SANGUE DE LOBO-ZÉ (CURTA-METRAGEM)

SANGUE DE LOBO-ZÉ

Personagens
Charles; 24 anos, aspirante a diretor de cinema. (RONALDO)
Milena; 22 anos, menina linda. (ROBERTA)
Túlio; 22 anos, maconheiro. (ANTONIO)
Jean; 21 anos, quieto. (IURI)
Priscila; 27 anos, namorada de Túlio, patricinha. (ANINHA)
João Pedro; 23 anos, câmera-man. (GABRIEL)
Lívia; 20 anos, nativa do lugar. (JENYFFER)
José Antônio; 53 anos, pai de Lívia. (LAERTE)

LOCAÇÕES
Externas: ônibus, estrada, lago, canavial, matagal, área de churrasqueira.
Internas: Sala, quarto, cozinha.

As filmagens deverão mesclar as imagens gravadas pelos jovens, como um arquivo pessoal, com imagens em terceira pessoa.

EPÍLOGO

Jovens passam o fim de semana em um sítio macabro para gravar um curta-metragem sobre a lenda de um lobisomem. João Pedro liga a câmera; ele ajusta o foco por alguns segundos, filma seu próprio rosto e limpa a lente; vira para fora do ônibus onde se vê um homem e uma garota (José Antônio e Lívia) passarem rapidamente. Ele filma o casal do lado se beijando; é Túlio e Priscila. Ele foca a mão de Túlio nas pernas de Priscila enquanto fala:

JOÃO PEDRO
(sem ânimo) Que delícia.

MILENA
(atrás de João Pedro) Não fique gastando bateria, João. Ela tá ruim.

JOÃO PEDRO
Depois a gente carrega.

MILENA
A câmera tá ruim. Quero só ver se parar de funcionar.

JOÃO PEDRO
Tô fazendo um making-off. (filma Milena) Pra gente colocar nos créditos depois.

MILENA
Agora não, João. (empurra a câmera; João Pedro quase derruba, a câmera balança)

JOÃO PEDRO
Eita. Você quase derrubou, Milena.

MILENA
Segure firme que meu pai me mata se quebrar.

CHARLES
Filma aqui, João! Tá fazendo o making-off já? Tá? (aparece Charles num banco mais a frente)

JOÃO PEDRO
Tô. Fala aí.

CHARLES
(ele fala para a câmera) Ah... não sei o que falar.

JOÃO PEDRO
Ah, fala qualquer coisa. Tipo...

CHARLES
Bem-vindos ao making-off do filme Sangue de Lobo-Zé. Meu nome é Charles Silva e eu sou o diretor do filme. E tem o pessoal comigo e... (ele não sabe mais o que falar)

MILENA
Se vão fazer isso, vamos fazer direito... “Bem-vindos”, Charles? Fala sério.

A câmera balança e corta; Charles está mais bem posicionado e quem filma agora é Milena. Ao lado, está João Pedro.

MILENA
Vai.

PRISCILA
(ouve-se longe) Será que vai demorar pra chegar?

CHARLES
Olá. Meu nome é Charles Silva e eu sou diretor do filme Sangue de Lobo-Zé. Estamos a caminho da fazenda onde vamos gravar todo o filme e... tá todo mundo meio cansado, ontem tivemos uma madrugada de muito trampo, e agora vamos começar a maratona. Nós vamos ficar uma semana aqui nessa fazenda, sem carro, sem comunicação... é... e... Esse lugar é um lugar de gente bastante supersticiosa, gente de sítio mesmo, que dizem ver saci, lobisomem, essas coisas por aí. Como que é, Pri?

PRISCILA
O dono do sítio disse ter visto a mula sem cabeça quando era criança, perto do lago. (Milena filma Priscila) Meu tio que contou.

JEAN
Tá.

PRISCILA
É sério. Os vizinhos aqui sempre contam essas coisas.

JEAN
E o que ela tava fazendo? Bebendo água?

PRISCILA
Quem?

JEAN
A mula.

PRISCILA
Talvez, ué.

(todos riem)

JOÃO PEDRO
Sem cabeça?

(riem mais)

PRISCILA
Ah, sei lá, gente. Meu tio que contou.

MILENA
Continue, Charles.

CHARLES
(volta para Charles) Ah, Bom... vamos tentar fazer um trabalho bacana e é isso.

MILENA
(sussurra) Apresenta o elenco.

CHARLES
O que?

MILENA
Apresenta o povo.

CHARLES
Ah. Bom, esse aqui do meu lado é o câmera-man.

JOÃO PEDRO
Que devia tá filmando.

MILENA
Mas é que no making-off a gente tem que inverter os papéis.

JOÃO PEDRO
Tá.

CHARLES
E ele... bom, ele filma o filme pra gente.

JOÃO PEDRO
João Pedro, meu nome. Daí depois a gente bota uma legendinha em baixo.

CHARLES
O casal ao lado é Priscila e Túlio. (mostra-se o casal) Fala um oi aí, gente.

PRISCILA
Oi!

TÚLIO
E aí?

CHARLES
Eles vão atuar no filme. Eles vão fazer o Gustavo e a Letícia.

PRISCILA
E a maquiagem também.

CHARLES
E esse é o Jean. (mostra o Jean) E ele vai fazer o José.

MILENA
Que é o nosso lobisomem.

