A
PEDRA DO GÊNESIS:
POR
ONDE E COM QUEM ANDAS, JESUS? (Versão 1)
PERSONAGENS:
ELE 1 (JESUS)
ELE 2 (MÚSICO)
DOIS ATOS
CENÁRIO: Um quarto bagunçado de um jovem; um abajur
no formato de lua. Duas cadeiras ao centro, uma virada de costas pro outro. Em
uma escrivaninha pequena há alguns livros, entre ciência e a própria bíblia. Há
tanto um crucifixo, como um microscópio na composição, e dois violões e dois
microfones.
ATO
I
(enquanto a plateia entra, uma música ambientaliza
um tipo de saga, grande aventura; logo após o terceiro sinal e alguma mudança
na luz, ELE 2 entra voltando da escola, realisticamente, com uma mochila e boné;
ELE 2 demonstra cansaço e alguma tristeza, senta-se em uma das cadeiras, tira o
tênis e cospe um chiclete em um lixinho; ELE 2 decide tocar alguma música, pra
disfarçar a dor que o faz explodir em alguma ação de raiva num instante antes;
como exemplo, dar um chute no lixinho, ou um murro na escrivaninha, ou outro;
com ELE 2 iniciando a música, ELE 1 entra vestido como Jesus Cristo, com capuz
escondendo boa parte do seu rosto, senta-se na outra cadeira, de costas para
ELE 2, e pega o outro violão; ambos arrumam o microfone à frente; no telão
vemos imagens rápidas de Jesus, o mesmo artista que faz ELE 1, em cenas
icônicas da história de Jesus como se é conhecida)
ELE 1
"No fundo do oceano existe um baú
Que guarda o segredo almejado desde a aurora dos
tempos
Por gênios, sábios, alquimistas e conquistadores
Eu conheci esse baú num estranho ritual reservado a
poucos
Hoje eu posso enfim revelar que essa busca de
séculos foi em vão"
Agora começa a parte que é ficção, tá bom? E também
a liberdade poética e de crença pessoal e intransferível que todo mundo aqui
dentro tem por direito. Desde que não interfira no bem estar e liberdade do
outro, óbvio.
“A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
Não é o segredo da vida
A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
É segredo nenhum.
É a escada do seu velho sonho
Que vai dar sempre onde começou
É a chave do maior poder
Que não vale um chiclete
Que alguém mascou, mascou”
Exatamente há cada trinta e três anos, um ser humano
híbrido das estrelas, da criação e do criador, vindo de naves interestelares, gerado
por inseminação artificial, costumamente em jovens virgens – vale ressaltar que
essa regra tem sido extinta já há algum tempo - vem ao nosso mundo para ser
mártir e trazer alguma influência híbrida ao mundo! Nesse meio tempo, com base
no livre arbítrio que também lhe é concedido, tanto para o bem como para o mal,
esse ser humano divino e genéticamente mais evoluído tem sido parte da história
de cada geração específica, hora sendo mártir, hora sendo monstro.
“A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
Não é o segredo da vida
A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
É segredo nenhum.
É a Pedra de cada dia
Que está no chão de qualquer lugar
Onde o mendigo pisa
E o santo cospe quando passar
Essa pedra”
A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
Não é o segredo da vida
A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
É segredo nenhum.
É Deus traçando linhas tortas
É mais um que nasce e começa a morrer
Jogando jogo da velha, o jogo da guerra
Sem poder vencer, sem vencer”
(música “A Pedra do Gênesis” – Raul Seixas)
(os dois artistas deixam o violão de lado e viram
suas cadeiras um de frente pro outro)
ELE 2
Eu te procuro faz tanto tempo. E você estava logo
aqui mesmo.
ELE 1
O segredo é procurar nas arestas. Eu tô por aí na
borda. E eu sou só mais um. Às vezes acontece até uma fama, como aconteceu
daquela vez que ficou mais famosa. Virou livro, até fizeram adaptção pro cinema
algumas vezes. Mas teve momentos que eu só vim como um carpintor comum mesmo que
nasceu e morreu na mesma cidade comum, que teve uma vida comum e ordinária e
que morreu. E aí é que fica a mensagem final. A morte. É a morte o que mais
conta. Em nome do que você morre, daquilo que você defendeu em vida, que realmente
importa.
ELE 2
Eu?
ELE 1
“Você” no sentido “todo mundo”!
ELE 2
(faz um quase deboche) Você é daquele tipo que
acredita que todos somos um pedacinho de deus? Já ouvi dessa.
