A
CIGARRA E A FORMIGA – APOCALIPSE
De Gabriel Tonin
PERSONAGENS
CIGARRITA, cigarra cantora
FUMIGO, formiga operária
BIBI, abelha operária
ZÉ GRILO, grilo artista
BOBOLETA, borboleta costureira
JOÃOZINHO, joaninha bombado
VAGALÚ, vagalume cientista
SAPONALDO, sapo forasteiro
SPY, aranha detetive
DUDU, duende narrador
MAMÃE RAINHA, abelha rainha
ABELHAS
OUTROS INSETOS
CENÁRIO: UM JARDIM.
CENA
1
DUDU
Em um jardim qualquer, no meio do mato, ou até no
quintal da sua casa, vive uma eternidade de seres vivos, mágicos e não mágicos,
reais e irreais! Nossa história todo mundo já conhece, a cigarra queria ser
artista e a formiga não tinha tempo pra besteira. Depois inventaram duas
versões da moral da história. Em uma delas a cigarra é vista como quem não quer
fazer nada com nada, que quer ficar cantando à toa às custas da formiga e
então, quando o inverno chega, a cigarra fica sem comida porque não “trabalhou”
arduamente como fez a formiga. Na outra versão, a formiga percebe que sem a
música da cigarra, era ela quem não conseguiria sobreviver ao terrível inverno!
Essa é a nossa versão!
(CIGARRITA APARECE GRANDIOSA EM UM SHOW; OS OUTROS
PERSONAGENS ASSISTEM EM CORO, COM EXCESSÃO DE SAPONALDO, SPY E MAMÃE RAINHA;
DUDU ASSISTE A CENA TODA DA PLATEIA)
CIGARRITA
Já
faz algum tempo, dessa história de jardim
O
povo também mente do que falam sobre mim
Mas
a realidade e a verdade encontrou
A
música faz parte, meu trabalho é a arte nesse show
Meu
trabalho é esse show
FUMIGO
Viver
em comunidade bem podia ser bonito
Eu
trabalho de tarde, quando o dia é concorrido
Mas
depois chego em casa e quero ouvir um pancadão
E
cada um faz parte e pode junto vir cantar essa canção...
TODOS
Ah,
vem cantar essa canção!
CIGARRITA
Bem vindos, senhoras, senhoritas e também os
senhores! Esse é o melhor show da face da Mata! Tem espaço pra tudo quanto é sabor
e gosto! O mundo finalmente terminou em festa!
TODOS
Tudo
o que existe
Na
imaginação
Conta
uma história de um mundo cheio de complicação
Porque
a verdade, pra viver em comunhão
Muda
o tamanho e muda a história que acontece no mundão
CIGARRITA
Tudo
o que existe
Na
imaginação
Essa
história é de um mundo cheio de complicação
Mas
toda a verdade, sempre vence no final
A
tempestade vai embora e o bem vence o mal
E
o bem vence o mal...
TODOS
Mas
toda a verdade, sempre vence no final
A
tempestade vai embora e o bem vence o mal.
E
o bem vence o mal...
(TODOS OS PERSONAGENS COMEMORAM O SHOW, ABRAÇANDO E PAPARICANDO
CIGARRITA; FUMIGO TOMA O PALCO)
FUMIGO
Atenção, atenção todos! Quero agradecer a presença
de todos os presentes que nos presentearam no presente momento com a ilustríssima
presença de vossa senhoria e os presentes que trouxeram para nós! Agradeço do
fundo do meu coração à todos esses vertebrados e esses invertebrados na
comemoração de uma semana da Grande Revolução Magnífica dos Insetos do planeta
Mata!
CIGARRITA
Viva a revolução!
TODOS
Viva!
FUMIGO
Hoje comemoramos sete dias desde que a queridíssima
Cigarrita me ensinou uma lição para toda a vida. E isso mudou tudo,
companheiros! Eu era um estúpido que achei que conseguiria passar o inverno sem
música, sem filmes, sem levar os meus filhos no teatro!
BIBI
Não se culpe, companheiro.
BOBOLETA
O que aconteceu no passado ficou no passado.
VAGALÚ
Sete dias é todo uma vida, amigão!
BOBOLETA
Naquele tempo eu ainda era uma lagarta dentro de um
casulo.
ZÉ GRILO
Eu nem tinha nascido!
JOÃOZINHO
Nem eu.
CIGARRITA
Muitos de vocês não sabem como era antes do final da
nossa história. Eu podia ir pra cadeia da aranha por ficar cantando demais,
naquele tempo. E é exatamente por vocês não saberem, por ainda nem existirem
naquela época, que contamos a história toda noite. Pra que a gente nunca se
esqueça e que nunca se repita!
ZÉ GRILO
Viva a cigarra e a formiga!
TODOS
Viva!
FUMIGO
Viva a revolução!
TODOS
Viva!
(A FESTA CONTINUA)
TODOS
Tudo
o que existe
Na
imaginação
Essa
história é de um mundo cheio de complicação
Mas
toda a verdade, sempre vence no final
A
tempestade vai embora e o bem vence o mal
E
o bem vence o mal...
(ESCURIDÃO)
CENA
2
(AMANHECE NO JARDIM)
DUDU
Mas nem todo final feliz continua feliz na
continuação. No fim das contas, mesmo contando a história toda noite, as coisas
ruins podem sempre se repetir...
(SAPONALDO ENTRA COM MALAS)
SAPONALDO
Hum. Que lugar agradável! Estou me sentindo adorável
nesse lugar! Talvez aqui seja um bom jardim pra descansar e descascar a
poupança. Hum... sinto um cheirinho de... um cheirinho de... comida! Oh, Mestre
Corujão, se for da sua vontade estou pronto!
(ZÉ GRILO ENTRA TOCANDO UM VIOLÃO)
ZÉ GRILO
Grilo,
grilo, grilo, grilo, grilo, grilo
Só
faço tudo isso porque eu tenho um amigo
Grilo,
grilo, grilo, grilo, grilo, grilo
Só
faço tudo isso, você quer ser meu amigo?
SAPONALDO
Sim! Eu quero sim ser seu amigo! Podemos ser grandes
amigos, grilinho de perninha fina!
ZÉ GRILO
Oh, Mestre Corujão! Um sapo!
SAPONALDO
Ei, não precisa se desesperar! Eu sou um sapo legal!
Acabei de me mudar. Estou procurando companhias confiáveis.
ZÉ GRILO
Sapos se alimentam de grilos de perninha fina igual
eu.
SAPONALDO
Bom, é uma outra história, mas eu sou um sapo
vegetariano.
ZÉ GRILO
Vege o quê?
SAPONALDO
Tariano.
ZÉ GRILO
Tariano?
ZÉ GRILO
Sim, eu me considero parte da família dos insetos!
(VAGALÚ ENTRA)
VAGALÚ
Você não pode ser da família dos insetos. Você é da
família dos batráquios.
ZÉ GRILO
Batra o quê?
VAGALÚ
Batráquios. É o que sapos são. O que veio fazer por
essas bandas, senhor sapo?
SAPONALDO
Podem me chamar de Saponaldo.
VAGALÚ
O que veio fazer por essas bandas, senhor Saponaldo?
SAPONALDO
Vim para procurar uma forma de vida sustentável na
Mata e pra poder distribuir paz e harmonia aos seres como eu.
ZÉ GRILO
Oh! Ele veio trazer paz e harmonia!
SAPONALDO
E realizar sonhos de grilos aspirantes à artistas!
ZÉ GRILO
Oh! E realizar sonhos de grilos igual eu!
VAGALÚ
Já temos paz e harmonia por aqui, senhor Saponaldo,
mas agradecemos a sua boa intenção.
SAPONALDO
Ah, paz e harmonia nunca é demais.
ZÉ GRILO
É, nunca é demais! E nem sonhos, nunca é demais!
VAGALÚ
Zé, sapos comem grilos mesmo com sua perninha fina!
ZÉ GRILO
Mas ele falou que ele é venezuelano.
SAPONALDO
Vegetariano.
ZÉ GRILO
Isso que ele falou!
VAGALÚ
Nós teremos que conversar com o conselho, senhor
Saponaldo. Você não pode simplesmente chegar e querer viver num lugar que tem
dono.
SAPONALDO
Vocês são dono da Mata?
VAGALÚ
Da Mata toda não, mas dessa parte da Mata sim. E a
gente já vive em harmonia já há mais de uma semana.
SAPONALDO
Puxa vida, é tempo pra caramba!
VAGALÚ
Sim, é muito tempo. Você provavelmente era um girino
naquela época.
SAPONALDO
Sou um pouco mais velho do que pensa.
VAGALÚ
(O BUMBUM ACENDE UMA IDEIA) Como disse, precisarei
conversar com o conselho. Se me permite...
SAPONALDO
Claro, super compreendo.
VAGALÚ
Venha, Zé.(SAI)
(SAPONALDO SEGURA ZÉ ANTES DE SAIR)
SAPONALDO
Meu amigo, assim como você, eu só quero encontrar a
minha turma e o meu espaço na Mata.
(ZÉ GRILO SAI PENSATIVO)
SAPONALDO
Hum, parece que poderemos ser surpreendidos por um
belo de um banquete brilhante.
(BOBOLETA E JOÃOZINHO ENTRAM DISCUTINDO)
BOBOLETA
Eu estou cansada de ter que fazer tudo sozinha,
Joãozinho. Não vai cair uma asa se você me ajudar.
JOÃOZINHO
Poxa, coração, eu chego cansado da academia. Você
não gosta de ter todo esse inseto musculoso só pra você, minha lindeza?
BOBOLETA
E você não gosta de ter essa beldade colorida só pra
você também, seu folgado? Ou você ajuda nas tarefas domésticas, ou acabou tudo!
SAPONALDO
Ora, ora. Um casal de espécimes diferentes. Parece
que temos aqui uma comunidade bastante progressista, não é mesmo?
JOÃOZINHO
Em briga de marido e colher ninguém mete o garfo.
Digo...
BOBOLETA
Cuidado, Joãozinho! Ele é um sapo!
SAPONALDO
Saponaldo, por favor. Curioso esse lugar. Você uma
joaninha toda fofinha, toda bonitinha, vermelhinha, com pintinhas, todo
bombadinho, namorando uma borboleta charmosa e poderosa.