JEAN
É isso aí.

MILENA
Fala aí, Jean. Como é que está sendo essa experiência pra você?

JEAN
É... Ah, tá sendo bacana.

MILENA
Preparado pra matar todo mundo.

JEAN
Opa.

TÚLIO
Ele disse que não gostou muito da cabeça.

CHARLES
Não gostou? Por que não?

JEAN
Não é que não gostei, é que eu achei que fosse ser mais... tipo... um pouco maior.

JOÃO PEDRO
Mas isso a gente faz com jogo de câmera, fio.

PRISCILA
É no próximo ponto, gente! Vamo!

JOÃO PEDRO
Opa. Me devolve a câmera.

PRISCILA
Vai, vai...

A câmera balança enquanto todos se levantam pegando as malas. Corta.

CRÉDITOS INICIAIS

Música “Sorria, Você Está Sendo Filmado” – Pato-Fu. Mostram-se cenas rápidas de eles chegando, fazendo o primeiro lanche, mostra-se o lago, a casinha, o casal se beijando, gente dormindo, festa, cenas do filme que eles gravam, Túlio vestido de lobisomem mata Priscila, Milena corre pelo mato, mais festa, mais cenas do filme, gente cozinhando sangue, churrasco, termina com Milena cuspindo sangue. O nome do filme aparece toscamente, do tipo clássico de terror oitentista, de letras sangrentas.

CENA I

Mostra-se com câmera em TERCEIRA PESSOA, a gravação de uma cena. João Pedro está com a câmera, posicionado para filmar Milena e Jean. Charles anda ordenando.

CHARLES
Bom, gente. Nessa cena Letícia vem correndo depois da cena que o lobo matou o... o...

MILENA
Gustavo.

CHARLES
Isso. Aí, ela vem correndo desesperada, entendeu Pri? Conta pra eles o que aconteceu. Aí, João, você filma o canto do rosto dela, daqui, tá?

JOÃO PEDRO
Tá.

CHARLES
Daí vocês seguem o texto, beleza? Jean, lembre de dar uma pausa antes de começar a falar sobre a lenda, tá bom?

JEAN
Beleza. Fica de ponto aí.

TÚLIO
Eu fico.

CHARLES
Vamos lá, então. Vai mais longe, Pri. Fica lá atrás. Todos prontos? Então vamos lá.

JOÃO PEDRO
Cena número 5.

CHARLES
Ação!

MILENA
Eles estão demorando.

JEAN
Será que aconteceu alguma coisa?

PRISCILA
(longe) Socorro! Socorro!

Mostra-se as imagens da câmera.

MILENA
O que é isso?

PRISCILA
Gente, gente! O Gustavo está morto!

JEAN
O que?

MILENA
Como assim morto? Que sangue é esse na sua blusa?

PRISCILA
Tinha um monstro horrível! Era como um lobisomem! Ele matou o meu namorado!

CHARLES
Corta. Você tem que chorar, Pri!

Mostra-se com a câmera de terceira pessoa.

CHARLES
Chora mais, chora mais. Seu namorado morreu.

PRISCILA
Beleza.

CHARLES
Muda a posição, João. Depois a gente corta. Vai, Pri, volta pro “tinha um monstro horrível”.

Mostra as imagens da câmera.

PRISCILA
Tinha um monstro horrível! Era como um lobisomem! Ele matou o meu namorado!

MILENA
Como assim? Um lobisomem por aqui?

JEAN
(dá uma pausa) Eu já ouvi falar sobre isso. E na nossa primeira noite neste lugar eu ouvi uma coisa. Eu não quis falar nada pra não assustar ninguém. Dizem que mora um homem que vira lobisomem bem perto daqui. Ele se aproveita dos jovens que vem aqui para acampar.

MILENA
Se aproveita? De que jeito?

JEAN
Comendo.

MILENA
Ai, meu deus!

PRISCILA
Eu disse! Ele comeu o Gustavo! Na minha frente!

MILENA
Temos que fazer alguma coisa.

PRISCILA
Mas o que?

MILENA
Eu tive uma ideia. Venham. (eles correm)

Mostra-se a câmera de terceira pessoa.

CHARLES
Corta! Beleza, gente. Ficou massa. Vamos ver como ficou. (todos se aproximam e olham para a câmera por um tempo) Ficou legal.

MILENA
Eu queria fazer de novo.

PRISCILA
Ai, não! Vamos logo terminar isso. É agora que eu morro, não é?

CHARLES
É. Mas vamos ter de deixar pra amanhã. Tá escurecendo.

MILENA
Eu só achei que todo mundo queria fazer algo legal.

PRISCILA
Já tá legal.

MILENA
Eu achei que ficou meio falso.

PRISCILA
Meio falso? Falso é aquela cabeça que vocês fizeram.

JOÃO PEDRO
Eita, calma meninas!

PRISCILA
Ai, eu tô cansada. Vou fumar. Vamos fumar, Túlio? (Túlio segue-a; eles entram na casa)

CHARLES
Tá tão falso assim aquela cabeça?

JOÃO PEDRO
Tá nada. Eu falei que era pra gente ter chamado a Camila. Essa Priscila é muito chata. Se acha pacas.

Ouve-se um grito.

MILENA
O que é isso?

PRISCILA
(volta correndo realmente desesperada) Puta que o pariu! Puta que o pariu!

