O ESPETACULAR SUPER IMPITMAN CONTRA O COMUNA
MONSTER
PERSONAGENS
Robson
Birú
Lucéia
Andréia Belmonte
Jorge
Ronald
Doutor Nosferatu
Rihana
Ivete
Geisla
Dony
Cop 1
Cop 2
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PRÓLOGO
(as portas do teatro são
abertas e os atores cantam)
TODOS
“Se gritar pega ladrão
Não fica um, meu irmão
Se gritar pega ladrão
Não fica um.
Se gritar pega ladrão
Não fica um, meu irmão
Se gritar pega ladrão
Não fica um.”
(quando a plateia se
acomodar, eles se separam em focos diferentes)
1º ATO
CENA 1
TODOS
Eu sou da turma dos honestos,
do trabalhador, do que se autodenomina “do bem”, da corrente sanguínea ativa e
útil dessa nossa maquinaria, dos comissionados, dos de bom coração. Repudiamos
toda e qualquer forma de malícia, de toda forma de corrupção pró ativa e
inescrupulosa. A culpa é sempre de outra pessoa.
ROBSON
É um absurdo! Isso daqui é
um absurdo! É um absurdo, isso daqui. Que absurdo!
LUCÉIA
Os políticos são espelho
do seu povo, meu querido.
ROBSON
Quanto que aumentou essa
porra?
BIRÚ
Doze por cento.
ROBSON
Doze por cento? Você tá de
brincadeira. O que eles acham eles que estão pensando?
BIRÚ
É.
LUCÉIA
Economia não é um bagulho
fácil de ser entendido.
ROBSON
Cara, mas eles tão fazendo
o que por nós aqui, porra? Vocês tão de zoeira comigo. Aumentou e melhorou?
Responde pra mim. Aumentou e melhorou?
BIRÚ
Eu tomo cerveja e como
pizza pelo menos duas, três vezes por semana. Acho que eu tô bem.
ROBSON
Ah, mas isso é o mínimo,
né?
LUCÉIA
Tô fazendo faculdade.
ROBSON
Mais que o mínimo! Vocês
não acham? Mais que o mínimo, tudo isso. Eles tão lá pra isso, não é, não?
LUCÉIA
Lógico.
ROBSON
Pois então.
BIRÚ
Vai querer ou não vai?
ROBSON
Eu tenho opção?
BIRÚ
O preço é esse.
ROBSON
Esse governo tá querendo
me foder. Até nisso tem imposto incluso. Sacanagem. Bando de filho da puta.
BIRÚ
Ué, você quer usufruir de
uma facilidade e não quer pagar por isso?
ROBSON
Facilidade? Eu pago a
porra do imposto e tenho que tirar extra pra pagar meu plano de saúde, pra
pagar essa merda aí. Aí eu pago por um assento de primeira classe pra viajar do
lado de um bando de pé-rapado. Você acha isso justo? Eu tô pagando por um
serviço extra, muito extra, que não usufruo. Você acha que eu vou colocar meu
filho pra estudar no ensino público?
LUCÉIA
Cara, você tem noção do
quanto privilegiado você é?
BIRÚ
O cara é um sem noção.
ROBSON
Meu, acho que a gente tem
que dar uma coça nesses caras. Botar pra quebrar, esses filhos da puta. É tudo
bandido. Todo mundo quer mamar nas tetas da sociedade! Tem que pegar esses
caras e dar um cacete, fazer eles se tratarem no SUS, pra ver como é que é. Mas
não. Que gigante que acordou? Cadê o gigante que acordou?
LUCÉIA
Cara, se liga. Sai daqui.
BIRÚ
Vai levar a porra ou não
vai?
ROBSON
Vou levar, né. Lógico que
eu vou levar. Quanto vai ficar?
ROBSON
Cento e cinquenta.
ROBSON
Porra, cento e cinquenta?
Vou ter que economizar a balada de quinta, caralho! Filhos da puta, eu tô
inconformado!
LUCÉIA
Nossa, que vida dura, a
sua.
ROBSON
O que foi?
LUCÉIA
Vida dura, a sua.
ROBSON
Eu ralo pra caralho, viu.
Eu trabalho desde meus catorze anos.
LUCÉIA
Com seu pai, né?
ROBSON
E o que tem?
BIRÚ
Tá aqui.
(Robson pega uma
carteirinha na mão)
ROBSON
Hum. Mas ficou bastante
parecida.
BIRÚ
Ficou.
ROBSON
Tem uma manchinha aqui, é
assim mesmo?
BIRÚ
Quer ver a original?
ROBSON
Deixe eu ver.
LUCÉIA
Nossa, que cara chato.
(Birú entrega)
ROBSON
Hum. Ah, faz parte aqui. É
o estilo.
BIRÚ
Sim.
ROBSON
Não tem perigo não, né?
BIRÚ
Tudo de boa. Pode ficar
tranquilo.
ROBSON
Ninguém merece ficar
pagando ingresso integral. Ainda mais se você é frequentador assíduo de baladas
e raves. Eu costumo ir em bastante shows, sabe?
LUCÉIA
Supus.
ROBSON
Melhor pagar cento e
cinquenta agora e depois economizar, né? (entrega o dinheiro para Birú)
LUCÉIA
É uma vantagem dada aos
estudantes. Porque vida de estudante é foda.
ROBSON
Minha vida também é foda.
Eu trabalho desde os catorze.
LUCÉIA
Eu também. E eu ainda não
consegui comprar um carro. Será que eu suei menos?
ROBSON
Oi?
LUCÉIA
Ai, nada.
(silêncio)
ROBSON
Bom, eu acredito no
mérito. Desculpe, falar. Eu entendi o que você quis dizer, viu. Eu não sou
nenhum idiota.
LUCÉIA
Tudo bem, cara. Agora vaza
daqui, vai.
ROBSON
Vocês votaram nesses
merdas, não votaram?
BIRÚ
Oi?
ROBSON
Vocês defendem esse
governo, não é, não? Vocês são desse tipinho.
BIRÚ
Calma, aí, meu chapa...
ROBSON
Vocês envergonham esse
país. Desculpe ser sincero, eu gosto de ser uma pessoa sincera. Mas é por culpa
de gentinha como vocês dois que esse país não vai pra frente.
LUCÉIA
Mas o país, a meu ver,
está indo pra frente. Não tem como ir pra trás, não é, não? Ao menos que você
tenha uma máquina do tempo. (ri; Birú acha graça)
ROBSON
Vocês adoram encher o
peito nessa calmaria, como se vocês estivessem sempre certos. Vocês são dois
patéticos. O que vocês podem falar de honestidade se estão vendendo carteirinha
de estudante falsificadas pra sobreviver?
LUCÉIA
Quem aqui tá falando de
honestidade?
BIRÚ
Você tá aqui comprando as
carteirinhas falsificadas.
ROBSON
Eu compro por que esse
governo surrupia nosso dinheiro.
LUCÉIA
Nosso dinheiro, dinheiro
de quem? Você tem dinheiro, eu não
tenho nada.
ROBSON
Talvez por isso que você
tenha decidido usar de meios não honestos pra sobreviver.
LUCÉIA
Talvez seja por isso
mesmo. Se eu tivesse tido o leitinho e a tetinha que você teve desde criança,
talvez eu não seria tão idiota de tentar burlar o sistema de raves e baladas
com carteirinha de estudante falsificada. Se eu tenho o dinheiro pra pagar, não
tem porque eu tentar atrasar mais ainda a vida de quem não tem.
ROBSON
Você tá querendo me dizer
que você tem o direito de ter uma carteirinha falsificada porque é pobre, que
pobre tem o direito de burlar o sistema, e que por que meu pai me deu um
empurrãozinho, coisa que eu não tive muita escolha em palpitar – e duvido que
alguém negaria o empurrãozinho de um pai – eu não tenho esse mesmo direito de
ter uma carteirinha falsificada, porque esse dinheiro que eu burlo é o dinheiro
que daria o direito de vocês conseguiram abusar desse sistema, economicamente
falando. É isso mesmo que eu entendi?
