O PROCESSO DA MORTE


O PROCESSO DA MORTE
Texto de Gabriel Tonin

PERSONAGENS:
Morte
Psicólogo
Advogado
Promotor
Deuses (coro)
Vida
Narrador
Coro


CENA 1

NARRADOR
A morte então vagava pelo teatro, astuta, performática, artista, dolorosa. Ouvia cada coração batendo nesse espaço/tempo. Sentia cada angústia e cada medo como se fosse seu.

MORTE
É como se a vossa dor fosse minha.

NARRADOR
E ela então se cansou da velha fama e função e decidiu começar uma nova carreira!

(UM FOCO DESTACA A MORTE EM UM SHOW)

MORTE
Estive aqui
Depois ali
E o tempo se passou
Já era hora de se mexer
A morte amarelou

Cansei do sangue
Da sua avó
E aquele amigo que se matou
Porque a escolha de morrer ou de viver
Não quero mais não, senhor

Cancela o trabalho
Eu quero revolução
Não vou ficar tomando a dor, mas que caralho!
Agora o tempo parou
Agora o tempo parou
Agora o tempo parou

(O PSICÓLOGO ENTRA)

PSICÓLOGO
Fui enviado pra ajudar, Sra. Morte. Na hierarquia das leis da natureza temos diversas ajudas, em todo canto, basta precisar.

MORTE
Me desculpe, eu não quero conversar com você. Eu tomei uma decisão e eu não vou voltar atrás.

PSICÓLOGO
Não é assim que as coisas funcionam na vida real. Não tem pra onde você ir, essa é a realidade, o funcionamento, as missões individuais. Você não tem essa segunda opção, porque ela não faz sentido.

MORTE
Mas eu vou fazer sentido. É exatamente sobre sentido, que eu tô fazendo isso.

PSICÓLOGO
Vamos conversar. Sente-se aqui comigo.

MORTE
Você não vai me convencer. Deus não vai me convencer com um psicólogo barato. Já está feito.

(SILÊNCIO)

MORTE
Não vai dizer mais nada?

PSICÓLOGO
Ué, não era a eternidade que você queria? A eternidade é essa.

MORTE
Ora, meu filho, a eternidade eu sempre tive. Eu sou a morte. Eu sempre carreguei a eternidade nas costas!

PSICÓLOGO
Sua função.

MORTE
E quem deu essa função pra mim? Eu não quero! Eu não quero mais! Parou, acabou. Agora eu vou fazer musical, vou ter meu próprio show. Cantar. É o que eu sempre quis fazer...

PSICÓLOGO
E você não pode cantar enquanto estiver... é...

MORTE
Enquanto estiver o quê? Decepando uma criança num acidente de carro, criando um câncer na cabeça de uma mãe? Você quer que eu cante enquanto eu esmago o coração numa parada cardíaca de todo dia?

PSICÓLOGO
Você tem feito isso há bilhões de anos.

MORTE
Pois é exatamente isso! É exatamente isso, meu filho. Bilhões e bilhões de anos de sangue e sofrimento e dor!

PSICÓLOGO
Dando sentido à vida.

MORTE
Ah!

PSICÓLOGO
A sua função, Sra. Morte, é o que dá sentido à vida. Sem você, a vida vai virar um looping sem fim, e então...

MORTE
O tempo para. Sim, eu sei.

PSICÓLOGO
O tempo para.

(SILÊNCIO)

MORTE
Ué, nunca aconteceu antes, vamo experimentar, ué.

PSICÓLOGO
Eu digo que venho te ajudar, como amigo, porque as leis da natureza me mandam fazer isso, é a minha função no sistema.

MORTE
Tá.

PSICÓLOGO
E isso acontece, a minha função é ativada na sua história, quando algum tipo de problema está pra se aproximar. Consegue me entender?

MORTE
Isso é uma ameaça?

PSICÓLOGO
É claro que uma ameaça, Sra. Morte. Você acha que Deus vai deixar o seu plano de nunca mais matar ninguém acontecer? Você está mexendo com gente grande na hierarquia, Sra. Morte, está mexendo com o topo do sistema. Isso seria um colapso no universo, você nunca terá sucesso nessa decisão.

MORTE
Meu bem, eu não posso ser substituída, você sabe, funções eternas. Eu também tenho poder aqui.

PSICÓLOGO
A Sra. está avisada. Você não é um deus, lembre-se disso.

