CONTOS
CAIPIRAS DE TERROR DA VOVÓ
PERSONAGENS:
Soninha
Júlio
Chico
INTRODUÇÃO
(os
três personagens cantam)
TODOS
História pra boi dormir,
contava a vó Antonieta
Dizia sem escrever, não
manjava das caneta
Coisa que as criancinha só
aguentava com as chupeta
Mistério de lá da estrela,
mistério aqui do planeta
A coisa tá feia, que medo,
que treta!
Quem não for filho de deus
tá na unha do capeta
Tornado que trança os
cavalo, era coisa do perneta
E tinha até luz no céu, nem
precisava de luneta
O homi que já morreu e que
vortô fazê careta
São três conto desse canto,
pra ninguém esquecê a letra
A coisa tá feia, que medo,
que treta!
Quem não for filho de deus
tá na unha do capeta!
SONINHA
Bom
dia, boa tarde, boa noite, caros espectadores de idade inferiores! E das
realidade paralela das imaginação!
JÚLIO
Já
tô ficando com medo antes mesmo de a gente começar.
CHICO
Tem
que ficar com medo, não, Júlio! É história de terror, mas tem muita chance de
nem precisar acreditar.
JÚLIO
Se
minha vó contava era porque era verdade!
SONINHA
As
pessoa inventam muita coisa. Pode ser verdade, mas também pode ser mentira.
CHICO
Eu
desacredito. Se eu nunca vi, nunca ouvi, então pra mim é história pra boi
dormir.
JÚLIO
É
muita gente em diferentes lugares do planeta contando quase que as mesmas
histórias! Alguma coisa há de ser verdade.
SONINHA
Verdade
ou não, eu acho tudo isso muito maravilhoso!
JÚLIO
Maravilhoso?
Você é maluca, Soninha? Você não tem medo não?
SONINHA
Eu
não!
JÚLIO
Careta
no espelho, criatura de uma perna só, bicho interplanetário...! Credo em cruz!
Já tô todo arrepiado só de pensar!
CHICO
Pra
mim é igual assistir um filme. São tudo atores. Igual nóis aqui. É tudo de
brincadeirinha, com bonecos e efeitos especiais. Não tem que ter medo.
SONINHA
Vovó
Antonieta era muito criativa. Cada história uma mais doida que a outra.
JÚLIO
Pois
ela garante que foi tudo verdade. Eu não duvido.
CHICO
Eu
duvido.
SONINHA
Eu
duvido e não duvido.
TODOS
(cantam)
Foi, foi, foi
Vou contar pro cêis
Não se preocupe com os erro
de português
De terror
Vamo contar três
História do sítio não é
coisa de burguês.
CENA 1 – SACI
CHICO
A
que mais me dá medo de todas, minha vó contava pra nóis antes de ir dormir. Essa
é uma história bastante conhecida aqui no Brasil e bastante subestimada também.
Tem gente até que acha que é história infantil, que é história de neném, mas
não é de jeito nenhum! Essa arrepia até o mais bravo dos corajosos!
SONINHA
Vovó
Antonieta, ainda naquela época do lampião, que não tinha energia elétrica, nem
computador e nem celular...
JÚLIO
Nem celular e nem computador? Meu deus do céu, mas como eles viviam?
SONINHA
Vivia
na escuridão do sítio. Morava ela com o vô e mais cinco filhos. Quando chegava
de noite, o vô demorava pra vortá do trabalho. Mesmo na escuridão ela ficava bem
sozinha, fazia a janta e colocava as criança pra dormir. Tudo bem sozinha no
breu da noite.
CHICO
Vovó
esperava ansiosa pelo vô, sozinha, sentada numa cadeira de balanço na varanda.
E toda noite era igualzinha a noite anterior. Ela esperava o véio, e quando
avistava que ele tava chegando, ela ia em sua direção pra um encontro diário
com direito a um beijinho de amor.
JÚLIO
Mas
se tava tudo escuro como é que ela sabia que o vô tava chegando lá longe na
porteira?
