguém chamou a polícia, ou ambulância?

VITOR
Eu chamei.

(Daniel desiste de lutar aos prantos)

RICARDO
Calma, amigão. Vai ficar tudo bem. Fica calmo, tá bom?

DANIEL
Vocês estão me matando de todo jeito.

SILMARA
Moço, a gente vai resolver tudo. Ninguém vai morrer hoje. Todo final de história pode ser um recomeço.

DANIEL
Pra mim não. Pra mim não.

RICARDO
Senta aqui. Encosta aqui. (para André) Para de filmar essa porra, cara! É uma pessoa isso aqui!

ANDRÉ
Se ele tivesse pulado ia ser notícia, ué. As pessoas precisam saber a verdade.

(Daniel tenta mais uma vez subir a grade, mas os outros o seguram)

DANIEL
Me deixa! Eu quero! Eu quero!

RICARDO
Comigo aqui você não vai pular essa ponte, amigão. Hoje não!

SILMARA
Filho, fica calmo. Fica calmo. Tudo dá certo no final.

DANIEL
Não.

SILMARA
Dá sim, dá sim. Pra tudo dá jeito.

JAQUE
Pense na sua família, moço. Nas pessoas que te amam.

(mais uma vez Daniel tenta subir na grade)

RICARDO
Já falei. Comigo aqui ninguém vai pular.

DANIEL
Vocês não entendem! Ninguém nunca vai entender.

VITOR
Amigo, eu também tenho a minha depressão. Não é vergonha isso, isso acontece com muita gente.

SILMARA
É, eu tomo remédio pra poder dormir há muitos anos já. A questão é: o tamanho do seu problema vale a sua morte, filho?

DANIEL
Eu já tô morto.

RICARDO
Rapaz, comigo aqui ninguém vai te fazer mal.

DANIEL
Vocês não entendem.

JAQUE
A ambulância falou quanto tempo?

ANDRÉ
Num tem um hospital aqui pertinho?

VITOR
Eu liguei pra polícia, um, nove, zero.

(Daniel de novo tenta pular; os outros impedem)

PESSOA
(para outra pessoa, baixo) Eu acho que ele tá fugindo da polícia.

DANIEL
Eu vou morrer! Me deixa morrer! Por favor! Acabou! Por favor! Me solta!

RICARDO
Não. Não hoje.

SILMARA
Eles vão dar um calmante pra você, querido. Calma, tenha paciência.

RICARDO
Eu vou sentar aqui do seu lado, Daniel. Vamo todo mundo sentar aqui junto com o Daniel, pessoal. Pra mostrar pra ele que a gente se importa com a vida dele, mesmo a gente não conhecendo ele. Sentem aqui.

DANIEL
Não, por favor...

RICARDO
Ó, eu sou o Ricardo, muito prazer e eu sou professor de matemática e eu me importo muito com a sua vida.

JAQUE
Eu sou a Jaque e sou fotógrafa e trabalho numa loja também e eu também me importo muito.

VITOR
Vitor, tenho trinte e cinco, sou empresário. Me importo com você, rapaz. Você é jovem, tem tudo pra fazer ainda.

ANDRÉ
André. Me importo também, cara.

SILMARA
Eu sou a Silmara, e eu posso ser sua melhor amiga se você quiser. A gente vai acertar tudo que tá de errado, Daniel.

RICARDO
Nenhum problema vale pular da ponte, amigão. Dá pra resolver, vamo lá! Vamo colocar foco pra resolver.

DANIEL
Vocês não entendem...

SILMARA
Eu já passei por um problema parecido, menino. Uma vez eu tentei tomar uns remédios, tomei vários. Mas aí quando eu acordei eu vi que tava tudo bem, que os problemas davam pra resolver...

DANIEL
Meu problema não dá pra resolver, dona.

SILMARA
Dá sim, dá sim!

DANIEL
Não dá. Eu fiz merda. Eu já tô morto.

RICARDO
Todo mundo faz merda, amigão. A gente aprende fazendo merda.

DANIEL
Não...

SILMARA
Daniel, meu carro tá logo ali na frente. Vamo tomar um café, a gente vai lá pra casa.

DANIEL
Não... vocês não entendem...

VITOR
Então explica pra gente.

PESSOA
Nossa, ninguém chamou a polícia ainda?

DANIEL
Eu vou ser preso.

SILMARA
Ninguém vai preso por tentar se matar não, querido. A gente vai te ajudar.

DANIEL
Não. Eles vão me matar...

RICARDO
Já falei que eu não vou deixar ninguém morrer hoje.

JAQUE
Vamo levar ele pra um hospital, moça?

SILMARA
Vamo, Daniel, vamo comigo pra um hospital?