LUCÉIA
É isso mesmo que você
entendeu.
ROBSON
Vocês dois são muito
filhos da puta.
LUCÉIA
Você é muito
filho da puta!
BIRÚ
Vai embora, vai, cara. Já
pegou sua carteirinha agora vaza. A gente tá meio sem tempo pra ficar
discutindo política pública agora.
ROBSON
Vocês dois são dois
corruptos! Dois corruptos sujos e marginais! Ajudaram a eleger aquela corja de
corruptos. Vocês deviam ter vergonha!
LUCÉIA
Eu quero mais é que a
burguesia e você se fodam, cara. Que se fodam! Entendeu? Eu tô pensando mais no
meu, porque eu não tenho herança nenhuma. Eu não tive Toddynho e Passatempo. Eu
cresci na rua, playboy.
ROBSON
E eu tô pensando no meu,
porque eu tenho herança. Vocês são um bando de comunistas invejosos, que não
aguentam ver a riqueza dos outros sem desejar.
LUCÉIA
O que?
ROBSON
Vocês querem isso, vocês
querem ter o que eu tenho. É por isso que vocês odeiam a burguesia. Mas nós, a
burguesia, os playboys, como você fala, nós vamos lutar em rebate, sabia? Nessa
vida não se consegue nada de mão beijada, vocês entendem o que eu tô dizendo?
Vocês vão ter que lutar bastante ainda.
LUCÉIA
A dor da sua luta não se compara
a dor da nossa luta. Vamo ver quem vence no final, cagão.
ROBSON
Vamos ver.
LUCÉIA
O cosmos é justo, cagão.
Logo mais você verá. A dor da nossa luta é criancinha passando fome, rapaz,
entende o que eu tô dizendo?
ROBSON
Logo mais vocês verão. Deem licença.
(Robson dá as costas e
sai)
BIRÚ
Cara chato, hein.
LUCÉIA
Esse tipo de cara existe
mesmo.
BIRÚ
Eu tinha falado pra você.
LUCÉIA
Como pode? Falta coração,
mesmo, sabe? Antes eu achava que era falta de conhecer pobreza, de conhecer
história, mas na verdade não é nada disso, não. Falta coração mesmo. E eu
ingênua... realmente achei que... não é possível.
BIRÚ
Eu falei pra você. Eles
sabem do que estão falando. Eles não são burros como a gente pensa. Eles
realmente acham e aceitaram a pachorra de que pra terem certos luxos, algumas
classes precisam estar abaixo. É óbvio isso.
LUCÉIA
É muita sacanagem.
BIRÚ
Muita.
TODOS
Pra alguns usufruírem de
conforto, é necessário um povo que se submeta. Pra alguns obterem vida boa,
outros terão que estar abaixo na servidão. Esse é o mundo que desejamos?
ROBSON
Esse é o mundo que eu
conheço.
CENA 2
(Andréia Belmonte se destaca
com seu segurança particular Jorge)
ANDRÉIA
Jorge, por favor.
JORGE
Sim, madame.
ANDRÉIA
Ajude-me a chegar até ali.
(Jorge carrega Andréia até
outro ponto do teatro)
ANDRÉIA
Está bem, meu querido.
Obrigada. Você é um doce.
JORGE
Às ordens, madame.
(Ronald surge)
ANDRÉIA
Ronaldo, quero fazer um
saque de vinte mil dólares. Em cash,
por favor.
RONALD
É Ronald, senhora.
ANDRÉIA
Ronald. Quero fazer um saque de vinte mil dólares,
Ronald. Vou fazer uma viagem, enquanto essa crise não termina.
RONALD
Senhora, não temos crise,
a senhora tão tem com o que se preocupar. Mas eu vou fazer o seu saque. Assine
aqui e aqui, por favor.
ANDRÉIA
Como não há crise,
Ronaldo? Os juros do banco estão nas alturas. Quando eu e meu marido começamos
com vocês não era assim.
RONALD
E vocês triplicaram, não
triplicaram? Está tudo sob controle, minha senhora.
ANDRÉIA
É, mas nos últimos dois
meses tivemos que mandar dois funcionários embora, além da conta de luz e conta
de água. A cervejinha. Você viu o imposto da cervejinha, Ronaldo? Aumentou doze
por cento. Um bando de filhos da puta.
RONALD
Economia não é um negócio
fácil de se entender. Mas enfim. Novos tempos virão.
ANDRÉIA
Veremos, Ronaldo. Veremos.
Eu espero que quando eu voltar, se eu voltar, tudo esteja melhor. Enquanto
isso, Miami me parece um bom lugar pra descansar os bolsos. Todos os meus
amigos estão indo para lá.
RONALD
Com vinte mil dólares não
me parece que você vá conseguir viver no mesmo luxo que vive aqui. Lá as coisas
são bem diferentes, viu.
ANDRÉIA
Isso é só pros pequenos
gastos, meu querido. Temos conta no exterior. Cartão de crédito e moradia, meu
querido. Você acha que tudo o que eu tenho é vinte e mil dólares?
RONALD
Vida dura essa sua, hein.
ANDRÉIA
O que disse?
RONALD
Nada não.
(silêncio)
ANDRÉIA
Você não é desses que
ajudou esse governo a se reeleger, é?
RONALD
Eu? Não, eu curtia mais
aquele da Luciana.
ANDRÉIA
Ah, então você é desses
comunistinhas?
RONALD
Como é que é?
ANDRÉIA
Jorge, dê um murro nele
pra mim, por favor.
RONALD
O que?
(Jorge dá um murro forte
no braço de Ronald)
RONALD
Ai!
ANDRÉIA
Vocês são cúmplices da
corrupção, meu caro. Só tem ladrão nessa quadrilha que você ajudou a eleger.
Você sabe quantas pessoas honestas e trabalhadoras, Che Guevara metralhou no paredão?
Você defende essa corja, mas não sabe nada de história, meu querido.
RONALD
Desculpe, dona Andréia,
não sei se você não entende de história, mas se entende, como diz, então é
falta de coração mesmo. Você reclama da vida porque tem a barriga cheia.
ANDRÉIA
Pois eu reclamo porque
tenho barriga cheia mesmo. Eu reclamo por vocês, trabalhadores. Eu não penso só
em mim. Diferente de vocês, comunistas.
RONALD
Como assim, dona Andréia?
Como assim você pensa em mim? Esse governo que você tanto massacra foi o único
que pensou em mim. E que pensou na senhora também. Você não tinha todo esse
poder de consumo quando esse governo assumiu. Foi depois deles que você tem esse
dinheiro pra viajar pra Miami.
ANDRÉIA
Ah, faça me rir, Ronaldo.
RONALD
É Ronald!
ANDRÉIA
Faça me rir, Ronald. O
nome disso é mérito de suor. Meu marido é um esforçado empresário que conseguiu
crescer na vida graças o suor dele. Não tem nada de ajuda de governo, não. Nada
de mamar nas tetas do governo, não. Eu nunca precisei de esmola família, você
entendeu?
RONALD
Fala sério. Você é uma
ignorante mesmo.
ANDRÉIA
Escuta aqui, rapaz! Eu sou
cliente nessa merda. Você tenha respeito comigo. Jorge dê outro murro no braço
dele.
RONALD
Ai! Filho da puta! Eu vou
chamar um segurança se a senhora fizer isso de novo!
ANDRÉIA
Cale essa boca,
colaborador! Sou eu quem pago a porra do seu salário, seu analfabeto. Agora me
dê o meu dinheiro, por favor.
RONALD
Está aqui.
(ele entrega uma maleta)
ANDRÉIA
Bando de corruptos. Vocês
vão afundar esse país, Ronald. Onde já se viu um nome de americano em
brasileiro? É lógico que as pessoas iriam te chamar de Ronaldo. Faça me rir.
Venha, Jorge. Temos que ter cuidado com essa gentalha. Quando você menos
esperar, eles vão entrar na nossa casa, roubar nosso Danone da geladeira, tomar
um gole do nosso whisky e sair como se nada tivesse acontecido. Adeus, Ronaldo.
