DOIS PALHAÇOS NUMA PRAÇA SUJA


DOIS PALHAÇOS NUMA PRAÇA SUJA
De Gabriel Tonin

PERSONAGENS
Totonho
Pacocó

UMA PRAÇA SUJA.


CENA 1

TOTONHO
Bom dia, boa tarde, boa noite, caros telespectadores de idades superiores e inferiores!

PACOCÓ
Gente velha e criançada de todo esse imenso país!

TOTONHO
Humildemente na humildade úmida dessa vida, viemos partilhar de nossas poesias e histórias de palhaço da vida real.

PACOCÓ
É porque ele precisa comprar um sapato novo! Olha esse, coitado. Por isso que tem que vir aqui fazer palhaço, porque não consegue arrumar um emprego decente. E vai ser piada, pi-ada, não poesia, pelo amor de deus!

TOTONHO
(DRAMÁTICO) Eu era trabalhador. Trabalhei, trabalhei, trabalhei e nem mesmo um sapato novo tô conseguindo comprar pra melhorar de vida.

PACOCÓ
E não é? Quem que vai contratar um cara com o dedão pra fora do sapato?  

TOTONHO
Seu sapato é novinho e você também não tem um emprego decente! É Nike ainda! Metido.

PACOCÓ
(ORGULHOSO) Meu emprego é esse aqui! E se tem alguém aqui que não acha decente, que vá cuidar da própria vida e limpar uma boa privada! Comprei num brechó.

TOTONHO
Eu sei, meu amigo, eu sei.

OS DOIS
Procuramo um lugar
No espaço, sei lá
Um lugar bem coloridin’

Pode ver na internet
Nóis viaja, intelect
Os artista estão no fim...

Pode ser bem aqui
Com você bem aí
Precisamos do seu dim dim!

Oh, desesperados!
Minha gente de bem
Ajuda a gente
Precisa um sapato
Pra ir mais além

Oh, desesperados!
Não nos leve a mal
A fome está braba
Estamos na estrada
Pode ser um real.

(ELES PASSAM O CHAPÉU)

PACOCÓ
Quem puder compartilhar com mais de um real, pode ser cinquenta real também.

TOTONHO
A gente tá passando cartão também. Só conversar ali com a produção.

PACOCÓ
Ué, a gente teve que entrar no sistema ou então a gente morria de fome. Aceitamos Visa, Elo, Credcard internacional. Forçaram a gente a ser liberal, é o desespero!

TOTONHO
Falaram que não tinha almoço de graça, mas eu acho que tem gente que tem banquete de graça, viu. Isso sim.

PACOCÓ
Eu não tenho um centímetro de terra que posso considerar meu perante a lei! Nem aqui, nem ali, nem nos lugar público! Tudo tem dodo e meu pai não era dono de nenhum centímetro. Até nos lugar público tem que ter permissão!

TOTONHO
Você não é o único, Pacacó, a maioria do povo vive de aluguel.

PACOCÓ
E é por isso, pela campanha de ajudar Totonho comprar um tênis e ele finalmente encontrar um trabalho decente, que vamo passar esse chapéu mais uma vez, minha gente! Mais uma rodada!

TOTONHO
Não, não! Uma vez já tá bom. Eles entenderam o nosso desespero de sobrevivência com a nossa música!

PACOCÓ
E com esse dedão pra fora também.

TOTONHO
(APRESENTA) Todos pagantes e não pagantes!

PACOCÓ
Reparem que a gente deu o poder de escolha de vossas senhorias!

TOTONHO
Todos são bem vindos para ver Dois Palhaços Numa Praça Suja! E vamos começar com uma poesia que eu escrevi ontem  e ela começa assim... (VAI ATÉ UM MICROFONE E LÊ) “Pombinha branca, não case não, coloca foco na profissão...”

PACOCÓ
Parou, parou, parou! A gente tinha combinado de trazer piadas! Pi-adas!

TOTONHO
Cada um faz a arte que saber fazer, ô! Tá me censurando, Pacacó? Se alguém não gostar e quiser o dinheiro de volta é só ir embora, porque pelo amor de deus não queira o dinheiro de volta, a gente já tava combinando de comprar um pastel!

PACOCÓ
Totonho, pelo amor de deus, coloca essa mão na consciência que ninguém gosta de poesia, as pessoas querem que a gente chute e bunda um do outro e pronto. Quer ver?

(PACOCÓ CHUTA A BUNDA DE TOTONHO; SILÊNCIO)

TOTONHO
Tá de sacanagem comigo? Vai chutar a minha bunda pra quê, rapaz? Eu só tô querendo um sapato.

PACOCÓ
E não era humildemente na humildade úmida? Quer mais humildade do que ganhar um dinheirinho tomando chute na bunda?

(PACOCÓ CHUTA A BUNDA DE TOTONHO MAIS UMA VEZ)

TOTONHO
Ah, não, agora você vai ver! (CORRE ATRÁS DE PACOCÓ)

PACOCÓ
Isso, isso! Festa! Brincadeira!

TOTONHO
Eu vou contar minhas poesias!

PACOCÓ
Palhaço só tem poesia de tristeza. (PARA O PÚBLICO) Vocês preferem piada ou poesia? (IMPROVISO COM AS RESPOSTAS) São dois palhaços, Pacocó! Eles pagaram pra gente fazer eles rir! É ou não é?

TOTONHO
Ué, mas o que eu posso fazer se eu sou mais romântico do que humorista! Eu sou um palhaço romântico. (PARA ALGUM EXPECTADOR, LÊ OUTRA POESIA) “Doce flor do infinito, e amor rima com dor, você é um homem bonito...” Me adiciona no Facebook.

PACOCÓ
Rapaz, mas você tá dando em cima do moço no meio da poesia?

TOTONHO
Eu sou um palhaço das românticas, Pacocó! Eu quero um sapato novo pra encontrar gente que goste de mim! E fala se o moço não é bonito mesmo? Não dá pra ficar perdendo oportunidade não, fio!

PACOCÓ
Tá bom, o moço é boa pinta, tem presença...

TOTONHO
Ai, custa tanto falar a palavra “bonito”?

PACOCÓ
... mas não pode fazer isso! E se o moço tem namorada ou namorado? Vamo ganhar nosso dinheiro igual tudo os artista faz!

TOTONHO
Eu tenho outra poesia aqui...

PACOCÓ
Não! Chega de poesia! Ninguém gosta de poesia! É pra fazer palhaçada, o povo quer palhaçada! A gente tá com a cara pintada e tudo, Totonho.

TOTONHO
Então tá bom.

(TOTONHO DÁ UM CHUTE NA BUNDA DE PACOCÓ)

PACOCÓ
Perdeu a noção do juízo?

TOTONHO
Na bunda dos outros é refresco, né?

(PACOCÓ CORRE ATRÁS DE TOTONHO E DISCUTEM EM GRITARIA)


CENA 2

(NUM ACERTO DE CONTAS, ELES FAZEM OUTRO SHOW MUSICAL)

OS DOIS
Nóis vai tentar
Nóis somo gente de bem
Tudo o que a gente quer é ser bem tratado
E ter comida também

Quem não respeita os cara, não respeita ninguém
O palhaço de verdade quer ser bom também
Quero ser pai, mas tá todo mundo meio sem saída

Tem piada e poesia
É vida louca
Tudo o que a gente precisa é de um novo sapato
Que vida louca

Isso é palhaçaria
É vida louca
Tudo o que a gente precisa é de um novo sapato
Que vida louca!

TOTONHO
Vida louca é gíria de marginal!

PACOCÓ
Queridão, e você acha que você sendo palhaço de rua assim você é considerado o quê?

TOTONHO
Marginal, sem ocupação, sem função social e desvalorizado.

PACOCÓ
Por isso mesmo que a gente tem que à partir de agora contar as piadas que a gente tinha combinado.

TOTONHO
Mas sem forçar a barra, hein? Vamo fazer piada inteligente.

(PACOCÓ CHUTA A BUNDA DE TOTONHO DE NOVO)

TOTONHO
Pacocó!

PACOCÓ
Mas o povo gosta, ô!

(TOTONHO CHUTA A BUNDA DE PACOCÓ)

PACOCÓ
Ei!

TOTONHO
Duas bundas! Isso é uma democracia ou não é?

PACOCÓ
Eu vou contar a primeira piada. “Era uma vez, dois palhaços pobres, desempregados, tentanto comprar um sapato pra poderem melhorar de vida. Fim”. (ELE GARGALHA COM A PRÓPRIA PIADA; TOTONHO NÃO ACHA GRAÇA) É muito boa, vai!

TOTONHO
Essa era a piada super engraçada que você queria contar?

PACOCÓ
É, ué. É uma tragicomédia!

TOTONHO
Realmente. Dizem que por trás de todo nariz de palhaço há um ser humano comum, triste, também desesperado para alimentar os filhos, mesmo os que ainda nem filhos tem.

PACOCÓ
Essa parte a gente esconde! Alegria! Vamo fazer festa pra valer cada um real dentro daquele chapéu! É isso que vocês querem, não é, pessoal?

TOTONHO
Então conta uma piada que seja boa, pelo menos.

PACOCÓ
Ah, vamos ver... Tem que ser uma piada inédita?

TOTONHO
Qualquer piada, Pacocó! Ou então eu vou contar minhas poesias...

PACOCÓ
Não! Eu tenho uma. Eu tenho uma boa!

TOTONHO
Vai lá, então.

PACOCÓ
Qual é a piada do pintinho?

(SILÊNCIO)

TOTONHO
Ah, Pacocó, essa é mais velha que a minha bisavó!

PACOCÓ
Se você é tão espertão, então qual é? Qual é a piada do pintinho?

TOTONHO
É piu! (DEBOCHANDO) Há-há-há, super engraçado.

PACOCÓ
Conta você uma piada então. Quem tá precisando de sapato novo aqui é você, colega! O meu nike até brilha, ó!

TOTONHO
Bom, vejamos. Tinha um homem viajando em um avião...

PACOCÓ
Era um homem branco, negro, japonês, índio...?

TOTONHO
Isso não importa!

PACOCÓ
Como não importa? Eu preciso saber dos detalhes pra entender a graça, ué. O contexto histórico conta muito nessas coisas! Não me venha com piadas preconceituosas, pelo amor de deus, Totonho!

TOTONHO
Não é preconceituosa! (CONTINUA) Tinha um homem de qualquer tipo viajando de avião. Aí a aeromoça chega e pergunta.

PACOCÓ
Era uma aeromoça bonita?

TOTONHO
Deixa eu contar a piada, Pacocó! O que importa se a moça era bonita ou não?

PACOCÓ
Pra mim importa, ué. Eu sou artista detalhista. Supere.

TOTONHO
Um homem de qualquer tipo estava viajando de avião. Uma aeromoça, que não importa se era bonita ou não, mas que era muito gentil e tinha os cabelos curtinhos, chegou para o homem e perguntou: Senhor, “o senhor gostaria de jantar?” “E quais seriam as opções?”, perguntou o homem. E a aeromoça: “sim ou não”.

(SILÊNCIO; PACOCÓ DEMORA PRA ENTENDER, MAIS CAI NA GARGALHADA)

PACOCÓ
Meu deus do céu, mas que aeromoça mais burra!

TOTONHO
Burra não. Era uma aeromoça inocente, coitada.

PACOCÓ
Vocês entenderam? Ela achou que ele tava falando das opções de resposta que ele tinha e não das opções do cardápio! Genial!

TOTONHO
Não tem que ficar explicando a piada, Pacocó. Fim!

PACOCÓ
Você é bom de piada, Totonho. Acho que vamo comprar esse seu sapato rapidinho! Essa foi boa, não foi, gente? Vale passar o chapéu outra vez!

TOTONHO
Não! (IMPEDE A PASSADA) Humildemente humilde e úmido, Pacocó. Estamos aqui pela alegria! Apesar... dos pesares...

PACOCÓ
Se nóis não tá roubando, se nóis não tá matando, ajuda quem quiser, oxi! E mais! A nossa brincadeira aqui está acima do dinheiro! É diversão, piada e chute na bunda! Muito mais legal!

TOTONHO
(GARGALHA) Tá brincando, né? E por um acaso alguém vive sem dinheiro? Dá pra viver sem dinheiro, gente? Não dá!

PACOCÓ
Mas foi você que aceitou fazer essa palhaçada aqui a troco de migalhas!

TOTONHO
E foi ideia sua!

PACOCÓ
Eu avisei você. Meu tênis tá novinho! Olha esse brilho! Eu tô aqui por diversão mesmo.

TOTONHO
E o pastel? E a janta dos filhos?

(SILÊNCIO)

PACOCÓ
E vamos para a próxima piada!

TOTONHO
(SE PREPARA) Tinha um homem com uma bexiga.

PACOCÓ
O homem era branco, negro, magro, gordo...?

TOTONHO
Não importa! Podia ser qualquer homem! Qualquer tipo de homem!

PACOCÓ
Podia ser uma mulher?

TOTONHO
Podia! Podia! Deixa eu terminar de contar, poxa!

PACOCÓ
Termina, uai.

TOTONHO
Tinha uma mulher com uma bexiga. Aí a mulher se cansou daquela bexiga. Ela pegou a bexiga e deu pra outra pessoa com uma agulha bem pontuda. Qual o nome do filme?

PACOCÓ
Que filme?

TOTONHO
O nome do filme que eu falei da mulher da bexiga!

PACOCÓ
Fizeram um filme sobre uma mulher que cansa de ter uma bexiga? Que povo mais sem criatividade!

TOTONHO
Não! É uma piada, é uma piada! A mulher entregou a bexiga com uma agulha pra outra pessoa. Qual o nome do filme?

PACOCÓ
Eu não faço ideia, nunca assisti um filme com esse enredo.

TOTONHO
Toy Story.

(SILÊNCIO)

PACOCÓ
Não entendi. Não consegui entender essa.

TOTONHO
A mulher tinha duas bexigas, se cansou das bexigas e entregou pra uma pessoa com uma agulha, qual o nome do filme?

PACOCÓ
Agora ela tinha duas bexigas?

TOTONHO
Toy Story 2.

(SILÊNCIO)

POCOCÓ
Ainda não saquei.

TOTONHO
Aí a mesma mulher tinha agora três bexigas, se cansou das bexigas e entregou pra uma pessoa com uma agulha...

PACOCÓ
Eu não tô entendendo nada! Qual o problema dessas bexigas, pelo amor de deus?

TOTONHO
Qual o nome do filme?

PACOCÓ
Eu não sei! Eu não sei!

TOTONHO
Toy Story 3.

PACOCÓ
Me explica essa piada que eu não entendi nadinha de nada!

TOTONHO
Calma que já lançou a sequência quatro. Uma mulher tinha quatro bexigas...

PACOCÓ
Não! Me explica o que tem a ver o filme Toy Story com a mulher neurótica com as bexigas!

TOTONHO
(EXPLICA CALMAMENTE; ELE ARRUMA UMA BEXIGA E ENTREGA UMA AGULHA PRA ELE) Tó. E estoure.

(SILÊNCIO; PACOCÓ FINALMENTE ENTENDE A PIADA E GARGALHA DE RIR)

PACOCÓ
Tó e estoure! Tó e estoure! Toy Story! Vocês entenderam? Foi a melhor piada que eu já ouvi na minha vida! Você como poeta é um ótimo piadista, Totonho!

TOTONHO
Poesia eu faço por amor... Aqui é pelo sapato novo, ué.

PACOCÓ
Tem que se vender mesmo, garoto! Não tem jeito. Se quer comer, se quer sobreviver tem que se vender. Vamo passar o chapéu de novo!

TOTONHO
Não! Guarda esse chapéu!

OS DOIS
O tempo vai passar
Tá osso de virar
Se o dia tá ruim
Importante é fazer todo mundo rir
Nunca se esqueçam do palhaço aqui
Não é só pelo dimdim!
Não é pelo dimdim...


CENA 3

TOTONHO
Agora vamos para a parte séria da nossa apresentação!

PACOCÓ
E apresentação de palhaço tem que ter parte séria?

TOTONHO
Olha as condições que nos encontramos, meu amigo! Sapato furado, praça toda encardida de sujeira pra todo canto...

PACOCÓ
Desmonte público, desvalorização dos artistas! Fome! Olha a minha barriga roncando de novo...

TOTONHO
É hora do trabalho social da nossa função. Não viemos aqui só pra contar piada e tentar a sobrevivência, viemos aqui por um propósito maior, na humildade úmida da nossa existência, no desespero de mostrar importância no que a gente faz!

PACOCÓ
Oh, desespero cruel!

TOTONHO
E que todo mundo escute!

PACOCÓ
Todos os transeuntes, expectadores, telespectadores, apoiadores, governantes e gente que chama a gente de vagabundo!