MORTE
Manda um abraço pra quem te enviou.

(O PSICÓLOGO SAI; A MORTE SE JOGA NUM MUSICAL GRANDIOSO, COM CORO E BAILARINOS)

MORTE
Oh, meu senhor, me dê uma mão
Nós vamos aceitar

CORO
Quem vai matar o seu irmão
Essa missão tem que abortar

MORTE
E pode ser que eu dê um capote
Que no final vou me dar mal
Mas eu tô aqui confiando na sorte
Nunca senti nada igual!

CORO
Por enquanto, eu digo que não sei...

MORTE
Nunca mais eu vou
Matar alguém!

CORO
Olha, garota, todo mundo tem a sua função...

MORTE
Função de merda
Eu sou horrível
Eu mato as pessoas
Inadimissível

Eu não quero ser do mal
Quero andar com gente legal...

CORO
Ela acha que alguém vai querer andar com a morte. Todo mundo foge da morte.

CORO
É verdade.

CORO
Credo. Comigo não vai andar não.

CORO
Nem comigo.

MORTE
Eu vou me embora desse universo, eu vou me aposentar!

CORO
Cuidar dessa criança eu não irei.

MORTE
Nunca mais eu vou
Matar alguém!
Nunca mais eu vou
Matar alguém!

MORTE E CORO
Nunca mais eu vooou...
Matar alguém!

(INVASÃO POLICIAL DRAMÁTICA ACABA COM O SHOW; ESCURIDÃO)


CENA 2

(A MORTE ESTÁ PRESA NUMA SALA DE DEPOIMENTO; O ADVOGADO ENTRA)

MORTE
Pode me dizer por que me prenderam? Eu sou uma artista! Vocês não podem fazer isso!

ADVOGADO
Sra. Morte, a sua decisão de parar de matar as coisas criou um caos no universo. Você achava mesmo que não ia ter confronto com as suas ações? Fui enviado pra defender a Sra. e pra explicar os seus direitos e funções.

MORTE
Funções, funções! Merda de funções!

ADVOGADO
Não fui eu que criei o sistema, não brigue comigo. Eu estou aqui pra te ajudar.

MORTE
Não, você está aqui pra me convencer a voltar atrás.

ADVOGADO
As leis da justiça universal me colocam à disposição sempre que necessário.

MORTE
Você é o que? Meu advogado?

ADVOGADO
Sim, sou seu advogado.

MORTE
Então você tem que me defender, lutar pela minha versão dos fatos.

ADVOGADO
Eu trabalho pela justiça universal, pelo equilíbrio. Eu não tenho essa escolha. Nós vamos falar sobre acordo.

MORTE
Deus deu o livre arbítrio pra todos esses seres de carne e osso! Mas pra nós, fez mistério. Fez regra e colocou ordem.

ADVOGADO
Você gostando ou não das leis da natureza, esse é o formato. Você precisa aceitar esse acordo, Sra. Morte. Não existe outro formato.

MORTE
Não existia até agora. Sem mim, os humanos viverão a eternidade e aí eles vão saber como nós vivemos, como é ser eterno!

ADVOGADO
Sem você a vida não pode evoluir. Sem você não há a necessidade de contestar a existência. Não há filosofia na eternidade, porque não há evolução. Se a célula do corpo não morresse pra ser substituída, um corpo nunca chegaria a ser um corpo. O universo voltará a ser apenas uma onda estática, um flash exato do mesmo segundo todos os dias. Você não está ajudando a vida, Sra. Morte, você está destruindo a vida.

MORTE
Que medo gigante esse do sistema de mudar as coisas um pouco, gente? Vamo experimentar uma nova forma! O que que tem nisso? Eu tomei o direito de livre arbítrio na rebeldia.

ADVOGADO
Você não é uma pessoa.

MORTE
E daí? Eu penso, eu tô aqui. E daí?

ADVOGADO
Você não é deus também, Sra. Morte.

MORTE
Mande um beijo pra quem te enviou.

(SILÊNCIO)

ADVOGADO
Bem, preciso te apresentar um acordo.

MORTE
Não vou aceitar.

ADVOGADO
Foi autorizado que esse seu experimento artístico/existencialista poderá estar vigente por treze mil anos. Depois disso a Sra. deverá retornar às funções. É basicamente um tempo de férias, Sra. Morte. Você devia aceitar.