RONALD
Adeus, dona Andréia.
(Andréia e Jorge saem de
cena)
RONALD
Classe média nojenta.
Vinte e mil dólares é tudo o que ela tem sim. Pra nós, que não temos onde cair
morto, até parece ser muito dinheiro. Mas isso é dinheiro pra nada, visto os caras
grandes.
TODOS
“Meu irmão não tem caixão
Ai, que se foda, irmão!
Meu irmão não tem caixão
Ai, que se foda!
Meu irmão não tem caixão
Ai, que se foda, irmão!
Meu irmão não tem caixão
Ai, que se foda!”
CENA 3
(Doutor Nosferatu aparece
com uma máquina que cabe um ser humano dentro)
NOSFERATU
Isso não é mais ficção
científica. As possibilidades do mundo quântico se tornaram infinitas. Não é
mais universo, é multiverso. Tudo é possível naquele que me fortalece,
indústria química e capital. O nosso sangue já corre quase azul. Um
empurrãozinho aqui, outro empurrãozinho ali, e assim vamos construindo o
futuro!
(Robson entra correndo)
ROBSON
Descobriram! Fui assistir
Independence Day 3 no cinema e descobriram que a minha carteirinha é falsa.
Malditos trambiqueiros! Agora eu sou foragido por culpa dessa sociedade
hipócrita! É tudo culpa desse PT. Desses corruptos que não trazem melhoria no
serviço público pra não precisarmos sermos corruptos também. Fora PT! Fora
corrupção! Quebrem o sistema! Impeachment!
(Nosferatu empurra Robson
pra dentro da máquina e a fecha; Andréia Belmonte entra acompanhada de Jorge)
NOSFERATU
Sem o apoio do capital, da
indústria farmacêutica e dos imperialistas, nada disso seria possível. A
ciência em nome da sociedade e vice e versa.
ANDRÉIA
Obrigada, meu amigo,
Nosferatu.
NOSFERATU
Senhora Andréia Belmonte.
Estamos aqui para te servir. Nós e todos.
ANDRÉIA
A medida deverá ser
drástica. Trate de ser o mais nerd possível nesse esquema.
NOSFERATU
Serei, dona Andréia. É só
isso que eu sei fazer.
(Nosferatu aperta um botão
e a máquina liga grandiosamente, brilhando e chacoalhando)
ANDRÉIA
A sociedade precisa saber
o nome e a força dos que mandam. Darwin já dizia: “que vença o mais forte!”. E
eu digo que o mais forte é quem tem mais dinheiro no bolso, meus amigos! Quem
tem dinheiro no bolso, tem direito ao mundo!
(ela gargalha enquanto a
máquina solta uma fumaça que invade o palco)
TODOS
“Super Impitman, amigo
Que bom estar contigo,
você é o meu Lobão
Vamos crescer novamente
Fazer o que fez a gente
vencer o Colorzão
O FHC já bem sabe
Que todo mundo cabe na
corrupção
Mas se não quer se
investigado
É só ser aliado no seu
lindo tucanão
Pra punir
A Globo está ali
Nem precisa ter
investigação
Super Impitman
Tudo tão fácil, mãe
A vida fica bem mais
divertida
Super Impitman
Empurrãozinho de pai
O mundo inteiro vai sair
na rua
Pra punir
A Globo está ali
Odeio a Dilma, odeio pobre
e tudo o mais
Super Impitman
Tudo tão fácil, mãe
A vida fica bem mais
divertida
Super Impitman
Empurrãozinho de pai
O mundo inteiro vai sair
na rua”
(Todos surgem com panelas
e fazem um estardalhaço)
TODOS
Vagabunda! Ordinária! Viva
a revolução das panelas classe média! Viva!
(a porta da máquina se
abre e Robson sai vestido com um figurino de super-herói)
RIHANA
Ah! Vejam! É o Super
Impitman! Vejam!
IVETE
Será um pássaro? Será um
avião? Não, minha gente, é o Super Impitman!
AS DUAS
A grande salvação!
RIHANA
De que adiantou ter
aumentado os aeroportos se agora pobre pode viajar do meu lado? Aumentou pra
eles ou aumentou pra nós?
IVETE
Pobre agora tem até
computador. Você já viu um pobre sem celular? Você não vê mais esse tipo de
coisa. E os ordinários ainda querem ter o do melhor. Tudo com Iphone. Não tem
onde cair morto, mas Iphone tem.
RIHANA
A gente precisava mesmo
era de uma revolução decente. Mostrar quem manda nesse país. É o nosso suor e a
nossa economia que gira o capital. Pobre não ajuda no giro. Pobre só sabe
gastar. E eles querem ter retorno. Nós, que ajudamos a maquinaria funcionar,
temos que pagar o plano de saúde do nosso bolso. Pra eles usufruírem! Não é um
cúmulo? É um cumulo!
IVETE
Mas o incrível Super
Impitman veio para mudar a nossa realidade! Agora tudo vai mudar, graças ao bom
deus cristão. Aos que conservaram suas palavras de ordem e progresso, e de
poder. Fora PT!
ANDRÉIA
Meu querido, faça o que
tiver que fazer. Mude esse mundo. Seja a nossa salvação contra essa desgraça.
ROBSON
Será um prazer, madame.
NOSFERATU
E o meu dinheiro, Dona
Andréia?
ANDRÉIA
Pare de ser interesseiro,
Nosferatu! Voe, revolução, voe!
(Robson sai voando;
Nosferatu sai com raiva)
RIHANA
Super Impitman! Você é um
fofo! Eu te amo!
IVETE
Salve os meus filhos, Super
Impitman! Salve os nossos filhos!
(Dony entra correndo e é
alvejado pelos Cops; drama)
TODOS
“Um filho, dois filhos,
três filhos assim
Um morto, um nas drogas e
um querubim
Um morto, um nas drogas, e
deus disse sim.”
CENA 4
(Geisla entra e vê Dony,
seu filho, morto)
GEISLA
Não! Não! Meu filho. Meu
bebê. Assassinos!
REPÓRTER
Nessa tarde de sexta feira
mais um marginal trocou tiros com a polícia aqui no Jardim São Cristóvão. Segundo
os policiais o marginal vendia drogas aqui na região e quando foi abordado
houve resistência e troca de tiros, o que resultou na morte do mesmo. O menino
nunca havia tomado um Danone na vida. Temos imagens do sofrimento de uma mãe
que perdeu seu filho para o mundo do crime.
GEISLA
Parem de filmar! Alguém
liga pra uma ambulância! Parem!
RIHANA
Seu filho escolheu isso,
minha senhora.
IVETE
É muito triste a guerra
contra o tráfico. Mas o que podemos fazer, não é mesmo? Aqui se faz, aqui se
paga.
GEISLA
Meu filho não era bandido!
Ele trabalhava! Ele tinha um emprego. Ele ia comprar o seu primeiro Danone na
semana que vem.
(Rihana e Ivete gargalham)
REPÓRTER
Vejam a dor dessa mãe.
GEISLA
Parem de rir! Me ajudem,
pelo amor de deus. Me ajudem aqui. Ajudem o meu bebê.
RIHANA
Aqui se faz, aqui se paga.
A carinha de bandido não nega, mãe.
IVETE
É na cara que a gente vê o
ódio de uma pessoa, minha querida.
RIHANA
Fez por merecer.
IVETE
Lugar de bandido é no
inferno.
(Lucéia entra correndo,
seguida de Birú)
LUCÉIA
Mãe! Mãe! Não, não, não!
GEISLA
Filha.
RIHANA
Vejam se não é aquela
vagabunda que faz carteirinha de estudante falsificada. A pseudo-intelectual e
falsa moralista agora veio ver o corpo do irmão morto? Faz me rir.
IVETE
Você é a próxima,
corrupta! Todos os corruptos serão exterminados.
REPÓRTER
Vejam a dor dessa irmã.
Esse é o destino de uma família fadada ao mundo criminoso, minha gente. Um
morto, um nas drogas...
GEISLA
Um que nem chegou a
nascer.
