OS MONSTROS LÁ DE FORA

OS MONSTROS LÁ DE FORA
De Gabriel Tonin

PERSONAGENS:
MARI
DUENDE (BONECO)
MENINO (VOZ)
ASSALTANTE (BONECO)
FANTASMA (BONECO)
MULHER (VOZ)
ALIEN (BONECO)

CENÁRIO: UM QUARTO; OS BONECOS SEMPRE APARECEM PELO LADO DE FORA DE UMA JANELA.


CENA 1

(MARI ENTRA PELO MEIO DO PÚBLICO)

MARI
Vocês acabaram de ocupar um lugar sagrado. Aqui, nessa casa, os monstros lá de fora não conseguem entrar sem serem convidados. Elá está protegida e eu nunca os convido, a não ser os... monstros bons. Mas raramente, não se preocupem, não precisam ficar com medo. Eles sempre, toda vez querem entrar por aqui, e é algo que tem a ver com o material que foi feito a janela. Um tipo de madeira já extinta da face da Terra. Ela se transforma num portal para diversas criaturas e eu vou mostrar pra vocês agora!

(ELA ABRE A JANELA E TODOS OS PERSONAGENS ESTÃO EM CENA)

TODOS
Viemo aqui
Pra atasanar
Essa janela tem magia
Ou é só teatro
Isso é balbúrdia!
Ou coisa de menina.

(TODOS OS BONECOS DESAPARECEM E SOMENTE O DUENDE FICA)

DUENDE
Que deus me perdoe
Só quero roubar uma caneta
Convida, menina, me deixe entrar
Aí bem com vocês.

MARI
Nada disso! Da última vez você sumiu com uma caneta super cara.

DUENDE
Ué, você acha que a gente some com as canetas pra escrever? As canetas Bic a gente pega pra revender na feira. Merreca!

MARI
Não pode entrar, Duende. É só do lado de fora.

DUENDE
Se for pra ser do lado de fora, então eu vou embora.

MARI
Ué, a gente pode conversar pela janela.

DUENDE
Que desaforo. Não me convida pra entrar e quer que eu faça show. Cadê meu cachê?

MARI
Então vai embora.

DUENDE
(PAUSA) Ok, senhora diretora.

(O DUENDE SAI)

MARI
Ué, não é que ele foi mesmo. Bom, gente, desculpem o inconveniente, essas coisas acontecem...

MENINO (VOZ)
Ei, moça!

MARI
Oi! (PARA O PÚBLICO) Só um segundinho.

MENINO (VOZ)
Quer comprar uma trufa?

MARI
Ai, menino, eu tô sem minha carteira, tô no meio de uma apresentação. (PARA O PÚBLICO) Alguém quer comprar uma trufa do menino?

(IMPROVISAÇÃO COM A RESPOSTA DO PÚBLICO; SE HOUVER COMPRANTES, VENDE-SE TRUFAS REAIS PARA O PÚBLICO)

MENINO (VOZ)
Valeu, gente!

MARI
Imagina! Tchau! Vai com deus! (PARA O PÚBLICO) Acho essa a parte boa que aparece na janela. A gente quase nunca olha direito, na verdade...


CENA 2

(O ASSALTANTE APARECE COM UMA FACA)

ASSALTANTE
Mãos pra cima, todo mundo com as mãos pra cima!

MARI
Você não é bem vindo e você não está permitido de entrar aqui dentro.

ASSALTANTE
Ô, garota! Você não tá vendo que eu tô armado não? Eu posso jogar a faca daqui e eu sou bom de mira.

MARI
Essa janela é protegida. Você só vai conseguir fazer alguma coisa se eu te convidar. Lembra daquela coisa com vampiros? É quase a mesma coisa.

ASSALTANTE
Tá de ladainha! Todo mundo passa as bolsas e os celulares agora! Seus... imprestáveis!

MARI
Não! Ninguém vai dar nada. Eu sinto muito por você ter tido que escolher essa vida. Não sei como foi a sua vida, o que aconteceu pra você chegar nesse limite, eu não posso julgar. Mas essa casa está protegida.

ASSALTANTE
Que protegida que nada!

(O ASSALTANTE DESAPARECE DA JANELA E VAI TENTAR ENTRAR PELA PORTA DA RUA)

ASSALTANTE
(VOZ) Quando eu entrar aí vocês vão ver, hein?

(ELE COMEÇA A BATER NA PORTA, SEM SUCESSO)

MARI
Não se preocupem, pessoal. Esse lugar é um lugar especial! Nós estamos protegidos.

ASSALTANTE
(FICANDO CANSADO DE TENTAR ENTRAR) Quando... eu... entrar...

MARI
Você não vai conseguir.