SONINHA
O
vovô fumava um cachimbo véio. E logo que chegava na porteira acendia o cachimbo
com o fórfo, pra avisar que tinha chegado. A vó então via a luz do fogo do
fórfo lá longe na porteira e corria em sua direção.
CHICO
Mas
aconteceu que uma noite foi tudo diferente.
JÚLIO
Parecia tudo igual, mas foi diferente!
CHICO
Como de costume, ela estava sentada em sua cadeira fazendo um tricô, com uma vela fraca do lado. E como de costume também, avistou o foguinho do fórfo lá longe da porteira.
JÚLIO
Parecia tudo igual, mas foi diferente!
CHICO
Como de costume, ela estava sentada em sua cadeira fazendo um tricô, com uma vela fraca do lado. E como de costume também, avistou o foguinho do fórfo lá longe da porteira.
SONINHA
(interpreta)
“Eita, que meu véio chegou!”
CHICO
Deixou
a lã numa cesta em saiu pela escuridão atrás do seu amor. Mais uma vez viu o
foguinho acendendo o cachimbo lá longe da porteira e não desconfiou de nada
porque não tinha nada do que desconfiar.
JÚLIO
Mas
eis que ela percebeu que ao invés de o foguinho do cachimbo se aproximar em sua
direção, o cachimbo começou a ir pela direção contrária, entrando no meio do mato que tinha ali do lado do sítio.
SONINHA
“Ué!
Mas que desaforo que meu marido tá fugindo de mim! Vorta aqui, marido! Sou eu!
Onde que ocê vai?”
CHICO
E
a vovó apertou o passo pra acompanhar o foguinho do fórfo que agora estava cada
vez mais longe do que de costume.
SONINHA
“Vorta
aqui, marido! Vorta, homi de deus!”
JÚLIO
Foi
quando ela percebeu, que chegando bem perto de onde o fórfo acendia o cachimbo
mais uma vez, que não era o seu marido quem fumava.
SONINHA
“Uai,
mas se não era o meu marido, era quem?”
(suspense;
Soninha encena o encontro)
SONINHA
“Ai,
minha nossa Senhora! É o Saci-Pererê!”
(o
Saci aparece em forma de boneco, gargalhando e correndo atrás de Soninha)
TODOS
A coisa tá feia, que medo,
que treta!
Quem não for filho de deus
tá na unha do capeta!
CHICO
Mas
ficou tudo bem! Vovó saiu correndo e diz que nunca mais viu a criaturazinha de
uma perna só.
SONINHA
O
Saci é um protetor da floresta e só faz mal pra esses caçadores de bicho e em
gente que coloca fogo na mata. Vovó sempre foi protetora dos bichinho e sempre
cuidou muito bem do sítio. Então não tinha perigo nenhum pra ela.
JÚLIO
Mas
que ela ficou umas boas noites sem dormir, isso é verdade.
CHICO
Isso
é o que ela conta, né?
JÚLIO
Eu
não duvido.
SONINHA
Eu
duvido e não duvido.
TODOS
História que a vovó contava
Pererê que assobiava
Ninguém não tirou uma foto
História não foi comprovada
A coisa tá feia, que medo,
que treta!
Quem não for filho de deus
tá na unha do capeta.
CENA 2 – O FANTASMA
JÚLIO
Vou
te dizer, tudo bem, essa historinha do Saci até que nem dá muito medo assim. Quem tem medo de Saci hoje em dia? Só um
pouquinho às vezes. Mas a segunda história, essa sim. Credo em cruz, creio em deus pai!
Que eu fico todo arrepiado só de lembrar.
CHICO
Essa
é a que eu menos acredito. Eu não acredito que quando a gente morre a gente
pode vortá pra encher o saco dos vivos.
JÚLIO
Eu
acredito. Eu acho que morreu pode vortá sim.
SONINHA
Cada
um com suas crenças. Mas que é uma história bem bizarra isso é.
CHICO
É
verdade. Bem bizarra é.
SONINHA
Vovó
contava que nas redondeza tinha um homi que batia em muié.