TOTONHO
Nós estamos aqui e viemos nos propôr a dar uma limpada geral nessa praça! E chamar cada um de vocês pra participar dessa jornada. Não por dinheiro, não pra postar no Facebook. Porque é o certo a se fazer!

PACOCÓ
Pra quem não sabe, um pouco de educação não faz mal pra ninguém. (APONTA LATÕES DE LIXO COLORIDOS) Azul é pra colocar papel, vermelho vão as coisas de plástico, verde é pra vidro e amarelo latinhas de metal! Quem vai entrar nessa jornada com a gente?

TOTONHO
À partir de agora, em clima de festa e não de obrigação, quem quiser nos ajudar na limpeza desse local será muito bem vindo! E mãos à obra!

OS DOIS
Criança tem que aprender
O que os pais não ensinaram
O lixo que for fazer
Precisa ser reciclado
Não é só pra tirar foto, é que o planeta tá esgotado...

Não existe jogar fora
As coisas tão aqui dentro
O lixo não vai sumir se não fizermos desse jeito...

TOTONHO
A coisa tá feia, que medo, que treta!

OS DOIS
Vamo deixar tudo limpo pras criança do planeta!

PACOCÓ
A coisa tá feia, que medo, que treta!

OS DOIS
Vamo deixar tudo limpo pras criança do planeta!

(OS DOIS LIMPAM A PRAÇA E PEDE AJUDA DO PÚBLICO PRA SEPARAR O LIXO NAS CORES CORRETAS DE RECICLAGEM; NO MEIO DA LIMPEZA, TOTONHO ENCONTRA UM PAR DE TÊNIS E ELES SE ABRAÇAM EMPOLGADOS COM O FINAL FELIZ)

FIM







AS (DES) AVENTURAS DOS (IN) CORRETOS


AS (DES)AVENTURAS DOS (IN)CORRETOS
De Gabriel Tonin

PERSONAGENS:
BINHO
LARA
CLAUDINEI
SUZANINHA
BUIÚ
TIA SIL
TIA MÁ
CARA-DE-COISA-RUIM (SEU TOMÁS)
MESTRE DIRETOR (MASCARADO/FANTASMA)
CHICLETES (GATO; BONECO)
NÁDIA (HOLOGRAFIA)
SÓCRATES (HOLOGRAFIA)
ENTIDADES (HOLOGRAFIAS)
INTERROGADOR
APRESENTADOR (VOZ)
MULHER (VOZ)
POLÍTICO (VOZ)
LINASGARNORRIANOS (HOLOGRAFIAS)
DEUSA

ESPETÁCULO EM TRÊS ATOS.

ATO 1

CENA 1

CENÁRIO: A ENTRADA DE UM CASARÃO ABANDONADO; UM PORTÃO COM CORRENTES E UM JARDIM MAL CUIDADO.

(BINHO, LARA, CLAUDINEI, SUZANINHA E BUIÚ ENTRAM COM LANTERNAS E MOCHILAS, FEITOS AVENTUREIROS EM GRANDE MISSÃO)

TODOS
Rua indecente
Muda na gente
Prepara esse terror dos vigilantes
A nossa vida agora vai mudar
Trazendo a paz eterna ao nosso lar

Lua minguante
Estrela cadente
Separa o céu do amor dos meliantes
A casa do terror vai acabar
Essa vagabundagem vai se ferrar!

(ELES CORTAM A CORRENTE DO PORTÃO)

BINHO
Gente, eu não sei se a gente
Tem muita moral pra poder vir falar
Sei que a gente é decente,
Mas não é legal julgar só por julgar.

SUZANINHA
Você está borrando as calças
É normal, dá pra sacar
Fica todo assim tremendo
Tá com medo?
Pode voltar.

BINHO
Rua indecente
Muda na gente
Mas somos só criança, adolescentes!
Não sei se é certo vir atrapalhar

BUIÚ
Atrás dessa corrente tem coisa má!

LARA
Binho, você é menininho
Eu até entendo se quiser voltar
Como você é o mais novinho
É normal temer, queremos ajudar.

CLAUDINEI
Você está borrando as calças
Tô sentindo o cheiro daqui
Se quiser pegar uma fralda
Vai correndo e ninguém vai rir!

(TODOS RIEM, MENOS LARA)

BINHO
Lua minguante
Estrela cadente
Proteja tudo o que vier adiante.

TODOS
O mau pressentimento vai passar
Queremos descobrir os mistérios do lugar!

(SUSPENSE; UMA LUZ ACENDE DENTRO DO CASARÃO)

SUZANINHA
Liguem as câmeras dos celulares!

(ELES CORREM SE ESCONDER; FICAM SOMENTE COM AS MÃOS FILMANDO E ÀS VEZES UMA CABECINHA EM CENA)

TODOS
Todo mundo tem rabo preso
Toda história tem bicho feio
Todo mundo assusta a gente
Principalmente os indecentes
Toda história
Professores
Meliantes e malandros

BINHO
Mas sempre tem gente diferente
Tem sempre aquele que surpreende a gente.

TODOS
Mas a história que o mundo gosta
O terror...

BUIÚ
Que cheiro de bosta!

TODOS
Esses ratos que adoram mudar
Ideologizar a sala escolar!

BUIÚ
Defende até arte de rua...

(A PORTA DO CASARÃO ABRE E AS MÃOS SE ESCONDEM; DE DENTRO DO CASARÃO TIA SIL SAI COM UMA LANTERNA FORTE)

TIA SIL
Quem tá aí? (SILÊNCIO E SUSPENSE; ELA ENCONTRA A CORRENTE CORTADA) Molecada descarada, sem vergonha, filhote de ditadura! Quem tá aí? Eu sei que tem gente aí! Apareçam, seus pestinhas!

(SILÊNCIO; ELA FAZ UMA CENA DE MALDIÇÃO REALISTA, MAS FALSA)

TIA SIL
“Criança indecente
Que invade a propriedade de gente de idade
Que a cobra, serpente
Engula a cabeça dessa criança sem piedade!
Em nome de... Satanás!”

(UM TROVÃO; TIA SIL TAMBÉM SE ASSUSTA)

TIA SIL
Eita! (SILÊNCIO) E teje’ dito!

(ELA VOLTA PRA DENTRO DO CASARÃO E BATE A PORTA; AS CRIANÇAS SE REÚNEM AO CENTRO NOVAMENTE)

BINHO
Eu disse! Eu disse! Eu avisei!

SUZANINHA
É professora e ainda fala errado. “Teje dito”. Pff...

BINHO
Agora estamos amaldiçoados! Vamos embora daqui! Antes que essa cobra serpente sereia apareça!

CLAUDINEI
Não tem cobra sereia nenhuma, Binho. Ela estava blefando. Ela faz isso pra assustar as pessoas. A mulher é dessas que fica olhando as estrelas e esperando contato extraterrestre.

SUZANEI
Essa era a professora de física. A maluca culpada da grande explosão.

CLAUDINEI
Oitenta e oito mortos!

BUIÚ
Meu pai disse que desde que ele era criança que eles ficam com esse negócio de fazer bruxaria aqui na rua. Mesmo depois da explosão, os inquéritos deram por acidente. Várias crianças já tiveram a cabeça arrancada pela grande cobra que eles escondem em algum lugar por aqui!

BINHO
Ai...

LARA
Isso é lenda, Binho. Não tem nenhum caso real sobre isso, eu já pesquisei.

BUIÚ
E quem é que acredita em pesquisa, sua ignorante?

SUZANINHA
O que acontece aqui é pior do que bruxaria. Bruxaria é pouco, perto do que eles fazem nesse casarão. (MISTERIOSA) A verdade é que eles eram a professora de física, tem a outra que é de química e o pior de todos...

CLAUDINEI
O professor das filosofia! O Cara-de-Coisa-Ruim!

BUIÚ
Meu deus do céu! (FAZ UM SINAL DA CRUZ)

CLAUDINEI
A doida faz física! Física! Quem gosta de ficar fazendo conta? Pra quê, pra quê?

BUIÚ
Educação física pra mim é jogar futebol!

BINHO
É negócio de ET, não era? Física é isso, não é? Astrologia, me falaram.

LARA
Astronomia! Astrologia é aquele negócio de signos.

SUZANINHA
Pagão!

LARA
Astronomia é o estudo dos astros.

CLAUDINEI
Nossa, que inteligente.

SUZANINHA
Gente inteligente é tudo arrogante.

LARA
Eu não fui arrogante! E eu nem sou tão inteligente assim.

BUIÚ
Meu pai fala que gente inteligente é tudo arrogante também.

LARA
(PARA SUZANINHA) Você não acha interessante saber a diferença de astrologia com astronomia?

BUIÚ
Tô de boa, mas agora já sei. Como que era mesmo?

BINHO
Tô perdidinho no assunto...

LARA
Comunicação pelas ondas matemáticas, Binho! A gente não poderia ter o celular se não fossem por eles.

SUZANINHA
Ué, se quiseram compartilhar a ideia deles a culpa é minha?

BUIÚ
Chega desses assuntos complexos de política!

SUZANINHA
Ninguém tá discutindo política, meu bem. Eu odeio politica! Odeio!

BUIÚ
Tá certo, eu também não gosto não. Meu pai fala que política, religião e futebol não se discute.

SUZANINHA
E filosofia! Filosofia, né, Lara? Parece que tem muita filosofia doutrinada aí.

BUIÚ
Vagabundos!

LARA
Eu... é...

SUZANINHA
Eu estou falando da casa.

(SUZANINHA CANTA MISTERIOSA)

SUZANINHA
Imagine um lugar, existia aqui
Que na escola podia ensinar
Uma escuridão de cultura e expressão
Bruxaria em todo lugar!

BINHO
Credo em cruz!

SUZANINHA
E as roupas que veste, short curto e pochete
E os cabelos queria raspar
Era gente intelect, influence, internect
Só queriam filosofar

CLAUDINEI
Os peixinhos no mar, borboletas no ar
Menininhos coloridins’
Homi frágil pra lá, com frescura pra cá
Poesias pelo jardim

BUIÚ
Papai disse assim, “era só mimimi!”
Homem que podia chorar
Olhe bem ao redor, porque hoje é melhor
Nem precisa filosofar!

SUZANINHA, CLAUDINEI E BUIÚ
As coisas mudaram
Pessoas de bem
Perdeu essa gente que tinha na mente perguntas além
As coisas mudaram
Não pode chorar
A bruxa está morta, fecharam essa porta
De filosofar

LARA
É estranho pensar que o bem e o mal
Foi tão bem dividido assim
Não sei como ocorreu, quem foi que escolheu
Quem podia ou não pensar?

TODOS
As coisas mudaram
Pessoas de bem
Perdeu essa gente que tinha na mente perguntas além
As coisas mudaram
Não pode chorar
A bruxa está morta, fecharam essa porta
De filosofar

As coisas mudaram
Pessoas de bem

BINHO
Quem?

TODOS
Perdeu essa gente que tinha na mente perguntas além

BINHO
Eu tenho algumas dúvidas ainda...

TODOS
As coisas mudaram
Não pode chorar

BINHO
Mas às vezes dói...

TODOS
A bruxa está morta, fecharam essa porta
De filosofar
A bruxa está morta, fecharam essa porta
De filosofar
A bruxa está morta, fecharam essa porta...

BINHO
De filosofar... (BINHO FINALIZA A MÚSICA PENSATIVO; BUIÚ DÁ UM SAFANÃO NA CABEÇA DELE)

BUIÚ
Tô sentindo o cheiro daqui, Binho!

BINHO
Desculpe, tem hora que sai.

LARA
Eu te entendo, Binho.

SUZANINHA
Mas lembre do que a gente aprendeu. Muitas dúvidas só desgraça a vida da gente.

CLAUDINEI
No final, é verdade mesmo.

LARA
Mas só um pouquinho de vez em quando não deve fazer mal algum.

SUZANINHA
Sei não. O diabo é o pai da dúvida!

BINHO
Ai...

LARA
Para de assustar ele!

CLAUDINEI
A nossa sorte é que o Mestre Diretor foi morto antes mesmo de a gente nascer. Eu mesmo não teria coragem de vir aqui se ele ainda tivesse vivo.

SUZANINHA
Ah, para com isso, Claudinei! Era só um professorzinho de arte moderna mixuruca.

CLAUDINEI
O cara fazia peça de teatro e colocava todo mundo pra ficar pelado! Bem aqui nesse casa.

TODOS
Oh!

BINHO
Pelado? Tipo... sem roupa?

CLAUDINEI
Sim, pelado, peladinho, com o bumbum de fora na frente de todo mundo, pra todo mundo ver!

SUZANINHA
Uma indecência!

LARA
Não era coisa pra criança, com certeza. E o que tem de mais num bumbum, gente? Todo mundo tem bumbum.

BINHO
Eu tenho bumbum!

SUZANINHA
E isso importa? Essa casa é a casa das coisas mais horríveis que se pode imaginar! É aqui que eles ensinavam que a gente vivia num planeta redondo, gente! Uma bola! Já imaginaram isso? Por isso que explodiram tudo!

BUIÚ
Se fosse assim, por que quem tá lá embaixo não cai pra cima?

SUZANINHA
É claro!

CLAUDINEI
Se o planeta fosse mesmo uma bola, não se chamaria planeta, se chamaria boloneta!

BUIÚ
Tem razão. Papai diz a mesma coisa.

SUZANINHA
Infelizmente aqueles três ainda insistem em viver e não negam essas ideias ultrapassadas e absurdas!

(SUSPENSE)

LARA
Todo mundo tem o direito de viver desde que nasceu, não?

SUZANINHA
Não! Digo... sim! Mas depende! Se quer viver em comunidade tem que aceitar aquilo que a maioria impõe. Tá na lei!

BUIÚ
Papai diz isso também. Papai diz que a gente só vai conseguir viver em paz verdadeira quando os três aí morrerem também.

(SUSPENSE)

LARA
Ai, gente, credo. Eles vivem na deles. Não incomodam ninguém mais.

SUZANINHA
Mas antes de se trancarem de vez, antes de morrer, aquele diretorzinho, o professorzinho de artes que se achava todo intelect, influence, internect disse em alto e bom som pra todo mundo da cidade ouvir:

(UM FOCO MOSTRA O MESTRE DIRETOR NUM FLASHBACK)

MESTRE DIRETOR
Ideias não são só carne e osso. Ideias são à prova de balas. Por baixo dessa carne existe um ideal. E as ideias nunca morrem...

(O FOCO DESAPARECE)

SUZANINHA
E prometeu vingança! Fazendo o símbolo de V com as mãos, que simboliza satanás.

BUIÚ
Assustador!

BINHO
Eu não entendo por que ele usava aquela máscara.

SUZANINHA
Coisa de artista revolts.

LARA
Referências poéticas!

CLAUDINEI
Uma bobagem só! Frescura!

LARA
Acho curioso e interessante. Quero dizer... um tanto assustador, pelo mistério em si. Mas curioso.

SUZANINHA
Chega de papo furado! Vamo logo concretizar o nosso plano e entregar logo as provas pro conselho de que eles ainda continuam com aquelas... patifarias sem sentido nessa propriedade.

CLAUDINEI
Mantendo essas esquisitices nas redondezas eles só atraem o mal pra todos nós! Atrapalhando a salvação da comunidade inteira! Vocês sabem! Energia ruim atrai energia ruim!

BUIÚ
Por um capricho! Capricho de boiola. Disse papai.

TODOS
Oh!

SUZANINHA
As coisas mudaram já faz muito tempo. E se eles não entenderam a evolução que a maioria escolheu aceitar, é bom que eles se mudem. Ninguém mais quer essas coisas assustadoras por aqui. Ou então, como aconteceu com o diretorzinho mascarado que chamavam de Mestre, que morram!

(SUSPENSE)

TODOS
As coisas mudaram
Pessoas de bem
Perdeu essa gente que tinha na mente perguntas além
As coisas mudaram
Não pode chorar
A bruxa está morta, fecharam essa porta
De filosofar.

(OS CINCO ENTRAM NO CASARÃO PULANDO POR UMA JANELA; BINHO E SUZANINHA FICAM POR ÚLTIMOS)

BINHO
As coisas mudaram
Eu mudei também
Caiu o meu dente
Foi independente do que eu quis pra mim...

SUZANINHA
Caiu o seu dente
Pois deus quis assim...

(BINHO ESTÁ PRESO NA JANELA)

SUZANINHA
Entra logo, Binho!

(SUZANINHA EMPURRA BINHO E PULA ATRÁS; ESCURIDÃO)


CENA 2

CENÁRIO: O HALL DO CASARÃO; UMA ESCADA GRANDIOSA E UM QUADRO COM O MESTRE DIRETOR MASCARADO AO CENTRO.