João Pedro liga a câmera. Mostra-se essas imagens.

CHARLES
O que foi, Pri?

PRISCILA
Eu não sei! Eu... Eu não sei! Eu tava... eu tava... ai, meu deus! Tinha alguém lá dentro! Eu juro!

MILENA
Para com isso.

PRISCILA
É verdade! É verdade! Eu juro! Eu juro! (ela chora assustadíssima) Ele pegou o Túlio! Desliga essa bosta, João, eu tô falando sério! (ela cai e senta-se)

MILENA
Para com isso, Priscila. Não tem graça.

PRISCILA
Eu não tô brincando.

JOÃO PEDRO
Caralho. Caralho. Vamos embora daqui.

CHARLES
Calma! O que é isso, Pri? Você tá zoando, né?

MILENA
Tá drogada! Tá se fazendo de...

PRISCILA
Sua idiota! Eu tô falando sério! Eu juro! Eu juro. (chora muito) Túlio...

MILENA
(chama) Túlio! Não tem graça! Venha aqui!

CHARLES
(se aproxima da casa)

PRISCILA
Não! Não! A gente tem que sair daqui!

CHARLES
Espera!

JOÃO PEDRO
Charles!

CHARLES
Eles tão zoando.

PRISCILA
É sério! Caralho, Charles!

JOÃO PEDRO
(se aproxima de Charles, quase à porta; suspense; sussurra) Charles, ela tá desesperada.

CHARLES
Eu quero ver, então.

Suspense; eles vão se aproximando da porta; ouve-se um barulho lá dentro, Priscila grita.

CHARLES
Caralho.

MILENA
Venha pra cá, Charles!

JOÃO PEDRO
Que merda. Que merda.

PRISCILA
Era imenso. Era um cara muito grande.

Quando chegam à porta, Túlio vestido de lobisomem assusta os dois.

CHARLES
Puta que o pariu!

JOÃO PEDRO
Porra, eu sabia!

Câmera em terceira pessoa.

PRISCILA
(gargalha) Falso agora, querida?

MILENA
Que brincadeira idiota, Priscila.

PRISCILA
Gostaram, meninos? Que bom que você gravou, João. Podemos usar essa cena.

CHARLES
Caralho, foi bom mesmo. (ri) Assim que é legal.

JOÃO PEDRO
Nada a ver. Eu sabia que era mentira. Mentira. Eu quase me caguei. (ri)

PRISCILA
Tchau, povo. Vem, Tú. (puxa ele para dentro da casa)

TÚLIO
Desculpa, gente. Ela é foda. Alguém quer fumar um aí?

JOÃO PEDRO
Eu topo.

CHARLES
Me ajuda a pegar lenha pra fogueira, Mi?

MILENA
Tá. Que brincadeira idiota. Na frente da câmera tava uma bosta.

Todos somem de visão. Por um tempo a imagem mostra a fazenda em silêncio. Aparece a lua. Mostra-se a casinha de longe, por trás de uma moita.

CENA II

João Pedro liga a câmera na área de churrasqueira. Ele está sentado na rede e filma seu próprio rosto; faz sinal de silêncio indicando que já é madrugada. Filma a mata escura e uma casinha com a luz acesa lá longe. Volta para os objetos próximos.

JOÃO PEDRO
Credo. (ele focaliza alguns objetos; uma enxada, um quadro velho, etc. Filma a porta de um quartinho externo da casa) Que será que tem ali? (ele se aproxima da porta; abre-a e vê-se escuridão; volta procura uma lanterna e quando acende se assusta com Milena que sai da casa principal)

MILENA
O que está fazendo aí?

JOÃO PEDRO
Vim da uma olhada.

MILENA
Pega MTV aqui.

JOÃO PEDRO
O que é aqui?

MILENA
A Priscila disse que um cara se matou aí.

JOÃO PEDRO
Sério?

MILENA
Não sei se acredito muito nela.

JOÃO PEDRO
(filma dentro do quartinho) Sinistro. Daria pra fazer uma cena bem legal aqui.

MILENA
Ali ó. Ela disse que tem a marca da corda.

JOÃO PEDRO
Onde? (ele foca onde ela aponta, uma madeira com uma marca de corda)

MILENA
Ali.

JOÃO PEDRO
Credo. Que medo. Vamos sair daqui.

MILENA
(ri) Tem medo, João?

JOÃO PEDRO
Você não?

MILENA
Desligue a câmera pra não gastar.

JOÃO PEDRO
Eu queria fazer um filme pornô, vamos?

MILENA
Eu e você?

JOÃO PEDRO
Não. Venha aqui. (ele vai até a casa) Mas se quiser, tamo aí também.

MILENA
Onde você tá indo?

JOÃO PEDRO
Chiiu. (eles entram no quarto; sussurra) Vamos pegar os dois no flagra.

MILENA
Não, pare...

JOÃO PEDRO
Chiiu.

MILENA
(acende a luz) Ai!

Mostra-se rapidamente a bunda de Túlio, que estava por cima de Priscila.

TÚLIO
Caralho, maluco!

PRISCILA
Puta sacanagem, João! Sai daqui! Idiota! Pode apagar isso!

JOÃO PEDRO
Desculpa! Desculpa! Eu não achei que vocês realmente estivessem...