JÚLIO
Covarde!
Que coisa mais feia!
SONINHA
Diz
que ele já bateu até na própria mãe, de tão ruim que era o homi.
CHICO
Isso
não é homi, isso é um animal!
SONINHA
Não,
não, é homi mesmo, Chico. Homi faz dessas coisas ainda, mesmo nos dias de hoje,
com celular e tudo.
JÚLIO E CHICO
Que vergonha.
SONINHA
Aí
contam que a última muié que ele teve a coragem de levantar a mão, a filha de
um padeiro da cidade que não achou graça de uma cantada que ele deu nela, e ela reclamou da cantada e tomou um tapão na cara por ter reclamado!
CHICO
A
tal filha do padeiro tomou um tapa na cara e pra revidar pegou uma pedra que tava no chão e jogou bem forte na cabeça do homem.
JÚLIO
Acho que muito que bem feito, por sinal!
JÚLIO
Acho que muito que bem feito, por sinal!
SONINHA
Não
que vingança seja a coisa direita a se fazer, mas a moça, coitada, agiu no
calor da situação. E ainda por cima foi presa por assassinato.
JÚLIO
O
homi morreu de traumatismo craniano.
SONINHA
Mas
acontece que pessoas que morrem com ódio no coração, ou pessoas muito ruins,
não possuem a capacidade de descansar em paz.
CHICO
Vovó
Antonieta conta que o homi morto recebeu a missão divina de se vingar de tudo
os outros homi que ousava brigar com suas esposas. Como forma de pagamento
pelos pecados na Terra.
SONINHA
O
vovô até que era homi direito. Menos quando bebia. Quando bebia o homi virava o
capeta de chato. Vortava do trabalho e dava trabalho pra vovó. Nunca chegou a
bater nela, ela falou, porque se tivesse batido ela ia fazer o mesmo que a
filha do padeiro fez.
JÚLIO
(imita o vô bêbado) "Certa
ela. Não pode levar desaforo pra casa não! E nem dentro de casa, e nem de fora de casa!"
CHICO
Mais
eis que num dia de bebedeira, o vô chegou cheio de graça em casa. Todo forgado
reclamando de tudo. A vó não aceitava não. Não deixava barato não. Mas aquele
dia o véio tava forgado demais.
JÚLIO
(interpreta)
“Sopa de fubá de novo, muié? Eu tô cansado dessa sua sopa de fubá!”
SONINHA
“Pois
faça sua própria sopa, então, oras bolas!”
JÚLIO
“Mas
ocê é minha muié. Tem que fazer a janta direito!”
SONINHA
“Eu
não tenho que fazer nada não, seu forgado! Faço porque te amo, mas não sou
obrigada a nada! Se quiser é sopa e pronto.”
CHICO
E
foi uma só! Vovô ousou levantar a mão pra cima da vó, mesmo sabendo da história
do homi morto.
JÚLIO
E
que história do homi morto era essa, afinal?
CHICO
Diz
que bastava um marido ousar ameaçar a esposa que o homi morto aparecia.
JÚLIO
Credo
em cruz! Mas aparecia morto como se já tava morto?
CHICO
Aparecia
no reflexo do espelho fazendo careta! Assim, ó!
TODOS
A coisa tá feia, que medo,
que treta!
Quem não for filho de deus
tá na unha do capeta.
SONINHA
“Ocê
vai bater ni mim, marido? Vai levantar a mão pra mãe dos seus filhos?”
JÚLIO
“Mas
é o que ocê me deu raiva, muié! Respondeu com grosseria!”
SONINHA
“Mas
não vai bater ni mim não! Trate já de ir pro quarto pensar no que ocê fez!
Agora!”
CHICO
E
o vô, apesar de ser forgado às vezes, tentava se redimir sendo um homi direito.
Ele obedeceu a vovó e foi pro quarto pensar no que quase tinha feito. Chegando
lá, lavou o rosto na pia do banheiro e olhou pro espelho.