BOBOLETA
Não queremos encrenca, senhor Saponaldo.
SAPONALDO
Oh, por favor, não precisam ter medo. Eu não como
insetos coloridos como vocês. É uma promessa que fiz pro Mestre Corujão, na
intenção de manter as aparências coloridas do mundo. Às vezes, muito de vez em
quando... eu abro uma excessão!
(ASSUSTADORAMENTE SAPONALDO AGARRA JOÃOZINHO)
BOBOLETA
Não! Por favor! Solta ele!
SAPONALDO
Você não é todo fortão, joaninha?
JOÃOZINHO
Me larga! Me larga! Seu...
SAPONALDO
Passa o dia na academia e deixa sua mulher cuidar da
casa sozinha?!
JOÃOZINHO
Eu vou melhorar!
BOBOLETA
Por favor, deixa a gente ir!
(SAPONALDO COCHICHA ALGO NO OUVIDO DE JOÃOZINHO E O SOLTA)
SAPONALDO
Pelo visto vocês borboletas gostam de se fazerem de
escravas de outros insetos. Faz parte da vida, não é mesmo?
BOBOLETA
Vamos, João.
(BOBOLETA E JOÃOZINHO SAEM VOANDO)
SAPONALDO
Isso vai ser muito divertido!
(ESCURIDÃO)
CENA
3
(SOM DE TROMBETAS; UM CONSELHO REÚNE TODOS OS
INSETOS EM GRITARIA)
FUMIGO
Ordem, ordem! Vamos fazer ordem na casa pra essa
reunião emergencial!
VAGALÚ
Como eu estava dizendo, é impossível a convivência
de um sapo com um inseto. A natureza funciona assim. Sapos se alimentam de
insetos como nós todos aqui!
ZÉ GRILO
Ah, ele pareceu um cara legal. Ele falou que ele não
come insetos!
BIBI
Só porque ele falou não quer dizer que seja verdade.
Mas também não significa que seja mentira.
BOBOLETA
Eu achei ele um tanto assustador.
JOÃOZINHO
Um fracote que quer pagar de poderoso só porque é
grande. Eu falei na cara dele: “você é grande, mas não é dois!”
BOBOLETA
Você não falou nada disso, você quase cagou nas
calças, Joãozinho. Ele segurou meu marido que quase não deu chance pra ele.
JOÃOZINHO
Até parece. Eu tinha tudo no controle.
VAGALÚ
Eu confesso que eu não fico confortável com esse
sapo por aqui.
ZÉ GRILO
Mas vocês todos estão sendo hipócritas! Não somos
nós que falamos de comunhão, de abrir as portas da comunidade, de criar pontes
e não muros?
BIBI
Sim, nisso o Zé tem razão.
VAGALÚ
Mas de qualquer forma, um sapo é o nosso maior predador.
ZÉ GRILO
Então a gente vai simplesmente expulsar o cara?
(SILÊNCIO)
FUMIGO
Bom, companheiros, temos um impasse. Acho que
precisamos ouvir o tal de Saponaldo. O que acha, Cigarrita?
CIGARRITA
Sim, Fu, ouvir o outro é sempre bom. Mas confesso que já começo esse julgamento com um
pé atrás.
ZÉ GRILO
Isso é preconceito! Vocês nem conheceram o cara
ainda!
CIGARRITA
Intuição, companheiro, intuição. Sugiro que antes de
chamar o tal de Saponaldo pra esse conselho, que a gente investigue um pouco
sobre ele.
FUMIGO
Está pensando em...?
CIGARRITA
Sim, chamem Spy.
TODOS
Oh!
(SPY ENTRA MISTERIOSO)
SPY
Eu estava aqui o tempo todo.
CIGARRITA
Spy, precisamos do seu serviço de espionagem.
Queremos saber todas as reais intenções desse sapo.
SPY
Será um prazer, cara Cigarrita. Será um imenso
prazer.
(SPY SAI)
JOÃOZINHO
Essa aranha me dá calafrios!
ZÉ GRILO
O Spy mesmo! O Spy é uma aranha, que também come
insetos!
BIBI
Verdade.
CIGARRINHA
Por isso mesmo que será um bom infiltrado do nosso
lado pra descobrir as reais intenções desse sapo.
BOBOLETA
E como vocês tem tanta certeza que ele está cem por
cento do nosso lado?
JOÃOZINHO
Eu nunca confiei muito nessa aranha.
BIBI
Eu às vezes confio, às vezes não confio.
FUMIGO
Nossa comunidade aceitou a revolução e a ordem. Spy
esteve com a gente desde o início.
ZÉ GRILO
Mas come insetos como nós.
VAGALÚ
Ele abriu mão dos próprios privilégio em prol da
comunidade, Zé, isso é verdade, eu vi com meus próprios olhos. Ele sabe da
importância de cada um de nós para o equilíbrio da Mata.
JOÃOZINHO
Pois é. Esse é o problema. Ele sabe do equilíbrio...
e sabe qual é a função dele no equilíbrio. Comer!
BIBI
Mas ele sabe que sem as abelhas, ninguém aqui
sobrevive.
ZÉ GRILO
Isso é verdade.
CIGARRINHA
Depois da tempestade que o derrubou da cadeia, e que
nós o salvamos do destino iminente de morrer afogado naquela enxurrada, Spyder
ficou do nosso lado, ele tem uma dívida de vida pra pagar com a comunidade, e
ele tem feito um bom trabalho durante toda essa semana! Por hora teremos que
confiar nele. Vagalú, estude tudo o que conseguir sobre a vida de um sapo.
Temos que nos preparar para todas as possibilidades.
VAGALÚ
Sim, senhora.
FUMIGO
Mas não devemos nos preocupar tanto! Nós estamos em
enorme quantidade, junto com nossas famílias, e ele é só um sapo. Vamos todos colocar
o nosso destino na mão do Mestre Corujão! Sessão especial encerrada!
(OS INSETOS SE DISPERSAM BARULHENTOS; ESCURIDÃO)
CENA
4
DUDU
Mesmo sozinho, o Sapo era um batráquio muito esperto
que conseguia hipnotizar as suas presas, fingindo ser um bom e fiel amigo.
(ZÉ GRILO APRESENTA UM SAPATEADO COMPLEXO E BEM
ENSAIADO PARA SAPONALDO; SAPONALDO APLAUDE EXAGERADAMENTE FELIZ)
SAPONALDO
Maravilha, meu amigo! Maravilha! Bravo!
ZÉ GRILO
Eu tenho um sonho!
SAPONALDO
E qual seu sonho, grilinho?
ZÉ GRILO
De ter um sonho!
SAPONALDO
Pois agora o seu sonho de ter um sonho já é real
porque você já tem um sonho!
ZÉ GRILO
Sim! É verdade! Eu tenho!
SAPONALDO
Você já é um grande artista, meu amigo. Ninguém pode
dizer o contrário.
ZÉ GRILO
Eu canto, eu toco, eu danço, eu atuo, eu pinto, faço
esculturas, faço performances artísticas e lanche natural pra ganhar um
dinheirinho!
SAPONALDO
Um multi artista e cheff de cozinha!
ZÉ GRILO
Agradecido, senhor Saponaldo. Profundamente
agradecido pelo reconhecimento. É isso que falta um pouco aqui, sabe? A artista
número um aqui é a Cigarrita. Ninguém pode competir por atenção com ela. Eu
faço muito mais coisa que ela, eu canto, eu danço, eu atuo, e ela é só cantora
e eu faço um monte de coisa! Ela só tem tudo isso com ela porque ela é mulher,
essa é a verdade! Se fosse homem não tinha toda essa fama não! Eu acho que eu
merecia um pouco mais também...
SAPONALDO
Concordo com você, meu amigo. Os homens tiveram seu
momento no passado. Agora parece que elas que mandam na gente! Tomaram os
nossos lugares de fala. Em outros tempos você seria o protagonista dessa peça,
Zé!
ZÉ GRILO
Não é? O que foi que aconteceu, meu Mestre?
SAPONALDO
Eu sei que vocês aprendem desde cedo, mas eu tenho
uma opinião sobre isso, um tanto polêmica...
ZÉ GRILO
Todo mundo adora polêmica, pode falar.
SAPONALDO
A tal da revolução. A moral da história da cigarra e
a formiga. Tudo muito politicamente correto.
ZÉ GRILO
Ah... a gente não devia falar sobre isso assim...
SAPONALDO
Não se preocupe, estamos só eu e você, companheiro.
Nós não somos amigos?
ZÉ GRILO
É que... (SUSSURRA) Eu acho que nós não estamos bem
sozinhos...
(SAPONALDO ENTENDE O RECADO E PROCURA ALGUÉM AO REDOR)
SAPONALDO
(SUSSURRA) Não faça movimentos bruscos. Agora me
diga, estamos sendo espionados?
ZÉ GRILO
Sim. Pelo Spy. É uma aranha detetive.
SAPONALDO
Ela está aqui agora?
ZÉ GRILO
Não tenho certeza, pode ser que esteja, pode ser que
não esteja. Ela é boa na camuflagem.
(SILÊNCIO)
SAPONALDO
(DISFARÇA) Bom! Como eu te disse, caro amigo grilo,
acredito que a revolução foi magnífica em alguns pontos, o empoderamente
feminino e o casamento entre espécies diferentes, tudo muito bonito e
revolucionário! A arte e a cultura reconhecida e incentivada então, maravilha!
Porém muitos de vocês tiveram que abrir mão de muitas coisas, não é mesmo? Ou
viver na sombra de outras. Faz parte da vida perder.
ZÉ GRILO
(ENTENDE A ENCENAÇÃO) Ah, oh, é verdade, Saponaldo.
Você realmente parece um amigo preocupado com a vida dos insetos masculinos
indefesos.
SAPONALDO
O equilíbrio é tudo o que eu almejo.
(SPY SURGE MISTERIOSO)
SPY
O equilíbrio é tudo o que eu almejo também.
ZÉ GRILO
Spy! Você estava aí!
SPY
Eu estava aqui o tempo todo.
SAPONALDO
Prazer em te conhecer, caro Spy. Sou Saponaldo, às
suas ordens.