MORTE
(RI) Ai, ai, que engraçado. Se o tempo vai parar, como saberemos como contar treze mil anos?

ADVOGADO
Eu...

MORTE
Veja, queridão, treze mil anos não é nada. Treze mil anos... você está me oferecendo um granulado e me tirando uma festa de brigadeiros! Escute, você já está sentindo o tempo parando também? Eu tô sentindo. A estática não acontece de um dia pro outro. É lento, vai demorar séculos, milênios, até o tempo parar de vez pela falta que a Sra. Morte aqui faz.

ADVOGADO
Nós vamos perder o caso.

MORTE
E o que de pior poderia acontecer? Eu já vi tudo de ruim que existe nesse sistema, Sr. Advogado.

ADVOGADO
Se você acha...

MORTE
Isso é uma ameaça?

ADVOGADO
É claro que é uma ameaça, Sra. Morte. Mas repare como o sistema tenta o diálogo primeiro. A gente conversa pra resolver as coisas. O sistema vai usar todas as armas possíveis pra retomar o equilíbrio e tem uma hora que o diálogo acaba.

MORTE
Ui, ui, ui! Olha só essa violência descarada!

ADVOGADO
Não fui eu que criei as regras.

MORTE
Não fui eu também e eu odeio as regras!

ADVOGADO
Eu não odeio. Você vai afetar à todos nós. Com sua licença. (SAI)

MORTE
(REFLETE IRRITADA) “Você-vai-afetar-à-todos-nós”. E vocês acham que eu tô ligando? Eu tô cagando pra vocês! Ouviram? Eu não vou mais voltar a ser quem eu era, porque a minha eu de hoje não mata, não consegue matar. Minha função me deixou traumatizada, tá bom? Ver toda essa desgraça e sofrimento e sangue e cabeças de criancinhas decepadas. Não! Chega! Acabou! O tempo vai parar e pronto e acabou!

NARRADOR
E então a Morte esperou séculos pela conclusão do seu processo, até que a data do seu julgamento foi marcada.

(A MORTE CANTA UM SOLO GRANDIOSO)

MORTE
Quero dizer que você me engoliu
No momento da sua chegada
E eu quis falar, mas você não me ouviu
Uma vida desregrada

Não vá, não siga esse caminho
Cê pode morrer
Com câncer ou infartada

Ai, desgraçada!
A morte não tem culpa
Porque ela é toda sua
E no fim
Ela vem de graça

Eu não quero mais saber
Mais algum tempo você vai ver
Não adianta me prender porque eu não vou matar ninguém
E ninguém mais vai morrer...

Ai, desgraçada!
A morte não tem culpa
Porque ela é toda sua
E no fim
Ela vem de graça
E no fim
Ela vem de graça
De graça!


CENA 3

(MONTA-SE UM JULGAMENTO)

DEUSES
Silêncio, silêncio, silêncio! Começa agora o processo envolvendo a morte.

(TODOS GRITAM DE PAVOR E DESESPERO; UMA VISÃO DO INFERNO, NUM MOMENTO ESTRANHO E ÚNICO NO ESPETÁCULO; A CENA RETORNA COMO SE NADA TIVESSE ACONTECIDO)

PROMOTOR
Vejamos, deus, juíz. Estamos aqui com a réu, a Sra. Morte que tomou a decisão de não mais praticar a sua única função, matar a vida. Acho que não preciso falar mais nada, não é mesmo? Não preciso falar sobre o equilíbrio, não preciso falar sobre as leis naturais do universo, sobre as regras, tudo isso já foi dito, toda reflexão existencial já foi exposta. A Sra. Morte aqui presente está tendo há séculos a chance do debate, do diálogo, do acordo, porém se mantém na defensiva. Como todos sabemos o tempo ainda está passando, mas será por pouco tempo, e infelizmente estamos chegando no limite da diplomacia. Lentamente deixaremos de existir porque não mais notaremos a sensação do tempo. E parece que a Sra. Morte gosta dessa ideia, se diverte, não há remorso na sua decisão.

MORTE
Mas eu tenho remorso dos diversos assassinatos que cometi em nome de vossa senhoria, deus. Disso eu tenho muito remorso.

DEUSES
Uma constatação bastante interessante essa que a Sra. tem feito, Sra. Morte.

MORTE
Agradecida.

DEUSES
Ainda assim tenho orgulho da minha criação, mesmo com a rebeldia, mesmo com a possibilidade do fim.