BIRÚ
Na favela a ditadura
militar nunca parou.
(os Cops seguram Birú com
muita violência)
BIRÚ
Ai! O que eu fiz? O que
foi? O que eu fiz?
LUCÉIA
Larga ele! Larga ele, seus
filhos da mãe!
COP 1
Ele estava tentando jogar
a população contra as autoridades.
COP 2
Está tentando fazer
desordem pública e bagunça. Ordem e progresso!
COP 1
Ordem e progresso!
COP 2
Ordem e progresso!
REPÓRTER
Vejam o trabalho desses
homens da pátria. Vejam! Vejam!
GEISLA
Ele parou de respirar. O
sangue jorrou como se o peito dele fosse uma bica. Aqui, no meu colo, sangue do
meu sangue que molhou toda a minha sandália. Todo o meu seio encharcado com
sangue meu, com sangue que recebeu parte do meu leite. E agora esvarrido.
Morto. Gelado. Duro. Sem caixão pra enterrar, nem direito a uma lápide digna.
Vai ser gaveta mesmo. Sem direito a protestar, sem direito a reclamar pra não
tomar mais tiro e perder mais filho. A dor da nossa luta merece vencer mais do
que a luta deles. Se existe algum deus, se existe alguma justiça divina, eu
creio que eu mereça vencer mais do que eles. Por justiça. Porque dói, dói de
verdade. Dói mais do que ter Miami como preocupação de vida. Dói mais do que se
revoltar com o preço da gasolina. Eu nem carro tenho. Eu nem filho tenho mais.
E amanhã a vida volta ao normal. E no dia seguinte a felicidade volta também.
Porque a gente da gente já é calejado demais, desde sempre, desde criança. Calejado.
REPÓRTER
Vejam a educação dessa
mãe. É uma linda defendendo seu filho marginal.
(os Cops vão sair levando
Birú)
BIRÚ
Pra onde vocês estão me
levando? O que é isso?
LUCÉIA
Pra onde estão levando
ele? Alguém chama uma ambulância, pelo amor de deus!
GEISLA
Já está morto, filha.
COP 1
Ele terá que ir até a
delegacia por desacato.
COP 2
Por resistência ao serviço
policial. O nosso serviço
COP 1
Só estamos seguindo
ordens, minha senhora.
LUCÉIA
Mas isso não é justo! Ele
só fez uma observação.
BIRÚ
Eu só fiz uma observação,
caramba!
COP 2
De desordem pública. Você
quer me fuder, rapaz?
RIHANA
Ah, meu deus! O que é
aquilo? (aponta para o alto)
IVETE
Será um pássaro? Um avião?
Será o Super Impitman?
RIHANA
Não! É vermelho! É
vermelho!
(silêncio; todos estão
apreensivos olhando para cima)
REPÓRTER
Vocês não vão acreditar no
que está voando por cima da nossa cidade nesse momento, meus caros
telespectadores. Um ser monstruoso vindo de outro planeta parece um urubu
querendo destruir os lares dos homens de bem, dos pais de família, dos homens
da pátria. Ele está circulando nesse momento a carniça da região de
Higienópolis. Vejam meus amigos. Ele deixou um rastro vermelho nas ruas da
cidade, algo parecido com faixas de ciclovias para os vagabundos e professores
de classe baixa. Ele acaba de transformar a bandeira brasileira de verde e
amarela para um intenso vermelho sangue. O vermelho do nosso sangue classe
média está sendo derramado por toda a nossa cidade, meus companheiros. Fodeu.
(um raio atinge a cena
derrubando os dois Cops de uma só vez)
RIHANA
Ah, meu deus do céu!
REPÓRTER
Mataram os policiais!
Mataram os policiais!
IVETE
Manhê!
(todos saem de cena, com
exceção de Lucéia, Birú, Geisla e o filho morto)
LUCÉIA
Veja, Birú. É ele. É ele,
Birú.
BIRÚ
Será mesmo, Lucéia? Eu
tenho medo desses caras com fantasias.
LUCÉIA
Eu tenho certeza que é
ele.
GEISLA
O que é aquilo, minha
filha?
LUCÉIA
É difícil de explicar,
mãe. Tão tentando fazer isso com ordem e justiça há tento tempo, que parece que
a dificuldade é maior do que o nome, entende? O cara que teve essa ideia deve
estar se revirando no túmulo de tanta merda que fizeram em nome dele.
BIRÚ
Pelo menos ele teve o
direito de ter um túmulo, não é mesmo? Graças a luta armada sim.
GEISLA
Mas o que é? O que diabos
é aquilo?
LUCÉIA
Aquilo é o Comuna Monster,
mãe. Ele veio pra salvar a gente da gente.
GEISLA
Ele vai ressucitar o Dony,
filha? Diga que ele tem o poder de ressureição. Diga!
(silêncio)
LUCÉIA
Não, mãe. Isso daqui não é
nenhum filme de ficção científica. Isso é bem mais real do que parece.
GEISLA
E ele vai fazer o que por
mim, então?
LUCÉIA
Vai fazer justiça.
GEISLA
Eu só queria o meu bebê
vivo. Eu só queria o meu bebê vivo...
(uma explosão ao longe e
uma luz vermelha invade o palco; Lucéia abraça a mãe e o corpo do irmão; Birú
observa as explosões da cidade ao longe)
BIRÚ
Vejamos onde que isso vai
dar.
(black-out)
FIM DO 1º ATO
2º ATO
CENA 1
(Andréia entra nervosa)
ANDRÉIA
Jorge! Jorge! Cadê esse
filho da puta?
(Jorge entra trocando de
camiseta, escondendo uma vermelha por de baixo do seu figurino de segurança)
JORGE
Sim, madame.
ANDRÉIA
Jorge, me leve até ali.
(Jorge a carrega até outro
lado do teatro)
ANDRÉIA
Obrigada, querido. Hoje
estou num péssimo dia. Todos os voos cancelados! Nenhuma aeronave está podendo
sair do Brasil. Onde você estava, Jorge?
JORGE
Podemos nos abrigar na
casa de campo em Ribeirão Preto, madame.
ANDRÉIA
Cansei daquele lugar,
Jorge. Fico entediada só de olhar para aquela piscina.
JORGE
Talvez a senhora possa se
abrigar na casa de praia em Bertioga, madame. Até que as coisas se ajeitem por
aqui.
ANDRÉIA
Você não é pago para dar
palpite, Jorge. Você está me deixando mais nervosa. O Super Impitman vai
resolver tudo isso. Eu sei que vai. Ele deve estar por aí criando um plano para
deter essa pouca vergonha homossexual e comunista satânica. Escreva o que eu tô
dizendo, Jorge. As coisas vão mudar drasticamente por aqui, meu querido.
(Ivete e Rihana entram
acabadas)
IVETE
Ah, meu deus do céu! Oh,
meu santo deus!
ANDRÉIA
O que aconteceu com vocês
duas?
RIHANA
Entraram na minha casa.
Roubaram o Danone da minha geladeira.
IVETE
Diz que ele está entrando
em todas as contas bancárias que possuem mais de um milhão e dividindo as
nossas riquezas com os pobres, Dona Andréia. Isso é justo? Isso é justiça? E
onde vai parar o suor do meu pai, Dona Andréia? No bolso de vagabundos, é isso?
RIHANA
Roubaram todo o meu
Danone! Não deixaram um! Aquele de chocolate é o meu favorito. E agora? E
agora?
IVETE
Ele está causando o terror
na escolas particulares, Dona Andréia. Todo filhinho de papai está sofrendo nas
mãos do Comuna Monster, Dona Andréia. Assim como diziam as profecias Marxistas.
Não haverá milhão sobre milhão, Dona Andréia. Estamos ferrados.