SPY
Sem mais delongas, eu ouvi tudo o que vocês
conversaram.
SAPONALDO
Ah, ouviu, foi? Bom, eu posso explicar...
SPY
Eu concordo com você. Eu também só quero o
equilíbrio entre os insetos.
SAPONALDO
Ah! É mesmo, é? Poxa, eu realmente fico
lisonjeado...
SPY
Estou há mais de uma semana sem me alimentar.
SAPONALDO
Nossa, que tragédia. Esse lugar deve estar infestado
de insetos então! Já que não tem nenhum predador na ativa.
SPY
Eu tinha uma dívida pra pagar. O sol raiou no fim, e
eu acho que eu já paguei. A família deles é enorme, temos um formigueiro, uma
colméia. Podemos repartir o banquete. Sozinhos nem eu e nem você daremos conta.
Nós dois, teremos fartura de sobra.
SAPONALDO
Uau! Que reviravolta!
ZÉ GRILO
(RI ACHANDO SER BRINCADEIRA) Boa, boa! Isso tudo é
coisa de espionagem, né, Spy? Eu até fiquei convencido de que você estivesse
pensando em comer o seu próprio povo, que te salvou da enxurrada. Foi realmente
assustador, parabéns pela ótima atuação.
(SILÊNCIO; SAPONALDO E SPY SE APROXIMAM DE ZÉ GRILO
LAMBENDO OS BEIÇOS)
SPY
Estou com uma saudade do gostinho...
SAPONALDO
Nem fale, eu tô cagado de fome...
ZÉ GRILO
O que? Não, não! Espera só um pouquinho! A minha
canelinha é fininha! Nãããão!
(ESCURIDÃO)
CENA
5
DUDU
Calma, calma, calma! Não vamos nos precipitar! Zé
Grilo ainda não virou comida de sapo e de aranha, ainda não, tudo no seu tempo.
Spy o enrolou em sua teia, fez que ele dormisse, e o deixou preso na cadeia,
escondido de todo mundo.
(BIBI ENTRA DANÇANDO E DISTRIBUINDO PÓLENS; ELA
BAILA POR TODO O TEATRO, DEIXANDO O JARDIM MAIS COLORIDO E PERFUMADO)
BIBI
Mais uma bela tarde nessa curta existência. Acredito
ter feito um bom trabalho, como boa trabalhadora que sou. E depois do trabalho
nada como uma bela canção pra relaxar os ouvidos e o coração. O novo disco da
Cigarrita está maravilhoso, ela arrasa! (ELA SINTONIZA A MÚSICA COM AS ANTENAS E
DANÇA NOVAMENTE PELO PALCO) Ah, a música me traz uma inspiração que eu nem sei
explicar direito! Vocês sabiam que eu só vivo vinte e cinco dias de vida? Eu
acredito num mundo ideal onde todos os seres vivos, mágicos e não mágicos,
reais e irreais, tenham seu espaço para a vida, seja de quanto tempo for! Sem
muros, sem separação! Um equilíbrio natural da natureza! Que é linda! Obrigada,
Mestre Corujão! Obrigada pela natureza, obrigada pelo meu trabalho e pela minha
vida!
(VAGALÚ ENTRA)
VAGALÚ
O Mestre Corujão é um mito. Não existe de verdade.
BIBI
Oi, Vagalú. Você tem uma opinião e eu tenho outra.
Tudo bem.
VAGALÚ
Você não pode provar a existência do Mestre Corujão.
BIBI
Eu não preciso provar. Eu sei que ele existe.
VAGALÚ
E eu sei que ele não existe. É só uma história pra
bebê dormir. É a mesma coisa com duendes. Você já ouviu um monte de história de
duendes. Acredita em duendes?
BIBI
Não, duendes são fantasia, contos de fadas...
(DUDU SE DIVERTE ESCONDIDO NA PLATEIA)
VAGALÚ
Pois é, o Mestre Corujão a mesma coisa.
BIBI
Você tem a sua opinião e eu tenho a minha. Tudo bem,
a gente pode conviver.
VAGALÚ
Mas você não quer saber a verdade das verdades?
BIBI
Eu sei a verdade.
VAGALÚ
Não! Você não pode comprovar!
BIBI
Eu não preciso comprovar nada. Eu tenho fé.
VAGALÚ
Mas não pode ser assim! (O BUMBUM ACENDE DE
IRRITAÇÃO) Desculpe.
BIBI
Eu quem peço desculpas. Porque é assim que eu sou.
Eu adoro quando seu bumbum acende. Tão bonito de se ver!
VAGALÚ
Ah! Cansei. Acredite no que quiser...
BIBI
E você também.
(BOBOLETA ENTRA)
BOBOLETA
Oi, meninas!
BIBI
Oi, Boboleta! Está uma linda tarde, não é mesmo?
BOBOLETA
Sim, sim! Está uma maravilhosa tarde! Eu estou
costurando o meu novo vestido, querem ver?
(ELA MOSTRA O VESTIDO)
VAGALÚ
(O BUMBUM ACENDE DE NOVO) Uau! É maravilhoso!
BIBI
Você é uma grande artista, Boboleta!
BOBOLETA
Ah, não! Artista não. Eu sou só uma costureira, é um
hobby, gosto de cores, e enfeites. Eu nem sempre fui assim. Eu era bastante
diferente quando eu era só um lagartinho feioso. Mas eu me transformei e então
nasci de novo!
BIBI
Pra mim é uma artista!
BOBOLETA
Oh, não, não. Não tenho tempo pra isso não.
(JOÃOZINHO ENTRA)
JOÃOZINHO
Oh, vejam só, reunião de insetos femininos... o que
estão tramando, meninas?
BOBOLETA
Eu estava mostrando meu vestido novo pra elas,
amorzinho. O que você acha?
JOÃOZINHO
Divino, coração, divino.
VAGALÚ
Eu tenho que ir. Até breve, meninas.
JOÃOZINHO
Por um acaso alguma de vocês viu o Zé Grilo por aí?
Faz horas que não vejo ele.
VAGALÚ
Horas? Muitas horas?
JOÃOZINHO
(CHUPA O PRÓPRIO DEDO E SENTE AS HORAS PELO VENTO) Umas
três horas.
VAGALÚ
Santo Corujão! Mas três horas é muito tempo!
BOBOLETA
Você só vem avisar agora, João?
JOÃOZINHO
Três horas já é considerado um inseto desaparecido,
não é?
BIBI
Essa não!
(ELES SAEM CORRENDO DESESPERADOS)
CENA
6
(FUMIGO E CIGARRITA ESTÃO EM CASA)
FUMIGO
E então o escorpião picou o peixinho, que mesmo
tendo a ajuda do peixe pra atravessar o rio, seguiu seu instinto de inseto
peçonhento.
CIGARRITA
Um ingrato!
FUMIGO
É a vida.
CIGARRITA
Uma bela história, Fu. Triste, trágica, mas bela e
real.
FUMIGO
É verdade. Novidades de Spy?
CIGARRITA
Até agora nada. Acredito estar trabalhando no caso.
FUMIGO
O seu pé atrás com esse tal de Saponaldo...
CIGARRITA
Sim?
FUMIGO
Acha que devemos nos preocupar?
CIGARRITA
Não antes sem ouvir a história dele. Hoje na oitava reunião
ele terá a sua chance.
FUMIGO
Justo. Você além de uma grande artista, é também uma
maravilhosa democrata!
CIGARRITA
E a comunicação não é a melhor coisa que o Mestre
Corujão nos deu? É ou não é?
FUMIGO
É sim, Cigarrita, a comunicação é tudo.
(VAGALÚ ENTRA SEGUIDA PELOS OUTROS)
VAGALÚ
Dona Cigarrita! Seu Fumigo! O Zé... o Zé Grilo...
está desaparecido há três horas!
FUMIGO
Três horas? E vocês vem falar isso só agora?
CIGARRITA
Como assim desaparecido? Quando ele foi visto a
última vez?
JOÃOZINHO
Eu... (CHUPA O DEDO NOVAMENTE)
(SPY SURGE)
SPY
Zé Grilo está bem. Não se preocupem com ele.
CIGARRITA
O que está acontecendo, Spy?
SPY
Zé saiu para uma aventura na Mata. Ele retornará em
algumas horas.
VAGALÚ
Algumas horas? Mas algumas horas é muito tempo!
SPY
Vim trazer notícias sobre o caso de Saponaldo.
CIGARRITA
Sim, chamou ele pra nossa reunião?
SPY
Está avisado da intimação.
FUMIGO
E o que mais descobriu, Spy?
(SILÊNCIO)
SPY
Ele parece querer... o mesmo que todos nós.
CIGARRITA
Sim! Maravilha!
FUMIGO
Que ótima notícia!
VAGALÚ
O mesmo que todos nós...?
SPY
Ele também quer o equilíbrio.
CIGARRITA
Tá vendo? A gente às vezes se preocupa à toa.
FUMIGO
Um peso nas costas à menos. Ufa! Podemos diminuir a
segurança na reunião de hoje, Spy?
SPY
Sim. Podem diminuir a segurança. Ele vem em paz.
BIBI
Sim, paz!
SPY
Eu garanto. Pela minha dívida.
(CIGARRITA E FUMIGO RECEBEM O SINAL E DISFARÇAM)
CIGARRITA
Ótimo trabalho, Spy. Como vimos, não temos mais com
o que se preocupar. Espero todos vocês na reunião que acontecerá... (CHUPA O
PRÓPRIO DEDO E SENTE AS HORAS PELO AR) Daqui algumas horas ainda. Vão pra casa
e avisem a família a boa notícia. A paz vai continuar.
VAGALÚ
Mas e o Zé?
FUMIGO
Você ouviu o Spy. Tudo vai ficar bem.