(OS CINCO ENTRAM; BINHO FICA INTERESSADO COM OS DETALHES)

SUZANINHA
(APONTA O QUADRO) Vejam, um egocêntrico. O cara se endeusava rei dos reis.

LARA
Os outros o considerava um mestre, né?

BUIÚ
Um subversivo drogado, dizia papai.

SUZANINHA
Dono da verdade.

CLAUDINEI
Essas paredes são paredes cheias de energia ruim, energia imoral.

BINHO
Parece mesmo casa de bruxa...

(SILÊNCIO; LARA CANTA RESPONDENDO O MEDO DE BINHO, BRINCANDO PELA CASA)

LARA
Como saber se é santa?

SUZANINHA
(ENFRENTA) Como saber se é do mal?

(OS MENINOS ENTRAM NA BRINCADEIRA TENTANDO ASSUSTAR BINHO)

BINHO, CLAUDINEI E BUIÚ
Como saber se é santa?
Como saber se é do mal?
Como saber se é coisa santa ou do capiroto?

SUZANINHA
(COMEÇA UMA HISTÓRIA) Tanta coisa falam dessa cidade.

LARA
Tempo que a gente nem viu e só ouviu falar!

TODOS
Como saber quem é santa?
Como saber quem é mal?

LARA
Eu sei que eles defendiam a nossa liberdade.

CLAUDINEI
Libertinagem!

SUZANINHA
Mas foram até muito longe para conquistar!

TODOS
Como saber quem é santa?
Como saber quem é mal?

LARA
Eu sei que eles também abobinavam a desigualde.

BUIÚ
Populista!

SUZANINHA
Mas eles só queriam farra para procrastinar!

TODOS
Uh, uh, uh!

LARA
Todo mundo era perdido
Todos procurando amigo!

SUZANINHA
Mas foi assim
Teve o fim!
Melhor pra mim...

LARA
Melhor pra mim?

CLAUDINEI E BUIÚ
Melhor pra mim...

BINHO
Melhor pra mim?

TODOS
Melhor assim!

(UMA LUZ ACENDE NO ANDAR DE CIMA; A MÚSICA TERMINA NUM SÚBITO)

SUZANINHA
Se escondam! Liguem os celulares!

(ELES FILMAM, CADA UM ESCONDIDO EM UM CANTO; TIA MÁ DESCE AS ESCADAS COM UMA VELA, NUM SUSPENSE MACABRO)

TIA MÁ
Tia Sil, é você? Quem tá aí embaixo? Chicletes?

BUIÚ
(IMITA UM GATO BEM REALISTA) Miau! (TODOS FICAM MUITO NERVOSOS)

CLAUDINEI
(COCHICHA) Você é imbecil?

LARA
(COCHICHA PARA BINHO) Chicletes é aquele gato preto.

SUZANINHA
Chiu!

TIA MÁ
Vai dormir, Chiclete! Chega por hoje! (ELA DESAPARECE NOS APOSENTOS; SILÊNCIO; ELES RETORNAM AO CENTRO)

CLAUDINEI
Você é idiota, Buiú? E se ela percebesse a voz do gato diferente, seu burro?

BUIÚ
Todo gato faz miau, ô! Relaxa.

CLAUDINEI
Eu já vi essa cena em algum lugar na deepweb.

SUZANINHA
Na dúvida, cale a boca, Buiú. Pelo amor de deus!

LARA
Essa era a professora de química, né?

CLAUDINEI
A Tia Má.

(SUSPENSE)

BINHO
Tia Má?

LARA
Má de Marcela, calma.

SUZANINHA
Essa que é a maluca dos venenos. A gente tem que conseguir provar que eles continuam com aquelas coisas perigosas que eles estavam tentando construir aqui. Acabar de vez com tudo isso que tá aí, tá ok? Esse é o plano.

BINHO
A máquina do tempo, a nave espacial e o pó da invisibilidade. É isso, né?

SUZANINHA
Exatamente. Encontrando provas desses elementos a gente cai fora, combinado? Consigam qualquer coisa. Uma evidência, uma foto, o que for!

LARA
(PARA BINHO) Acho que isso tá tudo meio distorcido nas fofocas...

SUZANINHA
Quieta! Não interessa o que você pesquisa por aí, Lara. É fato comprovado que esses antigos professores são doidos de pedra, malucos! E criminosos! Tá nos livros.

LARA
Nos livros permitidos, né?

SUZANINHA
O que tá acontecendo com você, Lara?

CLAUDINEI
Gente, vamo logo procurar essas provas!

BINHO
A gente vai ter que se separar? Por favor, não vamos nos separar! Ninguém que é esperto pensa em separar o grupo num casarão de malucos sobrenaturais!

SUZANINHA
Binho vai com a Lara e nós três cada um pra um lado, fechado?

TODOS
Fechado.

BINHO
Ai, Jesus, pai amado!

SUZANINHA
Qualquer coisa, gente. Qualquer coisa esquisita tirem uma foto, façam um vídeo, gritem.

(CLAUDINEI TIRA UMA FOTO DE BUIÚ)

BUIÚ
Qualé?

CLAUDINEI
Ela falou qualquer coisa esquisita.

BUIÚ
Ah, vai se ferrar!

SUZANINHA
Lembrem-se! (MISTERIOSA) Cuidado com os cartazes ideológicos. Eles eram professores, sabiam mandar recados camuflados em arte e tecnologia, e até mesmo em palavras por escrito num negócio que esse tipinho chamava de... (MISTERIOSA) metáforas poéticas.

TODOS
Oh!

SUZANINHA
Deve ter espalhado esse tipo de magia em cada canto dessa casa. Agora vão! E tomem cuidado...

(ELES SAEM CADA UM PRA UM LADO; BINHO E LARA SOBEM OS PRIMEIROS DEGRAUS DAS ESCADAS)

BINHO
Você acha mesmo que eles são bruxos das trevas que arrancam cabeça de criancinhas e adolescentes, Lara?

LARA
Se você quer mesmo saber, Binho, eu desconfio que tem sim um mistério envolvendo tudo isso. Um mistério até mágico e sobrenatural. Mas... (PAUSA)

BINHO
Mas...?

LARA
Eu não sei bem quem foi que decidiu qual lado era o lado do mal e qual era o lado do bem nessa história.

BINHO
Como assim?

LARA
Essas coisas de bem e mal não é tão simples de tomar uma decisão certeira. Às vezes é tudo uma questão de perspectiva!

(LARA CANTA SUBINDO AS ESCADAS, ESCLARECIDA E CONFIANTE)

LARA
Eu creio que quem tem coragem
Tem que saber desconfiar
Das coisas que chamamos de verdades
E nem sempre garantimos em provar.

BINHO
Explica melhor...

LARA
O sol, o rio, o ar agem de um jeito
Não importa se você não acreditar
Existe uma verdade absoluta
Não sei qual, mas temos que procurar

Não importa se falaram que Jesus criou
Sem explicar como foi que ele fez
Universos paralelos e mistérios
Duvidar é o começo do que eu sei

BINHO
Mas não pode! É proibido!

LARA
A lua, o sol tem forma de redondo
Por que a Terra não será também?
Há muita coisa que estão escondendo
E esses professores sabem mais além!

BINHO
Mas mamãe dizia que queriam doutrinar!
E na TV falou isso também
Que queriam enfiar na goela abaixo
Uma ideia sem provar que era do bem.

LARA
Sim mamãe dizia que queriam doutrinar!
Por fim fizeram o mesmo com você
Só podia ensinar o que pensavam
Os poderosos, das riquezas e além

Ah, se pudesse pesquisar!
E que cada um conclua o que tiver...

BINHO
Mas mamãe dizia que queriam doutrinar!

LARA
Por fim fizeram o mesmo com você
Só podia ensinar o que pensavam

BINHO
Os poderosos, das riquezas e além

LARA
E aí iremos conseguir
Nos unir e evoluir
E juntar...

BINHO
Pequenas partes

LARA
De cada um.

(LARA PEGA BINHO PELA MÃO NUMA CENA ROMÂNTICA E ELES DESAPARECEM ESCADA ACIMA; ESCURIDÃO)


CENA 3

CENÁRIO: UM FOCO NO TELHADO DO CASARÃO; UMA LUA CHEIA AO FUNDO.

(O GATO CHICLETE SE LAMBE TRANQUILAMENTE; ELE OUVE LATIDOS AO LONGE E PARA PRA PRESTAR ATENÇÃO POR ALGUNS SEGUNDOS, MAS LOGO VOLTA A SE LAMBER CALMAMENTE; ELE CANTAROLA A MESMA MELODIA DA MÚSICA ANTERIOR APENAS COM “MIAUS”, NUM TOM IRÔNICO E PREPOTENTE)

CHICLETES
A verdade, seres humanos confusos e idiotas, é que vocês não conhecem um décimo da verdade. Ouso dizer, miau, que conhecem zero, vírgula, zero, zero, zero... zero um por cento da verdade absoluta – jogando alto – e enchem o peito pra dizer que são donos da verdade, o topo da cadeia alimentar. Vejam, sou um gato conversando com pessoas, e não é magia ou bruxaria. Apenas convenções e convicções que podem ser quebradas de um dia pro outro num momento de revelação científica, ou pros mais elevados, num momento de revelação artística espiritual. (VIOLENTO COM O PÚBLICO) Nesse quadrado chamado de palco um gato pode conversar com vocês, criançada! E essa é uma verdade absoluta, por mais desconexa que isso possa ser com a história em si, e também por menos realista que isso possa parecer. (SE ACALMA RAPIDAMENTE) Quem pode comprovar que isso tudo aqui não faz parte de uma projeção astral de outras realidades que vocês como meros seres humanos carnais ainda sejam incapazes de compreender? Ninguém pode comprovar a existência de um deus superior, mas também ninguém pode comprovar a não existência de uma magia gatuna sob a luz do luar, numa cena poética e musicada e de pura filosofia existencial felina! Talvez a prova esteja em todos os lugares, miau, e – desculpem pela frase clichê – pior cego é aquele que não quer ver. Miau!

CARA-DE-COISA-RUIM
(EM OFF) Cala a boca, Chicletes! Vai namorar em outro lugar! Ô, gato chato, fica nessa gritaria a noite toda...

CHICLETES
Namorar? Quem tá namorando aqui? Deus me livre, que delícia. Oh, miau! Criminalizaram o pensamento, meus caros expectadores. “Gatos não falam, gatos não pensam, gatos não filosofam sobre o universo”, eles dizem. (PAUSA) Humanos medíocres. Miau!

CARA-DE-COISA-RUIM
Chispa, Chicletes! Chiu! Passa, passa!

(CHICLETES FOGE PRA OUTRO CANTO)

CHICLETES
Todo mundo tem rabo preso
Toda história tem bicho feio
Todo mundo assusta a gente
Principalmente os indecentes
Toda história
Professores
Meliantes e malandros

Mas sempre tem gente diferente
Tem sempre alguém que até surpreende a gente.

Mas a história que o mundo gosta
O terror com cheiro de bosta!
Esses ratos quiseram bolar
A proibição da sala escolar!

Criança aprendendo na rua...

Miau!

(ELE SAI INDIFERENTE; ESCURIDÃO)


CENA 4

(TRÊS FOCOS APRESENTAM OS TRÊS PROFESSORES VIVOS, TIA MÁ, TIA SIL E CARA-DE-COISA-RUIM; UM FOCO ACIMA APRESENTA O FANTASMA DO MESTRE DIRETOR NA MESMA POSE DO QUADRO; ELES NARRAM PARA O PÚBLICO)

MESTRE DIRETOR
Caros alunos expectadores! No passado, as coisas não costumavam estar na melhor não. Isso é saudade da infância, sentimento de nostalgia pessoal. Todo mundo velho sempre acha que no seu tempo as coisas eram melhores. Não, isso é só saudade mesmo. Saudade da infância privilegiada!

TIA SIL
Mas de certa forma, as coisas mudaram e não mudaram pra melhor, pra variar.

MESTRE DIRETOR
Um golpe de estado de um maluco!

TIA MÁ
Um golpe na boca do estômago de todo mundo que ainda sentia necessidade de exercitar o cérebro!

CARA-DE-COISA-RUIM
E a liberdade de filosofia foi tomada por uma onda da verdade absoluta que um único homem podia dizer qual era. A verdade das verdades foi escolhida por uma pessoa só.

TIA SIL
Com uma desculpa de se acabar com as guerras.

TIA MÁ
Com as discussões! Uma única verdade absoluta incontestável.

CARA-DE-COISA-RUIM
E detestável!

MESTRE DIRETOR
Todo pensamento contrário à regra que esse homem decidiu, foi banido da história, da ciência e dos prazeres do conhecimento universal.

TIA SIL
Por mais ou menos evidências que nós professores e cientistas apresentássemos...

TIA MÁ
Esse homem, o homem poderoso, o novo e principal rei da nova era, estava satisfeito com a regra e a resposta que ele mesmo tinha escolhido por si mesmo como a grande verdade absoluta.

CARA-DE-COISA-RUIM
E todo mundo foi obrigado a pensar como ele.

MESTRE DIRETOR
Foi fácil até, convencer o povo.

TIA SIL
É trabalhoso refletir.

TIA MÁ
Cansa pensar demais.

CARA-DE-COISA-RUIM
Estudar é chato, dói.

(ELES INICIAM UM NÚMERO MUSICAL)

MESTRE DIRETOR
O rei, um cara mau
Até onde sei, um ignorante
Juntei, me rebelei
Até chamei os estudantes
Briguei e apanhei
Perdi, desaparecido
Ninguém jamais me achou
E eu me afundei...

(O FOCO DO MESTRE DIRETOR SE TRANSFORMA NO QUADRO DA ESCADA)

TIA SIL, TIA MÁ e CARA-DE-COISA-RUIM
No mar, o rei jogou
Os restos lá
Dos professores
Sobrou quem se calou
Quem se trancou
Os desertores
O rei vangloriou
A nova lei do ignorante
E foi, se proibiu
Gente pensante...

(O QUADRO SE TORNA O FANTASMA DO MESTRE DIRETOR NOVAMENTE)

MESTRE DIRETOR
“Nem mais dançar
Não pode mais
Se for cantar, enforca esse rapaz
Se é um musical, manda parar
Pode prender, é ilegal
E quem quiser, ser marginal
Joga no mar!”

TIA SIL, TIA MÁ e CARA-DE-COISA-RUIM
Os pais
E as mamães
Amedrontaram
Num golpe baixo, uh!
Provou
Que o professor
Era o terror
Era o diabo
E assim
A confusão
Do mal e o bem
Foi instaurado
E o povo aceitou
Ser enganado.

MESTRE DIRETOR
“Nem mais dançar
Não pode mais
Se for cantar, enforca esse rapaz”

TODOS
“Se é um musical, manda parar
Pode prender, é ilegal
E quem quiser, ser marginal
Joga no mar!”

MESTRE DIRETOR
“E quem quiser, ser marginal
Joga no mar!”

(O FOCO DO MESTRE DIRETOR DESAPARECE; OS OUTROS TRÊS OBSERVAM COM PESAR E SAUDADE)

TIA SIL
Eram tempos difíceis, mas eram tempos bons. Pelo menos, melhores que hoje.

TIA MÁ
Lembre do que ele dizia! Esse negócio é nostalgia de gente velha.

CARA-DE-COISA-RUIM
Mas acho que ele não imaginava que realmente a gente podia ter um retrocesso tão grande assim. Não é só nostalgia de gente velha não. Quando a gente não tinha medo de pensar por si mesmo, as coisas eram melhores sim.

TIA SIL
Bom, pelo menos ninguém mais briga, não tem mais discussão. A verdade das verdades é uma só estabelecida.

TIA MÁ
Não sei como isso pode ser um “pelo menos”. Isso é terrível! A criançada tudo sendo enganada por um rei bocó que acha que a Terra é quadrada e ninguém pode ousar questionar a ideia dele que ele manda jogar pra comida de tubarão.

TIA SIL
Chiu! Não fala muito alto. Você sabe como é perigoso. Eu acho... eu acho que prefiro sobreviver mesmo assim. Mesmo... desse jeito... assim... sobrevivência, queridos... (TIA SIL SAI CABISBAIXA)

CARA-DE-COISA-RUIM
Um “pelo menos” que é realmente “bom”, é que ele nunca vai conseguir proibir as pessoas realmente de pensar. De falar sim, compartilhar um pensamento sim, mas não, nunca de pensar.

TIA MÁ
De que adianta poder pensar, poder descobrir, poder saber... sem poder mostrar pras pessoas, sem poder ensinar os pensamentos?