Ouve-se alguém bater na porta. Silêncio. Suspense.

MILENA
Nossa. Quem será?

JOÃO PEDRO
Sei lá.

PRISCILA
O que foi?

MILENA
Chiiu.

JOÃO PEDRO
Tem alguém batendo na porta.

TÚLIO
Sério?

MILENA
Cadê o Charles e o Jean?

PRISCILA
Tão no outro quarto.

TÚLIO
Atenda lá.

JOÃO PEDRO
Nem fudendo.

MILENA
Quem pode ser?

Batem de novo.

PRISCILA
Ai, que medo, gente!

TÚLIO
Quem é?

Silêncio; alguém espia pela janela assustando todos.

PRISCILA
Puta que o pariu!

MILENA
Quem é aquela?

LÍVIA
(fora da casa) Desculpem. É que meu pai me pediu para deixar uns ovos aqui para vocês.

MILENA
Ai, ai.

JOÃO PEDRO
Abre logo a porta.

TÚLIO
(abre a porta) Oi.

LÍVIA
Oi. Desculpem se assustei vocês. Eu sou vizinha aqui. Moro naquela casa ali. Meu pai me pediu para trazer alguns ovos.

TÚLIO
Opa. Muito obrigado, viu. (pega os ovos)

PRISCILA
Tá tarde, né?

MILENA
Você mora por aqui, então?

LÍVIA
Sim.

MILENA
Puxa vida, eu quase morri de medo. (ri) Não faz mais isso não, moça.

JOÃO PEDRO
Eu quase me caguei aqui.

LÍVIA
Me desculpem. Vocês estão filmando?

TÚLIO
A gente tá fazendo um filme.

LÍVIA
Sério? Que legal.

JOÃO PEDRO
Agora você tá no making-off.

LÍVIA
É. (ri)

PRISCILA
A gente agradece pelos ovos, viu. Obrigada mesmo.

LÍVIA
Imagina. Precisando é só falar.

PRISCILA
Beleza.

Silêncio; Lívia fica parada esperando algo na porta. Túlio coça a cabeça.

LÍVIA
Bom, eu vou indo então.

TÚLIO
Ok.

MILENA
Apareça amanhã. Vamos gravar outra cena. Aí você vê.

LÍVIA
Tá. (ela espera mais um tempo e sai; Túlio fecha a porta; João Pedro corre filmar a menina pela janela, ela dá uma olhada pra trás e some na escuridão)

JOÃO PEDRO
Que menina sinistra. Parece que tudo aqui é meio sinistro, não é? (volta para dentro; filma Milena assistindo TV) Não é, Mi?

MILENA
O que?

JOÃO PEDRO
Parece que aqui é tudo meio sinistro.

MILENA
Mas essa era a intenção, não?

JOÃO PEDRO
(pausa; ele filma Priscila saindo do banheiro e indo pro quarto) Faz alguma coisa pra gente comer, Mi. Aí eu te filmo e a gente coloca a legenda: Milena Fernandes, cozinheira.

MILENA
Engraçadinho.

CHARLES
(aparece) Quem que tava aí?

MILENA
Uma menina aí. Diz que mora aí do lado.

CHARLES
Sério? Essas horas?

PRISCILA
(em off) E não é?

CHARLES
Tá filmando o que, João?

JOÃO PEDRO
Nada. Tô só brincando.

CHARLES
Ei, guarda então, João. Não vai sobrar fita.

MILENA
Eu já disse que a câmera não tá boa. Quero ver se ela para de funcionar.

JOÃO PEDRO
Ok, senhor diretor.
João Pedro desliga a câmera.
Mostra-se a casinha novamente ao longe; dessa vez a moita se mexe sutilmente.

CENA III

Mostra-se o lago. É de manhã. Com a câmera em terceira pessoa, mostra-se Milena saindo da casa. Ela boceja e olha para o lago. Deita na rede e acende um cigarro; fuma por um tempo. Levanta-se e vai até o lago. Senta-se em um banquinho e joga coisas na água. Mostra Milena por trás e uma mão aparece em seu ombro.

LÍVIA
Bom dia!

MILENA
Ai, você me assustou!

LÍVIA
De novo? Desculpe.

MILENA
Acordou cedo, hein.

LÍVIA
Ixi, aqui é sempre assim. Eu sempre acordo bem antes de o sol nascer.

MILENA
Hum.

LÍVIA
Você tem um cigarro?

MILENA
Você fuma?

LÍVIA
Aham.

MILENA
Quantos anos tem?

LÍVIA
Vinte.

MILENA
Eu pensei que tivesse menos.

LÍVIA.
Tem ou não?

MILENA
Tenho sim. (dá-lhe um cigarro e acende)

LÍVIA
Vocês estão fazendo que tipo de filme?

MILENA
Um de terror.

LÍVIA
Mas é filme de verdade?

MILENA
Como assim?

LÍVIA
Ah, vocês são atores mesmo?

MILENA
Não, não. A gente tá brincando. Charles adora essas coisas aí ele combina e pronto. Esse é o segundo que eu participo.

LÍVIA
Que legal.

MILENA
É.

LÍVIA
E sobre o que é?

MILENA
É de lobisomem. Um grupo de amigos vai acampar aí um lobo mata todos eles.

LÍVIA
(depois de um silêncio) Clássico.