(CIGARRITA E FUMIGO SE DESPEDEM DOS OUTROS
DISFARÇANDO UM NERVOSISMO; ELES FICAM SOZINHOS, DESMONTAM O DISFARCE, SE OLHAM
TERRIVELMENTE PREOCUPADOS E CORREM DESESPERADOS PRA FORA DE CENA)
CENA
7
(ZÉ GRILO ESTÁ GROGUE, ENROLADO NUMA TEIA; SAPONALDO
ESTÁ COM UM VIOLÃO)
SAPONALDO
Eu também já quis ser artista! Mas a gente tá na
busca pra comer, cumpadre. Tem que encher a barriga, ó! Eu me movo no amor pela
comida, bicho! Tem uma música que eu gosto muito, vou tocar ela pra você pra
gente ficar quites, já que eu tive que assistir aquele seu sapateado brega e
sem graça. Isso sim é arte, repara aí, aprende com o mestre. (INICIA UM ACORDE)
“O sapo não lava o pé...” (GARGALHA)
E eu não lavo mesmo! E daí? O pé é meu, parceiro! Se eu não quiser lavar eu não
vou lavar! Ninguém vai obrigar eu lavar um pé que é meu!
(SPY SURGE)
SPY
Foi um acorde e uma ótima manifestação política,
Saponaldo. Cada um que cuide do próprio chulé mesmo, é um direito.
SAPONALDO
Eu sabia que você me entenderia, parceiro! Eu creio
estarmos conectados pra essa missão! Nós iremos dominar toda essa infestação!
SPY
Equilíbrio...
SAPONALDO
Equilíbrio!
ZÉ GRILO
Traidor! A gente salvou a sua vida...!
SPY
Já faz muito, muito, muito tempo.
ZÉ GRILO
Confiaram em você... eu sempre desconfiei, ic, eu
sabia!
SAPONALDO
Parabéns, amigo, parece que temos um novo Sherock Rôumis
aqui. (RI) Bom, companheiros, o papo tá bom, mas eu preciso me preparar para a
minha grandiosa reunião com o conselho de insetos. Com vossa licença. (ELE SAI)
ZÉ GRILO
Todos aqueles insetos confiaram em você... ic...
SPY
Eu sei. Eu já paguei a minha dívida.
ZÉ GRILO
Não! Isso está errado...!
(SPY DESAMARRA ZÉ GRILO PARA SUA SURPRESA; ZÉ GRILO,
LIVRE E CONFUSO, OLHA SPY NOS OLHOS E DEPOIS CORRE EMBORA DESESPERADO; SPY SE
CAMUFLA E DESAPARECE)
CENA
8
(BOBOLETA E JOÃOZINHO DIVIDEM A FAXINA; JOÃOZINHO
ESTÁ EMBURRADO)
JOÃOZINHO
Isso é exploração.
BOBOLETA
Que cara de pau! Exploração é nós dois sujar as
coisas e só eu limpar!
JOÃOZINHO
É que não precisa ficar tudo tão limpinho, né?
BOBOLETA
Não? Como não, João? Higiene! Higiene é a coisa
básica pra viver em comunidade!
JOÃOZINHO
Democracia é a coisa básica pra viver em comunidade.
Liberdade.
BOBOLETA
Que mané democracia! Aqui é a minha casa e quem
manda sou eu! Eu gosto de tudo limpo! Para de reclamar e agora vai tirar o pó
do meu velho casulo, vai!
(JOÃOZINHO SAI BRAVINHO; BIBI ENTRA EM SEGUIDA)
BIBI
Oi, Boboleta! Está um belo fim de tarde, não é
mesmo?
BOBOLETA
Está sim, Bibi.
BIBI
Parece que faz uma eternidade que não conversamos.
BOBOLETA
É verdade, ando tão ocupada.
BIBI
Eu também. Trabalhando um montão.
BOBOLETA
Nem fale. No que eu posso ajudar, Bibi?
BIBI
Ah, sim! Eu queria te pedir pra que me ajudasse com
o meu vestido da reunião de hoje. Quero dar as boas vindas ao sapo com grande
estilo, porque a primeira impressão de uma comunidade é a que fica, não é
mesmo?
BOBOLETA
Ah, que bom, é verdade. Eu te ajudo com o seu
vestido sim, Bibi. Mas... você realmente acha que esse sapo não vai vir e comer
todo mundo?
BIBI
O Spy já confirmou, Boboleta. Esse sapo tá com a
gente. E acho que vai ser uma inclusão de peso pra nossa comunidade, mais um fortão
pra nos proteger.
BOBOLETA
Tem razão.
(VAGALÚ ENTRA)
VAGALÚ
Proteção contra ele mesmo?
BIBI
Eu acho que todo mundo deve ter uma chance pra
conseguir controlar os próprios instintos.
VAGALÚ
Comida é instinto básico, Bibi.
BIBI
Mas o Spy disse que...
VAGALÚ
E se o Spy for um traidor?
BOBOLETA
Um traidor? Você acha possível que...
VAGALÚ
Uma semana não é tanto tempo assim pra uma aranha.
Talvez ele estivesse só preparando o banquete esse tempo todo.
BIBI
Não, não pode ser...
(ZÉ GRILO ENTRA CORRENDO, AINDA ATORDOADO)
ZÉ GRILO
(GROGUE) Vagalú... Bibi... tem um negócio muito
grave... que parte eu começo? Bom, tá acontecendo um assunto muito sério,
acontecendo... um assunto... e eu acho que eu vou desmaiar... (DESMAIA)
BIBI
Mestre Corujão do céu!
VAGALÚ
Parece que deram veneno pra ele.
BOBOLETA
Olha, isso aqui é teia de aranha...
(SILÊNCIO)
BIBI
Spy!
VAGALÚ
Sim!
(JOÃOZINHO ENTRA)
JOÃOZINHO
Pronto, tirei todo o pó do seu casulo velho, amor.
BOBOLETA
Coração, um assunto sério! Spy. Spy é um traidor.
Ele vai entregar a gente de bandeja pro Saponaldo.
JOÃOZINHO
(ESQUISITO) Nossa. Que surpresa.
Como-foi-que-vocês-ic-descobriram?
VAGALÚ
Longa história, não podemos perder tempo! Me ajudem
com ele!
(ELES AJUDAM ZÉ GRILO FICAR DE PÉ)
ZÉ GRILO
O bagulho é sério! É o apocalipse... ic...!
(ELES SAEM)
CENA
9
DUENDE
Mentiras e traições, confusões e pré julgamentos, drama
surreal e tragédia. Toda a simples e bonita história da cigarra e da formiga
caíam por terra agora. Até com a versão que a cigarra morre de fome por não ter
trabalhado como a formiga, tragédia pior que essa até. Porque na vida real dos
insetos, também existem complicações mais extraordinárias e divinas do que a
gente imagina. O equilíbrio é inevitável. E todo final de história, mesmo a
história trágica, será sempre o começo de uma nova.
(FUMIGO E CIGARRITA ENTRAM CORRENDO)
FUMIGO
Spy! Spy! Você está aí? Apareça!
CIGARRITA
Estamos seguros aqui! Pode aparecer!
(SPY SURGE)
CIGARRITA
Entendemos o seu sinal, Spy.
FUMIGO
Ótimo trabalho, companheiro.
SPY
Eu tenho uma dívida de vida com vocês e a
comunidade. Sem vocês, eu não estaria aqui. Acho que vocês precisam saber... há
um traidor entre nós.
CIGARRITA
Um traidor? Mas quem?
(OS OUTROS INSETOS ENTRAM AJUDANDO ZÉ GRILO)
VAGALÚ
Cuidado! Se afastem dele!
CIGARRITA
O que aconteceu?
ZÉ GRILO
Foi ele! Spy! Ic. Eu tô malucão assim porque ele me
envenenou!
BOBOLETA
Nós descobrimos tudo, Spy!
BIBI
Como você pode envenenar o Zé Grilo e nos enganar
dessa forma?
FUMIGO
Calma, não é como estão pensando.
VAGALÚ
Vocês não querem enxergar o óbvio! Ele está do lado
do sapo! Os dois vão comer a comunidade inteira!
ZÉ GRILO
Vão dividir o banquete, eu ouvi. Mas ele me
soltou... ué?
BOBOLETA
Deixou ele pra morrer envenenado, não é?
CIGARRITA
Temos sim um traidor entre nós. Mas não é o Spy.
VAGALÚ
O que? Mas é claro que é o Spy! Vocês estão cegos!
FUMIGO
Não. Spy estava fazendo seu trabalho de espião. O
traidor está entre vocês.
(OS INSETOS SE OLHAM DESCONFIADOS UM DO OUTRO; ENTÃO,
TODOS ENCARAM JOÃOZINHO)
JOÃOZINHO
O que? Eu? Eu não sou traidor não!
BOBOLETA
Amor?
JOÃOZINHO
Você não vai acreditar nessa patifaria, né,
Boboleta? Eu sou fiel, eu não tô traindo ninguém.
SPY
Eu vi vocês dois conversando, joaninha. Ouvi toda a
conversa.
(TROCA DE CENA RÁPIDA; UMA MEMÓRIA ACONTECE;
SAPONALDO ESTÁ CONVERSANDO COM JOÃOZINHO ENQUANTO SPY OUVE ESCONDIDO)
JOÃOZINHO
Sim, cara, mulherada dificulta tudo. Eu tô cansado
dessa escravidão. Ela quer que deixe tudo brilhando, impecável!
SAPONALDO
Entendo como é. Não se fazem mais insetos femininos
como antigamente. Mas isso é um assunto muito polêmico...
JOÃOZINHO
Opa, todo mundo adora uma polêmica! Continue!
(A CENA ANTERIOR RETORNA)
JOÃOZINHO
Não! Você está errado! Sim, eu confesso, eu tive uma
conversa de vários minutos com o Saponaldo...
BOBOLETA
Vários minutos!
JOÃOZINHO
Sim, ele pareceu querer ouvir os meus problemas,
pareceu um cara gente fina, mas eu não sou um traidor, vocês tem que acreditar
em mim!
BOBOLETA
Então eu sou um problema pra você, Joãozinho?
JOÃOZINHO
Não!
FUMIGO
Você nos deixou numa posição difícil, João.
JOÃOZINHO
Não, por favor... é um mal entendido...
VAGALÚ
Não tem mal entendido nenhum. Você traiu a
comunidade!
CIGARRITA
Esperem. Se ele está dizendo que não é um traidor, a
gente deve dar uma chance pra versão dele. Ele terá a sua chance pra se
defender. É assim que a gente trata os nossos, porque é assim que a gente quer
ser tratado...
