AS COISAS VÊM LÁ DE FORA


AS COISAS VÊM LÁ DE FORA
Texto de Gabriel Tonin

MONÓLOGO FEITO PARA SER FILMADO DURANTE O ISOLAMENTO SOCIAL.

CENA ÚNICA

GUMERCINDO
Oi, gente! Meu nome é Gumercindo Borges Ferreira da Silva Silveira Prado Machado e eu estou aqui pra provar pra vocês um evento científico sobrenatural! Ali, naquela janela, estão vendo essa janela?   Essa janela grandona e esse apanhador de sonhos gigante? Estão vendo? Eu só posso deixar essa janela aberta se eu estiver aqui no quarto. Tem muita coisa lá fora querendo entrar aqui, não posso dar uma bobeira que criaturas de todos os tipos querem fazer parte desse peça, desse vídeo. Vejam bem, no começo eu estava desacreditado de tudo isso, eu não acreditava em monstros e fantasia e toda essa bobagem. Até que eu decidi filmar. E com esse isolamento, trancado dentro de casa, agora eu posso provar pra todo mundo que sim, o mal está lá fora querendo entrar quando a gente menos espera e quando a gente não está olhando. Mas tem um segredo que eles não sabem! Eles nem sabem que a gente já tem várias tecnologias de edição de vídeo e câmeras até nos nossos celulares! E agora finalmente eu posso provar! É o seguinte, eu preciso sair do meu quarto e deixar a janela aberta. É certeiro, é só eu sair do quarto com a janela aberta que esses monstros logo vem encher a paciência. Duvidam? Então eu vou dar um gostinho pra vocês verem que eu não tô brincando. Eu vou ali até o banheiro, prestem muita atenção na janela que as coisas aparecem e ainda querem entrar, vocês acreditam nisso? Tem até um clone meu de realidades paralelas andando por aí, querendo entrar na casa das pessoas. E também tem... o capiroto em carne e osso! Ai, credo em cruz! E mais um montão de coisas que o ser humano ainda nem descobriu, pairando no ar, esperando uma conexão como essa. Há mais mistérios entre o céu e a Terra do que podemos imaginar. Preparados? Eu só vou até o banheiro, não posso ficar muito tempo longe se não logo eles já querem entrar. Não se preocupem, eles não podem atravessar através do vídeo. Não que eu saiba. (ELE DESAPARECE DO VÍDEO)

(NA JANELA, UMA BORBOLETA APARECE; GUMERCINDO VOLTA CORRENDO; A BORBOLETA FOGE)

GUMERCINDO
Vocês viram? Filmou? Filmou? Tava focando direito? Era uma fada não era? Espera que eu vou ver o vídeo. (UM CORTE BRUSCO; A IMAGEM DA BORBOLETA PASSA DE NOVO) Ah, era uma borboleta ou... um boneco de borboleta. Mas calma, eu juro que eu não sou maluco! É verdade! Eu já vi um duende, o saci-pererê, um bandido, um vírus super maligno, um clone meu de outra realidade, um fantasma de lençol todo colorido e até mesmo o capiroto em pessoa! Vamo fazer outra tentativa, vou ali só tomar uma água. Um segundo.

(GUMERCINDO DESAPARECE; A BORBOLETA NOVAMENTE POUSA NA JANELA; GUMERCINDO VOLTA CORRENDO; A BORBOLETA FOGE)

GUMERCINDO
O que era? O que era? O que filmou?

(GUMERCINDO VAI OLHAR O VÍDEO DE NOVO E VEMOS NOVAMENTE A BORBOLETA)

GUMERCINDO
Tá de sacanagem comigo? Essa borboleta é de mentira, dá pra ver! Tem alguém querendo fazer um teatro comigo! (GRITA NA JANELA) Qual é? Aparece, borboleta misteriosa! Eu vi a sua mão, rapaz! Aparece! (GUMERCINDO VOLTA PARA A CÂMERA) Vamo tentar de novo, vou dar um pouco mais de tempo dessa vez, tá bom?

(GUMERCINDO DESAPARECE; SILÊNCIO; TENSÃO E EXPECTATIVA NA JANELA; DE REPENTE, UM FANTASMA DE LENÇOL TODO COLORIDO APARECE E TENTA ENTRAR; GUMERCINDO VOLTA CORRENDO E O FANTASMA FOGE)

GUMERCINDO
Agora sim! Agora sim! Era o fantasma colorido, não era? Eu vi! Filmou, não filmou? Tava focando direito? Vamo ver se ele volta.