DANIEL
Não. Eu não posso.

SILMARA
Vamo lá pra minha casa, então.

DANIEL
Você não ia querer uma pessoa como eu dentro da sua casa.

SILMARA
Que isso, filho! Pelo amor de deus, a minha casa é casa aberta pra quem precisa, filho. Vamo, por favor.

RICARDO
Vamo, a gente vai tudo junto. Vai?

DANIEL
Não. Eu quero pular, me deixem escolher, eu escolho pular...

RICARDO
Não vai pular, cara. Não vai. Você não vai morrer. Hoje não.

PESSOA
O que tá acontecendo?

PESSOA
O cara quer pular aí. Parece que é depressão.

JAQUE
E agora?

SILMARA
Vamo, filho. Vamo lá pra casa. Eu faço uma janta pra gente. Vamo?

(silêncio)

DANIEL
Você ficaria confortável tendo um criminoso na sua casa, dona?

(silêncio)

VITOR
O que você fez?

SILMARA
Independente de tudo, filho, eu não posso não estar com você nesse momento. Se você confiar em mim eu confio em você. Você não precisa morrer hoje.

DANIEL
Vocês vão me mandar pra cadeia e eu vou morrer lá de qualquer jeito mesmo. Eles vão me matar.

RICARDO
O que você fez, amigão? Pode contar pra gente.

DANIEL
Vocês nunca vão entender.

SILMARA
Eu acredito que nós seres humanos somos todos imperfeitos. Todo mundo erra nessa vida, filho. Todo mundo faz as cagadas. E a gente aprende com isso. O mundo inteiro aprende com nossos erros, filho.

(silêncio)

DANIEL
Eu... estou sendo acusado de ter abusado de uma sobrinha.

(tensão; os que estavam sentados se levantam)

DANIEL
Eu disse! Eu disse! Eu já estou morto.

SILMARA
E é verdade?

DANIEL
Oi?

SILMARA
É verdade que você abusou da sua sobrinha.

(silêncio; expectativa; Ricardo acende um cigarro de nervoso)

DANIEL
Veja bem...

VITOR
Ixi, olha, eu preciso ir, tô atrasado pra um compromisso já. Isso não é pra mim não. (sai)

DANIEL
Não foi um abuso. Não era esse nome. Na época as coisas eram diferentes de hoje.

RICARDO
Você abusou ou não abusou da menina, parceiro?

DANIEL
Foi há muito tempo. Há uns sete anos. Eu não sabia bem o que eu estava fazendo também, eu era moleque. Eu achava... eu achava que era só... só um acontecimento qualquer. Ela denunciou depois de todo esse tempo.

SILMARA
Quantos anos vocês tinham?

DANIEL
Eu vinte e um.

JAQUE
E a sobrinha?

DANIEL
Doze.

PESSOA
Misericórdia!

DANIEL
Eu falei que vocês não podem me ajudar. Eu vou pular!

(outra vez Daniel sobe na grade e agora consegue; ninguém tenta impedí-lo, mas reagem assustados)

SILMARA
Não, moço, não faz isso! Não faz isso!

JAQUE
Por mim acho que pode fazer sim. É, o cara tava aí se fazendo de vítima, mas é um pedófilo! Por mim que pule. Vamo embora, André.

ANDRÉ
Não, agora eu vou filmar ele pulando. Agora calma.

JAQUE
Deixa o cara! Tem mesmo que se fuder!

SILMARA
Não assim! Não desse jeito!

RICARDO
É, amigão. Você deixou a gente aqui numa encruzilhada, hein. Complicado te defender.

JAQUE
Pula logo, filha da puta! Você vai liberar a porra do peso das costas dessa menina pra ela seguir a vida dela em paz. Pula!

(pessoas passam gritando de bicicleta)

PESSOAS
Pula! Pula! Pula!

SILMARA
Não! Não pula! Não pula, Daniel.

JAQUE
Você vai levar ele pra sua casa depois disso? Quero ver! Vai cuidar do bonito!

SILMARA
Ninguém é pra morrer! Ninguém! Não desse jeito!

DANIEL
Eu não quero apodrecer na cadeia...

JAQUE
Então, pula! Verme!

ANDRÉ
Pare, Jaque! Deixa quieto.

JAQUE
Vamo embora, vai! Para de filmar, porra! Já falei pra parar de filmar.

SILMARA
Daniel, tudo o que você fez você vai pagar com deus um dia, mas deixe acontecer naturalmente. Aceita a missão, aceita a cruz que você carrega.

JAQUE
Ah, fala sério. O marmanjo aí agora é o cara que tá carregando a cruz? E a menina? Hein?  Você nunca vai saber o que é conviver com esse nojo até o resto da sua vida! Pra mim pode pular.