(SILÊNCIO)

CARA-DE-COISA-RUIM
Eu acho que eu também tenho medo de virar comida de tubarão.

(SILÊNCIO; CHICLETES ENTRA E SE ESFREGA NAS PERNAS DA TIA MÁ)

CARA-DE-COISA-RUIM
Esse gato fica gritando no telhado a noite toda! Já tô por aqui com você, Chicletes!

CHICLETES
Mi-au.

(CARA-DE-COISA-RUIM SAI; TIA MÁ SENTA-SE EM UMA POLTRONA E CHICLETES DEITA EM SEU COLO)

TIA MÁ
É, Chicletes. Ainda bem que você não tem a preocupação em saber do que se trata a sua existência. Você fica aí. Todo no bem bom. Só vive. Vive e vive. E tá bom assim, né? Talvez... eu bem que gostaria de ser um gato. (PAUSA) Ou se fosse pra ter que ficar calada a vida inteira... já tô pouco me importando de virar comida de tubarão ou não.

CHICLETES
“Você pode até conseguir enganar algumas pessoas todo o tempo. Você pode também até conseguir enganar todas as pessoas por algum tempo. Mas uma coisa que você absolutamente nunca vai conseguir – miau – é enganar todas as pessoas todo o tempo”. Abraham Lincoln.

TIA MÁ
Às vezes eu tenho a impressão que só você consegue entender esse mundo, Chicletes.

CHICLETES
Às vezes eu também acho isso, mas seria muita prepotência da minha parte ficar falando isso por aí o tempo inteiro. Prepotente feito os norte-americanos, inclusive.

TIA MÁ
Gatinho fofinho.

CHICLETES
Miau!

(A LUZ CAI EM RESISTÊNCIA ENQUANTO TIA MÁ CANTAROLA A MELODIA DA ÚLTIMA MÚSICA; ESCURIDÃO)


CENA 5

(A CENA MOSTRA OS CINCO JOVENS VASCULHANDO A CASA, EM VÁRIOS CÔMODOS, NUMA PASSAGEM DO TEMPO COM JOGO DE LUZ; BINHO SEMPRE COM MEDO E TODOS NUM CLIMA DE SUSPENSE INVESTIGATIVO; SUZANINHA DE REPENTE ENCONTRA UMA SALA CHEIO DE ELETRICIDADE, COM OBJETOS BRILHANTES E HOLOGRÁFICOS E COMPUTADORES ESTRANHOS)

SUZANINHA
Minha nossa! Olha se isso não é comprovação de pura bruxaria! (ELA ENVIA UMA MENSAGEM PARA OS OUTROS NO CELULAR) Galera, eu achei uma sala, vou tirar umas fotos, mas vocês deviam ver isso. Vai que é invisível e não aparece nas fotos.

(SUZANINHA SE INTERESSA EM DOIS BOTÕES, UM VERDE E UM VERMELHO BEM CHAMATIVO; O BOTÃO VERMELHO ESTÁ FECHADO NUMA CAIXINHA DE VIDRO; ELA COÇA A MÃO NA CURIOSIDADE)

SUZANINHA
Pra que será que serve esses botões?

(ELA PEGA O CELULAR E TIRA VÁRIAS FOTOS, FAZENDO SELFIES EXAGERADAMENTE FELIZ; ELA FAZ UMA GRAVAÇÃO)

SUZANINHA
(SUPER FELIZ) Olha gente, eu tô postando ao vivo pra caso aconteça alguma coisa comigo e eu não saia viva. Mas olha o que esses três fazem nessa casa. Sim! Eu estou na casa dos professores malucos! Olha isso! (ELA FILMA ALGUNS OBJETOS) Eles podem garantir controle nessas experiências esquisitas aqui? Eles podem? Pra mim, eles pretendem voltar naquelas épocas nojentas de gente fazendo protesto com peito de fora na Paulista!

(O FOCO MUDA RAPIDAMENTE PARA BINHO E LARA, EM OUTRO CÔMODO)

LARA
E aí a minha mãe desconfia que o Mestre Diretor não era todo esse vilão assim. Que foi violento, mas que não era violento. Que teve que ser violento contra a violência. Conseguem entender?

BINHO
Eu não consigo.

(BINHO DERRUBA ALGUM OBJETO; OS DOIS SE ASSUSTAM)

LARA
Cuidado, Binho!

(O CELULAR DOS DOIS RECEBE UMA MENSAGEM; BINHO OUVE NO SEU)

SUZANINHA
(VOZ) Galera, eu achei uma sala, vou tirar umas fotos, mas vocês deviam ver isso. Vai que é invisível e não aparece nas fotos... Pra que será que serve esses...?

LARA
Meu deus do céu, ela tá ao vivo!

(LARA LIGA O VÍDEO)

SUZANINHA
(VOZ) Eles podem garantir controle nessas experiências esquisitas aqui? Eles podem? Pra mim, eles pretendem voltar naquelas épocas nojentas de gente fazendo protesto com peito de fora na Paulista! (UM BARULHO) Ai, meu deus do céu! Tem alguém aqui. Se acontecer alguma coisa comigo, lembrem-se de mim como a pessoa que expôs toda essa patifaria, Suzaninha do Dezoito. Mamãe, papai, eu amo vocês! Ai! (BARULHO E O VÍDEO DESLIGA)

LARA
Ai, meu deus do céu! Venha, Binho!

BINHO
E agora? E agora?

LARA
E agora que ela é nossa amiga e a gente tem que salvar ela!

(O FOCO MUDA NOVAMENTE PRA OUTRO CÔMODO, COM BUIÚ; ELE SE ENCANTA COM DIVERSAS FLORES E ERVAS, NUMA PEQUENA ESTUFA ESTRANHA E QUE SE MOVIMENTA LENTAMENTE, COMO SE AS PLANTAS ESTIVESSEM RESPIRANDO)

BUIÚ
Caraca! Olha isso! Eles são traficantes. (ELE TIRA FOTOS ENTUSIASMADO; ELE SE INTERESSA POR UMA PEQUENA ÁRVORE COM UM ÚNICO FRUTO ESQUISITO) Que maçã mais esquisita. (ELE TIRA UMA ÚNICA FOTO E RECEBE A MENSAGEM DE SUZANINHA)

SUZANINHA
(VOZ) Galera, eu achei uma sala, vou tirar umas fotos, mas vocês deviam ver isso. Vai que é invisível e não aparece nas fotos. Pra que será que serve esses...?

BUIÚ
(GRAVA RESPOSTA) Eu também achei uma sala fenomenal! É a prova de que eles são traficantes de fruta proibida. Vou enviar as fotos, é incrível! (ELE ENVIA AS FOTOS E GUARDA O CELULAR; MAIS UMA VEZ FICA FASCINADO COM O FRUTO) As histórias que o povo conta... desses frutos. É curioso. Não parece tão... perigoso assim. (BUIÚ COLHE O FRUTO E O SEGURA ORGULHOSO; O FRUTO BRILHA ESTRANHAMENTE MÁGICO; GRANDE SUSPENSE; BUIÚ FICA FASCINADO E VAI PARA MORDER; POUCO ANTES DE MORDER SEU CELULAR TOCA E ELE ATENDE) Fala, Lara!

LARA
(VOZ) Buiú! A Suzaninha está em perigo! Ela precisa da gente!

BUIÚ
Que?

LARA
(VOZ) Ela fez um vídeo ao vivo! Será que ela acha que os professores não usam internet? Foi a ciência que inventou a internet, caramba!

BUIÚ
Tô indo.

(UM POUCO DESESPERADO, BUIÚ GUARDA A MAÇÃ NA MOCHILA E SAI CORRENDO; ESCURIDÃO; DEPOIS DE UM TEMPO EM SILÊNCIO; UM FOCO MOSTRA CLAUDINEI ENTRANDO EM UMA BIBLIOTECA COMUM, COM UM ÚNICO LIVRO NUM PÚLPITO EM DESTAQUE)

CLAUDINEI
Minha nossa senhora! Olha isso. Eu nunca vi tantos juntos assim. Tem nome isso. Como é o nome disso mesmo, quando tem vários livros juntos? Cadeia! (ELE RETIRA UM LIVRO DA PRATELEIRA E ACHA CURIOSO COM O QUE LÊ; RETIRA OUTRO LIVRO, LÊ E DISCORDA UM POUCO) Estranho, estranho. (ELE PEGA MAIS UM LIVRO, LÊ E SE ASSUSTA) Caramba! Jesus amado! Isso aqui é perigoso, isso aqui é perigoso.

(UM FOCO DÁ MAIS DESTAQUE AO LIVRO ESPECIAL DO PÚLPITO; CLAUDINEI FICA FASCINADO INSTANTÂNEAMENTE)

CLAUDINEI
Isso aqui não é de deus, isso aqui não é de deus!

(COM GRANDE SUSPENSE, CLAUDINEI VAI SE APROXIMANDO DO LIVRO BRILHANTE; ELE VÊ QUAL É O MISTERIOSO LIVRO E O SUSPENSE ACABA DE REPENTE)

CLAUDINEI
O que? Tá de sacanagem comigo!

(ESCURIDÃO)


CENA 6

SUZANINHA
(VOZ) Pra mim, eles pretendem voltar naquelas épocas nojentas de gente fazendo protesto com peito de fora na Paulista! (UM BARULHO) Ai, meu deus do céu! Tem alguém aqui. Se acontecer alguma coisa comigo, lembrem-se de mim como a pessoa que expôs toda essa patifaria, Suzaninha do Dezoito. (ECO EM “SUZANINHA DO DEZOITO”; SUSPENSE)

(QUANDO AS LUZES SE ACENDEM, SUZANINHA ESTÁ NO CÔMODO DAS COISAS ELÉTRICAS FRENTE À FRENTE COM CHICLETES; AMBOS SE ENCARANDO EM SILÊNCIO, AMBOS ARREPIADOS EM DEFESA)

CHICLETES
Essa criança não devia estar aqui.

SUZANINHA
Um gato preto. Oi, gatinho fofinho...

CHICLETES
Quem é você, garota medíocre? Não se aproxime!

SUZANINHA
Ai, calma. Tá tudo bem, você é muito fofinho!

CHICLETES
Alguém sabe que você está aqui, garota enxerida? Essa sala é perigosa para ignorantes, inclusive até pra professora, mas ela é muito prepotente pra perceber.

SUZANINHA
Ai, meu deus o que eu faço com esse gato? Chispa! Vai! Vai brincar, vai, gatinho!

CHICLETES
Vai você brincar, criança. Brincar! Coisa de criança da sua idade! Na minha idade a gente gosta é da reflexão.

(SUZANINHA PEGA O CELULAR E TIRA UMA FOTO DE CHICLETES)

SUZANINHA
Gato preto. Prova de magia negra e sacrifícios de animais. Isso, fica quietinho pra foto, gatinho lindo.

CHICLETES
Sacrifícios? Eu tô vivo, mocoronga!

(BINHO E LARA ENTRAM CORRENDO; CHICLETES SE ASSUSTA TODO ARREPIADO E FICA SE SENTINDO ENCURRALADO)

CHICLETES
Mais crianças? Mais crianças? O que está acontecendo aqui? (CHAMA) Miau!

SUZANINHA
Cale a boca, gato nojento!

CHICLETES
Máscaras que caem...

LARA
Você está bem? A gente pensou que... a gente veio correndo, te achamos por sorte...

SUZANINHA
Era só o gato. Vejam descrentes. Um gato preto. Quer mais prova que isso?

(SILÊNCIO)

LARA
Eu não acho que isso seja uma grande prova de nada.

SUZANINHA
Ah, meu deus, Lara, como você é inocente. Você não consegue ver maldade nas coisas, né? Talvez porque a maldade esteja em você, será?

CHICLETES
Eu pensaria o contrário.

LARA
É só um gato.

CHICLETES
Eu não sou só um gato. Eu tenho nome e um direito nesse espaço, assim como vocês.

SUZANINHA
Vocês são muito ingênuos mesmo.

BINHO
Ele parece tão fofinho.

CHICLETES
Obrigado, me pareceu sincero o elogio, mas eu tenho dificuldades em confiar em seres humanos. São falsos!

SUZANINHA
Só não vê a verdade quem não quer ver.

LARA
Aff...

BINHO
Vem cá, gatinho, vem cá! Pss, pss, pss...

(CHICLETES VAI SE APROXIMANDO DE BINHO AOS POUCOS, QUERENDO CARINHO, MAS ORGULHOSO)

CHICLETES
Eu vou se eu quiser, eu não sou obrigado a nada...

SUZANINHA
O que vocês dizem dessa sala, Lara? Olha pra isso. Todas essas esquisitices sem fundamento. Você não vê o quanto isso pode ser perigoso? Lembra que eles quase explodiram a cidade naquele experimento, Lara? Disso você esqueceu de se explicar, né? Oitenta e oito pessoas mortas! Avôs e avôs de muita gente!

LARA
Na verdade é você que esqueceu da parte que eles foram convocados pelo conselho para testar aquele experimento! É curioso, não acha? Justo o conselho, que hoje proibe essas práticas aqui, já usou das mesmas práticas pro fim que queriam.

SUZANINHA
Você está deturpando toda a verdade!

LARA
É você que está deturpando toda a verdade!

CHICLETES
Vocês não sabem de nada. É muito mais complexo. Aceito o carinho, humano, você tem cara de ser bonzinho.

BINHO
Oun, você quer ser meu amiguinho? Ele é tão fofinho que eu fico até emocionado.

CLAUDINEI
Eu já vi isso na deepweb.

SUZANINHA
Se o conselho mandar você explodir alguma coisa você explode, Lara?

LARA
Você prefere virar comida de tubarão?

(SILÊNCIO)

LARA
Eu acho que o conselho colocou eles aqui de prisão domiciliar e não jogaram no mar, exatamente porque sabiam da própria responsabilidade na explosão.

SUZANINHA
Eu acho que... que... não interessa! A gente veio aqui pra desmascarar esses cretinos satãnistas! A gente veio em busca da verdade!

LARA
Acho também. Foi pra isso que eu vim também. Eu vim em busca da verdade e não já com a sentença dada!

SUZANINHA
Ora, garota...!

(BUIÚ ENTRA EM CENA CORRENDO)

BUIÚ
Achei vocês! Essa casa é gigantesca! Uau! Que sala incrível! Vocês precisam ver a sala que eu encontrei também. É algo como uma estufa. Só que as frutas e as flores são completamente diferentes das que eu já vi na minha vida inteirinha!

BINHO
Você só tem doze anos.

BUIÚ
Treze, pirralho! Treze!

CHICLETES
Vocês estão invadindo uma propriedade privada. Isso é algum tipo de motim juvenil? Eu vou chamar alguém.

(CHICLETES SAI)

BINHO
Eu sinto que ele vai alertar alguém que a gente tá aqui. Eu às vezes acho que consigo me comunicar com os animais.

BUIÚ
O que será que esse botão faz?

LARA
Parece que o vermelho é mais perigoso. Já que tá tão protegido.

BUIÚ
Então o verde deve ser de boa. (BUIÚ APERTA O BOTÃO VERDE)

LARA
Não!

SUZANINHA
Você é burro?!

(SUSPENSE; LONGO SILÊNCIO; POR UM MOMENTO NADA ACONTECE)

BUIÚ
Viu? Eles são malucos, criam botões que não significam nada.

(UMA IMAGEM HOLOGRÁFICA DE UMA MENINA SURGE AO FUNDO; APENAS BINHO A VÊ; ELA SURGE AOS POUCOS, DE UMA LEVE FUMAÇA ATÉ SE TRANSFORMAR NUMA HOLOGRAFIA MEIO DESFORME E IMPRECISA)

SUZANINHA
Mais alguém tirou fotos?

BUIÚ
Eu tirei.

SUZANINH
Vamo embora daqui antes que dê algum problema.

LARA
Suzaninha, você fez um vídeo ao vivo. Eles provavelmente já devem saber que a gente está por aqui!

SUZANINHA
Imagina, eu nem tenho eles no Instagram.

LARA
É melhor a gente embora mesmo.

BINHO
Gente, vocês estão vendo aquilo?

(CLAUDINEI ENTRA)

CLAUDINEI
Galera, finalmente, vocês não vão acreditar em qual livro que eles deixam de exposição especial naqueles lugares que guardam livros!

BUIÚ
Lugares que guardam livros?

BUIÚ
Cadeia?

LARA
Biblioteca.

CLAUDINEI
Exato! É muita cara de pau... (CLAUDINEI VÊ A MENINA NÁDIA AO FUNDO, OLHANDO CURIOSA PARA ELES) Quem é ela? O que é aquilo?

(TODOS SE VIRAM PRA OLHAR PRA NÁDIA)

NÁDIA
Olá!