SPY
Madame...
CIGARRITA
Fim do papo. Ele tem o direito da presunção da
inocência, é o básico da justiça, presumir a inocência antes da culpa. A culpa
que se prove.
FUMIGO
Correto. Lidem com isso até a nossa reunião com o
tal do Saponaldo, que deve acontecer... (CHUPA O DEDO E SENTE AS HORAS PELO AR)
Em alguns minutos!
(OS INSETOS SAEM CADA UM PRA LADO; BOBOLETA E
JOÃOZINHO SE ENCONTRAM NO CENTRO; BOBOLETA VOA PRA FORA DE CENA AOS PRANTOS;
JOÃOZINHO SAI CABISBAIXO)
CENA
10
(BIBI ESTÁ SE PRODUZINDO PRO EVENTO, GLAMUROSA; ELA
LIGA AS ANTENAS E DANÇA PELO PALCO; OUTRO FOCO MOSTRA BOBOLETA DISCUTINDO
TRISTE COM JOÃOZINHO; E OUTRO MOSTRA VAGALÚ FAZENDO UM EXPERIMENTO DE POÇÕES
COM ELETRICIDADE; CIGARRITA E FUMIGO DANÇAM UMA VALSA AO FUNDO; SPY APARECE E
DESAPARECE DESCONFIADO; SAPONALDO TAMBÉM SE PRODUZ PARA A REUNIÃO, COM UMA
ROUPA DE GALA, DANÇANDO FELIZ; E ZÉ GRILO ESTÁ SOZINHO, SEM FAZER NADA)
DUDU
Por mais que a gente busque lógica nas escolhas e
decisões dos outros, cada um sabe a dor e as complicações de ser si mesmo. Não
é tão simples quanto o bem e o mal na forma clássica. Às vezes o mal também
pode ser inocente, por inocência.
ZÉ GRILO
Eu só quero realizar o meu sonho.
DUDU
E qual seu sonho, Zé?
ZÉ GRILO
Ter um sonho realizado.
(SAPONALDO INVADE)
SAPONALDO
Você terá, meu amigo. Você terá tudo o que sonhar.
Devemos continuar com o nosso plano, e você será o único artista mais completo
de toda a face da Mata!
ZÉ GRILO
Você promete não fazer mal pra ela? Eu só quero ser
como ela.
SAPONALDO
Nada de tão ruim, meu querido, apenas o necessário.
ZÉ GRILO
Obrigado. Você é um verdadeiro amigo, Saponaldo! A
gente enganou o Spy direitinho!
SAPONALDO
Eu não saberia que ele é um bom mentiroso se não
fosse por você. Veja só, companheiro, acho que você é o protagonista da peça!
ZÉ GRILO
Sim, eu sou! Espera! Mas se eu sou o protagonista,
quem é o vilão?
SAPONALDO
Acho que... a cigarra e a formiga!
ZÉ GRILO
Malditos!
(SAPONALDO GARGALHA MALEFICAMENTE E ZÉ GRILO O IMITA;
ESCURIDÃO)
CENA
11
(BOBOLETA E JOÃOZINHO CONVERSAM TRISTES)
JOÃOZINHO
Não é o que você está pensando, Bobo.
BOBOLETA
Você acha que está me fazendo um favor quando faz as
coisas da casa, João. Não é um favor. Você mora aqui também, você suja as
coisas também.
JOÃOZINHO
Eu sei, amorzinho, foi só desabafo bobo, que a gente
faz toda hora.
BOBOLETA
Desabafo sobre mim pra um estranho.
JOÃOZINHO
Mas melhor um estranho do que um conhecido, não?
BOBOLETA
Melhor nada, Joãozinho! Melhor nada!
JOÃOZINHO
Eu não sou o traidor, Bo. Você me conhece. O cara
veio com um papinho de falar da revolução, começou falando sobre como a
mulherada hoje tá mandona, e eu caí na história que ele começou. Foi isso!
BOBOLETA
E você também acha que a mulherada tá mandando
demais, João?
JOÃOZINHO
Eu... (DESISTE) Não. Eu não saberia cuidar da minha
vida. Uma mulher sem um homem é igual um peixe sem uma bicicleta. Mas um homem
sem uma mulher... é um peixe sem água. A hora que eu percebi que esse cara era
estranho eu saí fora, eu juro! Eu só achei que a gente estivesse batendo papo.
Eu juro, amorzinho, eu juro.
(BOBOLETA OLHA BEM PARA JOÃOZINHO E O ABRAÇA
CONVENCIDA)
BOBOLETA
Eu acredito que você não é o traidor.
JOÃOZINHO
Obrigado, amor, obrigado!
BOBOLETA
Se não temos um traidor, então estaremos à salvo.
JOÃOZINHO
Sim.
BOBOLETA
Mas que você foi um machista escroto, você foi.
JOÃOZINHO
Prometo melhorar.
BOBOLETA
Acho bom.
JOÃOZINHO
Eu também.
BOBOLETA
Joaninha narcisista, egoísta!
JOÃOZINHO
Te amo, coração.
BOBOLETA
Eu também te amo, coração!
(ELES SE BEIJAM APAIXONADOS)
CENA
12
(BIBI ESTÁ NA COLMÉIA COM OUTRAS ABELHAS, NUMA
BAGUNÇA BARULHENTA; MAMÃE RAINHA ESTÁ EM UM TRONO)
BIBI
Silêncio!
(SILÊNCIO GERAL)
BIBI
Mamãe Rainha vai falar! Um minuto de meditação,
galera!
(ELES ZUMBEM MEDITANDO POR UM TEMPO)
MAMÃE RAINHA
Filhas e filhos, filhinhas e filhinhos, filhonas e
filhões, é com um imenso prazer que anuncio mais filhotes operários para a
nossa colméia!
TODOS
Viva!
BIBI
Mamãe Rainha terá mais filhotinhos?
MAMÃE RAINHA
Sim, filha. Uma centena de abelhinhas para salvar o
nosso planetinha - que é redondo sim!
TODOS
Oh!
BIBI
Que maravilha!
MAMÃE RAINHA
Nossa colméia irá aumentar, meus amados! Teremos que
trabalhar bastante pra alimentar toda essa gente e distribuir os poléns na Mata
com todo o amor possível que existir dentro de nós, em nome do Mestre Corujão!
(SAPONALDO ENTRA)
SAPONALDO
Ora, ora. Pois aqui então é onde o mais importante
dos insetos vive. Mamãe Rainha, é um prazer conhecer a senhora e a sua família.
BIBI
Você não devia estar aqui.
SAPONALDO
Acredito que ninguém vai se importar. Até porque
estão todos muito ocupados nesse momento.
BIBI
Ah, sim! A reunião! Quase que me esqueço! Estamos
atrasados, seu sapo.
SAPONALDO
Acho que temos um tempinho ainda, abelhinha. Não
podemos ir antes de jantar, não é mesmo? Sapo vazio não para em pé. (GARGALHA)
(SUSPENSE; ESCURIDÃO)
CENA
13
(FUMIGO E CIGARRITA SE PREPARAM PARA A REUNIÃO)
FUMIGO
Eles devem estar chegando à qualquer momento.
CIGARRITA
Spy! Apareça!
(SPY SURGE)
SPY
Sim, madame.
CIGARRITA
O plano vai dar certo, Spy?
(VAGALÚ ENTRA)
SPY
Espero que sim.
VAGALÚ
Sim, dona. Eu trouxe uma arma fatal.
FUMIGO
O que é isso?
VAGALÚ
Sal.
FUMIGO
Sal?
VAGALÚ
Sapos explodem em contato com sal.
CIGARRITA
Usaremos apenas se o diálogo não for bom. Primeiro
vamos tentar conversar com esse sapo. Ele vai ter a chance que todo mundo deve
ter.
FUMIGO
Lembre da história do escorpião e do peixe,
Cigarrita.
CIGARRITA
Eu lembro, Fu, eu lembro. Mas a moral da história
está tanto no instinto do escorpião em picar o peixe, como no instinto do peixe
em confiar e ajudar o escorpião.
(SILÊNCIO)
FUMIGO
Tem razão. Você é explêndida!
VAGALÚ
Não era pra eles já terem chegado?
(VÁRIOS INSETOS ENTRAM PARA A REUNIÃO; UMA PEQUENA
BAGUNÇA BARULHENTA SE TRANSFORMA RAPIDAMENTE NUMA CENA ORGANIZADA; CIGARRITA
TOMA O MICROFONE.
CIGARRITA
Empesteado
Infestado
Esse
mundo é complicado
Inseto,
inseta
Isso
é festa
É hora
da infestação!
(TODOS APLAUDEM E DANÇAM NUMA GRANDE FESTA)
FUMIGO
E damos início a nossa diária reunião desde a Grande
Revolução! Esse é o nosso oitavo dia, graças ao Grande Mestre Corujão!
CIGARRITA
Viva o Mestre Corujão!
TODOS
Viva!
BOBOLETA
Esperem um pouco! Esperem! Gente, cadê a Bibi?
(VOZERIO)
ZÉ GRILO
Calma, calma, pessoal! A Bibi me disse que não viria
na reunião de hoje.
BOBOLETA
O que? Mas a Bibi nunca faltou de uma reunião! E
além do mais ela estava super empolgada pra vir, me pediu ajuda no vestido e
tudo.
ZÉ GRILO
Ela me disse que não gostou muito dos seus retoques
no vestido, por isso mesmo que não vinha, por vergonha. Mas é claro, né? Todo
mundo sabe que isso tudo é só uma fantasia. Por trás disso tudo você é só um
lagartinho feioso.
TODOS
Oh!
ZÉ GRILO
Ah, por favor, não se vitimizem! Eu só estou falando
o que todo mundo gostaria de falar.
CIGARRITA
O que está acontecendo, Zé?
ZÉ GRILO
O que está acontecendo do que?
FUMIGO
Porque você está tão agressivo?
ZÉ GRILO
Agressivo? Perdão, não tive a intenção. Não quero
ofender ninguém, foi só uma opinião.
VAGALÚ
Talvez seja efeito colateral do veneno que Spy deu
pre ele. Cala a boca, Zé!