PESSOA
Por mim também!

SILMARA
Não, não é assim as coisas! Não precisa ter mais gente morta do que já tem! Pode ser de outro jeito!

PESSOA
Ele não vai pular.

PESSOA
Quer chamar a atenção põe uma melancia no pescoço!

JAQUE
E aí, bonitão? Se entrega ou se joga?

(silêncio)

DANIEL
(chora) Eu não queria morrer... eu não queria... eu tinha me arrependido. Eu tô com medo... eu queria que fosse um pesadelo... acabou pra mim.

PESSOA
O que tá acontecendo?

PESSOA
O cara é um pedófilo foragido. Tá querendo se matar.

PESSOA
Caralho!

PESSOA
Alguém empurra esse verme!

PESSOA
Eu empurro! Êêê!

JAQUE
Pula!

SILMARA
Não!

PESSOAS
Pula!

SILMARA E ALGUNS
Não! Não pula não!

(silêncio)

RICARDO
Cara, eu disse que eu não ia deixar ninguém morrer hoje, mas ficou difícil. Pode fazer suas escolhas aí. Desculpe.

SILMARA
Menino, vamo se entregar pra polícia e você paga o que você deve e deus vai mudar a sua vida.

DANIEL
Eu já tô morto.

JAQUE
Vamo, André, vamo embora.

ANDRÉ
Ele vai pular, Jaque, calma.

PESSOAS
(passando) Pula! Pula! Pula!

(longa expectativa; Daniel se prepara pra pular, aos prantos; suspense; as pessoas continuam gritando, umas dizendo pra ele pular e outras dizendo pra desistir; por fim Daniel desiste)

TODOS
Oh!

JAQUE
Eu sabia! É um frouxo covarde mesmo!

PESSOA
Ah, só queria chamar a atenção!

PESSOA
Pedófilo!

DANIEL
Me desculpa...

RICARDO
Alguém chama a polícia de novo?

JAQUE
Vamo embora, André. Chega de filmar.

ANDRÉ
Que merda. Iria bombar se ele tivesse pulado.

(Jaque e André saem)

DANIEL
Me desculpe...

RICARDO
A gente vai te entregar pra polícia, fechô, irmão?

DANIEL
Desculpe... eu não consegui...

SILMARA
Tá tudo bem. Vai ficar tudo bem agora.

PESSOA
Que porra de polícia demorada!

DANIEL
Eles vão me espancar até morrer... na cadeia... eu já tô morto mesmo.

SILMARA
Querido, carrega a sua cruz. Carrega. A cruz desse seu espírito é essa. Você errou, eu não posso te julgar. Eu queria que você não tivesse errado. Que e a gente pudesse ter discutido sobre isso antes de acontecer.

DANIEL
Foi meio que consentido.

SILMARA
O que?

DANIEL
A Júlia. Minha sobrinha. Foi consentido.

(silêncio)

SILMARA
Ela era a criança e você a pessoa adulta, Daniel. Você deveria saber que mesmo que ela quisesse qualquer coisa com você, você, como adulto, deveria nem cogitar a hipótese. Entende? Mas já aconteceu. E agora a gente lida com o que aconteceu. E o que aconteceu é a sua cruz agora. Carrega. A vida é assim e depois da morte só deus sabe.

PESSOA
Só não foi linchado porque se fez de coitado!

SILMARA
Chega! Acabou o show, pessoal. A polícia já tá chegando. A gente não precisa disso. Ele vai se entregar.

PESSOA
Devia ter pulado!

RICARDO
Nunca achei que iria passar por duas situações de uma vez. Um cara querendo pular da ponte e um cara que fazia maldade com a sobrinha, na mesma situação.

SILMARA
É. A vida é maluca mesmo.

RICARDO
Rapaz, você acabou de me fazer pensar na vida, sabia? Eu achei que quando eu encontrasse um pedófilo assumido na minha frente, que eu iria espancar até o cu fazer beiço. Mas aí eu conheci primeiro o cara desesperado, que ia se matar, e que estava chorando e... Você me pegou.

DANIEL
Me desculpe.

RICARDO
Meu, cara, para de pedir desculpas, tá bom?

DANIEL
Foi mal.

RICARDO
Para, só para!

DANIEL
Tá bom.

(luzes de giroflex)

PESSOA
Olha a polícia!

RICARDO
Finalmente.

(os policiais entram)

POLICIAL 1
Vamo embora! Vamo embora, todo mundo pra casa!

POLICIAL 2
Boa noite. O que tá acontecendo aqui?

RICARDO
O amigo aí ia pular. Tava pra pular, a gente segurou ele.