TODOS
(GRITAM) AAAAH!

(ELES SE ESCONDEM ENTRE OS OBJETOS E MÓVEIS)

BUIÚ
É um fantasma! É um fantasma!

BINHO
Eu sabia! Eu sabia!

SUZANINHA
Nossa senhora Aparecida, que nos proteja de todo o mal...

NÁDIA
Vocês apertaram o botão, não apertaram? Achei que quisessem conversar. Não precisam se esconder não.

(SILÊNCIO)

NÁDIA
A propósito. Eu nunca tinha visto nenhum de vocês por aqui? É uma reunião especial?

(SILÊNCIO; LARA SAI DO ESCONDERIJO, UM TANTO COM MEDO)

LARA
Nós... é... somos amigos. Amigos do professores.

NÁDIA
Entendo. Há pouco tempo me disseram que talvez tivesse que demorar mais um pouquinho o compartilhamento dos contatos com outros desse planeta. Fico feliz que estejam se adaptando.

BUIÚ
(PRA SI) Desse planeta?

LARA
E você? Quem é você?

NÁDIA
Meu nome é Nádia. Hoje habito o planeta Linasgarnórria943. É de uma felicidade imensa que os amigos professores estejam abrindo as portas para o resto das pessoas do seu planeta. É um evento! Eu não estava preparada!

LARA
Abrindo as portas?

NÁDIA
Eles me falaram do medo que estavam. E de como houve um retrocesso no compreendimento das coisas físicas e espirituais. Sempre falam do Mestre Diretor com muito carinho, ele foi muito importante na concepção dessa tecnologia, mas eu não cheguei a conhecê-lo e ele teve de ir pra outro planeta.

CLAUDINEI
(BAIXO, PARA BUIÚ) Mas o Mestre Diretor não virou comida de tubarão?

NÁDIA
(CONTINUA) Aqui, a gente já consegue fazer a comunicação há alguns séculos já. Uma cientista mestra conseguiu a primeira vez e o meu mundo aceitou com mais facilidade do que tem aceitado o seu mundo, pelo que seus professores me disseram. Vocês são os primeiros que eles me apresentam até hoje. Meus companheiros vão ficar imensamente felizes de conhecer a versão mais jovem da sua espécie!

BUIÚ
(BAIXO, PARA CLAUDINEI) Isso é um programa de computador, não é?

CLAUDINEI
Uma inteligência artificial?

BUIÚ
Eu apertei aquele botão verde e esse negócio aí apareceu.

CLAUDINEI
Você é um cabeçudo!

BUIÚ
Vão colocar chips nos nossos braços! Meu pai falava.

LARA
Nádia, desculpe a ignorância, mas o que você é exatamente?

NÁDIA
Oras, que pergunta mais boba. Vocês não sabem de nada? Aliás, onde estão os professores?

LARA
É que... eles deixaram a gente sozinhos por um instante.

BINHO
Você é um fantasma.

NÁDIA
(RI) Fantasma? Bem, de certa forma... a gente pode até dizer isso, sob o ponto de vista do que a palavra fantasma significa pra vocês terrestres.

SUZANINHA
(SE LEVANTA DESAFIADORA) Pra que serve o botão vermelho?

NÁDIA
(ESTRANHA A REAÇÃO DE SUZANINHA) Onde estão os professores e o Chicletes? Eu gostaria que eles estivessem aqui com a gente. Vou chamar meus companheiros aqui também, só um segundinho...

CLAUDINEI
(SE LEVANTA CONFIANTE) Esses três terroristas não vão conseguir trazer essa maluquice pra cá novamente!

(CLAUDINEI APERTA O BOTÃO VERDE E NÁDIA DESAPARECE)

CLAUDINEI
Pronto. Acabou.

LARA
Não! Eu queria saber mais sobre o que ela era!

BINHO
Ela era uma fantasma. Eles fazem bruxaria aqui, Lara, eu falava pra você.

CLAUDINEI
É mais do que magia inexplicável mesmo, Lara. É magia explicável! Eles fazem contato com esses seres de outras dimensões.

BUIÚ
O que?

CLAUDINEI
Mas é aí que tá o perigo. Onde está o controle nisso? E se esses seres quiserem fazer mal pra gente.

LARA
A gente já faz mal pra gente, a gente ainda joga gente pra tubarão comer.

SUZANINHA
Não se você seguir as regras.

BUIÚ
A fantasma aí disse que o Mestre Diretor agora foi pra outro planeta. Isso não faz o menor sentido!

LARA
E quem inventou esses regras? Se isso é uma comunicação com o outro lado do universo isso então é uma descoberta magnífica!

BINHO
Eu tenho medo. Eu não consigo não deixar de ter medo.

SUZANINHA
A questão é que é contra a lei. Tá na bíblia, Lara. Ou já esqueceu?

CLAUDINEI
Ah. Falando em bíblia. O livro que eles deixam em foco e num púlpito especial da tal da biblioteca é... É uma bíblia.

SUZANINHA
O que? Como assim...?

LARA
É sério isso?

CLAUDINEI
Lembra das bibliotecas?

SUZANINHA
É uma afronta ao sagrado, só pode ser!

CLAUDINEI
Estava colocada em posição especial, entre milhares e milhares de livros. Num púlpito, com iluminação especial e tudo.

LARA
Isso não faz sentido nenhum. Eles não eram anti-cristãos?

SUZANINHA
É claro que são anti-cristãos, Lara, eles quase explodiram a cidade inteira! E são comunistas traficantes ainda! Gato preto, fantasma, plantas exóticas! Só você não quer enxergar. Eu tirei as minhas fotos.

BUIÚ
Eu também tirei as minhas.

SUZANINHA
Tudo o que a gente tem que fazer agora é levar pras autoridades. (PAUSA) Espera! Por favor, digam que alguém filmou essa tal de Nádia.

(SILÊNCIO)

SUZANINHA
Eu não acredito! Eu não acredito! Seria nossa melhor prova!

BUIÚ
Vamo apertar o botão de novo.

(SILÊNCIO)

SUZANINHA
Boa ideia. Liguem os celulares. Vamos ter a maior quantidade de provas possíveis.

LARA
Não!

BINHO
É, não, vamo embora! Eu quero ir embora...

CLAUDINEI
Acho melhor não também.

LARA
Você não ouviu ela falando? Isso aqui não é uma brincadeirinha...

SUZANINHA
É porque é bruxaria! Aperta o botão, Buiú! A gente aperta e depois desaperta de novo.

CLAUDINEI
Eu aperto. O verde ou o vermelho?

BUIÚ
Eu tinha apertado o verde.

(SILÊNCIO)

SUZANINHA
O que será que faz o vermelho?

LARA
Não, Suzaninha, por favor...

SUZANINHA
Sai da minha frente. Eu vou apertar.

(SUZANINHA VAI ATÉ O BOTÃO VERMELHO E LEVANTA A TAMPA DE VIDRO)

BINHO
Não, não...

BUIÚ
E se explodir tudo?

CLAUDINEI
Aperta!

LARA
Não! Vamo embora, Suzaninha!

BINHO
Não!

(SUSPENSE; SUZANINHA VAI APERTAR O BOTÃO QUANDO OS TRÊS PROFESSORES ENTRAM, SEGUIDOS POR CHICLETES; GRANDE TENSÃO)


CENA 7

(MÚSICA DE GRANDE TENSÃO)

PROFESSORES
O que acontece aqui?
O que dizem pra mim?
Vamos digam!
Quem vai falar?

Apertaram o botão
Criançada, oh, não!
Não tem mais como voltar...

Agora ninguém se mexe
Todo mundo que preste
Vamos todos nos acalmar!

CHICLETES
Não apertaram o vermelho!

BINHO
A gente só apertou o verde!

TIA SIL
Graças às deusas!

(SUZANINHA APERTA O BOTÃO VERMELHO)

TIA MÁ
Não!

LARA
Suzaninha!

(UM HOLOGRAMA DE SÓCRATES APARECE ASSUSTADORAMENTE AO FUNDO; A MÚSICA CRESCE)

SÓCRATES
Pra que me chamaram?
Tem mais do que três!
Eu tava almoçando
Fizeram o chamado
Que coisa, meu bem!

Já que me chamaram
Eu nunca estou só
Achei que a gente
Tinha combinado
Uma data melhor!

TIA SIL
Me desculpe, senhor
Por favor, meu amor
Invadiram a instalação

TIA MÁ
Criancinha do mal
Vão se ver como tal
Isso aqui não é ilusão

SUZANINHA
Essa instalação
Do demônio ilusão
Isso aqui precisa queimar!

SÓCRATES
Pra que me chamaram?
Crianças, neném
Vocês libertaram
Mas o combinado
Era muito além!

Já que me chamaram
E agora ferrou
Os nossos amigos
Se sentiram livres
A hora chegou!

PROFESSORES
Não!

(DIVERSAS ENTIDADES SURGEM GRITANDO E GARGALHANDO, VOANDO PELO ESPAÇO, INDO EMBORA PELAS JANELAS, FUGINDO PARA TODOS OS LADOS)

TIA SIL
Foi um acidente, Sócrates, senhor! Não era pra ter sido assim. A Terra ainda não está preparada.
TIA MÁ
Ainda não era a hora...

SÓCRATES
Eu disse que deviam apertar o botão somente quando estivessem preparados!

TIA MÁ
Nós tivémos uma invasão em nossa propriedade. Essas crianças apertaram o botão... Inconsequentes!

LARA
Ele é Sócrates? O filósofo grego?

CLAUDINEI
Nerd.

CARA-DE-COISA-RUIM
Não, sua xeretinha burra! Existe só um Sócrates em todo universo?

BUIÚ
Eu só conheço o jogador de futebol. É das antigas, ele.

SÓCRATES
Não tenho culpa da irresponsabilidade de vocês três. Está feito.

TIA SIL
Chame os de volta, por favor, eu imploro!

TIA MÁ
As pessoas vão surtar! Elas aqui ainda acham que tudo é coisa do capeta!

SÓCRATES
Foi avisado aos três. O botão vermelho devia ser apertado quando a Terra soubesse viver com a diversidade espiritual! Não tenho como chamá-los de volta de uma vez, a nossa tecnologia é limitada em certo ponto também.

BUIÚ
Os cara não tem WhatsApp?

CHICLETES
Ai, Cassandra, me livre desse drama humano. (SAI)

LARA
O que eram aqueles seres? O que tá acontecendo?

CARA-DE-COISA-RUIM
Peste, não existe só essa dimensão. São seres de infinitas dimensões e a gente tem conseguido fazer contato com algumas formas. Vocês acabaram de espalhar seres de outras composições químicas e fisiológicas em todo o planeta!

SUZANINHA
O que?

BUIÚ
Meu pai vai ter um treco.

SÓCRATES
Já que não quiseram aprender a convivência por bem, agora vão ter que conviver por mal, estava avisado. Passar bem. (SÓCRATES DESAPARECE)

TIA SIL
Não! Sócrates, senhor, por favor...

(SILÊNCIO; OS PROFESSORES SE VIRAM PARA AS CRIANÇAS)

CARA-DE-COISA-RUIM
Moleques! Vocês tem noção do que acabaram de fazer?

LARA
Entendi pouco.

BUIÚ
Eu não entendi nada.

TIA MÁ
Não existe só nosso planeta e só essa dimensão. Existem diversos universos espalhados por aí!

TIA SIL
Metaversos, megaversos, multiversos! E vocês acabaram de espalhar por aí entidades de outras dimensões que também estão loucas pra se comunicar com outras dimensões!

CARA-DE-COISA-RUIM
E vocês acham que os pais de vocês vão entender quando um ser como aquele aparecer na cozinha da casa de vocês?

BUIÚ
Meu pai não vai, certamente não vai.

CARA-DE-COISA-RUIM
Isso deve estar acontecendo nesse instante! Seus... seus...!

LARA
Então quer dizer que aquilo são fantasmas alienígenas?

CARA-DE-COISA-RUIM
Em certa forma, na figura da linguagem que você conhece, pode se dizer assim.

TIA SIL
Eu prefiro entidades extraterrenas. Seres que não são da Terra. Ou são de outras Terras. De outros tempos da Terra. É complicado demais de vocês entenderem. A questão de tempo e espaço, não é um assunto muito exato ainda pra gente...

CLAUDINEI
E vocês colocam tudo isso em dois botões bem na cara de todo mundo? É por isso que vivem presos aqui!

SUZANINHA
É verdade! Se era tão perigoso assim, quem mandou colocar os botões aqui na minha cara? Eu por acaso tenho bola de cristal? Eu não tenho!

(SILÊNCIO)

TIA MÁ
Ora, garota, enxerida, pela cor dos seus cabelos eu sei de quem é filha. Você mora no dezoito, não mora? É você e sua família que atrasam toda a compreensão da verdade!

LARA
A verdade? A verdade é relativa!

CARA-DE-COISA-RUIM
Claro que a verdade é relativa, mas no fim das contas é uma única verdade que existe.

LARA
Sob diversos pontos de vistas e interpretações!

CARA-DE-COISA-RUIM
Pode não ser a minha, pode não ser a nossa, pode não ser a de ninguém ainda que já nasceu! Mas uma única verdade é a verdade absoluta e a verdade sempre prevalecerá, não importa a interpretação que você dê pra ela. Vocês cinco enxeridos vieram enfiar o nariz onde não foram convidados! E agora causaram um problema que não é coisa de bairro! É coisa de esfera internacional.

TIA MÁ
Quântico!

TIA SIL
Intergaláctico!

(SILÊNCIO; A EXPLICAÇÃO GRANDIOSA PARECEU NÃO SURGIR EFEITO NOS JOVENS)

BUIÚ
Aquela fantasma falou que o Mestre Diretor está em outro planeta. Mas ele não tinha sido comido pelos tubarões!

TIA SIL
Ora, seus pestes, ignorantes...

CLAUDINEI
E o que a bíblia tem a ver com isso tudo?

(SILÊNCIO REVELADOR)

CARA-DE-COISA-RUIM
Você esteve na minha sala, moleque! Onde mais estiveram?

BUIÚ
Só! Foi aqui, no saguão e na biblioteca! A gente jura!

TIA MÁ
Agora não adianta chorar no leite derramado. Como Sócrates disse: está feito. Agora vocês que ajudem seus familiares a lidarem com esse mundo, se é que vão conseguir compreender.

TIA SIL
Tô até vendo gente tentando exorcismos em chícaras de chá! Misericórdia, senhor!

TIA MÁ
Pensando por esse lado, pode até ser engraçado...

BINHO
Espera! Não tem nada que você possa fazer pra trazer aqueles seres de volta? A gente ajuda, a gente ajuda vocês.

TIA SIL
(AVANÇA EM BINHO) Vocês invadiram uma propriedade privada e podem ter destruído tudo o que vocês consideram normal na casinha e rotina ordinária da vidinha de vocês! Todos os cinco, fora daqui!

LARA
Por favor, a gente não fez por mal. A gente queria... era saber da verdade.

(SILÊNCIO)

CLAUDINEI
(GRITA) O que a bíblia tem a ver com isso tudo?

CARA-DE-COISA-RUIM
É história humana, ignorante! Os outros mundos já se comunicam com a gente desde sempre! E chamam de anjos, de santos, de tudo quanto é tipo de nome. Mas não é coisa sobrenatural e de historinhas mitológicas pra neném dormir, seus garotinhos idiotas. Isso tudo é real! Está em todos os lugares, não só na bíblia, entendeu?

TIA MÁ
Vai, todo mundo fora daqui! Será outro mundo agora, espero que a gente consiga passar por isso sem muito estrago. Agora vamos todos ter que lidar com o que aconteceu. Vocês que sabem da verdade, agora terão que ajudar o mundo a entender quem são esses seres.

BINHO
Uma perguntinha. Eles são seres do bem ou são seres do mal?

(SILÊNCIO)

LARA
O bem e o mal é relativo.

CARA-DE-COISA-RUIM
Você é até que inteligente, vendo a criação de hoje em dia.

BINHO
Não! O bem é bem e o mal é mal! Digam! Eles são do bem ou são do mal?

TIA MÁ
A turma de vocês joga gente pra comida de tubarão dizendo ser prevenção contra guerras. O que é o bem do seu ponto de vista, garotinho?

(SILÊNCIO)

CARA-DE-COISA-RUIM
Os cinco! Fora daqui! Agora!

(CARA-DE-COISA-RUIM EMPURRA OS CINCO PRA FORA DE CENA)

TIA SIL
Está feito, Tia Má.

TIA MÁ
Está feito, Tia Sil.

TIA SIL
Às vezes era hora.

TIA MÁ
Às vezes era hora.

(SILÊNCIO)

TIA MÁ
Pensando bem, demorou tempo demais.