ANDRÉIA
Ainda temos uma chance,
meninas. O Super Impitman deve estar criando um plano para acabar com essa
graça desgraçada. Nós não somos burros, minha querida. Pode parecer que somos,
mas não é burrice, eles estavam certos. É falta de coração mesmo. E falta de
coração, faz o que? Me respondam essa. Faz o que, quem não tem coração? Que
trabalhemos com a razão, ao invés da emoção. E quem trabalha com a razão vence
primeiro, minhas queridas. Não vamos nos preocupar. Vamos pegar o primeiro
avião, com destino a felicidade. (ela recebe uma mensagem de texto no celular) Meu
marido alugou um jatinho. Podemos nos abrigar na casa que você mantém em Buenos
Aires, Ivete. Vamos?
IVETE
Meu marido vendeu. A crise
não nos deu escolha. Esses comunistas querem ver todo mundo na merda!
ANDRÉIA
Tem alguma sugestão de
para onde podemos ir então?
RIHANA
Talvez devêssemos brigar.
Todo mundo tá brigando, talvez a gente devesse brigar pelos nossos direitos
também. Vamos matar esses filhos da puta, meninas!
ANDRÉIA
Eu sou totalmente contra
qualquer tipo de violência.
RIHANA
Mas se eles estão nos
matando, matar eles é defesa. Não é? Por que pobre se acha no direito de matar,
hein? Por que? Por que, eu me pergunto.
IVETE
Eles estão na margem, Ri.
É difícil pra eles entenderem de ética e moral.
RIHANA
Eu falei que a gente devia
ter tacado uma bomba atômica nas favelas. Agora aguente.
IVETE
Agora aguente.
(Doutor Nosferatu entra
correndo)
NOSFERATU
Dona Andréia! Dona
Andréia!
ANDRÉIA
Cadê ele, Nosferatu? Você
disse que ele ia resolver toda essa palhaçada. Eu acreditei na sua boa vontade
política, Nosferatu. Eu acreditei na sua visão romancista sobre os fatos,
Nosferatu. O que está acontecendo? Onde é que ele se meteu?
NOSFERATU
Creio que ele possa estar
criando um plano e aguardando o melhor momento para atacar, madame. Não é fácil
quebrar o estado, madame. Estou no aguardo do meu pagamento.
ANDRÉIA
Mas aquela porra daquele
Comuna Monster está fazendo isso primeiro! Ele está quebrando só que tá
quebrando o lado de cá. Onde já se viu eles terem vantagem na luta?
NOSFERATU
Todos tem o direto de
tentar, não é, madame? Cada um cuidando do seu próprio cu.
(silêncio)
ANDRÉIA
Dê um murro nele, Jorge.
NOSFERATU
Por que? O que é isso?
ANDRÉIA
Por que eu quero.
(Jorge dá um murro em
Nosferatu)
NOSFERATU
Ai! Doeu! O que eu fiz?
Traíra!
ANDRÉIA
Nós não podemos deixar que
uma ditadura comunista se instale nesse país. Nossos pais não lutaram tanto
pela liberdade e independência financeira para isso. Meu marido não acorda às sete
da manhã pra vir um filho da puta e se achar no direito de dividir as riquezas
naturais. Quem ele pensa que é?
NOSFERATU
Eu não estou do lado de
ninguém, madame. Eu sou um mero cientista que aceitaria recursos de ambos os
lados.
(silêncio)
ANDRÉIA
O que você quer dizer com
isso, Nosferatu?
NOSFERATU
O que eu quero dizer? Com
o que?
ANDRÉIA
Que você aceitaria
recursos de ambos os lados? O que você quer dizer com isso?
NOSFERATU
Eu trabalho pela evolução,
Dona. É assim que funciona. Quem me der grana, eu vou lá e trabalho. Não é
fácil conseguir recursos se você é limitado no pensamento político, entende? Eu
decidi ficar em cima do muro, por precaução.
ANDRÉIA
Seu filho de uma puta, foi
você quem criou o Comuna Monster, não foi? Como você pode ter feito isso com a
gente, Nosferatu? Como você pode ter feito isso com a gente?
NOSFERATU
Eu nunca tive pai e mãe,
Dona. Eu fiz colégio público. Também preciso de dinheiro. E eles me pagaram à
vista!
ANDRÉIA
Mate esse filho da puta,
Jorge.
JORGE
Matar?
NOSFERATU
Matar?
ANDRÉIA
Mate, Jorge! Mate esse
filho da puta!
JORGE
Você quem manda.
(Jorge saca um revólver e
atira em Nosferatu)
RIHANA
Ah!
IVETE
Ah, meu deus! Um homem
branco foi atingido!
NOSFERATU
Sua cobra! Bem no peito.
Tô jorrando. Que gosto de ferro.
JORGE
Me desculpe.
(Nosferatu morre)
ANDRÉIA
Não podemos aceitar
traidores do movimento.
TODOS
“Crise, crise, crise,
crise
Risque, risque, risque,
risque
O nome da presidenta
Foque, foque, foque, foque
No preço do capital
Tem Danone no seu quintal
Passatempo para os meninos
Para os brancos e para os
héteros
Pras crianças que já
nasceram
Com suas heranças e os
seus méritos
As outras que se explodam
Por terem tidos pais
vagabundos
As outras que se explodam
Não tem poupança ou cheque
com fundo
Que se explodam as
criancinhas pobres.”
CENA 2
(Birú e Lucéia entram
correndo e se encontram ao centro)
BIRÚ
Estão na rua! Eles estão
revidando.
LUCÉIA
Todos os burgueses?
BIRÚ
BIRÚ
Alguns deles. Eles
conseguem comprar traidores também. Eles pagam pra pobre defende-los.
LUCÉIA
É o cúmulo! Tem pobre do
lado deles?
BIRÚ
Muitos. Acho que são até a
maioria.
LUCÉIA
A dignidade por cem reais.
BIRÚ
Diz que tem um cara
pagando mil reais por cabeça na manifestação.
LUCÉIA
Mil reais? Filho da puta!
Mas assim até eu cairia numa dessas.
BIRÚ
Relaxa. Ainda estamos mais
fortes que eles. A guerra de classe finalmente começou, Lucéia. O Comuna
Monster tem a dor das criancinhas famintas, a dor dos injustiçados. Ele tem a
nossa dor de marginal, Lucéia. Essa dor ninguém tira e nem se compara com a
luta deles.
LUCÉIA
E se o cosmos não for tão
justo assim? Tenho medo de eles vencerem por ter mais poder de consumo, por
terem mais armas de fogo a favor.
BIRÚ
Nós temos um monstro,
Lucéia. Nós temos uma chance.
LUCÉIA
Eu quero acreditar nisso.
(Ronald passa ao fundo)
LUCÉIA
Veja, Birú! Aquilo é um
banqueiro, não é? Pega! Pega!
(Ronald tenta fugir, mas é
capturado)
RONALD
Eu sou um bancário! Eu sou
bancário! Sou um mero funcionário! Eu sou funcionário do banco!
LUCÉIA
Queremos dinheiro. Cadê o
dinheiro?
RONALD
Que dinheiro? Que
dinheiro? Eu não tenho nada! Eu ganho mil reais por mês.
LUCÉIA
Lorota! Bate nele, Birú!
BIRÚ
Eu não vou bater no cara,
Lucéia. O cara já disse que é pau mandado. Ele é dos nossos.
LUCÉIA
Você é dos nossos?
RONALD
Eu estava tentando sair da
merda. Eu queria fazer parte da parte deles, eu também queria ser rico. Mas a
vida não deu chance, não até agora. Eu sou trabalhador, não tenho herança e nem
tive empurrãozinho de pai. Tudo o que eu consegui até agora foi por mérito
próprio.
LUCÉIA
Não existe essa porra de
mérito próprio! Quantas vezes eu vou ter que repetir isso?
RONALD
Me desculpa! Não foi isso
que eu quis dizer. Eu sei que a minha vida melhorou depois desse governo, mas
eu votei na Luciana.
LUCÉIA
Hum. Pode largar ele,
Birú. Esse é dos nossos.
RONALD
O que diabos está
acontecendo?
BIRÚ
Finalmente está
acontecendo, meu caro. Marx previu. O capitalismo vai quebrar, escreva o que eu
tô dizendo. Ou se divide tudo, ou é guerra.