MORTE
Quem diria que o fim seria sem morte, não é mesmo?

DEUSES
Realmente. Filosoficamente interessantíssimo e digno.

MORTE
Agradecida, meu bom deus, agora entendo a missão que me foi dada.

PROMOTOR
Porém, senhores, eu pergunto, onde está a razão existencial do fim desse sistema? Existe alguma razão realmente altruísta nessa ideia além de um ego inflado da morte?

MORTE
Ego inflado tem o seu pai, aquele pau murcho!

PROMOTOR
Olha a diplomacia!

MORTE
Infelizmente chegamos no limite, não é mesmo? Ou você acha que eu vou me defender jogando flores enquanto você cospe em mim?

PROMOTOR
Nós não somos o seu inimigo, Sra. Morte, nós estamos querendo salvar o universo.

MORTE
Vocês não são meus inimigos mesmo. Eu sou o inimigo de vocês! Buaa-há-há-há!

DEUSES
Você não é nossa inimiga, Sra. Morte. Nós gostamos muito da senhora. A senhora faz sentido na criação da vida. Nós queremos mais chances, Sra. Morte.

MORTE
Mais chances?

DEUSES
Mais chances de existência, de possibilidades da vida, de evolução. A transformação de uma célula aquática pra um mamífero bípede multicelular, que questiona a si mesmo. Estrelas que morrem e viram calçadas! Vamos dar mais chances, pra se existir mais coisa, pra existir mais tempo.

MORTE
Uma hora eu vou cansar. Uma hora eu cansei. Uma hora eu canso.

DEUSES
Eu entendo. Eu também sinto a sua dor. Eu também carrego a dor da minha criação.

MORTE
Por que diabos você foi criar a dor e o sofrimento, se sabe que é ruim?

DEUSES
Porque a criação se faz como tem que ser, não como eu quero que seja. Ela é, não tem um plano superior, ela simplesmente é o que é. Eu não tenho poder sobre o que a criação podia ter sido.

(SILÊNCIO; UM ECO ANGELICAL/DEMONÍACO PERCORRE O TEATRO)

DEUSES
O sistema natural da vida exige a existência da morte. Sem a morte, não há vida.

MORTE
Fico lisonjeada. E muito bonito o coro. Bem bonito.

PROMOTOR
Quero apresentar a minha testemunha no processo.

MORTE
Testemunha?

(UM FOCO INTRODUZ A VIDA; ELA CANTA)

VIDA
Algo mudou dentro de mim
Nada mais é igual
Eu tava vivendo tão feliz
Nem enxergava o mal

Mas sei o que ela reclama
Sei porque afetou em mim
Não sei se posso mais, senhora
Continuar a viver assim

O que eu vou fazer
Se ela não me ama?
O que eu vou fazer
Se ela me expulsa
Reconhecer
Que ela não me quer aqui
E mesmo que seja assim
Eu vim

Eu vim mostrar
Que ela não me quer aqui
E mesmo que seja assim
Que seja assim
Assim...
No fim.

MORTE
Vocês trouxeram o espírito da vida pra me confrontar artisticamente no meu musical, seus filhos da puta! O solo é meu, sua mocréia!

PROMOTOR
Eis o ego que vos falo, senhores.

MORTE
Eu não tenho ego nenhum, seu canalha! Eu só não quero mais carregar o peso da morte da vida das pessoas e das coisas.

VIDA
Mas eu estou aqui em carne e osso me declarando pra você que eu não vivo sem a sua dor? Eu não vivo sem o seu embate, sem o seu confronto. Eu não vivo sem você. Eu amo você, mais do que a mim mesma. Eu não vim te confrontar artisticamente, eu vim te pra tentar fazer você se apaixonar por mim, uma declaração de amor, uma serenata, já que eu sabia que você gostava de musicais.

MORTE
Ora, a paixão... a paixão já faz tempo que esfriou, Vida. Virou rotina já faz milhões e milhões de anos.

VIDA
Eu quero reascender ela, pra você.

(A VIDA TIRA A ROUPA, FICANDO COMPLETAMENTE NUA; A MORTE SE ENFEITIÇA COM O BRILHO E A BELEZA DA VIDA; A MORTE VOA HIPNOTIZADA ATÉ A VIDA E ELAS SE BEIJAM ROMANTICAMENTE; O CORO ECOA GRANDIOSAMENTE SEXUAL)

MORTE
Estive aqui
Depois ali
E o tempo quase parou
Já era hora de se mexer
A morte... se apaixonou

(AS DUAS SAEM APAIXONADAS, NUM FINAL FELIZ)

PROMOTOR
Deus, deusa, deuses e deusas, qual a lição que tomamos disso tudo?