SPY
Eu só coloquei ele pra dormir. Não é veneno, veneno
teria matado ele.
ZÉ GRILO
Gente, não precisa ficar dando tanto foco pra um Zé
Grilo como eu! Vamos continuar! Canta pra gente, Cigarrita.
FUMIGO
Agora chega! Diz o que está acontecendo, Zé Grilo!
ZÉ GRILO
Nossa, calma.
CIGARRITA
Por que está agindo assim, Zé? Onde está Bibi?
(SILÊNCIO CONSTRANGEDOR; ZÉ GRILO RI UM POUCO
MALUCO)
ZÉ GRILO
Não se preocupem. Ele não vai fazer nenhum mal pra
ninguém.
TODOS
Oh!
ZÉ GRILO
Acalmem-se, acalmem-se! Saponaldo é um sapo genial!
Ele tem uma visão de um mundo onde os homens e também as mulheres poderão viver
em harmonia. Onde ninguém será melhor do que ninguém. E todo mundo poderá ter
seu espaço na Mata.
FUMIGO
Nós temos isso tudo aqui.
ZÉ GRILO
Temos? Será que temos mesmo, Cigarrita? Ou será que
toda a atenção e até mesmo o nome dessa peça tem o nome de vocês dois? Pois é,
não é? Tudo gira ao redor de vocês dois! Mas agora as coisas vão mudar, porque
uma nova revolução está prestes a acontecer!
CIGARRITA
O que você fez, Zé?
ZÉ GRILO
Algo que vai mudar todo o atual equilíbrio da Mata,
atingindo na raiz.
TODOS
Bibi!
ZÉ GRILO
Exatamente, seus fracotes! Sem as abelhas nada disso
se sustenta! E então o nosso reinado chegará e essa peça não mais será sobre a
cigarra e a formiga!
FUMIGO
Um grilo e um sapo? Você jura?
CIGARRITA
Depois de comer todo mundo o sapo vai usar essas
suas canelinhas finas de palito de dente!
VAGALÚ
Não, invertebrados estúpidos. O nome da peça agora
será “O Grilo e o Vagalume”!
TODOS
Oh!
(VAGALÚ TIRA OS ÓCULOS E MOSTRA OUTRA PERSONALIDADE)
VAGALÚ
Surpresos, amiguinhos?
BOBOLETA
Vagalú!
CIGARRITA
Não pode ser...
JOÃOZINHO
Eu não acredito!
VAGALÚ
Pois chegou o tão esperado dia do apocalipse, meus
caros. Não são vocês que tanto acreditam nessa bobagem? A ciência enfim veio
trazer o que tanto pedem pro Mestre Corujão.
BOBOLETA
O que esse sapo enfiou na cabeça de vocês? Vocês
ficaram loucos!
ZÉ GRILO
Outro erro! Errada!
VAGALÚ
Foi a gente que encontrou o sapo, o sapo é só um
esfomeado.
FUMIGO
Vocês planejaram isso tudo...
CIGARRITA
Por inveja.
VAGALÚ
(GRITA MALUCA) Pra ser lembrada! Por fazer algo que
importasse! Por ter um nome na história.
ZÉ GRILO
Por ser notado. Por ter um amigo.
VAGALÚ
Nesse momento o sapo já deve ter acabado com a
colméia...
TODOS
Oh! Não!
VAGALÚ
Aceitem! Aceitem o novo destino! É a nova revolução!
À partir de amanhã faremos festas em comemoração à Grande Revolução do Zé Grilo
e da Vagalú, até o dia da nossa morte!
(SPY LANÇA UMA TEIA QUE IMOBILIZA VAGALÚ; ZÉ GRILO
TENTA CORRER, JOÃOZINHO O SEGURA COM FACILIDADE)
VAGALÚ
O que é isso? Como ousa, seu inseto peçonhento?!
CIGARRITA
Não tem final feliz pra vocês dois. E sem as
abelhas, não tem final feliz pra nenhum de nós.
ZÉ GRILO
Ora, não façam drama!
VAGALÚ
E por um acaso mel pode salvar o planeta?
(BIBI ENTRA ACOMPANHADA DE SAPONALDO, COM UM POTE DE
MEL, SE LAMBUZANDO)
SAPONALDO
Santo Corujão! Mas não é que a sua saliva é gostosa
mesmo, moça? Eu estou apaixonado...
VAGALÚ
Mas o que é isso?
BIBI
Mostrei pro Saponaldo o que é o verdadeiro
equilíbrio. O verdadeiro sabor da vida.
VAGALÚ
Energúmeno! Interesseiro!
SAPONALDO
Minha flor, o barco anda conforme o barco anda. Sem
as abelhas, nem você e nem eu sobreviveríamos, essa é a verdade.
CIGARRITA
Spy, leve esses dois daqui.
VAGALÚ
Não! Isso não vai ficar assim! Eu voltarei!
ZÉ GRILO
Nós voltaremos! Buá-há-há!
(SPY LEVA ZÉ GRILO E VAGALÚ EMBORA)
BOBOLETA
O que vai acontecer com eles?
CIGARRITA
Primeiro iremos tentar a reabilitação, dar uma
chance pra que retornem a viver em comunidade.
JOÃOZINHO
E se não funcionar?
FUMIGO
Se não funcionar, a gente vai tentando até o dia que
a natureza decidir levá-los. Afinal, nenhum de nós vivemos muito tempo, não é
mesmo?
CIGARRITA
Mas então, seu Saponaldo, como pode fazer a sua
defesa nesse conselho?
SAPONALDO
Bem, meus amigos. Parece que eu não sabia o segredo
da existência até chegar aqui. Eu estou embriagado dessa substância dourada e
doce, não sei explicar. Fiquei hipnotizado pelo sabor dessa baba de abelha e
prometo que terão todo meu respeito para poderem viver em paz. Até que a correnteza
mude as direções, obviamente. Então ofereço a minha força e agilidade como arma
de defesa contra outros predadores, em troca dessa saliva deliciosa.
FUMIGO
Acho mais do que justo.
CIGARRITA
O que pensa sobre isso, Bibi?
BIBI
Eu? O que eu penso do que?
CIGARRITA
A troca. A troca de serviços que ele está pedindo
cai diretamente com a sua família.
BIBI
Eu... vocês também são a minha família.
CIGARRITA
Não acha que precise conversar com a Mamãe Rainha e
seus irmãos?
BIBI
Se é pelo bem de todos... eu falo por eles.
FUMIGO
Sendo assim, aceitamos sua oferta, senhor Saponaldo.
SAPONALDO
No mais, se vocês não aceitassem era só eu comer
todo mundo aqui e boa. (RI)
(SILÊNCIO)
SAPONALDO
Ora, brincadeira, companheiros! Vocês não tem senso
de humor? Eu só comeria vocês se vocês me dessem motivos. Se forem bonzinhos,
serei bonzinho.
(SILÊNCIO)
FUMIGO
Caro Saponaldo, nós não podemos viver com essa
insegurança.
CIGARRITA
Ententa a nossa posição.
SAPONALDO
Insegurança? Que insegurança? Eu estou muito seguro
aqui. Quem está inseguro? Eu estou seguríssimo! Está decidido. Eu fico e em
troca eu quero mel. Muito mel. Por hora.
(FUMIGO DÁ UM SINAL PARA SPY; SPY LANÇA TEIAS EM
SAPONALDO, MAS ELE SE DESVENCILHA E CONSEGUE PUXAR E SEGURAR SPY)
SAPONALDO
Ora, ora! O bom mentiroso. Não tentem nenhuma
gracinha de novo pra cima de mim. Ou eu vou começar logo a detetização desse
lugar. Amigo aranha, eu vou te soltar a gente vai fingir que nada disso
aconteceu, tá ok?
(SAPONALDO SOLTA SPY)
SAPONALDO
Que fique estabelecido o fim da reunião de hoje!
Vivam as vossas vidas em paz e harmonia como se tudo estivesse normal porque
tudo ainda está normal, em nome do Mestre Corujão.
INSETO
Amém!
(SILÊNCIO; SAPONALDO SAI)
FUMIGO
O que a gente faz agora?
(GRANDE GRITARIA; TODOS QUEREM DAR UMA OPINIÃO)
CIGARRITA
Chega! Silêncio! (SILÊNCIO) Sal.
BIBI
Sal?
FUMIGO
Sal explode sapo.
JOÃOZINHO
Não seria melhor a gente aceitar? O cara é grande, o
cara é forte. Eu acho que nem eu que sou eu dou conta.
CIGARRITA
Aceitar que ele explore a família da Bibi? E ainda
por cima sem uma certeza de que de uma hora pra outra ele não vai pensar bem e
“ah, fui contrariado, vou comer todo mundo agora!”. Esse sapo não pode ficar.
BIBI
Não é exploração não, a gente faz pelo bem da...
FUMIGO
É exploração sim! Todo mundo tem a sua função aqui e
já é trabalhoso pra todo mundo, é ou não é?
TODOS
É!
FUMIGO
Esse sapo não pode ficar!
TODOS
É! Fora!
SPY
Precisamos de um plano.
FUMIGO
Sim, qual é o plano? Somente a Vagalú sabia lidar
com essas coisas de sal no sapo.
BOBOLETA
E a Vagalú nos traiu.
(SILÊNCIO)
SPY
Posso tentar uma coisa.
CIGARRITA
Sim, tente, Spy. E eu vou atrás de um plano B.
FUMIGO
Todo mundo fingindo normalidade, pessoal! A gente
vai resolver essa situação o quanto antes. Estão todos dispensados.
(ESCURIDÃO)
CENA
14
DUENDE
Na vida real, enquanto a morte não chega, ainda não
acabou a jornada. Todos os dias a vida encontra um desfecho, encontra um final,
e depois começa tudo de novo, uma nova história, um novo problema pra se
resolver. E isso só vai acabar lá no finzão, quando o apocalipse finalmente
chegar.
(SAPONALDO ESTÁ EM UM TRONO, COM VÁRIOS INSETOS O
PAPARICANDO, ESCRAVIZADOS)
SAPONALDO
Eu estou de dieta essa semana, conservando a beleza
e a juventude, como se estivesse em um spa! Sombra, água fresca, cuspe de ouro
doce, mais conhecido como mel... Falaram que eu estava na pior. Se isso é estar
na pior, o que dirá estar bem. O que mais eu, um humilde sapo, poderia pedir
pro Mestre Corujão? Eu posso dizer que fui feliz e vivi em equilíbrio comigo
mesmo. Vocês que lutem.