ELE 1
(se empolga) Exatamente! E você sou eu, e eu sou
você! E todos somos uma coisa só! E às vezes a gente faz esse morfamento
fisicamente mesmo! A gente se atraca! Se entrelaça! Se enfia um dentro do
outro! A gente quer entrar no outro! Porque a gente é o outro! Todo ser vivo
quer se roçar, garoto! De uma simples bactéria, à baleias e à cavalos marinhos
– e cavalos marinhos é o macho quem gera os filhotes, porra!
ELE 2
Cara, não fala palavrão aqui em casa, meu pai pode
ouvir...
ELE 1
Me desculpe. Me desculpe se eu ofendi alguém. É
que... eu fico... eu fico tão empolgado em contar pra todo mundo o quanto podia
ser mais fácil, mais descomplicado... (pausa) Eu acho que a gente nem precisa
se colocar no lugar do outro, porque... quem tá ligado nesse bagulho louco todo
sabe! Sabe que a gente É o outro. Você... você precisa se acalmar, rapaz...
Acalma a alma. Olha como eu faço bonito o jogo com as palavras. (ri bobo)
ELE 2
Você é um homem fisicamente muito bonito.
ELE 1
Obrigado. E você é um jovem rapaz extraordinário
também. Mesmo sendo um jovem rapaz ordinário, é extraordinário ao mesmo tempo.
(ELE 2 não entente e fecha um pouco a cara)
ELE 1
Você não entendeu o que eu quis dizer. Venha até
aqui. (ELE 1 chama ELE 2 pra olhar no microscópio; ELE 1 pega a mão de ELE 2 e
fura o seu dedo com um alfinete)
ELE 2
Ai! Ei!
ELE 1
(coloca a gota de sangue no microscópio e oferece
para ELE 2 olhar; ELE 2 olha) Ordinário. Pequeno nos versos. No meio das
cordas, das ondas sonoras e das ondas de luz! Enxerga? Consegue ver? Não tem
fim tanto pro micro, quanto para o macro, e ainda chega uma hora que eles se
encontram nas milhares e milhares de bolas que giram no seu corpo e que giram
lá em cima. E que giram na luz, no som, e na sua verdadeira cor, como um
arco-íris, esse negócio consciente dentro de você. Vai ser clichê, mas
foda-se...
ELE 2
Meu pai, mano!
ELE 1
Ai, desculpa. São novos tempos, a gente se atualiza
também, desculpa.
(uma música deixa o clima um tanto romântico e ELE 1
tira ELE 2 para uma dança lenta; eles dançam brevemente em um foco fechado)
ELE 2
Me chamam de viado. (silêncio) Talvez eu seja mesmo
viado.
ELE 1
A verdade é a seguinte: O que você, como
frequentador e cristão consciente acha que aquele Jesus de dois mil anos atrás
que é quem você acredita ser seu salvador te diria se pudesse sentir seu
coração ouvindo essa confissão?
ELE 2
Meu pai me colocou num psicólogo.
ELE 1
Não é isso que ele falaria.
ELE 2
Meu pai me colocou num psicólogo. Um psicólogo que é
pastor também. Ele disse que se eu quero muito é só eu me esforçar.
ELE 1
(respira fundo) Às vezes dá vontade de não ter
desistido dos dinossauros. Eles estão me falando aqui agora.
ELE 2
Eles quem?
ELE 1
Responda a minha pergunta. Qual é a primeira
mensagem real de Jesus que lhe vem à cabeça?
ELE 2
Amor o próximo.
ELE 1
Exatamente! É isso que eu venho falar de novo e de
novo e de novo! E eu respondo a sua confissão com: suas cores verdadeiras são essa,
rapaz.
ELE 2
Jesus ama o pecador, não o pecado...
ELE 1
(interrompe bruscamente) Não! Isso é uma frase
manjada, garoto! Você não é desses terraplanistas, né? Por favor! A gente não
trabalha e nunca trabalhamos com o medo. Algumas vezes o livre arbítrio criou
monstros ao invés de mártires, mas também inconscientemente com a intenção de
transformação do mundo para o que é bom! Para o que é bom para todos. O prazer
no sexo não é pecado, meu menino. É tão natural como o orgasmo de um porco que
pode chegar à trinta minutos, cara! É tão normal como a existência de uma
baleia. Se você não gosta da baleia, não concorda com a existência daquela
baleia, não tem o que você fazer. Aceita. Só aceita. Hashtag aceita. Não existe
outro caminho. São as suas cores que vibram verdadeiramente, que saem de dentro
de você e não tem importância se ela é colorida e – se assim posso dizer – um
tanto confusa. Tudo o que existe é natural.
ELE 2
Mas...
ELE 1
Não tem “mas”...
ELE 2
Tem “mas” sim.