MILENA
É.

LÍVIA
E vocês tem sangue?

MILENA
(ri) Tem, tem sim.

LÍVIA
Legal.

MILENA
É verdade que um cara se matou aqui?

LÍVIA
Aqui? Não sei. Eu sei que algumas pessoas já viu um lobisomem por aí.

MILENA
É. Foi bem por isso que a gente veio filmar aqui. Pra ficar um pouco mais real, sabe?

LÍVIA
Entendo. Pra dar um clima, né?

MILENA
É. (ri) O sítio é de um tio da Priscila, aquela loira, sabe?

LÍVIA
Aham.

MILENA
Aí, ela que deu a ideia. O Charles gostou, e aqui estamos nós. É divertido.

LÍVIA
Sei.

MILENA
Mas essa história é da cultura daqui? Tipo, todo mundo aqui conhece?

LÍVIA
Sim. A maioria das pessoas finge que acredita. Mas no fundo todo mundo sabe que é brincadeira.

MILENA
E o que você acha?

LÍVIA
(depois de uma pausa) Quem sabe, né? Esse mundo é muito louco.

(silêncio)

MILENA
(rindo) É, é verdade.

JOSÉ
(ao longe) Lívia! Venha!

LÍVIA
É meu pai. Eu tenho que ir. Tchau.

MILENA
Tá certo. Tchau. (ela observa a menina ir embora; joga uma última coisa no lago) Menina estranha.

Corta.

CENA IV

Ainda no escuro ouve-se Charles gritar “ação!”; com a câmera de João Pedro, mostra-se Milena correndo pela mata à noite, com um pouco de sangue na roupa; no fundo o lobisomem a persegue aparecendo rápido, sem mostrar ele por inteiro. Ela cai, o lobisomem se aproxima; tensão. Por fim, o lobo come Milena toscamente na barriga, fazendo aparecer seu intestino (linguiças com sangue falso). No fundo, Túlio grita desesperado, atuando não tão convincente. Em uma fração de segundos, quando a câmera deixar Túlio num canto, algo puxa Túlio para dentro do mato. João Pedro continua filmando o lobisomem, que num simples jogo de câmera se transforma novamente em homem.
Câmera em terceira pessoa: foca-se toda a cena da filmagem.

CHARLES
Foca o intestino! Foca o intestino! Corta! É isso aí. Ficou legal.

MILENA
Não ficou muito estranho?

JEAN
Acho que bastante.

CHARLES
Ficou. Mas é aí que é mais legal.

JOÃO PEDRO
Parecia mesmo que saía suas tripas.

MILENA
Bacana. Deixe eu ver. (João Pedro mostra)

PRISCILA
(sai da casa) Deu certo?

CHARLES
Ficou bom.

PRISCILA
Cadê o Tú?

MILENA
Ai, olha minha cara.

PRISCILA
Túlio?!

CHARLES
Acho que ele deve ter ido lá pra dentro.

MILENA
Peraí. Volte um pouco, João.

CHARLES
Não, vamos ver inteiro.

MILENA
Espera! Volte um pouco. (João volta a fita)

JOÃO PEDRO
Puta que o pariu.

Mostra-se a cena de Túlio sendo puxado para dentro do mato; a cena fica estática por uns segundos. Logo volta para a câmera em terceira pessoa.

MILENA
O que foi isso?

JOÃO PEDRO
Puta que o pariu. Que coisa estranha.

PRISCILA
O que é?

JOÃO PEDRO
(chama longe) Túlio!

PRISCILA
O que foi, gente?

MILENA
Olha isso. (ela mostra para Priscila)

JEAN
Ele deve tá zoando. Vamos ter que gravar de novo. Eu tava comendo a Milena, não teria como eu pegar ele também...

PRISCILA
O que é isso? Era pra ele fazer isso?

CHARLES
Não, ele tá zoando de novo.

Ouve-se um grito de Túlio no mato. Longo silêncio.

PRISCILA
(desesperada) Túlio!

JOÃO PEDRO
Puta que o pariu.

Alguma coisa se mexe no mato.

MILENA
O que é aquilo? O que é aquilo?

CHARLES
(vai até o mato)

MILENA
Charles! Venha pra cá!

PRISCILA
Túlio, não tem graça nenhuma!

João Pedro liga a câmera; mostra-se as imagens que ele filma; ele segue Charles até a moita. Suspense; antes de aparecer o que se encontra atrás do mato, muda para a câmera em terceira pessoa.

CHARLES
(terrivelmente assustado) Puta que o pariu!

JOÃO PEDRO
Corre, porra! Corre! (ele corre em direção da casa, passa pelas meninas; Charles corre junto)

PRISCILA
O que foi?

MILENA
O que?

Mostra-se o vídeo gravado, de João Pedro correndo e entrando na casa.

PRISCILA
O que é?

JOÃO PEDRO
Corre, caralho!

Corta.

CENA V

Mostra-se a casa; depois um pouco mais longe. Mostra a janela e gente discutindo. João Pedro liga a câmera e é mostrado suas filmagens. Ele se filma.

JOÃO PEDRO
(iniciando um discurso) Ah... puta que o pariu, cara. (pausa) Eu...

MILENA
Desliga essa merda, João Pedro!

JOÃO PEDRO
Não. Calma.

CHARLES
... era gente. Parecia um cara.