TIA SIL
Sim, mas o que é o tempo, não é mesmo?

(ELAS SAEM; ESCURIDÃO)




ATO II

CENA 1

(O MESTRE DIRETOR MASCARADO ESTÁ AMARRADO EM UMA CADEIRA EM UM FOCO PEQUENO; O INTERROGADOR CHEGA E RETIRA A MÁSCARA COM FORÇA)

INTERROGADOR
Ora, ora, vejam só. Um homem comum por trás da máscara.

MESTRE DIRETOR
Eu sou meu pai, eu sou minha mãe, eu sou meus irmãos, meus vizinhos, meus ancestrais. Eu sou os seres de outras dimensões artísticas e espirituais. Eu sou você.

(O INTERROGADOR DÁ UM MURRO NO ESTÔMAGO DO MESTRE DIRETOR)

INTERROGADOR
Chega dessa doutrinação marxista pra cima de mim! Qual é o seu trabalho?

MESTRE DIRETOR
Eu sou diretor de teatro. Atuo também, e escrevo. Gosto de escrever, desde sempre.

INTERROGADOR
Quero saber do seu emprego. Qual é seu emprego formal?

MESTRE DIRETOR
Eu era professor de artes da escola Alegria de Viver. Mas desde que as aulas foram suspensas eu só tenho feito meu teatro com meu grupo de amigos. No fim das contas meu grupo é economicamente muito mais liberal do que vocês pensam.

INTERROGADOR
Não quis tentar enviar currículos para as fábricas de produção?

MESTRE DIRETOR
Até quis. Mas meu posicionamento não era muito bem aceito por empregadores escravocratas.

(OUTRO MURRO)

INTERROGADOR
Você sabe do que está sendo acusado?

MESTRE DIRETOR
Sei sim, senhor.

INTERROGADOR
Do que exatamente?

MESTRE DIRETOR
Bruxaria.

INTERROGADOR
E assume?

MESTRE DIRETOR
Não. Depende do ponto de vista. Talvez do seu ponto de vista possa ser chamado de bruxaria.

INTERROGADOR
Explique-se melhor.

MESTRE DIRETOR
Somos cientistas, senhor. Cientistas, não magos.

INTERROGADOR
Mas não consegue explicar os fenômenos que produzem.

MESTRE DIRETOR
Existe mais entre o céu e a terra do que a gente imagina, senhor.

(OUTRO MURRO)

MESTRE DIRETOR
Ai, dá pra parar com isso? Isso tá na bíblia, poxa!

INTERROGADOR
Homens inteligentes criam frases, homens burros apenas as repetem.

MESTRE DIRETOR
E com quem foi que você aprendeu essa afirmação?

(SILÊNCIO; O INTERROGADOR ENTENDE A INDIRETA E DÁ MAIS UM MURRO, AGORA NA CARA)

INTERROGADOR
Você consegue entender que encontramos um caminho de fazer paz entre os seres e que os que não se adequam podem trazer desiquilíbrio nesse nosso novo sistema?

MESTRE DIRETOR
Consigo entender o ponto de vista. Mas discordo. Acho que vocês estão errados.

INTERROGADOR
Em parar com a guerra?

MESTRE DIRETOR
Em esconder a guerra pra debaixo do tapete. Esse nosso bate-papo é em paz enquanto eu tomo socos?

INTERROGADOR
Deus faz certos por linhas tortas, meu caro.

MESTRE DIRETOR
Gente inteligente cria frases, gente burra as repete...

(OUTRO MURRO; ESCURIDÃO)


CENA 2

(EM OUTRO FOCO TIA SIL E TIA MÁ ASSISTEM TELEVISÃO FAZENDO CROCHÊ; CARA-DE-COISA-RUIM ANDA DE UM LADO PARA O OUTRO IMPACIENTE)

APRESENTADOR (VOZ)
Uma onda de seres sobranaturais estão tentando invadir as residências de todos os lugares no mundo inteiro. É praticamente uma peste lançada sobre a Terra, como sinal do fim dos tempos, assim estava escrito. O que vocês vão ver agora pode ser perturbador, tirem as crianças da sala. Essa cena aconteceu em Passo Fundo no Rio Grande do Sul.

MULHER (VOZ)
Ai, minha nossa senhora, vai de retro Satanás!

ENTIDADE (VOZ)
Ô, minha senhora, tava querendo saber se você tem um pouquinho daquele negócio feito de cana que vocês usam pra adoçar as coisas líquidas.

MULHER (VOZ)
(DESESPERADA) É açúcar! Eles querem açúcar! Socorro! Salvem-se quem puder!

APRESENTADOR (VOZ)
Ouçam agora a opinião do chanceler que foi dada essa manhã no planalto do conselho:

POLÍTICO (VOZ)
A realidade é que esses seres estão atrás de nossos suprimentos escassos, devem ser tratados como imigrantes ilegais. Devemos fazer um muro contra o mundo sobrenatural!

APRESENTADOR (VOZ)
Agora vamos para as notícias dos famosos! A família Rui Barbosa continua causando nas redes sociais e eles também não ficaram de fora das experiências com esses seres sobrenaturais! Veja o vídeo que aconteceu com a bisneta da famosa atriz...

(CARA-DE-COISA-RUIM DESLIGA A TELEVISÃO)

CARA-DE-COISA-RUIM
Chega por hoje. O mundo que lide! Não foi culpa nossa.

TIA SIL
A explosão foi culpa minha.

CARA-DE-COISA-RUIM
Por ordem deles! Eles que são os irresponsáveis, Silmara! Aquelas crianças que causaram toda essa balbúrdia e agora somos os culpados?

TIA SIL
Se a gente tivesse ficado na nossa, do jeito que eles queriam... portal nenhum teria sido aberto.

CARA-DE-COISA-RUIM
A gente descobriu coisas magníficas, Sil! Se eles usaram para o mal, a culpa não é nossa.

TIA SIL
(SE IRRITA) Pois eu sinto um pouco de culpa sim! Esse planeta não está preparado pra entender a verdade das coisas!

TIA MÁ
E quem decide quando vai estar?

(SILÊNCIO)

TIA MÁ
Agora já aconteceu. Mundo novo. É a descoberta da verdade que muda o mundo, seja pro bem, seja pro mal. Eles que lidem agora.

CARA-DE-COISA-RUIM
Concordo. Minha preocupação nesse momento é saber se aqueles pestinhas mexeram em mais algum lugar.

(TIA MÁ TOMA UM SUSTO DE REPENTE)

TIA MÁ
Caramba, o sistema eletrônico de irrigação da estufa me deixou tão acomodada que nem me dei o trabalho de verificar há semanas! (ELA SAI CORRENDO)

CARA-DE-COISA-RUIM
Ah, se eles comeram meus bombons especiais! (SAI PRA OUTRO LADO)

(TIA SIL LIGA A TELEVISÃO NOVAMENTE)

APRESENTADOR
E mais um pronunciamento do conselho dos direitos dos animais que agora querem inserir esses novos moradores do planeta como seres terrestres e com direitos de ir e vir. Vamos ouvir a opinião de nossos telespectadores.

MULHER (VOZ)
Eu vou ter que ficar sustentando vício de açúcar de alienígena vagabundo agora?

(ESCURIDÃO)


CENA 3

(OS CINCO AMIGOS, BINHO, LARA, CLAUDINEI, SUZANINHA E BUIÚ ESTÃO REUNIDOS EM VOLTA DE UMA FOGUEIRA; ELES ESTÃO EM SILÊNCIO ABSOLUTO; BUIÚ ESTÁ JOGANDO UM JOGUINHO NO CELULAR)

BINHO
Um deles decidiu morar embaixo da minha cama. Colegas de quarto, ele disse.

LARA
Tudo porque a bonita da Suzana não conseguiu segurar o orgulho!

SUZANINHA
Ah, agora a culpa é minha? Aqueles três que inventaram aquelas coisas, minha flor!

LARA
Mas foi você que apertou o botão.

SUZANINHA
Você está me culpando igual alguns culpam o conselho pela explosão.

LARA
Mas foi o conselho! O conselho obrigou que eles fizessem aquele experimento!

SUZANINHA
Mas foram eles que fizeram!

LARA
O conselho estava mandando!

SUZANINHA
Se eu te mandar pular da ponte você pula?

LARA
Você é uma cínica.

SUZANINHA
E você é uma nerd arrogante.

CLAUDINEI
Gente, isso não vai dar em nada. A questão é que... agora eles estão por aí. Em todo lugar.

LARA
Eles sempre estiveram. Os professores só abriram o portal. E o portal está nos nossos próprios olhos!

SUZANINHA
Você está com um papinho muito de... bruxa, Lara. Imagina se o conselho descobre que os três ainda conseguiram doutrinar e arrancar a cabeça de mais uma adolescente que quer pagar de inteligente intelectual! Os tubarões podem ficar super felizes com isso.

LARA
Você está me ameaçando?

CLAUDINEI
Gente, pelo amor de deus!

BINHO
Eu não queria que ele morasse embaixo da minha cama.

LARA
Se já faltava moradia pra nós aqui da Terra, imagina agora, super mega lotada.

BINHO
Você já olhou pros olhos deles? São vermelhos.

BUIÚ
Meu pai não dorme de luz apagada mais. Nem eu.

LARA
A gente tem que fazer alguma coisa.

SUZANINHA
Alguma coisa tipo o quê?

LARA
Voltar lá. E se a Nádia pudesse nos ajudar?

(SILÊNCIO)

LARA
Pensem. Vocês repararam na diferença de luz e calma do botão verde e do dramalhão todo do botão vermelho? A Nádia parecia ser de outra dimensão mais evoluída, mais calma, mais simpática. Talvez ela fosse de uma espécie mais evoluída do que a de Sócrates. A entidade lá, e não o jogador de futebol e nem o filósofo.

BUIÚ
Que? Mas ela era só uma menina.

SUZANINHA
E daí que era só uma menina, idiota?

(UMA ENTIDADE PASSA VOANDO SOBRE ELES)

ENTIDADE
Boa noite, terráqueos que se reúnem em volta do fogo! Tão primitivos, ooouuunnnn, que fofinhos! (DESAPARECE)

BINHO
Eu quero que isso pare!

SUZANINHA
Talvez a Lara tenha razão. A gente devia voltar lá no casarão.

BINHO
O que?

CLAUDINEI
Sério, Suzaninha. Tentar chamar a outra entidade? E se ela não puder fazer nada, e se ela for pior?

SUZANINHA
Não. A gente precisa exorcisar aquele lugar, explodir aquela máquina, explodir aquela casa. Acabando com a fonte, a gente acaba com tudo isso!

LARA
E se eles ficam presos aqui pra sempre? Você não pode tentar resolver as coisas explodindo as coisas! Você acabou de acusar os três da explosão! E ainda... colocando a culpa no capeta!

(UMA ENTIDADE ENTRA CAMINHANDO NORMALMENTE; OS CINCO SE ASSUSTAM)

ENTIDADE
Opa! Tô só dando um rolê. Boa noite aí, moçada. Tudo na paz. (SAI)

LARA
Vamos tentar conversar com a Nádia. Quem sabe? Pode ser que ela tenha alguma tecnologia mais avançada.

BUIÚ
Tecnologias. Pff... (CONTINUA NO JOGUINHO)

BINHO
Eu acho que é mais fácil não saber das coisas que existem nesse mundo.

(SILÊNCIO)

LARA
Não, Binho, não. Quanto mais a gente sabe, menos medo a gente tem. Quanto mais a gente sabe, mais a gente pode ir buscando a verdade sobre essas coisas diferentes, que a gente tem medo às vezes exatamente por desconhecer. E tudo bem ter medo, mas existe uma resposta pra tudo. E isso não é só questão de deus e o diabo como todo mundo fala por aí?

(SUZANINHA APERTA O REPETIDOR DO CELULAR)

LARA
(VOZ NO CELULAR) Não, Binho, não. Quanto mais a gente sabe, menos medo a gente tem. Quanto mais a gente sabe, mais a gente pode ir buscando a verdade sobre essas coisas diferentes, que a gente tem medo às vezes exatamente por desconhecer. E tudo bem ter medo, mas existe uma resposta pra tudo. E isso não é só questão de deus e o diabo como todo mundo fala por aí?

LARA
O que você quer com isso, hein, Suzana?

SUZANINHA
É a prova.

LARA
Prova de quê?

SUZANINHA
Que temos um rebelde profano em nosso grupo.

LARA
Você vai me denunciar pro conselho? Vá. Eu conto que foi você quem apertou o botão.

SUZANINHA
(FINGINDO) “Ah, eu não sabia! Aqueles professores me obrigaram, eles são assustadores, como eu ia saber daquelas coisas?” (SILÊNCIO) Vamos ver em quem eles acreditam primeiro, Lara.

(SILÊNCIO)

SUZANINHA
A ideia é: vamos explodir aquela casa. Cada cômodo.

LARA
Vocês vão sem mim.

BINHO
Eu também não vou.

LARA
Eu não acho que isso possa resolver alguma coisa. E se tem mais entidades ali dentro pra sair pro mundo afora? Eu voto em tentar conversar com a Nádia.

(SILÊNCIO)

SUZANINHA
Quem está junto com a Lara levanta a mão.

(BINHO LEVANTA RAPIDAMENTE; BUIÚ LEVANTA EM SEGUIDA VAGAROSAMENTE, AINDA VIDRADO NO JOGO)

LARA
Três contra dois!

SUZANINHA
O Buiú nem tava prestando atenção! Presta atenção, Buiú! (ELE PRESTA) Explodir o casarão comigo ou tentar pedir ajuda da Nádia com a Lara.

BUIÚ
Explodir o casarão, claro!

SUZANINHA
Acabou!

CLAUDINEI
Espera. Eu acho... eu acho que...

SUZANINHA
Claudinei!

CLAUDINEI
Eu acho que a gente devia ter um plano A e um plano B. Primeiro a gente tenta a ideia da Lara, tenta pedir ajuda pra Nádia. Se não der certo... Bum!

BUIÚ
Bum!

BINHO
A ideia da Lara era voltar no casarão?

LARA
A gente vai conversar com a Nádia, do botão verde.

(ELES COMEÇAM SE ARRUMAR PARA SAIR)

SUZANINHA
Está certo. Mas caso essa tal alienígena não possa ajudar, é Bum!

BUIÚ
Bum!

BINHO
Ah, as duas opções era voltar pro casarão? Mas então eu não voto pra nenhuma das duas não!

LARA
Binho, para de ser medroso!

BINHO
Eu não vou voltar naquele casarão de jeito nenhum!

(BINHO SAI ARRASTADO; A FOGUEIRA FICA SOZINHA EM SILÊNCIO POR ALGUM TEMPO; UMA ENTIDADE ENTRA E SE SENTA AO REDOR)

ENTIDADE 1
Calorzinho gostoso.

(OUTRAS ENTIDADES VÃO SE APROXIMANDO DA FOGUEIRA)

ENTIDADE 2
E não é que bom mesmo ficar rodeado na fogueira?

ENTIDADE 3
A gente podia pegar esse costume pra gente também. Seria considerado apropriação cultural?

(AOS POUCOS A FOGUEIRA ESTÁ CHEIA DE ENTIDADES SE AQUECENDO AO REDOR; ALGUM SURGE COM UM VIOLÃO E COMEÇAM UMA PEQUENA FESTA; ESCURIDÃO)


CENA 4

(TIA SIL CONTINUA ASSISTINDO TELEVISÃO; CARA-DE-COISA-RUIM ENTRA COMENDO BONBONS)

APRESENTADOR (VOZ)
... o governo está pensando em criar uma sessão de descarrego de alcance global!

(TIA MÁ ENTRA CORRENDO DESESPERADA)

TIA MÁ
A Lulu. Levaram a Lulu.

TIA SIL
O que?!

CARA-DE-COISA-RUIM
Não, não pode ser... foram anos...

TIA MÁ
Vocês entendem o perigo daquele espécime na mão daqueles pré adodolescentes? Se alguém der uma única mordida na Lulu, aí sim que o bicho vai pegar! Vamos!

(OS TRÊS SAEM CORRENDO; ESCURIDÃO)


CENA 5

(O MESTRE DIRETOR AINDA SENDO TORTURADO)

INTERROGADOR
Quem lhe deu o posto de poeta?

MESTRE DIRETOR
E quem me deu o posto de homem?

INTERROGADOR
Pare de responder com outras perguntas!

MESTRE DIRETOR
Então faça perguntas lógicas!

(UM MURRO)

INTERROGADOR
Quem são os outros?

MESTRE DIRETOR
Está espalhado pelo mundo, senhor. Você pode silenciar ou prender um de nós, você pode até matar um de nós, mas a ideia, a ideia nunca morre.