SILMARA
Ele queria se matar, moço. A gente não deixou.

POLICIAL 2
E aí, amigão? Tá tudo bem aí?  

DANIEL
Não.

POLICIAL 2
O que aconteceu?

DANIEL
A minha vida. Acabou tudo.

POLICIAL 2
Você mora onde?

DANIEL
Não. Não moro mais. Em lugar nenhum.

POLICIAL 2
Tava morando na rua?

DANIEL
Não. Mas eu não tenho mais família.

RICARDO
Ele falou que tá sendo acusado de um negócio aí.

SILMARA
Não importa isso agora! Ele precisa passar pelo pronto socorro, depois vocês...

POLICIAL 2
Tá foragido, rapaz? O que que você fez?

DANIEL
Não. Ainda não tô foragido.

POLICIAL 1
Tá com o RG aí, companheiro?

DANIEL
Tô.

POLICIAL 1
Daqui pra mim, por favor.

SILMARA
Moço, só não precisa machucar ele, tá bom?

POLICIAL 2
E por que machucar? O que aconteceu?

DANIEL
Não aconteceu ainda! Não aconteceu nada! (ele corre pra grade novamente; os policiais o seguram)

POLICIAL 1
Calma, calma, calma.

DANIEL
Por favor...

POLICIAL 2
Eu vou algemar você, mas pra sua segurança, tá bom? Com licença.

RICARDO
Podia ter pulado aquela hora, cara.

DANIEL
Por favor, não me machuquem.

POLICIAL 1
A gente vai conduzir o indivíduo até a delegacia. A gente agradece o apoio da população.

RICARDO
Imagina, é um dever nosso também.

SILMARA
Foi uma vida que a gente pode ajudar, moço.

(os policiais vão sair levando Daniel algemado)

DANIEL
Espera!

(Daniel tenta voltar)

POLICIAL 2
Segura! Segura!

DANIEL
Espera! Deixa eu falar uma coisa pra aquela mulher! Eu tenho que falar um negócio pra ela!

SILMARA
Eu?

POLICIAL 1
Não corra! Não corra.

SILMARA
Pode deixar moço. O que você quer falar pra mim?

(Daniel se aproxima e fala alguma coisa no ouvido de Silmara; eles se separam e Silmara está em choque; Daniel ri inocente para ela; Silmara repentinamente pega Daniel pelos colarinhos e o joga da ponte, aos gritos de reação de todos)

POLICIAL 1
Meu deus do céu, dona!

RICARDO
Você ficou maluca?

PESSOA
O cara pulou! O cara pulou!

POLICIAL 2
Puta que o pariu, senhora. Puta que o pariu!

RICARDO
Meu deus do céu. O que foi que ele falou pra você, pra você ter jogado ele assim?

PESSOA
Minha nossa senhora! Olha o corpo morto!

POLICIAL 1
Preciso de resgate na ponte do Carmo. Agora!

POLICIAL 2
A senhora está... por hora, temporariamente presa, dona. Não saia daqui. (ele a algema na grade)

(os policiais saem; Ricardo e Silmara ficam um tempo em silêncio; olhando os policiais chegarem no corpo morto de Daniel; as pessoas saem pra olhar o corpo de perto; silêncio)

RICARDO
Como é seu nome mesmo?

SILMARA
Silmara.

RICARDO
Prazer, Silmara. Ricardo.

(silêncio)

RICARDO
O que foi que ele te disse?

SILMARA
Nada.

RICARDO
Como assim nada? Você tava super defendendo a vida dele e de repente jogou o cara da ponte. O que ele te falou?

(silêncio)

SILMARA
Eu só descobri que ele era um cara babaca comum. Só isso mesmo. A gente às vezes sente pena de uns caras babacas. Mas pena tem um limite.

RICARDO
O que ele falou pra você? Você jogou o cara da ponte, porra! Fala o que ele falou!

SILMARA
Ele fez exatamente o que você tá fazendo agora. Me subestimando, insistindo, achando que eu sou uma idiota. 

RICARDO
O que?

(Silmara dá um sustinho em Ricardo como se ela fosse jogar ele também; ele quase cai pra trás)

SILMARA
(ri) Por favor, não me faça sentir pena de você também. Tem um cigarro?

(Ricardo dá um cigarro pra ela)

SILMARA
Agradecida.

(Ricardo fica um tempo em silêncio sem saber o que fazer e depois sai; Silmara fuma o cigarro tranquila; algumas pessoas surgem pra olhar o corpo pela grade; uma música finaliza o ambiente com grandiosidade; Silmara fica em um foco destacado, o restante vai apagando lentamente; Silmara continua fumando tranquila; no fim da música, Silmara suspira poderosa)

(black-out)


FIM




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