PRISCILA
(ouve-se chorando baixo) Eu não acredito... liga logo pra polícia, porra!

CHARLES
Eu tô tentando, meu!

JOÃO PEDRO
(para a câmera; assustado e dramático) Eu queria dizer que... é... se acontecer alguma coisa com a gente e alguém encontrar essa câmera...

PRISCILA
Vai tomar no cú, João! Cale essa boca se não eu arrebento sua cara.

CHARLES
Sem sinal, essa merda. Quase chama mas não completa.

MILENA
Tenta de novo.

JOÃO PEDRO
Se alguém encontrar essa câmera, eu queria dizer algumas coisas: Queria pedir desculpas à minha mãe, que teve que me aguentar todo esse tempo.

JEAN
Estranho, cara. Estranho pra caralho.

JOÃO PEDRO
Mãe, eu tô cagando de medo. Mas vai ficar tudo bem. Eu gastei aquela grana, mas eu ia repor com o lucro que eu ia ter. O problema é que não vingou. Eu juro. Foi mals, mãe.

MILENA
A gente devia tentar ir embora.

PRISCILA
No escuro? Você tá louca?

JOÃO PEDRO
E eu queria falar pra uma pessoa...

CHARLES
Bosta!

MILENA
Vamos embora daqui, Charles! Eu quero ir embora!

JEAN
Dá pra ver alguma coisa se mexendo ali.

JOÃO PEDRO
... é...

JEAN
Caralho.

MILENA
Ai, meu deus!

JOÃO PEDRO
Eu amo você. Você sabe.

CHARLES
Desliga isso, João! Tem alguém lá fora.

João Pedro vai até a janela e filma a escuridão; um foco em terceira pessoa sai da janela e abre mostrando a casa inteira. O foco se distancia e atrás de uma moita vê-se um vulto. Na casa, ao longe, ouve-se gritarias. A cena para um tempo na casa, ouvimos apenas a gritaria do grupo. Logo alguém vai se aproximando da casa, cambaleando. É Túlio. Priscila olha pela janela e corre abrir a porta; quando abre, Túlio toma um tiro na cabeça. Ele cai, ela grita e corre na direção dele. Com a câmera em terceira pessoa, mostra sua corrida até Túlio em câmera lenta; quando um terceiro personagem aparece ao fundo correndo na direção de Priscila, corta-se para a câmera de João Pedro, pegando Priscila saindo de dentro da casa, chegando até o corpo de Túlio e subitamente Charles fecha a porta.

CHARLES
Puta que o pariu! Que merda! Que merda! Ajuda a botar esse sofá aqui. (empurram o sofá até a porta aos gritos de Priscila)

JEAN
Fizeram uma isca.

MILENA
Tem alguém brincando com a gente!

JOÃO PEDRO
(começa a chorar) Charles...

MILENA
O que aconteceu?

CHARLES
Era gente. Eu vi. Um cara. Era grande, mas era um cara.

JOÃO PEDRO
Charles.

Os gritos param.

CHARLES
Parou.

JOÃO PEDRO
Puta que o pariu. A Pri, cara.

Charles e João Pedro vão até a janela; suspense. Lívia aparece correndo, assusta os dois.

LÍVIA
Abram, por favor! Tem um... um... Abram! Abram! Pelo amor de deus!

MILENA
Abra a porta.

JEAN
Não! A gente nem conhece essa menina!

LÍVIA
Por favor! Ele vai me matar! Por favor! Por favor!

MILENA
Abre a porra da porta!

CHARLES
(abre e logo fecha)

LÍVIA
Obrigada. Obrigada. O que é isso? O que tá acontecendo aqui? Eu ouvi...

JEAN
A gente não sabe de nada, menina! Nossos amigos...

CHARLES
Levaram nossa amiga.

MILENA
E mataram o Túlio. Mataram o Túlio! Eu não acredito! O que é isso moça? O que é que tá acontecendo?

LÍVIA
Eu sei menos que vocês. Eu tava vindo aqui, você me convidou ontem.

CHARLES
Você tem telefone?

LÍVIA
O que?

CHARLES
Telefone. Na casa de vocês.

LÍVIA
(pausa)

MILENA
Tem ou não tem?

JEAN
Quem é aquele cara?

LÍVIA
Eu não sei. Eu...

JEAN
Você sabe sim. Eu sei que você sabe.

LÍVIA
Não sei, moço. Juro que...

JEAN
Eu sei que você sabe. Fala, porra.

LÍVIA
Eu acho melhor eu ir... (se levanta)

MILENA
Espera! Você sabe. Quem é aquele cara?

LÍVIA
Eu já disse que não sei.

MILENA
(agarra a menina e a gruda na parede) Fala! Fala! Quem é aquele cara?

LÍVIA
Me larga! (ela se solta de Milena e a arranha de leve no pescoço)

MILENA
Ai, você me arranhou!

LÍVIA
Você estava me segurando!

JEAN
Caralho, menina. Tu não vai sair daqui! Eu sei que...

LÍVIA
Eu não sei de nada, cacete! Eu juro! Eu tô aqui com vocês. Eu tô morrendo de medo. Eu ouvi o tiro e vi sangue ali. Isso não acontece toda vez aqui igual no lugar de onde vocês vieram. Vocês sempre trazem problemas pra esse lugar.