BIBI
Senhor Saponaldo, eu e minha família podemos
descansar agora?
SAPONALDO
Mas já? Eu ainda não estou satisfeito, garota! Que
falta de respeito. Vocês querem ter direito das coisas, mas no primeiro momento
já querem descansar a poupança! Reclamam de tudo e não querem fazer nada, se
não for mandado!
BIBI
Nós temos que espalhar os poléns das flores mais tarde.
SAPONALDO
E pra que isso? Por um acaso as flores se importam
com a gente.
BIBI
Claro que sim. O mel que você tá comendo vem desse
processo todo, inclusive.
SAPONALDO
Minha querida, isso é só seu cuspe, não é magia.
Desce desse pedestal, por favor.
(BIBI SE IRRITA E JOGA ALGUMAS COISAS NO CHÃO)
SAPONALDO
Ora, ora. Mas o que é isso? Uma rebelde. Você será a
primeira rebelde, abelhinha?
BOBOLETA
Isso é exploração, seu Saponaldo! Isso tá errado.
SAPONALDO
Isso é a lei dos mais fortes!
JOÃOZINHO
É a lei dos mais estúpidos!
SAPONALDO
Veja como fala, seu...! (ESTAPEIA JOÃOZINHO COM
FORÇA, QUE CAI NO CHÃO) Vejam o que me fizeram fazer! Eu sou totalmente contra
a violência. O que as crianças vão pensar? Queremos ou não queremos viver em
paz? Queremos ou não queremos?!
TODOS
Queremos.
SAPONALDO
É isso. Cansei desse motim. Vão pras suas casas
pensar no que fizeram com a joaninha. Voltem em... (CHUPA O DEDO E SENTE AS
HORAS NO AR) Dezoito minutos.
INSETO
Amém!
(TODOS SAEM CORRENDO; SAPONALDO FICA SOZINHO; ELE SE
SERVE DE UMA TAÇA CHEIA DE MEL; SPY APARECE, CAMUFLADO; SAPONALDO NÃO O VÊ)
SAPONALDO
Como eu estava dizendo, eu não tenho culpa de ter
sido agraciado pela força dos meus músculos e minha agilidade secular. A lei do
mais forte é clara: vence quem pode e quem não pode se sacode.
(SPY COLOCA VENENO NA TAÇA DE SAPONALDO E
DESAPARECE; SAPONALDO SE SENTA SEM DESCONFIAR; ELE VAI BEBER, MAS ALGO QUALQUER
NO CHÃO LHE CHAMA A ATENÇÃO; MAIS UMA VEZ ELE VAI BEBER E OUTRA VEZ ALGO LHE
TIRA A ATENÇÃO; NA TERCEIRA VEZ, ELE FINGE BEBER; SAPONALDO CONFERE ESTAR
SOZINHO E COSPE O MEL)
SAPONALDO
Maldito espião! Não sabe que eu sinto cheiro de
inseto peçonhento de longe? Então o plano é me envenenar. Clássico, mas
interessante. Comigo não, bebê. Talvez essa tentativa de golpe seja o
suficiente pra acabarmos com a diplomacia. Estou farto dessa encenação! Acho
que agora é a hora do prato principal!
(ESCURIDÃO)
CENA
15
(ZÉ GRILO E VAGALÚ ESTÃO ENROLADOS NA TEIA DE SPY;
FUMIGO E CIGARRITA OS INTERROGAM)
CIGARRITA
Você então queria dividir o palco comigo, Zé? É
isso? Por que nunca me pediu pessoalmente?
ZÉ GRILO
Porque eu sei o que você diria, você diria pra eu
encontrar o meu lugar, e foi isso que eu fiz, eu tentei conseguir o meu lugar!
CIGARRITA
E o seu lugar é sobre mim, não pode ser do meu lado?
ZÉ GRILO
Eu nunca vou chegar aos seus pés! Todo mundo sabe
disso! Você é mulher!
CIGARRITA
Mas se nem você acredita em você mesmo, é claro que
ninguém tambem vai acreditar, rapaz!
VAGALÚ
Ah, sua inteligência me irrita!
FUMIGO
E você, Vagalú? Achei que você fosse a luz desse
lugar
VAGALÚ
Eu sou a luz. A ciência não pode ficar parada nunca,
estagnada. Eu já estava cansada da mesmice de todos os dias a mesma coisa. Eu
queria poder... ficar pra história como uma grande cientista que sou. Mas a
comunidade ainda fica clamando pelo Mestre Corujão! “Oh, Mestre Corujão isso,
Mestre Corujão aquilo!”. E eu me cansei dessa bobagem toda! Tudo o que eu fiz
foi pela minha sobrevivência, e podem me chamar de egoísta porque eu assumo!
CIGARRITA
Você ainda pode ficar pra história, Vagalú, e não
como uma traidora do seu povo como agora, mas como alguém que ajudou a impedir
o apocalipse e a destruir o terrível sapo.
VAGALÚ
Ah, entendi. Vocês querem o meu sal. Agora precisam
de mim, mais do que nunca.
FUMIGO
A gente sempre precisou de você, Vagalú. De vocês
dois.
ZÉ GRILO
Mentira!
FUMIGO
Nós formamos um ciclo e um equilíbrio e todo indivíduo
importa, todo indivíduo faz parte da balança.
VAGALÚ
Inclusive o terrível sapo.
CIGARRITA
Sim, inclusive ele. Mas a gente pode mudar as coisas
uma vez e viver essa infestação em paz mais um pouco, por mais uma semana ou
duas, quem sabe!
VAGALÚ
Você sabe que isso é ser contra à natureza.
CIGARRITA
Sobrevivência.
(SILÊNCIO)
VAGALÚ
Você deve estar delirando por achar que eu vou
ajudar vocês dois agora.
FUMIGO
Na verdade, você não nos deixa muita opção.
(SPY ENTRA)
SPY
Meu plano falhou. Como está indo o plano B?
CIGARRITA
Chegou na hora certa, Spy. Hora de acabar com o seu
jejum.
SPY
O que? Não brinca com uma coisa dessa...
FUMIGO
Você está autorizado a fazer seu jantar, Spy.
VAGALÚ
O que? Não, vocês não podem fazer isso! Vocês são os
mocinhos da história!
CIGARRITA
Sobrevivência, minha cara. Sobrevivência.
ZÉ GRILO
Por favor! Eu sou só um grilinho de canelinha fina!
FUMIGO
Que traiu o seu povo!
ZÉ GRILO
Eu não quero virar comida de aranha!
SPY
Eu prometo ser rápido.
CIGARRITA
Não, Spy. Seja devagar. Seja bem devagar. Perninha
por perninha!
ZÉ GRILO
Nããão!
VAGALÚ
Está bem! Está bem! Eu vou ajudar vocês com o sal.
CIGARRITA
Vai mesmo?
VAGALÚ
Mas tem uma condição.
FUMIGO
Você não está numa posição em pedir condições.
CIGARRITA
Deixa, Fu. Vamos ouvir.
VAGALÚ
Você deixa eu e o Zé irmos embora daqui. Eu não vou
passar o resto da minha vida aqui nessa cadeia de aranha.
FUMIGO
Você não poderá voltar pra comunidade.
VAGALÚ
Nós vamos embora. Embora pra sempre. Recomeçar a
vida em outro lugar. Eu dou minha palavra.
(SILÊNCIO)
CIGARRITA
Está bem. Aceitamos a condição. Vocês explodem
aquele sapo e depois podem ir embora. Mas se tentarem qualquer gracinha de
novo, Spy vai estar na cola de vocês.
FUMIGO
E basta uma única mordidinha pra vocês caírem
mortinhos no chão.
(SPY SOLTA ZÉ GRILO E VAGALÚ)
CIGARRITA
Agora, o sal.
VAGALÚ
Venham comigo.
(ELE SAEM)
CENA
16
DUDU
Numa tragédia sempre alguém irá morrer. Com a
história sobre a morte, a gente aprende como viver.
(BIBI ESTÁ DISTRIBUINDO POLÉNS, MAS APRESSADA; ELA
FAZ A MESMA CENA DANÇANDO, PORÉM COM PRESSA EM TERMINAR)
BIBI
Ah, a música me traz uma inspiração que eu nem sei
explicar direito! Vocês sabiam que eu só vivo vinte e cinco dias de vida? Eu
acredito num mundo ideal onde todos os seres vivos, mágicos e não mágicos,
reais e irreais, tenham tempo para a vida, seja de quanto espaço for! Eu não tô
tendo muito tempo. Nem muito espaço. Quanto tempo será que o tempo ainda tem?
(SAPONALDO ENTRA)
SAPONALDO
Ora, ora. Abelha protagonista. Será a garota que
sobra pro final? Será a sobremesa? Ou será a primeira degustação?
BIBI
Senhor Saponaldo, se eu não terminar a distribuição
dos pólens, ninguém sobrevive.
SAPONALDO
Eu já estou um sapo velho. Ninguém vai viver pra
sempre mesmo.
BIBI
Por favor, não!
(SAPONALDO CHEIRA BIBI PERTINHO; SUSPENSE)
SAPONALDO
Se o seu cuspe é docinho, fico imaginando que gosto
tem a carne! (ELE VAI ABOCANHAR BIBI)
(OUTRAS ABELHAS ENTRAM E ATACAM SAPONALDO; NA BRIGA,
SAPONALDO CONSEGUE SE DESVENCILHAR E FOGE)
BIBI
Obrigada, irmãos companheiros! Temos que avisar o
pessoal que o sapo acabou com o acordo!
(BIBI MEDITA ZUMBINDO COM AS OUTRAS ABELHAS;
BOBOLETA E JOÃOZINHO ENTRAM)
BOBOLETA
Bibi! Você está bem? Nós recemos a sua sintonização.
JOÃOZINHO
É verdade? Ele já desistiu?
BIBI
Sim, companheiros, se não fosse pelos meus irmãos,
eu não estaria aqui. Mas ele não parece que vai desistir tão fácil.