JÚLIO
“Nossa
Senhora, que me perdoa de ter quase batido no meu amor. Cachaça maldita!”
CHICO
Mas
era tarde pra se desculpar. No reflexo do espelho, atrás do vô, o espírito do
homi apareceu com uma careta assustadora!
JÚLIO
“Ai,
meu Jesus!”
SONINHA
“Buuuuu!
Rrrááááá!”
JÚLIO
“Sai
de mim, assombração!”
SONINHA
“Saio
não! Saio não! Quem não é filho de deus tá na unha do tinhoso! E o tinhoso sou
eu, meu irmão! Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!”
(o
fantasma, em forma de boneco, corre atrás do vô)
TODOS
História que a vovó contava
Fantasma que apavorava
Ninguém não tirou uma foto
Assombração desfigurada
Ai, que cara feia, que medo,
que treta!
Quem não for filho de deus
tá na unha do capeta.
CENA 3 – VOVÓ ABDUZIDA
CHICO
Ainda
bem que o vô não chegou a encostar na vó, porque diz que o fantasma fazia as
pessoa ficar lelé da cuca.
JÚLIO
Mas
o que o fantasma fez com o vô, então?
SONINHA
Deu
só um sustinho. Coisa de fantasma. A vó que falou!
JÚLIO
Ufa.
Que bom!
(durante
a música, eles encenam com bonecos)
TODOS
E a pior das três histórias
Não é da Terra que ela veio
Olhe pro alto e veja a vida
Vovó que andava meio ausente
Fez um pedido pra estrela
cadente
Pra ajudar o rumo da sua
história caipira
Aquela estrela estava meio
diferente
Ela passava o mesmo horário
todo dia
E ela piscava colorida
E então ela parou ali na
frente
Com a luz acelerada e um
tanto meio quente
E a vovó levou...
Abduzida
A vovó deu um rolê nas
estrelas
A vovó deu uma volta em
Plutão
Numa nave ela estava perdida
Um ET a cumprimentou com a
mão
A vovó diz que foi abduzida
O ET era um homi bem grandão
Numa nave toda colorida
A vovó deu uma volta em
Plutão
JÚLIO
Que
história mais maluca! Essa história sim é um absurdo!
CHICO
No
meu ver, essa é a história mais possível das três histórias da vovó.
JÚLIO
Jura?
Você acha ET mais possível que Saci e que fantasma de morto?
CHICO
Eu
acho. No tamanho desse nosso universo, é bem provável. Olha pro céu, olha quantas estrela, olha quanto espaço entre essas estrela.
SONINHA
Essa
é a história que mais me dá medo. Já imaginou ser levada por aí pelo universo.
Ai, fico toda arrepiada!
JÚLIO
Mas
afinal o que o ET fez?
SONINHA
Diz
a vó que ela tava vortando da igreja num domingo a noite e que a estrela
cadente que ela sempre via naquele horário parou em cima dela e ligou uma luz
bem forte, quase quentinha.
CHICO
E
levou ela pra cima! Pra dentro da nave!
JÚLIO
Tá
louco! O que será que o ET queria?
SONINHA
A
vó diz que ele queria só mostrar os segredos do universo pra ela. Pra ela
largar as preocupações da vida
JÚLIO
Tá me zoando!
SONINHA
Não! É verdade mesmo! Ela era cheio das
depressão. Vivia tomando remédio pra aguentar o próprio coração. Aí num dia de
abdução, teve os problemas resolvidos porque tudo era só preocupação.
JÚLIO
Que coisa mais linda isso!
JÚLIO
Que coisa mais linda isso!
CHICO
Fiquei até cheio das emoção!
Fiquei até cheio das emoção!
TODOS
Tornado que trança os
cavalo, era coisa do perneta
E tinha até luz no céu, nem
precisava de luneta
O homi que já morreu e que
vortô fazê careta
São três conto desse canto,
pra ninguém esquecê a letra
A coisa tá feia, que medo,
que treta!
Quem não for filho de deus
tá na unha do capeta!
(os
atores e os bonecos agradecem)
FIM