(O ASSALTANTE SURGE NA JANELA ATERRORIZADOR)

ASSALTANTE
Então eu vou pular a janela!

(O ASSALTANTE VAI TENTAR ENTRAR E MARI DÁ UMA BOLSADA NA CABEÇA DELE)

MARI
Eu falei que aqui não. A gente tá no meio de uma apresentação. Respeita os artista! Nóis é tudo pobre, rapaz!

ASSALTANTE
(VOZ; DERROTADO) Eu voltarei! Eu voltarei!


CENA 3

MARI
Gente, desculpem por isso. Não só de magia vive o mundo. (ENQUANTO MARI FALA, A FANTASMA APARECE ESPIANDO NA JANELA) A gente na verdade tem mais é que se preocupar com nós mesmos, os vivos e seres humanos. Você viu? Um monstro humano.

FANTASMA
Você tem toda razão, menina.

MARI
(SE ASSUSTA) Ah! Jesus amado, que susto que você me deu.

FANTASMA
Me desculpe. Mas eu não sou Jesus não.

MARI
Ah, sim. Eu sei. Claro.

FANTASMA
Eu sou só mais uma alma perdida, sem saber como chegar.

MARI
Como chegar? Como chegar onde?

FANTASMA
Não sei também. É tudo muito confuso. Mas eu sinto... que isso tudo... é passageiro também.

MARI
Você eu deixaria entrar na minha casa. Está convidada. (PARA O PÚBLICO) Pode, né, gente? Ela não parece um fantasma do mal.

FANTASMA
Oh, mas que honra. Mas não posso. Estou de passagem... procurando.

MARI
Procurando? Procurando o quê?

FANTASMA
Não sei também.

MARI
Parece ser difícil ser um fantasma.

FANTASMA
Era mais difícil quando viva, disso não tenho dúvidas. Vejo que você está no meio de uma apresentação sobrenatural para essas pessoas aqui.

MARI
Pois é. É uma peça de teatro.

FANTASMA
Poderia me despedir cantando uma canção.

MARI
Sem dúvida nenhuma! Autorizadíssima!

(UM MICROFONE E LUZES DE SHOW A ENGRANDECE)

FANTASMA
Depois que vir
A sensação
Depois do final, escuridão
A coisa continua
De um jeito bem banal
Mas também é legal
Mas também é legal
Mas também é legal.

Adeus, cavalheiros, cavalheiras, e gente de outras orientações!

(A FANTASMA SAI VOANDO; O DUENDE SURGE DE REPENTE)

DUENDE
E agora?

MARI
E agora o quê?

DUENDE
Posso entrar?

MARI
Não, não vai entrar!

DUENDE
Só uma chave! Uma chave do carro de algum expectador!

MARI
Você tá louco! Você quer roubar um carro?

DUENDE
Então me dá uma caneta que eu vou embora.

MARI
Tá bom. A caneta é seu cachê.

(MARI DÁ UMA CANETA BONITA PRA ELE)

DUENDE
Que caneta mais linda! Eu amei! Obrigado, menina boazinha!

(O DUENDE DESAPARECE)


CENA 4

MARI
Gente, é sempre essa bagunça. O mundo é movimentado, ué.

MULHER (VOZ)
Ô, fia. Entrega a santinha pra sua vó, faz favor.

MARI
Ah, oi! Entrego sim. Dá aqui.

MULHER (VOZ)
Manda um beijo pra ela.

MARI
Vou mandar.

(MARI PEGA A SANTINHA E LEVA PRO CÔMODO AO LADO)

MARI
A minha vó acredita muito na história de Jesus, e eu também.

MULHER (VOZ)
Eu também!

MARI
Eu também acredito numa porção de histórias de seres magníficos e infinitos, muitos que morreram por nós também, assim como Jesus. É por isso que essa casa é protegida. Tem muito deus aqui, mesmo ele sendo um só!

(UMA NAVE ESPACIAL POUSA NA JANELA E O ALIEN SURGE)

MARI
Ai, meu deus, um ET!

ALIEN
Eu sou um Alien. Eu venho dos Estados Unidos, minha querida.

MARI
Ai, meu deus, um Alien!

ALIEN
Prazer. Soube desse portal aqui na Terra. Ele é feito de quê?

MARI
Não sei também. É de uma madeira que já foi extinta do planeta.

ALIEN
Sei do que está dizendo. O desmonte da cultura e a indiferença com a preservação ambiental.

MARI
Que?

ALIEN
Vamos deixar pra discutir política outro dia. Vocês humanos envergonham o universo infinito. Hoje eu vim pra minha parte do meu show.

MARI
Show? Vai cantar uma música também?

ALIEN
Melhor. Vim para bailar.