(silêncio)

JOÃO PEDRO
E agora, porra? E agora, Charles?

CHARLES
(se irrita) Desliga essa merda! (coloca a mão na câmera)

Corta.

CENA VI

Com a câmera em terceira pessoa, é apresentado as reações dos acontecimentos de todos os sobreviventes. Mostra-se Milena, sentada, aterrorizada, mordendo o lábio. João Pedro com dificuldades em amarrar o tênis, suando. Charles olhando pela janela, andando de um lado para outro. Jean sentado pensativo. Lívia demonstra certo nervosismo, mas contido. Longo silêncio; mostra-se a casa do lado de fora e depois a lua. Finalmente Jean quebra o silêncio:

JEAN
Eu vou.

MILENA
O que?

JEAN
Vou até a casa dessa aí usar o telefone.

LÍVIA
Não acho uma boa ideia...

JEAN
Não tô pedindo. Eu vou. (ele se arruma para sair)

JOÃO PEDRO
Você vai sozinho?

JEAN
Alguém quer ir comigo?

JOÃO PEDRO
Eu não saio daqui.

LÍVIA
Eu vou com você.

JEAN
Não precisa. Eu vou sozinho mesmo.

LÍVIA
Eu vou. É minha casa.

JEAN
Eu não gosto de você, menina. Você pode enganar seus putos, mas eu você não engana.

LÍVIA
Eu só quero ajudar. Você não sabe nada sobre mim, imbecil.

JEAN
Alguém mais vai?

(silêncio)

JEAN
Eu vou sozinho.

LÍVIA
Eu vou. É minha casa.

JOÃO PEDRO
Eu vou também.

MILENA
Fique aqui, João.

JOÃO PEDRO
Não. Eu quero ir junto. Quero usar o telefone também.

MILENA
João, você vai ligar pra ela de novo?

JOÃO PEDRO
Vou! Eu preciso. (eles vão saindo; João Pedro volta buscar a câmera)

Corta.



CENA VII

João Pedro liga a câmera; mostra-se o caminho escuro até a casa de Lívia, iluminado apenas por uma lanterna. À frente está Lívia e Jean. Pode se ver apenas mato e uma luz lá longe.

JOÃO PEDRO
Que ideia idiota de vir junto. Eu vou voltar.

JEAN
Volta, então, seu bixa.

LÍVIA
Já tamo chegando.

Eles caminham em silêncio; ouve-se um latido seguido de um uivado.

JOÃO PEDRO
Caralho, Jean, caralho!

LÍVIA
É o Catatau, meu cachorro.

JEAN
Ele tá preso?

LÍVIA
Tá sim. A gente já tá chegando.

Mais caminhada em silêncio; eles logo chegam à casa, Catatau está preso em um canto.

JEAN
Seu pai tá aí?

LÍVIA
Não. Hoje tem bailão no clube. Ele sempre vai.

JOÃO PEDRO
Tem como trancar a porta? (eles entram na casa)

LÍVIA
O telefone fica ali no quarto. Fiquem a vontade.

Jean e João Pedro vão até o quarto; João Pedro filma de um ângulo onde pode se ver Lívia mexendo em algumas coisas na cozinha. Jean disca no telefone.

JOÃO PEDRO
Eu também não gosto dela.

JEAN
Pois é. (alguém atende) Alô? Não, espera! É urgente! (o colocam na espera) Bosta.

JOÃO PEDRO
Que foi?

JEAN
Pediram para aguardar. Se tivesse pra morrer, já tinha morrido, né?

JOÃO PEDRO
É uma bosta, esses filhos da puta.

JEAN
Alô? Meu nome é Jean, eu... é... eu tô com uns amigos num sítio perto do vilarejo Santa Inês. E... aconteceu... um amigo meu tomou um tiro, eu acho que ele tá morto. É... não. Comigo tá tudo bem. Foi esse meu amigo e a namorada dele que desapareceu. Eu não sei, eu não sei! A gente tá sem carro. Caralho, moça! Tá todo mundo desesperado aqui, porra. Eu não sei explicar... João, pergunta pra Lívia qual o quilômetro da pista ali em cima. (volta para o telefone; João passa pelo corredor, mostrando a cozinha) Alô? Alô? Puta que o pariu, caiu a ligação. (João vira a câmera para o quarto novamente)

JOÃO PEDRO
O que?

JEAN
Tá sem linha. Não tá mais nem dando linha.

Ouve-se um barulho na cozinha; João Pedro vira a câmera e filma Lívia sendo jogada num canto aos berros. João Pedro corre para o quarto; Jean fecha a porta.

JOÃO PEDRO
Caralho!  Caralho, Jean!

JEAN
Merda, merda.

Ouve-se alguma coisa ser jogada contra a porta; João Pedro grita; silêncio. Longo silêncio. Alguém mexe na maçaneta.

JEAN
Por aqui. (abre a janela e pula) Vem, João! Vem! (pega a câmera de João e o ajuda a pular a janela)

JOÃO PEDRO
Que bosta, Jean! Eu não quero morrer, cara.

JEAN
Vem. Vamos embora daqui.

JOÃO PEDRO
E a menina, cara?

JEAN
Já era. Vem.

Eles correm pela escuridão.

JOÃO PEDRO
Eu não tô enxergando nada, cara.