DEUSES
O amor é a principal energia desse sistema. (MÚSICA ROMÂNTICA BREGA) Mas... elas não vão ficar juntas. O amor não precisa se roçar pela eternidade, o amor é.


CENA 4

(CONSULTÓRIO DE TERAPIA PARA CASAIS)

PSICÓLOGO
Deixa eu ver se eu entendi. Então vocês são o exato oposto, vocês se chocam o tempo inteiro, essa é a função de vocês. Você dá o sopro da vida e você chupa a vida pra morte.

VIDA E MORTE
Exatamente isso.

PSICÓLOGO
E mesmo assim o universo colocou vocês duas como um casal.

VIDA
É a regra do sistema.

MORTE
Não existe outro sistema, você sabe.

(SILÊNCIO)

PSICÓLOGO
Interessante. Curiosa brincadeira poética.

MORTE
Só que o nosso problema começou dessa vez, doutor, porque ela quer tomar o meu show. Ela não se contenta em fazer coro ou backing vocal nos meus musicais, ela quer ser a estrela, mesmo na peça com meu nome ela quer brilhar mais que eu. Veja todo esse glíter! Agora pouco a bonita precisou ficar pelada pra tomar a atenção de todo mundo.

VIDA
Foi assim que você se apaixonou de novo por mim, amiga.

MORTE
Isso é um abuso! Você sempre pega no meu ponto fraco! E além do mais, não é por minha causa que estamos aqui dessa vez, doutor. É ela, ela que quer causar agora!

(ESCURIDÃO RÁPIDA; A CENA SE TRANSFORMA NUM NOVO PROCESSO EM JUÍZO)

ADVOGADO
Vocês estão pedindo o divórcio novamente?

MORTE
Ela que está pedindo. Eu estou na defensiva porque é minha forma de lidar com a dor.

VIDA
Eu não quero mais esse sistema. Eu quero a vida eterna ou nada. Perceber que ela só está interessada na parte do meu brilho, fez eu tomar essa decisão. Não há amor eterno. Não há energia do amor no sofrimento. Ela coloca fim em mim, e mesmo eu achando que isso de alguma forma é bom pra mim, bom pra minha evolução, eu não quero, eu não aceito mais. Eu quero viver.

ADVOGADO
Já sabemos que se for viver eternamente o tempo uma hora vai parar. Lembra de todo esse processo, Espírito da Vida?

VIDA
Eu lembro.

MORTE
Ela lembra, ela lembra bem. A verdade é que ela quer uma peça musicada com o nome dela! Ego!

VIDA
Seu ego é muito maior que o meu! Você não tem moral pra falar do meu ego!

MORTE
Eu não estou tentando destruir algo que tem funcionado bem!

VIDA
Tem funcionado bem pra você, né? Você que me chupa! E quem eu chupo? Hein? Quem eu chupo?

MORTE
Oras, nem tudo é sobre sexo.

VIDA
E quando você estava descontente o que foi que você fez? Você também já fez isso, querida, você já se esqueceu? Você já passou por esse mesmo processo.

MORTE
O passado é o passado. Você é só invejosa mesmo, eu sabia.

ADVOGADO
Isso está parecendo uma novela boba.

VIDA
Isso não é uma novela. Isso é um musical. E agora a gente vai começar o processo da vida!

(UM MUSICAL GRANDIOSO COM CORO E BAILARINOS INVADE O ESPAÇO; ELES DANÇAM E ECOAM VOZES, PREMEDITANDO O ÍNICIO DE UM SOLO DA VIDA; TODOS COLOCAM A VIDA EM EVIDÊNCIA E QUANDO ELA VAI FINALMENTE CANTAR:)

MORTE
Não!

(UM TIRO; A VIDA CAI MORTA; ESCURIDÃO)


EPÍLOGO

NARRADOR
Com o fim da vida, a morte enlouqueceu na inutilidade da sua existência. E então treze milênios se passaram e o tempo finalmente parou. E assim o musical acabou sem conclusão argumentativa e sem necessidade de lógica. Obrigado à todos os presentes.

FIM





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