(O ALIEN BAILA ESQUISITO, MAS COM SERIEDADE; ELE FINALIZA UMA APRESENTAÇÃO DIGNA E AGRADECE)

MARI
Nossa, você é um grande bailarino, Sr. Alien.

ALIEN
Eu sei. Anos de pesquisa. Vocês humanos não sabem o que é arte de verdade.

MARI
Ah, a gente vai fazendo do nosso jeitinho...

ALIEN
Posso entrar?

(SILÊNCIO)

MARI
Desculpe... mas... achei você meio grosseiro. Mas ainda assim é um grande bailarino!

ALIEN
Não vai me convidar pra entrar depois da minha magnífica apresentação? Esse portal só permite entrar se você me convidar pra entrar!

MARI
Eu sei, é que... Não posso deixar um ser de outro planeta que eu não conheço entrar. É que você também é um pouco grosseiro e prepotente e se acha melhor que a gente, pronto, falei.

ALIEN
Nossa...

MARI
Mas continua sendo um grande bailarino, não é verdade, gente?

ALIEN
Tudo bem. Entendi o recado. É que o humor dos seres humanos não se comparam ao nosso humor. Adeus, menina que me acha grosseiro.

MARI
Desculpe, não quis ser grosseira por falar que você é grosseiro.

ALIEN
Adeus! Dá meu cachê.

(MARI DÁ UMA MINIATURA DE UMA VACA PRO ALIEN E ELE VAI EMBORA)

MARI
Gente, a minha vida é essa loucura. Eu decidi brincar disso daqui e eu tenho que lidar, ué. O que eu posso fazer além de mostrar pra vocês tudo isso que existe aí fora e nas nossas imaginações afinal?


CENA FINAL

(O ASSALTANTE REAPARECE, AGORA ARMADO COM UM REVÓLVER)

ASSALTANTE
Ahá! Agora sim! Agora eu não preciso entrar. Posso atirar daqui de fora.

MARI
Não vai dar certo. Essa casa é protegida. É por isso que eu sou contra o armamento, só os bobos vão querer se armar.

ASSALTANTE
Você me chamou de bobo? Você me chamou de bobo? (ELE DÁ UM TIRO PRO ALTO)

MARI
Você não me assusta, machão! Aqui você não vai fazer mal pra ninguém! Eu entendo você, cara. A vida tá dura. Mas não é desse jeito que vai dar jeito.

ASSALTANTE
Você não sabe de nada, você é só uma menina!

MARI
É você é um boneco! Pronto, falei! Essa arma é de mentira.

(SILÊNCIO)

ASSALTANTE
Poxa, você é acabou com a graça da brincadeira.

(O ALIEN SURGE)

ALIEN
Eu disse que vocês humanos possuem um humor duvidoso.

(O DUENDE SURGE)

DUENDE
E agora?

(A FANTASMA SURGE)

FANTASMA
Se eu não me engano eu já passei por aqui hoje, né? Preciso tanto chegar, mas parece que fico andando em círculos.

MARI
Todos reunidos! Vocês foram os coadjuvantes da minha apresentação!

ALIEN
Coadjuvante uma ova! Eu só faço protagonistas...

MARI
Eu fico agradecida por todos virem, mesmo você que veio tentar roubar a gente. Talvez você tivesse um pouco do que aprender se tivesse mais cultura e mais teatro por aí.

MENINO (VOZ)
Oi, moça! Quer comprar mais trufas?

(SILÊNCIO)

MARI
Alguém quer comprar mais trufas do menino?

(IMPROVISO COM AS RESPOSTAS)

ASSALTANTE
Eu compro, moleque. Dá uma pra mim.

MENINO (VOZ)
Oba!

ASSALTANTE
Me vê duas. E vai pra escola, ouviu?

MENINO (VOZ)
Eu vou sim. Todo dia eu vou.

ASSALTANTE
Bom.

MARI
Depois disso, eu deixaria você entrar.

ASSALTANTE
Deixaria?

(SILÊNCIO; DRAMA)

ALIEN
Olha, vamos parar já com esse drama humano de perdão e vamos logo cantar a última canção...

FANTASMA
Sim, sim, eu amo as partes das canções!

DUENDE
Eu só canto por uma Bic vermelha.

(MARI ENTREGA UMA BIC VERMELHA PARA O DUENDE E ELES FINALIZAM GRANDIOSAMENTE CANTANDO)

TODOS
Existe mais que isso daqui
Lá fora existe de tudo
Vocês não imaginam o tamanho do mundo
E o mundo funciona assim
E o mundo funciona assim
E o mundo funciona...

(OS MONSTROS DESAPARECEM E MARI FECHA A JANELA)

MARI
Assim!

(ESCURIDÃO)

FIM



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