JEAN
Não para, não para!

Eles correm em silêncio. Escuridão total; pouco se vê.

JEAN
Ai. (silêncio)

JOÃO PEDRO
Jean? Que foi? Que foi, cara? Cadê você?

JEAN
Tô aqui. Eu acho... eu acho que eu tomei um tiro, cara.

JOÃO PEDRO
Como assim, Jean? Como assim, cara?

JEAN
Eu acho que eu... caralho! (ele grita sendo arrastado para dentro da mata) Me ajuda!

JOÃO PEDRO
Jean! Jean! Caralho! Caralho, merda! Caralho! (ele fica um tempo parado no escuro; chora desesperado) Pai nosso que estais no céu, santificado seja o fosse nome... (começa a caminhar devagar, apertando o passo aos poucos)... perdoai as nossas ofensas, assim como... como nós perdoamos...

Ouve-se o grito de Jean ao longe. João Pedro corre e chora mais.

JOÃO PEDRO
Puta merda! Puta merda! Nossa Senhora, espírito santo, Jesus Cristo!

Ele cai; se levanta rapidamente atento aos barulhos; fica em silêncio filmando a escuridão. Tem a ideia de colocar no modo noturno. Ele mostra a mata dos dois lados da estrada de terra; nada se vê. Ele continua a caminhada cantarolando, tremendo de medo. Ouve um barulho perto; ele para. Ele foca um canto onde a mata pareceu se mexer. Logo percebe que uma das sombras é alguém olhando para ele. Ele corre desesperado. Vê se a casa há alguns metros. Muda para câmera em terceira pessoa, mostrando dentro da casa.

MILENA
Eles estão demorando demais.

CHARLES
Eu não tô acreditando nisso, cara. É horrível demais.

JOÃO PEDRO
(bate na porta)

CHARLES
Quem é?

JOÃO PEDRO
Sou eu! Abra logo. Abra logo, porra!

Charles e Milena afastam o sofá, destrancam e abrem a porta; não há mais ninguém. A câmera de João Pedro está no chão. Charles pega a câmera; Milena grita; Charles liga a câmera e filma o motivo de Milena gritar: João Pedro está caído ao lado da porta com uma foice enfiada na cabeça. Milena chora desesperada.

MILENA
Ele matou todo mundo. Ele matou todo mundo...

A câmera balança de leve.

CHARLES
Ai.

MILENA
O que foi? O que foi?

CHARLES
Caralho, Mi. Eu tomei um tiro, cara. Eu vou morrer.

Subitamente a câmera cai no chão; a filmagem apresenta algumas falhas, mostrando as pernas de Charles cair e logo focalizando Milena desesperada olhando para mais um corpo. Ao lado pode se ver uma parte do corpo de João Pedro. Milena toma um tiro nas costas e cospe sangue; a mesma imagem que finaliza os créditos iniciais. Ela ainda toma uma paulada na cabeça e cai atordoada. Lívia aparece ao lado com a madeira e uma arma. Ela observa Milena agonizar; se aproxima e beija a boca dela. Lambe o sangue de sua boca. Lívia se vira para a escuridão, um pouco assustada.

LÍVIA
Pronto.

Ela se afasta quando alguém, que não aparece no vídeo, parece se aproximar.

LÍVIA
Pronto.

O corpo de João Pedro se mexe bruscamente, como se algo tentasse arrancar algum pedaço; subitamente o corpo é puxado para fora do foco.

JOSÉ
(fora de foco) Me ajude.

Lívia sai de foco e logo passa carregando o corpo ensanguentado de João Pedro.  Milena, ainda atordoada, está bem focalizada caída no chão. José aparece, se aproxima de Milena e pisa em suas costas.

JOSÉ
Você acredita nisso, moça? (silêncio) Eu perguntei se você acredita nisso?

MILENA
(tenta responder, mas não consegue)

JOSÉ
O que? Eu não entendi. Acredita ou não?

MILENA
(com muito esforço) No que?

JOSÉ
Hã?

MILENA
Acredito no que?

JOSÉ
Em lobisomem.

Milena se irrita e tenta derrubar José, sem sucesso. Ele a segura pelo pescoço.

JOSÉ
Acredita ou não?

MILENA
(cospe sangue em seu rosto) Arma de fogo? Nem um pouco original. Foice é coisa de caipira.

JOSÉ
 Filha da puta.

José tenta bater em Milena, ela se debate e tenta ir para dentro de casa, na direção de onde a câmera está caída. Quando seu rosto está quase próximo da câmera, José bate sua cabeça no chão, até ela parecer morta. Foca-se, então, o pescoço arranhado de Milena, enquanto José vai até o quartinho onde um cara se matou, pega o corpo de Priscila e o arrasta para o outro lado, desaparecendo na escuridão. Por um longo tempo mostra-se apenas uma parte do corpo de Milena, deixando a vista seu pescoço e um arranhão estranhamente infeccionado. A câmera falha mais vezes. Mostra-se por alguns longos segundos a imagem de Milena caída. Finalmente Milena abre os olhos e apresenta seus novos olhos amarelados. A câmera pifa. Chiado.
Câmera em terceira pessoa mostra a câmera caída solitária. Milena desapareceu. Black-out; ouve-se um uivado.

FIM

Créditos finais podem ser cenas de vários filmes sobre lobisomens.