JOÃOZINHO
Nós vamos estar preparados.
BOBOLETA
Vou postar na nuvem pros meus seguidores ficarem
sabendo. Tem gente de outras matas que podem vir ajudar.
JOÃOZINHO
Ótima ideia.
BIBI
Eu e meus irmãos iremos sintonizar o pedido de
reforço também.
BOBOLETA
Não vamos nos preocupar! Nós não vamos deixar esse
sapo vencer. Custe o que custar!
(UMA LÍNGUA IMENSA ENTRA EM CENA E GRUDA NAS ASAS DE
BOBOLETA)
BOBOLETA
Ah! O que é isso?
(A LÍNGUA COMEÇA A PUXAR BOBOLETA PRA FORA DE CENA;
OS OUTROS A SEGURAM EM RESISTÊNCIA)
JOÃOZINHO
É o sapo! É o sapo! É a língua do sapo!
BOBOLETA
Me ajudem!
(TODOS PUXAM DESESPERADOS; SAPONALDO PUXA FORA DE
CENA; CIGARRITA, FOMIGO, VAGALÚ E ZÉ GRILO ENTRAM; CIGARRITA E FORMIGO VÃO
AJUDAR A SEGURAR BOBOLETA)
JOÃOZINHO
Puxem!
FUMIGO
Nos ajude, Vagalú! Ele vai comer a Boboleta!
JOÃOZINHO
Puxem!
BOBOLETA
Ah! Minha asa!
CIGARRITA
Zé! Por favor!
JOÃOZINHO
Não! Você não vai levar o meu amor!
CIGARRITA
Jogue o sal, jogue o sal!
(VAGALÚ FICA NERVOSA, SEM SABER O QUE FAZER; SEU
BUMBUM PISCA)
JOÃOZINHO
Eu falei que hoje não!
(JOÃOZINHO PUXA COM FORÇA DERRUBANDO TODO MUNDO E CONSEGUE
SOLTAR BOBOLETA, PORÉM SEM AS ASAS; A LÍNGUA DE SAPONALDO SE ENROLA PRA FORA DE
CENA LEVANDO AS ASAS DA BOBOLETA EMBORA)
BIBI
Oh, não!
JOÃOZINHO
Meu amor...
CIGARRITA
Não...
BOBOLETA
Você me salvou, amorzinho...
ZÉ GRILO
As suas asas...
BOBOLETA
O que tem...? (ELA PERCEBE O QUE ACONTECEU E SE
DESESPERA) Oh, não! Não, não, não! As minhas asas!
JOÃOZINHO
Calma, amor, calma...
BOBOLETA
As minhas asas... as minhas asinhas...
(TODOS FAZEM UM ABRAÇO COLETIVO; O DUENDE INVADE A
CENA)
DUENDE
E uma morte... não precisa ser uma morte exatamente,
não precisa ser literal, com sangue e tudo mais. Pode estar nas entrelinhas,
assim como eu. A morte da liberdade, a morte da transformação... que seja! Mas
acreditem, a força dessa morte, ela retorna o dobro!
(CIGARRITA AGARRA VAGALÚ PELO COLARINHO)
CIGARRITA
Ela podia ter morrido! O que aconteceu com vocês
dois?
VAGALÚ
Eu... eu fiquei nervosa...
BOBOLETA
Não. Não faça isso com nós, Cigarrita. Nós não
podemos perder a sua doçura, a sua justiça. Não agora.
FUMIGO
É verdade. Ela tem razão.
CIGARRITA
Agora é a única hora. (ELA SOLTA VAGALÚ) O sal,
Vagalú. Nós queremos o sal. Nós vamos explodir esse sapo e vai ser agora!
TODOS
Sim!
VAGALÚ
Não.
FUMIGO
Você não está em posição de decidir, mocinha!
VAGALÚ
Eu não posso dar o sal pra vocês.
JOÃOZINHO
Você vai dar o sal! Olha o que ele fez, Vagalú! O
que mais você tá esperando pra perceber?
CIGARRITA
Você é inteligente, Vagalú, por favor...
VAGALÚ
Não.
JOÃOZINHO
Oras, eu vou acabar com a raça dessa lamparina!
BOBOLETA
Não!
VAGALÚ
Eu estava errada. Eu sei. Vejam bem, não quero
parecer a boa moça, nem nada, e ainda tô me lascando pra todos vocês, pra mim é
uma honra vocês não gostarem de mim, vocês são nojentos! Mas a verdade é que...
aquele sal, não só explodiria o sapo, mas explodiria todos nós junto com ele.
FUMIGO
O que?
VAGALÚ
Eu desenvolvi um sapo atômico.
(SUSPENSE)
ZÉ GRILO
Grand Finale! É o cheirinho do apocalipse, chegando!
VAGALÚ
Eu acho... eu acho que eu não quero morrer ainda.
Pra vocês verem que eu não me importo com vocês, eu só quero viver mais um
pouquinho!
CIGARRITA
Obrigada por ter nos falado, Vagalú.
VAGALÚ
É por mim mesma.
BIBI
Obrigada assim mesmo.
FUMIGO
Vamos agora precisar bolar outro plano.
(SPY SURGE)
SPY
Não será necessário. Acabo de finalizar o plano B.
CIGARRITA
O que? Como assim plano B?
SPY
O sal. Montei uma arapuca infalível dessa vez, que
vai fazer o sapo cair direitinho.
FUMIGO
Oh, não!
CIGARRITA
Pelo amor do Mestre Corujão, Spy, a gente precisa
impedir que isso aconteça!
SPY
O que? Por que?
ZÉ GRILO
Bum!
(ESCURIDÃO SEGUIDO DE UM BARULHO DE EXPLOSÃO)
CENA
17
(SAPONALDO ESTÁ TERMINANDO DE COMER AS ASAS DA
BOBOLETA)
SAPONALDO
Essa vida de empreendedor não é fácil. Existe muita
resistência dessa turminha desesperada pela vagabundagem. Todos cheio de
vitimismo barato, é como se eu tivesse culpa de ser o sapo e eles serem os
insetos. O que eu posso fazer? Oh! O que será isso?
(ELE ENCONTRA UMA TEIA DE ARANHA PENDURADA NO ALTO)
SAPONALDO
Aquela aranha espião tem feito cocô por todo esse
lugar.
(SPY SURGE)
SPY
Teia de aranha não é cocô.
SAPONALDO
Ora, ora. Veio tentar mais um dos seus truques?
Escute aqui, peste peçonhenta, você adotou essas crianças que tanto defende,
mas vai morrer do lado delas se continuar assim. Te dou uma última chance de
vir para o meu lado e juntos desfrutarmos dessa imensa refeição teatral!
SPY
Talvez você tenha razão.
SAPONALDO
Oi? O que?
SPY
Preciso te dizer o que foi que eu fiz. Essa teia aí
em cima. Fique longe dela.
SAPONALDO
O que? O que está acontecendo?
SPY
Eu estava errado. Nós somos os predadores desses
insetos. Eles me convenceram que você tinha que morrer, mas eu estava errado.
SAPONALDO
Humm... o que está aprontando dessa vez, espião?
SPY
Eu juro, eu juro que eu tô falando a verdade.
Cuidado com essa teia.
SAPONALDO
E o que tanto tem nessa teia, rapaz?
SPY
Sal.
SAPONALDO
(SE ASSUSTA) Sal?!
SPY
Sim, eles me convenceram de jogar sal em você. Mas agora
eu estou do seu lado. Vamos acabar com aqueles insetos.
SAPONALDO
(REFLETE) Humm... estranho. Por um leve acaso eu
sinto que você está tentando me enganar nessa sua tentativa de me salvar.
SPY
Não, eu juro.
SAPONALDO
E por que eu acreditaria no que você tá falando?
SPY
Porque é a verdade. Você vai explodir se encostar
nessa teia.
SAPONALDO
Bom, eu já sou um sapo velho pra não arriscar. Eu
não tenho nada a perder mesmo.
(SAPONALDO VAI PEGAR A TEIA E OS OUTROS INSETOS
ENTRAM)
VAGALÚ
Não! É verdade! Ele tá falando a verdade. É uma
armadilha com um sal especial que eu preparei.
SAPONALDO
Um sal especial, é? E por que diabos eu iria
acreditar que vocês agora querem me salvar? Bem depois de eu ter exposto a real
aparência desse lagartinho feioso.
(JOÃOZINHO AVANÇA EM SAPONALDO, MAS É SEGURADO)
ZÉ GRILO
Porque se você explodir, todos nós explodimos
também.
CIGARRITA
Por favor. A gente tá implorando por uma chance pra
todos nós. Uma chance pra você e uma chance pra nós.
SAPONALDO
E vocês acham que se eu não encostar no sal vocês
terão alguma chance de sobreviver assim mesmo? A minha fome é sem fim.
FUMIGO
Todo tempo de vida é sempre bem vindo. Por menor que
ele seja. A gente não vai parar de lutar.
SAPONALDO
Hummm... bonito, poético. Pra vocês, lutar já é
vencer, não é mesmo? Pra mim, vencer é vencer.
(SAPONALDO DERRUBA O SAL EM CIMA DE SI MESMO;
GRITARIA; SAPONALDO COMEÇA A SE CONTORCER; UM SOM DE CONTAGEM REGRESSIVA
COMEÇA; OS OUTRO INSETOS CORREM DESESPERADOS, PERDIDOS; ANTES DA GRANDE
EXPLOSÃO, ESCURIDÃO TOTAL)
CENA
FINAL
DUDU
O apocalipse, o fim do mundo. Não tem moral da
história, é como é.
(AS LUZES MOSTRAM A DESTRUIÇÃO DO JARDIM COM OS
DESTROÇOS DE SAPONALDO; A CABEÇA DO SAPO ESTÁ AO CENTRO, NUM FOCO DESTACADO)
DUDU
Todo grande final de toda grande história, é o
recomeço de outra.
(DUDU COLOCA UMA SEMENTE DENTRO DA CABEÇA DO SAPO E
SAI; NUM FINAL MUSICADO GRANDIOSO, UMA FLOR NASCE NA CABEÇA DO SAPO)
FIM
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