(um vídeo com compilações de notícias de crimes de
homofobia, ao som grandioso de algum clássico instrumental finaliza o primeiro
ato; ELE 1 sai deixando ELE 2 sozinho assistindo o vídeo sozinho)
ATO
2
(ELE 2 chega mais uma vez em seu quarto. Tira o
tênis e cospe um chicletes. Chuta o lixinho, ou dá um murro na mesa, ou outro,
e pega o violão; ele canta)
ELE 2
“Pai, estou aqui, olha para mim
Desesperado por mais de Ti
A Tua presença é o meu sustento
A Tua palavra, meu alimento
Preciso ouvir a Tua Voz dizendo assim”
(ELE 1 entra; agora vestido como um jovem de trinta
anos, meio hippie, meio nerd, com tatuagens e/ou piercings e cabelos curtos,
fumando um cigarro elétrico, e/ou outros)
OS DOIS
“Vem filho amado
Vem em meus braços descansar
E bem seguro te conduzirei
Ao meu altar
Ali falarei contigo
Com Meu amor te envolverei
Quero olhar em teus olhos
Tuas feridas sararei
Vem filho amado
Vem como estás”
(música “Nos Braços do Pai” – Diante do Trono)
(os dois terminam a música e ELE 2 deita a cabeça no
colo de ELE 1; ambos observam as estrelas; ao fundo, no telão, imagens
interestelares, e música de jornada)
ELE 2
Eu tenho medo... eu... (pausa) eu tô com um
cagaço...
ELE 1
Eu vou falar uma coisa que vai te deixar com um
cagaço maior ainda. Uma coisa real pra gente se preocupar e perder tempo
pensando do que essa bobeira que tá enfiada na sua cabeça. O Experimento das
Fendas! (ele sai e volta com uma pequena máquina esquisita e dois painéis, um
dos painéis possui duas fendas) Nós não vamos criar nenhum Frankenstein nem
viajar através do tempo com esse experimento, mas vocês vão descobrir uma coisa
muito louca sobre a nossa vida. Em meados do século 18, o físico, médico e
egiptólogo britânico Thomas Young conseguiu refutar umas das afirmações de
Isaac Newton: a de que a Luz era composta por “corpúsculos”, unidades quantificadas
– o que hoje se chamaria de partículas subatômicas. Para fazer isso ele
realizou um experimento muito simples: usando uma grande caixa fechada, ele
inseriu um visor e duas pequenas fendas
por onde a luz do sol deveria entrar. Ao olhar pelo visor ele observaria a luz
projetada do outro lado da caixa, refletida na parede interna oposta. Como
estamos no século XXI essa minha máquina é uma máquina que envia partículas de
luz para onde a direcionarmos, no caso, através dessas duas fendas. (pausa) Existem
duas possibilidades de como a luz poderia passar pelas fendas: o elétron é
composto ou como Isaac Newton afirmava: como bolinhas de luz sendo atiradas em
partículas, que deixaria aqui nessa parede ao fundo o formato de duas fendas,
assim como ela o é no painel. Ou ela atravessaria as fendas como ondas, fazendo
ondulações que se anulam e se multiplicam, como quando a gente joga uma pedra
em um lago e ela forma várias ondinhas por bater uma na outra; formando então
aqui na parede do fundo várias marcas de fendas diminuindo na sua intensidade à
medida que ela se afasta do ponto inicial. Conseguiram entender? Ou duas fendas
de luz somente, agindo como bolinhas - pra exemplificar - , ou agindo como
ondas, formando várias fendas aqui atrás. O que vocês acham que aconteceria? (ELE
1 faz uma votação rápida da resposta com a plateia) Bom, nós vamos usar essa
lâmpada fluorescente pra ver o resultado.
(ELE 1 coloca um óculos e liga a máquina com
bastante suspense; a máquina faz um barulho estrondoso e solta um pequeno flash
de luz entre as fendas)
ELE 1
Agora vamos ver.
(ele vai até a parede do outro lado e acende uma
lanterna fluorescente; ve-se apenas duas fendas)
ELE 1
Duas fendas. Isaac Newton estava certo, caralho!
Óbvio que sim. Quem aí duvidou do grande Isaac, porra? Aplausos para o grande
Isaac! (pausa) Mas espere só um pouco. Não é essa a maluquice descoberta pela
ciência que eu tô falando, essa não é a grande parte da história, gente! Segura
a bunda nessa cadeira que agora a coisa vai ficar muito mais doida ainda! A
grande maluquice que acontece é que as coisas ficam um pouco diferentes se não
há ninguém observando. É isso mesmo que você ouviu. Se não houver nenhum ser
humano olhando, NENHUM SER HUMANO COMO OBSERVADOR, essas partículas safadinhas
de luz agem de forma diferente! Eu tô falando sério. É a física quântica. Duvidam?