RONALD
Aquilo é o Comuna Monster,
é isso que estão dizendo?
LUCÉIA
Exatamente.
RONALD
Eu ajudei. Eu ajudei! Eu
tenho uma camiseta do Che, meus amigos.
LUCÉIA
Bom saber. É melhor você
vesti-la, companheiro. Estamos em boa fase pra se assumir.
BIRÚ
Não podemos deixar que
eles consigam derrubar a presidência. Enquanto ela estiver no poder, o Comuna
Monster tem alguma chance. Se algum tucano conseguir invadir o planalto, nossas
chances podem diminuir. Esses filhos da puta sabem engavetar uma situação.
RONALD
Não sei se confio tanto
neles, companheiro. Eles também parecem ter se voltado para o capital. Não
parecem? É só impressão minha?
LUCÉIA
Prefiro acreditar na boa
fé desse pessoal.
BIRÚ
Eu também. Eles fizeram
algumas merdas, cederam à pressão do capital, mas é a única chance que temos
por hora. E o Super Impitman está por aí, em algum lugar, esperando o momento
certo de atacar.
LUCÉIA
Não podemos deixar isso
acontecer de forma alguma. Se isso acontecer, outros irmãos morrerão pela mão
do estado. E só os irmãos da rua que morrem quando o estado defende mais o
capital do que a dignidade humana.
TODOS
“Passatempo para os
meninos
Para os brancos e para os
héteros
Pras crianças que já
nasceram
Com suas heranças e os
seus méritos
Não queremos um mundo
pobre
Só queremos a divisão
Do que é justo, não do que
é sorte
Quero chance para todo
irmão
Que sobreviva toda criança
que respira
As que tem e as que não.”
CENA 3
(um foco destaca a
Repórter)
REPÓRTER
É com grande pesar que
informo os números dessa guerra. Setenta e cinco empresários mortos. Vinte e
nove madames sequestradas. Cento e noventa e quatro playboys abandonados. Doze
jornalistas da Veja e doze jornalistas da Globo explodidos em praça pública. O
Brasil está se tornando a nova Venezuela. O grande pensador Olavo já tentava
avisar a anos o que estava para acontecer. Lobão e Roger explicou toda a nossa
inutilidade pública no fim do século passado, mas foram taxados de coxinhas
classe média sofredora. Quem é a classe sofredora e oprimida agora, minha
gente? Os pobres se revoltaram e não foi com bandeirinha branca e paz e amor,
como sempre faziam. Eles demonstraram todo o seu desprezo contra a burguesia
com o monstro que soltaram pela cidade. Tudo por amor ao partido mais corrupto
conhecido nessa história. O PT. O PT é o grande culpado das tragédias dessa
nossa sociedade, meus telespectadores. Estou falando isso em rede nacional e
com medo de ser censurada, eu confesso. Mas nós não podemos ficar calados com
tamanha injustiça social que estão praticando. Se eles queriam lutar por seus
direitos, que lutassem sem baderna ou anarquia. A economia está ruindo,
enquanto o pobre quer comer caviar.
(Andréia entra)
ANDRÉIA
Jorge! Jorge!
(Jorge entra atrasado)
JORGE
Sim, madame.
ANDRÉIA
O que você está fazendo,
Jorge? Quantas vezes vou ter que te chamar?
JORGE
Me desculpe, madame.
ANDRÉIA
Me leve até ali, Jorge.
JORGE
Com prazer.
(ele a carrega até outro
lado)
ANDRÉIA
Aqui, Jorge. Obrigada.
(pausa) Eu estou ficando com medo, Jorge. Me parece que aquele metalúrgico
conseguiu implantar o terror na casa dos homens de bem. Não bastava o sofrimento
deles, eles queriam ver todos em sofrimento. Pobre é assim, ele não se contenta
com a alegria do próximo. Eles pensam: “se eu estou fodido, que todos estejam
também”. Isso é justo, Jorge? É justo um mundo onde todos tenham as mesmas
coisas? Qual é a graça disso? Se não sou eu pra ser invejada, qual o propósito
de se existir? Qual o propósito de lutar por uma vida melhor, se não temos
alguém como exemplo de vida boa? Vejo que o Foro de São Paulo era mais perigoso
do que parecia ser. Eles conseguiram, Jorge. Eles conseguiram.
(Andréia sola
romanticamente)
ANDRÉIA
“O Foro de São Paulo
Fez inferno no meu closet
Che, Fidel, Maduro
PresidAnta, mulher dura
Mandaram dividir os
milhões em poucos mil
Cuba agora veio para mudar
o Brasil
Eu tenho medo de tomar uma
facada no meu baço
Eu sou arquiteta, eu sou
arquiteta
Eu tenho medo de tomar uma
facada no meu baço
Eu sou arquiteta, eu sou
arquiteta
Classe média sofre”
(ela chora desesperada)
ANDRÉIA
Como podemos ter chegado
nesse ponto, Jorge? Como foi que chegamos até aqui?
(Rihana e Ivete entram
correndo)
RIHANA
Andréia! Andréia! Graças a
deus!
IVETE
Tatuaram você também,
querida?
ANDRÉIA
O que?
IVETE
Veja.
(as duas mostram tatuagens
de uma coxinha no braço; Jorge sai de fininho)
IVETE
Eles estão nos marcando.
Todo mundo que reclamava de barriga cheia está sendo tatuado com essa coxinha.
RIHANA
Eu amo coxinha, a minha
tem catupiry, ó.
IVETE
Não existe mais um
empresário com um milhão na conta, Andréia. Tudo está sendo dividido por igual.
ANDRÉIA
Isso é um absurdo. A
economia vai ruir. Todo mundo com poder de compra igual, isso vai dar merda.
RIHANA
E nada do salvador, né?
ANDRÉIA
Ainda nada. Quero crer que
ele está escolhendo o melhor momento para destruir o Palácio do Planalto, junto
com aquela vagabunda e toda a sua corja.
RIHANA
Tenho a impressão de que
isso não vai mais adiantar. O povo já se revoltou. Com presidente ou sem
presidente, o pobre não vai devolver nosso milhão.
ANDRÉIA
Com essa onda de extinção
em massa, um bom tucano defendido pelo Ibama saberia o que fazer. Temos que ter
esperança, meninas. Nossa esperança azul não deve acabar.
IVETE
Aé, aé, aé!
RIHANA
Cio!
ANDRÉIA
Vamos. Vamos correr atrás
do nosso. Jorge! Onde se meteu aquele brutamontes?
(black-out)
CENA 4
(Lucéia, Birú, Ronald e
Geisla entram correndo, esbaforidos)
LUCÉIA
Gente, temos que nos
separar.
BIRÚ
A burguesia ainda tem a
maior parte da arma de fogo. Nós temos que começar a nos armar. Eles estão
pensando em bomba nuclear. O Comuna Monster não iria aguentar uma explosão
dessas.
GEISLA
Eu não tô gostando nada
disso, minha filha.
LUCÉIA
Tenha calma, mãe. Se não
há luta, não existe motivo pra essa vida.
RONALD
Talvez possamos dar um
jeito lá no banco que eu trabalho. A gente invade, pega todo o dinheiro e as
armas...
LUCÉIA
Eles guardam armas no
banco?
RONALD
Mais do que isso, querida.
Não só armas. Lá tem tudo quanto é tipo de filha da putagem, se você quer
saber.
BIRÚ
Dinheiro, né?
RONALD
Pois é. Dinheiro.
GEISLA
E se acontecer alguma
coisa de errado, gente? Eu acho que a gente devia fugir, ir morar no meio do
mato. Eu nunca vi uma guerra assim, Lu. Eu não quero perder mais ninguém.
LUCÉIA
Mãe, nós temos que lutar
por nosso direito nesse planeta.
GEISLA
Mas lutar contra o
dinheiro, por dinheiro?
LUCÉIA
Oi?
GEISLA
Vocês estão lutando contra
o capital, pra conseguirem parte do capital também?
BIRÚ
A vida é essa, Dona
Geisla. Nós também já nos viciamos no consumo. A questão é que também temos o
direito de prosperar, não?