(BREVE SILÊNCIO)

INTERROGADOR
Você considera a sua inevitável morte como um sacrifício em nome de uma causa, não é, Mestre Diretor? Não é assim que te chamam? Mestre? Você acha que vai virar um mártir morrendo. Mas sinto em dizer, cara pseudo poeta, que os livros de história vão contar a verdade que a gente contar.

MESTRE DIRETOR
Não me interessa meu nome, minha cara real. Em algum coração, a ideia vive.

(A CENA SE TRANSFORMA; O MESTRE DIRETOR SE DESTACA FORA DO INTERROGATÓRIO, GRANDIOSO, COM OS OUTROS PROFESSORES EM FORMAÇÃO DE EQUIPE; ELE APERTA O BOTÃO VERDE E NÁDIA APARECE; ELE APERTA O BOTÃO VERMELHO E SÓCRATES APARECE COM UM EXÉRCITO DE ENTIDADES MALUCAS; NUMA PARTE ESCONDIDA, MAIS PROTEGIDO QUE O BOTÃO VERMELHO SURGEM OUTROS TRÊS BOTÕES ESPECIAIS DE REPENTE, UM SEPARADO DO OUTRO, PARA QUE TRÊS PESSOAS TENHAM QUE APERTAR SEPARADAMENTE; SÃO TRÊS BOTÕES COLORIDOS)

MESTRE DIRETOR
O verde, para as emergências morais. O vermelho para a bagunça. E o colorido, meus caros, não apertem nunca até saberem o exato momento. Eu não estarei mais aqui presente com vocês, vocês três saberão o momento certo de apertá-lo...

CARA-DE-COISA-RUIM
Mas, Mestre...

MESTRE DIRETOR
Imagine um lugar, existia aqui
Que na escola podia ensinar
Uma escuridão de cultura e expressão
Diversão em todo lugar!

TIA MÁ E TIA SIL
(GARGALHAM COMO BRUXA)

MESTRE DIRETOR
Os peixinhos no mar, borboletas no ar
O botão é coloridinho
É diverso falar, é disperto o pensar
Poesias pelo jardim!

OS QUATRO
As coisas mudaram
Pessoas de bem
Vencer essa gente que não tem na mente perguntas além
As coisas mudaram
Chorar e gritar!
A porta está aberta, só falta um pouquinho
Pra filosofar!

TIA SIL E TIA MÁ
É estranho pensar que o bem e o mal
Foi tão bem dividido assim
Não sei como ocorreu, quem foi que escolheu
Quem podia ou não pensar?

OS QUATRO
As coisas mudaram
Pessoas de bem
Vencer essa gente que não tem na mente perguntas além
As coisas mudaram
Chorar e gritar!
A porta está aberta, só falta um pouquinho
Pra filosofar!

NÁDIA
O sol, o rio, o ar agem de um jeito
Não importa se você não acreditar
Existe uma verdade absoluta
Não sei qual, mas temos que procurar

SÓCRATES
O rei, um cara mau
Até onde sei, um ignorante
Juntei, me rebelei
Até chamei os guerrilheiros...

MESTRE DIRETOR
Briguei e apanhei
Perdi, desaparecido
Ninguém jamais me achou
E eu me afundei...

(A CENA BRUSCAMENTE VOLTA PARA O INTERROGATÓRIO)

INTERROGADOR
O senhor gostaria de fazer um pedido antes da sentença?

MESTRE DIRETOR
Gostaria de saber o que eu fiz realmente de errado?

INTERROGADOR
Isso não é um pedido, é uma pergunta.

MESTRE DIRETOR
Então não quero perguntar mais nada não.

INTERROGADOR
Podem levar o réu.

(ESCURIDÃO)


CENA 6

(O GATO CHICLETES ESTÁ EM CIMA DO CASARÃO; ENTIDADES PASSAM O TEMPO TODO PELA LUA CHEIA)

CHICLETES
Sócrates prometeu guerreiros e enviaram idiotas impressionados com as coisas mundanas – Miau! Por mais impressionante que tudo isso possa parecer, muita coisa é ordinária e estúpida do lado de lá também. Ou do lado de cá. Em todos os lugares vivem esses espíritos desesperados por respostas e confortos nas coisas mais superficiais possíveis. (OLHA LÁ EMBAIXO) Aqueles pestinhas! Tiveram a cara de pau de voltar aqui. (ELE CONTINUA SE LAMBENDO) Deixem que explodam tudo de uma vez. (SILÊNCIO) Credo, quem dera.

(ESCURIDÃO)


CENA 7

(NA ENTRADA DO CASARÃO, AS CRIANÇAS CONSEGUEM SE ESCONDER ANTES DE SEREM VISTAS PELOS PROFESSORES SAINDO DE CENA CORRENDO E INDO EMBORA COM UM CARRO)

CLAUDINEI
Estamos sozinhos. Os três saíram!

SUZANINHA
É a nossa chance de tacar fogo nisso tudo!

LARA
Plano A, Suzaninha. Conversar com a Nádia.

BINHO
Não poderia ter um plano C de a gente voltar no tempo e nunca ter vindo aqui.

LARA
Ah... dizem que eles tem máquinas do tempo aí dentro... quem sabe você encontra enquanto a gente pede ajuda pra Nádia, Binho.

CLAUDINEI
Não existe máquina do tempo coisa nenhuma.

BUIÚ
Eu vou junto com o Binho procurar a tal máquina do tempo.

BINHO
Eu não quero ir lá dentro.

SUZANINHA
Vai ficar sozinho aqui fora?

(SILÊNCIO)

BINHO
Tá bom, pode ser.

LARA
E nós vamos pedir ajuda da Nádia.

SUZANINHA
(CONTRARIADA) Tá bom, tá bom.

(ELES VÃO ENTRANDO NO CASARÃO)

BINHO
Eu tô ficando com fome... Eu odeio quando a gente se separa...

BUIÚ
Eu também...

SUZANINHA
Se essa Nádia pular pra fora, fogo nas bruxas!

(ELES ENTRAM NO CASARÃO; UMA ENTIDADE ENTRA NO JARDIM EM SILÊNCIO, SENTA-SE E OBSERVA AS ESTRELAS)

ENTIDADE 1
Olha estrelas, que bonito.

(OUTRA ENTIDADE ENTRA TAMBÉM)

ENTIDADE 2
O que está fazendo, Denilson?

ENTIDADE 1
Olhando pras casas das pessoas lá em cima.

ENTIDADE 2
Muito pequenininho daqui.

ENTIDADE 1
Pois é.

(SILÊNCIO)

ENTIDADE 1
Mas não deixa de ser bonito.

ENTIDADE 2
É, bonito é.

(UM VÍDEO MOSTRA UM TUBARÃO ESTRAÇALHANDO PEDAÇOS DA CARNE DO MESTRE DIRETOR; ESCURIDÃO)


ATO III

CENA 1

CENÁRIO: PLANETA LINASGARNÓRRIA943

(UM CORO DE LINASGARNORRIANOS CANTAM COM NÁDIA À FRENTE EM UM FOCO; ELES NÃO SÃO MAIS EM HOLOGRAFIA, SÃO EM “CARNE E OSSO”)

NÁDIA
Pensatista
Estadista
Nos desamarre os nós
Devemos ser o que é melhor pra nós

Ei, você
Que vive na escuridão
Só vê o palmo da mão
Fala comigo nessa canção

TODOS
Ei, você
Que sente que é um irmão
Dessa grande comunhão
Bailando junto a solidão

Poetista
Não espera
Acende a luz pra nós
Vem explicar o que tem de mais pra nós

Poetista
Exagera
Não esconde do irmão
Traga a verdade no refrão

NÁDIA
Ei, você
Que vive na imensidão
De um segredo bem grandão
Baila comigo, é só querer

Ei, você
Que vê através do ar
Inspirar o sol e o mar
É meu amigo, é só querer

TODOS
Diarista
Roteirista
Que desamarra os nós
E vamo se encontrar em nós...

(UMA LUZ VERDE PISCA NO ALTO)

NÁDIA
Eles estão chamando de novo.

LINASGARNORRIANO 1
Será uma urgência?

NÁDIA
Tudo é urgente e tudo é superficial, dependendo do ponto de perspectiva. Aceitem a transmissão, patrulheiros.

(UM LINASGARNORRIANO APERTA ALGUNS BOTÕES E SUZANINHA, CLAUDINEI E LARA APARECEM EM HOLOGRAMAS)

LARA
Nádia! Aconteceu uma desgraça!

LINASGARNORRIANO 1
Outra?

LARA
Por acidente, apertamos o botão vermelho e diversas entidades estão livres em nosso planeta.

SUZANINHA
Foi um acidente, um impulso, eu estava assustada!

NÁDIA
Os guerreiros de Sócrates?

LARA
Exatamente! Eles estão invadindo as casas, querendo morar junto com as pessoas do nosso planeta, querendo conviver entre nós.

(OS LINASGARNORRIANOS GARGALHAM)

NÁDIA
Minha querida, eles sempre estiveram com vocês. Assim como nós, assim como diversas outras criaturas de diversas outras dimensões e evoluções. O portal que foi aberto, foi o portal nos seus olhos humanos, você conseguiu compreender, não é mesmo? A gente sempre esteve se acotovelando no espaço/tempo. Eles parecem guerreiros medievais assustadores, mas são curiosos contempladores do universo um tantinho bagunceiros, não se preocupem tanto.

LINASGARNORRIANO 2
E um tanto folgadões também.

CLAUDINEI
Mas a gente precisa resolver isso! Você teria uma forma de reverter essa situação?

SUZANINHA
As pessoas do nosso planeta, elas estão sofrendo!

LARA
Por favor, nosso planeta não estava preparado para tamanha revelação. O conselho tá querendo usar de exorcismo como se eles fossem coisa do capeta!

(OS LINASGARNORRIANOS RIEM MAIS UMA VEZ)
      
LINASGARNORRIANOS
Poetista
Exagera
Não esconde do irmão
Traga a verdade no refrão

Diarista
Roteirista
Que desamarra os nós
E vamo se encontrar em nós...

SUZANINHA
O que é isso?

NÁDIA
Desculpe, estávamos no meio do ensaio do coral.

SUZANINHA
Você precisa fazer alguma coisa ou então eu vou tacar fogo nesse lugar inteiro!

NÁDIA
Tacar fogo nesse lugar inteiro não vai fazer com que eles retornem para seu mundo.

LARA
E como podemos fazer isso, Nádia? Por favor. Nós imploramos.

CLAUDINEI
Por favor...

(SILÊNCIO; O CORAL CONTINUA CANTANDO BAIXINHO DE FUNDO ENQUANTO NÁDIA PENSA)

NÁDIA
Seu planeta continua muito atrasado ainda, menina. É por isso que evitamos contato, por isso que os professores foram exilados nas suas ideias científicas.

SUZANINHA
Mas tem ou não tem um jeito de fazer com que eles voltem de onde vieram? Pelo amor de tudo que vocês consideram mais sagrado aí no planeta de vocês!

(SILÊNCIO)

LINASGARNORRIANO 3
Nescau.

LINASGARNORRIANOS
Dirigista
Pensatista
Nos desamarre os nós
Devemos ser o que é melhor pra nós

NÁDIA
Tem. Tem um jeito sim. No fim das contas sempre tem um jeito, né?

LARA
Eu disse, eu disse!

NÁDIA
Existem três botões nesse salão que devem ser apertados juntos. Os três ao mesmo tempo. São botões coloridos, em forma de arco-íris.

CLAUDINEI
Onde? Eu não vejo nenhum deles.

NÁDIA
Estão escondidos.

LARA
E pra quê eles servem?

LINASGARNORRIANOS
Poetista
Exagera...

LARA
Pra conversar com deus!

LINASGARNORRIANO 1
Em pessoa.

LINASGARNORRIANO 2
Em quase pessoa, na imagem e semelhança.

LINASGARNORRIANO 3
Mas é uma coisa que vocês humanos ainda estão longe de compreender.

SUZANINHA
Deus em pessoa?

NÁDIA
E deus... é a imagem e semelhança de uma mulher.

CLAUDINEI
Impossível!

SUZANINHA
Pagãos!

LARA
Eu sempre soube!

(ESCURIDÃO)


CENA 2

(BINHO E BUIÚ ESTÃO EM ALGUM LUGAR DO CASARÃO)

BUIÚ
Que barulho foi esse? Você ouviu?

BINHO
Acho que foi meu estômago.

BUIÚ
Eu também tô cagado de fome.

(BUIÚ SE LEMBRA E ABRE A MOCHILA)

BUIÚ
Olha essa maçã que eu encontrei.

BINHO
Isso não é uma maçã.

BUIÚ
Então é o que, espertão? É um tipo de maçã!

BINHO
Ela brilha... consegue ver?

BUIÚ
Quer dar a primeira mordida?

BINHO
Onde você encontrou isso?

BUIÚ
Por aí, numa feira de maçons.

(BINHO PEGA A MAÇÃ E DÁ UMA MORDIDA)

BINHO
Hum. Deliciosa. Bem docinha. Tem gosto de... verde.

BUIÚ
Mas verde é cor, não gosto.

BINHO
Sei lá.

(BUIÚ SE PREPARA PARA DAR UMA MORDIDA QUANDO TIA SIL E TIA MÁ OS ENCONTRAM)

TIA MÁ
Não faça isso, pelo amor de tudo que você considera sagrado!

BUIÚ
Por que? É veneno? Por um acaso, ele já mordeu! Ele vai morrer?!

BINHO
O que?

TIA SIL
(SE DESESPERA) Ah, não acredito nisso! Não, não, não!

BUIÚ
Eu não achei que...

TIA MÁ
Venha garoto. Vai ficar tudo bem... (TIA MÁ ARRASTA BINHO PRA FORA DE CENA)

TIA SIL
(AMEAÇADORA) Vocês tiveram a pachorra de voltar aqui pra dentro?

BUIÚ
A gente queria resolver a situação. Foi ideia das meninas!

TIA SIL
Você sabe o que vai acontecer com seu amigo agora, peste?

BUIÚ
O que? Algo de muito ruim? Ele vai se transformar num zumbi e vai querer comer cérebros de criancinhas inocentes?

(UM GRANDE URRO MONSTRUOSO FORA DE CENA, PROVAVELMENTE DE UM SER MUITO GRANDE; CHICLETES ENTRA DESESPERADO, ARREPIADO, EM POSIÇÃO DE DEFESA)

TIA SIL
Marcela!

BUIÚ
Minha nossa senhora, o que foi que a gente fez?

CHICLETES
Bagunças! Bagunças! Um monstro na história!

(ESCURIDÃO; OUTRO URRO ATERRORIZADOR FINALIZA A CENA)


CENA 3

(LARA, SUZANINHA E CLAUDINEI PROCURAM PELOS TRÊS BOTÕES)

SUZANINHA
Ai, cadê aqueles malditos botões?

LARA
Eu não vejo sinal deles!

CLAUDINEI
Se minha mãe tivesse aqui ela achava rapidinho.

(UM URRO DO MONSTRO BINHO LONGE)

SUZANINHA
O que foi isso?

LARA
Veio lá de baixo.

SUZANINHA
É um grito de monstro.

LARA
Deve ser alguma gravação. Isso aqui é cheio de ilusionismo quântico.

SUZANINHA
Para de ser nerd um pouco.

(OUTRO URRO)

CLAUDINEI
Eu quero a minha mãe!

LARA
Procurem os botões!

(FINALMENTE LARA ENCONTRA UM BOTÃO QUE FAZ SURGIR OS TRÊS BOTÕES COLORIDOS; OS BOTÕES BRILHAM GRANDIOSAMENTE)

LARA
Os três ao mesmo tempo!

(ELES APERTAM OS BOTÕES; ESCURIDÃO; UM GRANDE ESTRONDO E OUTRO URRO DO MONSTRO)


CENA 4

(TODOS OS PERSONAGENS ESTÃO EM CENA, DOS SERES TERRENOS ÀS HOLOGRAFIAS, DOS LINASGARNORRIANOS E DOS GUERREIROS DE SÓCRATES, E TAMBÉM O FANTASMA DO MESTRE DIRETOR, COM EXCEÇÃO DE BINHO)

TODOS
Todo mundo tem rabo preso
Toda história tem bicho feio
Todo mundo assusta a gente
Principalmente os indecentes
Toda história
Professores
Meliantes e malandros

Mas sempre tem gente diferente
Tem sempre aquele que surpreende a gente.
Mas a história que o mundo gosta
O terror...
Que cheiro de bosta!
Esses ratos que adoram mudar
Ideologizar a sala escolar!

MESTRE DIRETOR
Defende a arte da lua...