(GUMERCINDO DESAPARECE; REPENTINAMENTE O PRÓPRIO GUMERCINDO APARECE ESPIANDO NA JANELA; ELE ESTÁ COM ÓCULOS E OUTRA ROUPA; GUMERCINDO VERDADEIRO VOLTA CORRENDO, O CLONE FOGE)

GUMERCINDO
Era ele! Era ele! Era o meu clone! Existem diversas realidades paralelas e esse daí é uma outra versão de mim que usa óculos! (NA JANELA) Ei, eu tô vendo você aí atrás do carro. Pode sair. Chega aí. Você é um clone meu ou uma versão de outra realidade paralela?

VOZ
Eu sou seu irmão gêmeo.

GUMERCINDO
Oi? O que você disse?

VOZ
Eu sou seu irmão gêmeo. Mas... eu tenho medo desse reencontro! (CORRE)

GUMERCINDO
Espera! Volta! Espera um pouco! (ELE VOLTA ATÉ A CÂMERA) Puxa vida, isso teve um desenlace de novela. Meu irmão gêmeo? (GUMERCINDO SAI CORRENDO E TELEFONA FORA DE CENA) Mãe... tá, tá tudo bem sim... viu... me diz uma coisa. Eu tenho um irmão gêmeo?

(O CAPETA APARECE NA JANELA GRANDIOSAMENTE)

GUMERCINDO
(FORA) Não, porque veio um cara aqui que se parece comigo e falou que é meu irmão gêmeo. Tá até filmado...

(O CAPETA ENTRA E XERETA AS COISAS DO QUARTO)

GUMERCINDO
(FORA) ... mãe, a senhora não minta pra mim, hein? Espera um pouco. (ELE ESPIA DENTRO DO QUARTO SEM APARECER) Ai, meu santo deus, é o capiroto no meu quarto!

(O CAPETA PULA A JANELA CORRENDO; GUMERCINDO RETORNA NO VÍDEO)

GUMERCINDO
Era o capiroto! Era o capiroto! Vocês viram! Eu sabia! Eu comprovei as coisas sobrenaturais em vídeo! Vocês viram? Essa eu quero ver de novo. (UM CORTE E VEMOS O CAPETA ENTRANDO NA JANELA; GUMERCINDO PAUSA O VÍDEO NUMA CENA EM SUSPENSE; GUMERCINDO VOLTA PARA O VÍDEO AO VIVO) Está provado! As coisas dos outros mundos, as microcivilizações, as macrocivilizações, elas todas são reais. Só precisa de um artista, uma janela bonita e uma boa de uma edição de vídeo.

(O CELULAR DELE TOCA FORA; ELE SAI ATENDER)

GUMERCINDO
Ai, deve ser a minha mãe de novo...

(UM VIOLÃO É COLOCADO EM CIMA DA JANELA; UM HOMEM ENCAPUZADO TENTA ENTRAR EM SEGUIDA; GUMERCINDO VOLTA ATENDENDO O CELULAR)

GUMERCINDO
Fala, mãe... Ai, meu deus do céu! Outro artista, com um violão! (O HOMEM SAI CORRENDO E DEIXA O VIOLÃO) Espera um pouco na linha mãe. (GUMERCINDO APARECE NO VÍDEO) Ei, você! Moço! Seu violão! Você esqueceu seu violão! (VOLTA PARA A CÂMERA) Será que era um bandido? Será que era um artista? Será que era um bandido artista? Nunca saberemos. Mas ele deixou o violão dele aqui. Tomara que ele fosse um bandido porque se ele era um artista, ele largou seu instrumento de trabalho aqui. E eu... nem sou muito bom com violão. Mas eu gosto de música, de música eu gosto.

(GUMERCINDO VAI ATÉ A JANELA; OLHA PARA OS LADOS E A FECHA)

GUMERCINDO
Acho que nos arriscamos demais por hoje, não é verdade? Tem tanta coisa lá fora. Eu ao mesmo tempo fico morrendo de medo, e também... morrendo de curiosidade! (NO CELULAR) Oi, mãe, desculpa, eu tô fazendo uma peça de teatro no vídeo aqui. Depois eu ligo pra senhora. Beijos! (ELE SE APROXIMA DA CÂMERA) Pois bem. Eu gosto de fazer paródias sérias.

(ELE PEGA O VIOLÃO E FINALIZA)

GUMERCINDO
Já faz tempo que eu estou
Só lamento quem começou
Só já, o isolamento agora
Já faz ano, complicou
Um problema se alastrou aqui
Você pode ouvir

E desde que o doutor falou que deus me curou
A minha vida inteira que mudou
E a minha carreira
E já faz muito tempo que esse isolamento
Foi o que me restou
O que sobrou
Cantar pra penteadeira

E eu digo:
Tá tudo bem
Tá tudo bem
Tá tudo muito bem

(GUMERCINDO DESLIGA A CÂMERA)

FIM






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