GEISLA
Eu não quero virar madame.
BIRÚ
Não vai mais existir
madame, Dona Geisla. Acabou essa pachorra de uns estarem acima e outros abaixo.
GEISLA
Não acho que isso seja
possível.
LUCÉIA
Mãe, tenha paciência. Vai
ficar tudo bem.
RONALD
Temos que ir. Esse Super
Impitman está sumido demais, está muito silencioso. A qualquer momento o golpe
pode vir certeiro.
LUCÉIA
Vamos, então!
(todos saem, menos Geisla;
ela faz sinal de desaprovação para os jovens)
GEISLA
“Jovem sonha
Jovem grita
Juventude apanha
Juventude palpita
Madames e serviçais
Patrões e empregados
Zangões e operários
Rainhas e vassalos
O mundo era assim
Seu suor caindo em mim
O mundo é assim
Meu sangue caindo, caindo,
caindo
O mundo fingindo que não
via
Um tiro em utopia.”
(um tiro; Geisla é
atingida no peito)
GEISLA
Um tiro em utopia. Pobre
morto é estatística.
(ela morre; black-out)
FIM DO 2º ATO
3º ATO
CENA 1
TODOS
“Se gritar pega ladrão
Não fica um, meu irmão
Se gritar pega ladrão
Não fica um.
Se gritar pega ladrão
Não fica um, meu irmão
Se gritar pega ladrão
Não fica um.”
(Dony está fumando um
cigarro encostado em um muro)
DONY
“Vai começar a revolução
Eu sou o cabeça, irmão
Vai começar a revolução
Eu sou o cabeça
Vai começar a revolução
Eu sou o cabeça, irmão
Vai começar a revolução
Eu sou o cabeça.”
RIHANA
Ele é tão lindo. Adoro
barbudos.
IVETE
Tem pobre que demonstra
intelectualidade, não tem? Esse é um desses. Eu dava.
RIHANA
Dizem que ele é professor
de filosofia, é verdade?
IVETE
Maconheiro.
RIHANA
É gay?
IVETE
Bissexual.
RIHANA
Tão moderno, tão culto.
IVETE
Tenho um pouco de inveja
dessa liberdade de pensamento.
RIHANA
Pena que não é rico.
IVETE
Diz que ele é o cabeça dos
movimentos sociais modernos?
RIHANA
Sério? Quanta perda de
tempo. Tão jovem, tão bonito.
IVETE
Diz que morre cedo também.
RIHANA
Que pena.
(Nosferatu entra correndo)
NOSFERATU
Senhor! Senhor!
DONY
E aí? Conseguiu?
NOSFERATU
Pode ser que sim, pode ser
que não.
DONY
Como assim, Doutor?
Conseguiu ou não?
NOSFERATU
Eu não tenho um
posicionamento político, meu querido. Quem vier com o dinheiro primeiro, eu tô
aceitando. Essa burguesia é a que mais tem dinheiro e também a que mais dá
calote. Eu tô de saco cheio de ser passado de idiota.
DONY
Dinheiro não vai ser mais
problema pra ninguém, Doutor. Quero saber se vai funcionar.
NOSFERATU
Vai. Pros dois lados.
DONY
Mas o combinado era que
você fizesse primeiro a nossa parte. Depois você podia fazer o que bem quisesse
com os filhos da puta.
NOSFERATU
Vai ser isso. Vai ser
isso. Mas eu preciso do dinheiro primeiro.
DONY
O dinheiro está aqui. (ele
entrega uma maleta para Nosferatu)
NOSFERATU
Ótimo. Eles já têm a
cobaia, querido. Dona Andréia me enganou e infelizmente eu já fiz o trabalho
deles. E vocês?
DONY
Estamos caçando ainda. Eu
queria fazer algo às escondidas, entende?
NOSFERATU
Você quer criar um monstro
silencioso, é isso?
DONY
Algo que esteja próximo
deles. Quem é a cobaia deles?
NOSFERATU
Um playboyzinho. Um tal de
Robson, um frequentador de raves.
DONY
Um playboyzinho vai
encabeçar o golpe? (gargalha) Estamos feitos.
NOSFERATU
Não tenha tanta certeza,
Dony. Playboyzinhos possuem auto estima e segurança pessoal. Isso é o
suficiente pra se conseguir vencer uma guerra.
DONY
Nós temos a dor, Doutor.
Nós temos a dor.
NOSFERATU
Como foi que conseguiram o
dinheiro?
DONY
Roubo, óbvio. Temos um
infiltrado do lado de lá.
NOSFERATU
Tem vinte e mil aqui?
DONY
Tem sim. Pode contar se
você quiser.
NOSFERATU
A filha da puta da Andréia
me deu um calote. O Super Impitman veio de graça.
DONY
É isso que dá confiar na
burguesia, meu lindo. Conosco, o bagulho é sério e com ética.
NOSFERATU
Tô vendo. E quem vai ser?
(Jorge entra tirando sua
camisa de segurança e mostrando uma camiseta vermelha)
NOSFERATU
Jorge!
DONY
Um infiltrado. Nada melhor
do que alguém que conhece bem o lado de lá.
NOSFERATU
Vocês são bem filhos da
puta, hein. Parabéns.
JORGE
Eu nasci e fui criado na
rua. Ninguém merece trabalhar a vida inteira pra ganhar mil reais por mês e ser
tratado que nem camelo. A hora é agora.
NOSFERATU
Só um minutinho. (ele sai)
DONY
Seu trabalho será acabar
com todos os milhões, Jorge. Ninguém mais deve ter o direito de ter mais do que
o outro, entendeu? Nem sua madame, nem ninguém.
JORGE
Minha madame só tinha
aqueles vinte e mil.
DONY
E é o que está pagando
esse serviço. Você deve manter as aparências, meu querido. Não deixe ninguém
saber do nosso plano. Quando for a hora certa, ambos sairemos do armário.
(os dois se beijam romanticamente;
Nosferatu retorna com a máquina)
NOSFERATU
Hum. Vocês são gays, é?
DONY
Gays, maconheiros, abortistas
e satânicos. Toda a escória possível e de propósito. Pra chocar a sociedade.
JORGE
Eles vão ter de nos
engolir.
NOSFERATU
Se vocês estão dizendo...
(Jorge entra na máquina e
Nosferatu aperta o botão)
TODOS
“Madames e serviçais
Patrões e empregados
Zangões e operários
Rainhas e vassalos
Comuna Monstro
Monstro comunista
O povo pelo povo
Direitos trabalhistas
Um manifesto
E os dez mandamentos
Jesus socialista
Jesus socialista”
(luzes de polícia; os Cops
entram e fazem o terror)
COPS
Ditadura militar!
Ditadura militar!
Ordem e direta já!
Ordem e direta já!
Pobre não vai se safar!
Pobre não vai se safar!
Manda quem sabe atirar!
Manda quem sabe atirar!
Fogo!
(black-out)
CENA 2
(Lucéia e Andréia fazem um
dueto)
LUCÉIA E ANDRÉIA
“Jovem sonha
Jovem grita
Juventude apanha
Juventude palpita
Madames e serviçais
Patrões e empregados
Zangões e operários
Rainhas e vassalos
O mundo era assim
Seu suor caindo em mim
O mundo é assim
Meu sangue caindo, caindo,
caindo
O mundo fingindo que não
via
Um tiro em utopia.”
ANDRÉIA
Vocês não vão vencer.
LUCÉIA
Vocês vão perder.
ANDRÉIA
Nós temos os militares.
LUCÉIA
Nós temos a dor.
ANDRÉIA
Nós temos os matemáticos e
os fortes.
LUCÉIA
Nós temos os intelectuais
e os artistas.
ANDRÉIA
Nós temos a constituição.
LUCÉIA
Nós temos um monstro à
solta.
ANDRÉIA
Nós temos um golpe em
andamento.
LUCÉIA
Nós temos a defesa na
presidência.
ANDRÉIA
Você está errada, minha
querida. Sua querida presidenta já trabalha para nós. Ela se vendeu para o
capital e todo aquele discurso se desfez como água.