(A DEUSA GRANDIOSA DESCE DO CÉU)

DEUSA
Gente inocente
Mente insistente
Declaro que sois vós o mais brilhante
Pois todos os problemas vão passar
E até a eternidade vão festejar...

TIA SIL
Deusa, minha mestra deusa
Nós não bem queríamos incomodar

TIA MÁ
Foram essas más crianças
Que o carma há de sufocar

TIA SIL, TIA MÁ E CARA-DE-COISA-RUIM
Nós não fizemos besteira
Nós tentamos esperar
Esse mundo é um pesadelo
Pode ver, não deu pra segurar...

(SILÊNCIO)

DEUSA
Gente inocente
Mente insistente
Declaro que o tempo é empolgante
As coisas acontecem num piscar
Talvez essa era a hora de se arriscar!

LARA
(INTERROMPE A MÚSICA) Senhora, deus, mãe... desculpe a nossa intromissão. Mas a gente estava em busca da verdade.

TIA MÁ
Como ousa falar com essa voz juvenil pra cima da deusa suprema, garota? Mais respeito!

TIA SIL
Não vê que essa é a criadora de todas as criaturas?

LARA
E vocês finalmente conseguiram contato! Vocês são geniais! Eu sempre soube, eu sempre sabia.

CARA-DE-COISA-RUIM
É que isso não é uma brincadeira, menina. Há consequências. Interferências divinas exigem grandes sacrifícios de um planeta. Você não viu o que já fizeram? Você não sabe o que vai acontecer agora!

TIA SIL
A Terra não estava preparada para saber...

TIA MÁ
São todos uns burros, ignorantes, primitivos!

LARA
O que vai acontecer agora?

CARA-DE-COISA-RUIM
Morte. Auto sacrifício novamente!

DEUSA
(COM DOÇURA) Silêncio. Eu sei o que aconteceu aqui. Professores, acalmem-se. (REVELADORA) Essa era a grande esperada hora.

TIA MÁ
Vão te colocar na cruz novamente, mãe...

DEUSA
Pois que a história do tempo seja contada como deve ser. Por mais dolorosa que ela tenha que ser.

CARA-DE-COISA-RUIM
Mais sangue de inocentes. Tudo por culpa desses pestinhas!

CLAUDINEI
Tudo culpa sua, Buiú! Você que apertou o primeiro botão!

BUIÚ
Não fui eu que tive a ideia de vir aqui! E foi a Suzaninha que apertou o botão vermelho!

SUZANINHA
Foi um acidente...

DEUSA
Oh, não, menininha. Não existem acidentes. Estava tudo muito bem planejado.

Eu creio que quem tem coragem
Tem que saber desconfiar
Das coisas que chamamos de verdades
E nem sempre garantimos em provar.

O sol, o rio, o ar agem de um jeito
Não importa se você não acreditar
Existe uma verdade absoluta
Não sei qual, mas temos que procurar

TODOS
Mas agora novo sangue vai ter que sangrar
Na dor é que o povo aprendeu
Nós sabemos da coragem, sacrifícios
Mas é bom pra quem se alguém tem que morrer?
Se pudessem pesquisar!
Ninguém tinha que passar
Por sofrer
Nessa vida
De cada um.

(LONGO SILÊNCIO REFLEXIVO DE TODOS OS PERSONAGENS; UM URRO MONSTRUOSO FORA DE CENA INTERROMPE A CENA)

BUIÚ
Binho!

LARA
O que?

SÓCRATES
Bom, queridos companheiros intergalácticos. Mãe suprema criadora, a senhora sabe que nossa inteligência e evolução nos impede de interferir nesse ambiente de forma tão atenciosa... já que você mesma se fará presente, eu mesmo arrancaria a cabeça do primeiro que ousasse falar alto com a senhora!

DEUSA
Por isso mesmo é bom que vá. E leve junto seus guerreiros.

SÓCRATES
Agradeço a permissão de retirada. Cavalheiros e senhoritas. Bora pra casa, molecada!

(SÓCRATES E SEUS GUERREIROS DESAPARECEM; OUTRO URRO DO MONSTRO BINHO)

BUIÚ
Gente, o Binho comeu um pedaço de uma maçã venenosa e se transformou num monstro!

LARA
Oh, não!

SUZANINHA
Binho...

DEUSA
Professores, há de ter mais cuidado com as coisas que a terra nos dá.

TIA MÁ
Nós tentamos, mãe. Foi um erro meu. Quis brincar de misturar e... não sei o que fazer!

NÁDIA
Podemos ajudar com isso, mãe. Podemos arrumar um antídoto, precisamos de uma pesquisa minuciosa sobre o veneno para conseguir um antídoto.

TIA MÁ
Vou te enviar todos os dados agora já já! (ELA SENTA-SE EM UM COMPUTADOR)

LARA
Mãe, deusa, com todo respeito a sua existência, a minha existência. Mas... o que vai acontecer agora?

SUZANINHA
Você é uma versão feminina de Jesus, foi isso que entendi?

CLAUDINEI E BUIÚ
(INCONFORMADOS) Quê? Você tá louca?

(A DEUSA RI)

DEUSA
É muito mais complexo que isso, minha filha. Você também é uma versão feminina de Jesus, se tentasse não errar tanto.

CLAUDINEI E BUIÚ
Isso é tão confuso.

(SILÊNCIO)

LARA
Deusa, mãe. Uma última pergunta. Mais uma vez com todo respeito do mundo pela senhora e pela existência do universo, mas... (GRANDE EXPECTATIVA PARA A PERGUNTA DELA) Pra que estamos aqui?

(LONGO SILÊNCIO REFLEXIVO DE TODOS)

DEUSA
Ah, sabe que eu não sei falar...
Para resumir, vou tentar fazer assim:
É uma história de terror que dá pra morrer de rir
E tem também a parte do amor
É como um filme, um teatro
Ou um livro
E você decide o que tem que vir
Eu só posso repartir
Sobre as leis que estão aqui
Do que é bom
E você deve...
Decidir.

(LARA ENTENDE A MENSAGEM E AGRADECE SINCERAMENTE; TIA MÁ ENVIA OS DADOS PARA NÁDIA)

TIA MÁ
Enviei toda a estrutura na planta!

(O MONSTRO URRA MAIS PERTO; QUADROS CAEM DAS PAREDES)

TIA MÁ
Ele está crescendo! Ele está crescendo cada vez mais!

LARA
Pobre, Binho.

TIA SIL
Lacre aquela porta!

(CARA-DE-COISA-RUIM OBEDECE)

NÁDIA
Eu vou precisar de alguns minutos pra conseguir criar o antídoto. Nossas tecnologias também são limitadas no tempo. (JÁ TRABALHANDO NO ANTÍDOTO)

TIA MÁ
Vamos mantê-lo trancado aqui dentro, antes que cause um estrago maior pela cidade!

BUIÚ
Depois de entidades, agora um monstro... papis...

(SILÊNCIO)

DEUSA
Criaturas, soltem a besta.

CARA-DE-COISA-RUIM
O que?

DEUSA
Deixem que ele se espalhe por aí! Que faça destruição. Há os agentes destrutivos e há os agentes construtivos. Sejam agora os agentes destrutivos por um segundo e libertem o monstro.

LARA
Binho...

DEUSA
Mas que fique declarado: vocês devem voltar ao posto de agentes construtores o mais rápido possível. Reerguer a destruição da besta, desse regime cruel e primitivo que se encontraram, por fim.

TIA SIL
Agentes construtores...

DEUSA
Ou... professores! Das grandes colisões, surgem grandes estrelas, professor!

(MÚSICA GRANDIOSA DE FIM DE SAGA; DE REPENTE, LARA INTERROMPE)

LARA
Peraí! Deixa eu ver se eu entendi. Você vai destruir o mundo pra tentar reerguer o mundo? É isso? Então isso é deus?

CARA-DE-COISA-RUIM
Isso?! É deusa! Deu-sa. No feminino mesmo. Vocês pestinhas não estão acostumados porque o português se importa muito com esse negócio do gênero das palavras.

CLAUDINEI
(PARA BUIÚ) Por isso que esses nerds não arrumam namoradas.

BUIÚ
Ou namorados.

DEUSA
Nós não estamos fazendo nada, nós somos o que é.

LARA
Nós?

DEUSA
Nós, eu, você...

LARA
Mas se você é deus...

TIA MÁ, TIA SIL E CARA-DE-COISA-RUIM
Deusa!

LARA
Deusa. Se você é deusa você não pode destruir, você tem que ajudar o Binho a voltar ao normal e salvar todo mundo!

SUZANINHA, CLAUDINEI E BUIÚ
É!

LARA
Que deusa é essa que faz a destruição daquilo que ela mesmo criou?

DEUSA
Não fui eu quem apertei os botões e nem fui eu que transformou aquele menino em um monstro.

(SILÊNCIO CONSTRANGEDOR; TANTOS OS JOVENS, COMO OS PROFESSORES SENTEM A CULPA; A DEUSA SE APROXIMA DE LARA PENSATIVA)

DEUSA
Somos. (EXPLICA) Eu... somos nós. (PAUSA) Você tá no filme também, menina. Assuma seu posto! A gente está sendo assistido. Postura! (ELA REORGANIZA O ELENCO DA CENA) Você fica um pouco mais pra cá, você fica aqui... Pronto! (SILÊNCIO; NINGUÉM ENTENDE NADA) Agora se alguém errar, se alguém tropicar, se alguém esquecer a fala ou se alguém... morrer... (UM TANTO ALUCINADA) Improvisa. Improvisa! Fazemos todos parte disso. (ELA FINALIZA A EXPLICAÇÃO) Você veio aqui querer saber da verdade, veio aqui pra tentar ajudar o seu mundinho a melhorar, não foi? E aí? Você quer mesmo ajudar a mudar o seu mundinho ou é só papo furado, jovem?

LARA
Eu quero... ajudar o meu mundinho a ser um mundinho melhor.

(MONSTRO BINHO URRA FORA DE CENA)

DEUSA
(MUITO ENTUSIASMADA) Então vam’bora, garota!

(TIA MÁ SURGE COM MAIS QUATRO FRUTOS, TODOS DE CORES DIFERENTES; GRANDE TENSÃO)

BUIÚ
Mais daqueles...

CLAUDINEI
É pra ser tipo Power Rangers, só que do mal?

BUIÚ
O que é Power Ranger?

SUZANINHA
Ah, você não sabe o mínimo da história mundial mesmo, hein, cara?

DEUSA
Não existe mal. Existe causa e efeito. E o direito de decição! Agentes destrutores e agentes construtores! Esse é o momento, meus jovens. O momento da baixa. A onda baixa, mas depois ela volta com força. E a parte baixa dessa história faz parte da história do final feliz, tem importância igual!

(COM GRANDE TENSÃO MUSICAL, OS QUATROS SÃO TENTADOS PELOS FRUTOS BRILHANTES)

SUZANINHA
Não! Não, não, não! Isso tá errado. Essa é a doutrinação do mal. Eu não vou fazer parte desse ritual satãnico que estão fazendo aqui. (FOGE CORRENDO)

CARA-DE-COISA-RUIM
Minha querida, é deus te falando. Deusa.

DEUSA
Deixe que vá.

TIA SIL
Meninos, aceitem a cruz que é a sua luz!

TIA MÁ
Temos que fazer duras decisões nessa vida, meus queridos.

BUIÚ
Não! Fiquem longe de mim! Eu não vou virar um monstro! (FOGE CORRENDO)

CLAUDINEI
Eu também não vou! Vocês são bruxas mesmo! Bruxas! (FOGE ATRÁS)

(SILÊNCIO; LARA CONTINUA OLHANDO PARA O FRUTO; CHICLETES ENTRA DANÇANTE)

CHICLETES
Olha a sensação da tentação de fazer parte de algo grandioso. Tudo é válido, se está acontecendo no presente momento.

(OUTRO URRO DO MONSTRO BINHO; CLAUDINEI, SUZANINHA E BUIÚ GRITAM(

DEUSA
Minha querida filha, o sacrifício de ser o mal também é contado na hora do juízo. O mal existe pra que saibamos escolher e lutar pelo bem. É uma prova, igual um vídeo-game. Uma fase difícil, de uma escolha de difícil teor moral. Mas há justiça! Em nós, deuses, há justiça! Tudo conta. Tudo é válido, se está acontecendo no presente momento! E depois da morte... tem muito, muito, muito mais pela frente!

(LARA MORDE O FRUTO; ESCURIDÃO; UM GRITO DE LARA QUE SE TRANSFORMA EM UM URRO MONSTRUOSO; MONSTRO BINHO TAMBÉM URRA LONGE; GRANDE BARULHO DE DESTRUIÇÃO E GRITARIA; A CENA FINALIZA NO ESCURO, COM UM SOM APOCALÍPTICO DA DESTRUIÇÃO DE UMA CIDADE)


CENA FINAL

(ALGUNS MESES DEPOIS; TIA SIL E TIA MÁ ASSISTEM TELEVISÃO)

APRESENTADOR (VOZ)
E agora, que os dois gigantes Godzilas destruíram as maiores metrópoles do planeta? Não seria hora de nos reerguermos em paz, num planeta só, como um único povo sob a mão de forças que não conhecemos completamente? Essa é a hora, meus amados. Os monstros foram embora, assim como vai a tempestade. Mas a destruição em nossos corações ficarão pra sempre. Buscaremos por vingança? Buscaremos por respostas? Temos material suficientemente grande pra nos vingar? E ainda nos vingar de algo que existe e sabemos que existe porque vimos com os nossos próprios olhos, filmamos com as nossas próprias câmeras filmadoras! (SILÊNCIO) Buscaremos por respostas? Eu pergunto. Tenham todos uma boa noite.

(SOM DE VINHETA)

TIA SIL
Eu tenho um único medo agora, Tia Má.

TIA MÁ
Qual, Tia Sil?

TIA SIL
A cruz.

TIA MÁ
Oi?

TIA SIL
A cruz. Ela sabe que terá que morrer por nós de novo.

TIA MÁ
Ela está preparada.

TIA SIL
Ainda assim tenho medo. Imagina quando os céus se abrirem e ela descer voando num cavalo branco e todo mundo perceber que agora deus é uma mulher.

(SILÊNCIO)

TIA MÁ
O trabalho é eterno, minha querida, o trabalho é eterno.

(ESCURIDÃO; LÁ FORA, NO JARDIM, CARA-DE-COISA-RUIM ESTÁ COM SUZANINHA, CLAUDINEI E BUIÚ AO REDOR DE UMA FOGUEIRA COM UM TELESCÓPIO)

CARA-DE-COISA-RUIM
Olha as estrelas, que bonito.

(CHICLETES ENTRA)

CHICLETES
O que estão fazendo, Cara-de-Coisa-Ruim?

CARA-DE-COISA-RUIM
Agora imaginem o quanto de mundos e planetas que existem por aí! E o quanto de casas com gente morando dentro!

BUIÚ
Muito pequenininho daqui.

CARA-DE-COISA-RUIM
Pois é. Pequenininho e grande ao mesmo tempo.

CLAUDINEI
Mas não deixa de ser bonito, não é, Suzaninha?

SUZANINHA
É, bonito é.

(SILÊNCIO; OS QUATRO OBSERVAM AS ESTRELAS)

CHICLETES
Humanos estúpidos perdendo tempo com coisas estúpidas e distantes. (UM RATO PASSA CORRENDO E ELE CORRE ATRÁS DESESPERADO) Um rato, um rato, um rato! (SAI)

(SILÊNCIO)

SUZANINHA
Sabe, pensando bem, parece que o mundo tá melhorando...

CARA-DE-COISA-RUIM
Eu ia dizer o mesmo sobre você. É você que está melhorando então o mundo parece melhorar!

CLAUDINEI
Ah, não, professor, chega de filosofia de autoajuda por hoje!

CARA-DE-COISA-RUIM
Próxima aula será sobre o direito dos insetos!

BUIÚ
Eu adoro insetos! Eu sou fãzaço de insetos!

SUZANINHA
Não chego perto daquela aranha de novo não.

CLAUDINEI
Você precisa enfrentar seus medos, Suzaninha que não é mais do dezoito.

SUZANINHA
Olha quem fala! Até parece que não fez um escândalo por causa de um louva deus!

CLAUDINEI
É porque agora é louva-deusa! Foi por isso! Gramática!

BUIÚ
Vocês ficaram nerds até demais...

CARA-DE-COISA-RUIM
Tá bom, gente, tá bom, vamo entrando...

(ELES VÃO ENTRANDO NO CASARÃO AINDA DISCUTINDO; UMA MÚSICA FINALIZA O ESPETÁCULO EM GRANDE SAGA, COM UM ÚLTIMO OLHAR DO PROFESSOR PARA AS ESTRELAS)

FIM