Peço que todos se virem de costas e vamos fazer o experimento mais uma vez. Por
favor, todo mundo. Não pode ficar ninguém olhando. Vamo lá, gente! Mesmo isso
aqui sendo ilustrativo, porque somos artistas e não cientistas, vamo entrar no
joguinho, vai...
(ele faz com que todos virem de costas pra máquina)
ELE 1
Quando não há um observador, quando não há um ser
que conteste a forma como a luz deveria agir, ela age do jeito que ela quiser.
(ELE 1 liga a máquina novamente; um raio rápido de
luz)
ELE 1
Podem se virar.
(com a lanterna fluorescente agora a luz agiu como
onda e formou várias fendas da parede de trás)
ELE 1
Shazan! Wingardium Leviossa! (pausa) Tem horas que
ela escolhe agir como ondas e tem horas que ela escolhe agir como bolinhas.
Obviamente que isso daqui tudo é ilustrativo, é tipo aquelas fotos de bolacha
recheada que não se parece muito com a bolacha real, mas tá valendo. Não se
esqueçam que vocês vieram ao teatro e não à uma feira de ciência. (apenas com o
olhar ele tenta demonstrar o quanto o experimento foi grandioso) Captaram?
Conseguiram figurar? Você-move-montanhas. Nós temos a capacidade de mudar e de
nos confundir com a realidade ao nosso redor. O observador, seres que olham e
julgam, tem total poder sobre o mundo físico. O deus com letra minúscula vive
dentro de nós, porque NÓS TODOS SOMOS ELE!
(silêncio; ELE 1 está sem fôlego de tanta
empolgação)
ELE 1
É com esse tipo de coisa que a gente devia estar se
questionando em dois mil e dezessete e não a sexualidade de alguém. Isso é
tão... tão primitivo... e me ofende... ofende Jesus Cristo que morreu em nome
da compreensão das coisas, e da compreensão do outro, e da compreensão de onde
está deus e com quem ele tem andado! Há pouco teve aquele negócio da aprovação
do ensino religioso nas escolas, se a escola decidir, de uma religião
específica, por exemplo. E vamo aqui lembrar que há dois mil e dezessete anos atrás,
nós viémos e já morremos exatamente por bater de frente com esses dogmas, com
essas tradições infundada, fomos pregados na cruz por bater de frente contra a
imposição de dogmas religiosos. E outro acontecimento que me deixou absurdado,
foi aquele recente negócio dos psicólogos que querem ter o direito científico de
fazer a tal da reversão sexual, das pessoas que a ainda buscam e acreditam que
podem ser curado de uma coisa que a própria confederação científica que
justamente estuda a mente e o comportamento humano, já entrou em unanimidade na
questão de que NÃO, NÃO EXISTE A REVERSÃO SEXUAL. Uma pessoa pode até conseguir
se privar de ser o que é, mas não existe essa magia divina. “A gente”, eu digo “nós
todos” mesmo, já morremos uma porrada de vezes durante anos e séculos, sobre
esse mesmo assunto e isso tudo, esse retrocesso, faz com que esses mártires,
nós, um ou outro, ali ou aqui que morremos e fomos violados e espancados,
escravizados, dilacerados fisicamente e psicologicamente, e crucificados, e
escancalhados, estripados, tenhamos a nossa morte desperdiçada nesse tempo e
espaço. Já é hora de a gente aprender que não devemos palpitar sobre a
genitália alheia, galera.
(silêncio; a mesma música da dança toca ao fundo;
ELE 1 e ELE 2 sentam-se frente à frente novamente)
ELE 1
O que você realmente acha que Jesus te diria se sua
preocupação da vida fosse quem você vai amar? Não precisa responder. (silêncio;
ELE 2 reflete por alguns segundos um tanto cabisbaixo)
(ELE 1 finaliza o espetáculo com a plateia)
ELE 1
A total intenção desse espetáculo é levar a real
mensagem de Jesus. Eu, como artista, sempre fui muito subversivo nesse assunto.
Dessa vez eu quis ser um pouco mais... diplomático. Foi a única forma que
encontrei. Única regra: amor ao próximo. Você pode até pensar que a Terra é
plana se quiser. Você tem total livre arbítrio pra escolher entre o bem e o mal,
de ser de esquerda ou de direita, de concordar e discordar do que quiser. Total
liberdade de discordar do Jesus que a gente apresentou aqui. Mas se você acredita
naquele Jesus da história cristã, então não tem como discordar do que foi que
ele realmente falou, se foi do jeito que contam. “Amai o próximo como a si
mesmo”. Porque você é o próximo desse outro aí que tá sentado do seu lado.
(pausa) É só isso.
FIM