LUCÉIA
Arrisco em acreditar que
ela não tomou cacete da polícia por um egoísmo financeiro próprio.
ANDRÉIA
Ingênua. O poder muda a
cabeça das pessoas.
LUCÉIA
Meu pré julgamento me
afirma isso. Ainda acredito na boa fé.
ANDRÉIA
Vocês vão perder.
LUCÉIA
Vocês não vão ganhar mais.
ANDRÉIA
O que é que vocês querem,
afinal? Vocês querem transformar o mundo numa putaria sem limites, é isso?
LUCÉIA
Ao menos que seja uma
putaria em que todos participem e não só alguns.
ANDRÉIA
Isso não é possível, minha
querida. Para uns comerem, outros tem que dar.
LUCÉIA
Mas que sejam passivos
conscientes, ao menos.
ANDRÉIA
Isso jamais será possível.
LUCÉIA
Veremos.
ANDRÉIA
Jorge, dê um murro nela
por mim. Jorge? Cadê aquele filho da puta?
LUCÉIA
Acabou, Dona Andréia. Seu
posto de rainha já era.
ANDRÉIA
Vou me mudar pra Miami,
queridinha. Veremos quem vai rir por último.
LUCÉIA
Você não tem mais
dinheiro. Você está quebrada.
(Andréia surge com uma
mala)
ANDRÉIA
Aí é que você se engana,
meu amor. Eu tenho todas as minhas economias bem aqui.
(ela abre a mala e só tem
papel dentro)
ANDRÉIA
O que é isso? O que é
isso?
LUCÉIA
Sabe quem pagou pelo
Comuna Monster, Dona Andréia?
ANDRÉIA
O que?
LUCÉIA
Exatamente.
ANDRÉIA
Jorge.
LUCÉIA
Eu ainda acredito na boa
fé das pessoas.
(um urro monstruoso invade
a cena)
ANDRÉIA
Não pode ser!
LUCÉIA
Decore o meu nome,
querida! Você vai me ver nos livros de história! Até mais ver!
(Lucéia sai correndo; o
monstro está próximo)
ANDRÉIA
Jorge, seu filho de uma
puta! Que camiseta vermelha é essa, seu brutamontes? Você era um rapaz tão
bonito, tão promissor. Mas foi infectado. O que você espera com tudo isso,
Jorge? Você quer escravos? Você quer tomar nosso lugar, Jorge? Você sempre quis
isso, não é mesmo? Você sempre teve inveja, não teve, Jorge? Desista, Jorge!
Desista! Quando o espetacular Super Impitman chegar você não terá chances.
Estamos defendidos pela constituição e pelos Estados Unidos. Não existe
juventude revoltada que consiga combater a ordem e o progresso, Jorge. E não há
ordem e progresso sem economia estável e o pobre no seu devido lugar.
(Rihana e Ivete entram
torradas, aos prantos)
RIHANA
Acabou! Acabou! Eu me
rendo!
IVETE
Eu entrego o meu milhão! Eu
entrego o meu milhão!
RIHANA
Eu não quero mais ser
madame! Eu quero ser da rua!
IVETE
Eu quero vida boa para
todos!
AS DUAS
Por igual! Vida boa para
todos por igual!
(as duas caem mortas)
ANDRÉIA
Super Impitman, onde está
você?
(Ronald entra)
ANDRÉIA
Ronaldo! Ronaldo! Venha aqui! Eu preciso de um empréstimo! Urgentemente!
Ronaldo! Ronaldo! Venha aqui! Eu preciso de um empréstimo! Urgentemente!
RONALD
É Ronald.
ANDRÉIA
Ronald! Me desculpe. Por
favor, eu preciso de um empréstimo urgentemente.
RONALD
Eu sou só um bancário. Eu
só recebo ordens, dona. Você está quebrada, está sem créditos. A crise mudou
tudo.
ANDRÉIA
Você disse que não tinha
crise nenhuma, Ronald.
RONALD
Antes não tinha mesmo.
Agora tem. Ninguém mais tem direito a ter mais que o outro. Agora estamos no
mesmo patamar, Dona.
ANDRÉIA
Não! Não no mesmo patamar
que um mero funcionário de banco! Isso não! Tudo menos isso!
RONALD
Era disso que eu mais
precisava nessa vida, Dona. Justiça. (pausa) Jorge?
(Jorge entra soltando
fumaça pelas ventas, escondendo uma roupa vermelha)
ANDRÉIA
Jorge, seu filho da mãe! Não
adianta tentar se esconder! Todos sabemos que você é o monstro comunista,
Jorge! Esse seu disfarce de trabalhador registrado... filho da puta!
RONALD
Dê um murro nela por mim,
Jorge.
JORGE
Com muito prazer.
ANDRÉIA
Não!
RONALD
Espere! Isso precisa de
uma devida plateia.
(todos os personagens
entram e se arrumam em cadeiras enfileiradas para assistirem Andréia apanhar;
eles comentam entre si com bastante naturalidade)
ANDRÉIA
Mas isso é um absurdo! O
socialismo prega compaixão! Violência não faz parte dessa ideologia que vocês
pregam, seus desgraçados! De que adianta ser comunista se vocês vão me
massacrar por discordar?
GEISLA
Ninguém aqui é Jesus
Cristo, minha senhora.
BIRÚ
Nós também temos instinto
de vingança.
LUCÉIA
O que é justo é justo.
RONALD
Agora sim, Jorge.
ANDRÉIA
Não!
(uma música grandiosa
introduz Robson vestido de Super Impitman)
ANDRÉIA
Finalmente! Meu herói!
IVETE
Será um pássaro? Será um
avião?
RIHANA
Não! É o Espetacular Super
Impitman!
(Jorge retira seu disfarce
e os dois, Super Impitman e Comuna Monster, se encaram num início de duelo
clássico; grande tensão e expectativa)
ANDRÉIA
Acabe com ele, Super
Impitman! Acabe com essa baixaria esquerdista de viado!
(silêncio)
SUPER IMPITMAN
Jorge?
COMUNA MONSTER
Robson, seu filho da puta!
(eles se abraçam no
centro)
SUPER IMPITMAN
Caralho, velho! Quanto
tempo, seu corno!
COMUNA MONSTER
Moleque desgraçado! Você
tá envolvido nessa porcaria também, é?
SUPER IMPITMAN
Me obrigaram, cara. É que
eu curto tomar uns doces, você sabe, né?
COMUNA MONSTER
Tô ligado. Chegou remessa
nova. Vai querer?
SUPER IMPITMAN
Tem aí?
COMUNA MONSTER
Tem sim. Tá da hora, hein.
SUPER IMPITMAN
Me vê uma cartela, então.
ANDRÉIA
O que é isso? O que tá
acontecendo aqui?
SUPER IMPITMAN
Eu conheci o Jorge numa
dessas raves.
COMUNA MONSTER
Sempre fiz serviço de
segurança pra playboyzada. Aí como a gente veio de um rolê monstro, eu sempre
descolava umas droguinhas pros caras.
SUPER IMPITMAN
Esse cara é um cara
firmeza. Jorge, parceirão.
COMUNA MONSTER
Robson, moleque firmeza.
ANDRÉIA
Mas e a revolução, Robson?
Você tem que destruir a presidenta! Você tem que salvar os nossos filhos!
SUPER IMPITMAN
Ixi, Dona. Eu só curto
curtir essa vida. Daqui a pouco a gente morre e não vai dar tempo de fazer nada.
O tédio é um bagulho que invadiu a minha cabeça jovem, sabe como é, né?
COMUNA MONSTER
Tem doce pra todo mundo! E
por conta da casa!
TODOS
“Se gritar pega ladrão
Não fica um, meu irmão
Se gritar pega ladrão
Não fica um.
Pra fazer revolução
Vamo usar droga, irmão
Pra fazer revolução
Vamo usar droga
Pra fazer revolução
Vamo usar droga, irmão
Pra fazer revolução
Vamo usar droga.”
(black-out)
FIM