(A divisão classifica textos que não necessariamente tenham o exato assunto como base principal do espetáculo, mas que em algum momento exista a discussão e/ou intenção também)
EXTINÇÃO NATURA IN LOVE
EXTINÇÃO NATURA IN LOVE
Para Jenyffer Lisboa Coelho
PERSONAGENS
Menina
Menino
Flor
(boneco falante)
Planta
(boneco mudo)
(o
Menino está guardando algo com muito cuidado dentro de um baú; a Menina entra e
o Menino desesperado tranca o baú com muitos cadeados)
MENINA
O
que você está escondendo aí?
MENINO
Não
tô escondendo nada.
MENINA
Tá
sim porque eu não sou idiota. Precisa de tanto cadeado assim?
MENINO
Não
é pro seu bico, enxerida!
MENINA
O
que você guardou? Me conta! Eu odeio ficar curiosa com as coisas.
MENINO
É
muito perigoso. Eu não posso nem contar porque eu tenho medo que isso tudo se
acabe e que todo mundo pegue fogo e que todo mundo morra e depois fim!
MENINA
Credo.
É bomba?
MENINO
Claro
que não.
MENINA
Então
é o quê? Me fala, por favor! Eu sei guardar segredos.
MENINO
Menina,
eu estou falando bastante sério. É questão de vida ou extinção! Enquanto eu não
conseguir encontrar um mecanismo de defesa que possa torná-la forte,
resistente, eu não posso deixar ela livre. E é melhor que ninguém saiba da
existência dela.
MENINA
Ela
quem? É uma pessoa aí dentro?
MENINO
E
cabe uma pessoa aqui dentro? Lógico que não é uma pessoa!
MENINA
Me
fala! Eu vou insistir até a morte! Pode falar! Pode falar!
MENINO
Garota,
com toda educação do mundo. Sai daqui! Eu não vou falar! É de responsabilidade
minha e eu não vou falar.
MENINA
Então
eu também não vou te mostrar o que tem no meu baú. (sai e volta com um baú
igual) Porque eu também tenho um baú e eu também tenho segredos importantes.
MENINO
Ah,
agora que você falou você vai ter que falar! Eu odeio ficar curioso!
MENINA
Eu
falo se você falar.
MENINO
Mas
você é folgada mesmo, hein!
MENINA
Eu?
Se liga, moleque! Fala logo! Para de frescura!
MENINO
Você
fala primeiro então.
MENINA
E
eu sou trouxa? Se eu falo depois você não fala. Pode falar!
MENINO
E
se eu falo e depois não tem nada no seu baú?
MENINA
Tem.
Eu tô te falando que tem! E é importante também porque isso aqui pode ajudar a
exterminar, detetizar a vida, pra que nada precise se acabar e nem todo mundo
pegar fogo e nem todo mundo morrer. É tipo uma arma. Olha, eu já te dei uma
dica. É tipo uma arma.
MENINO
Uma
arma? Uma arma de que tipo? Revólver? Faca?
MENINA
Não!
É uma arma branca, natural. Agora você. Pode falar o que é o seu primeiro.
MENINO
Então
eu também vou dar dicas. Pra ficar mais legal.
MENINA
Tudo
bem. Vai.
MENINO
Hum...
Bom, é vermelho.
MENINA
Batom!
MENINO
Não.
MENINA
Maçã!
MENINO
Não.
MENINA
Morango!
MENINO
Não.
MENINA
Sorvete
de morango!
MENINO
Não.
MENINA
Um
coração de algum animal abatido sem sofrimento!
MENINO
Não.
MENINA
Uma
melancia. Por dentro!
MENINO
Tá
perto. É um negócio natural.
MENINA
Ai,
meu deus... Eu tô nervosa... Tudo é um negócio natural...
MENINO
Agora
você dá mais dicas do seu. Vai.
MENINA
Tá
bom. Hum... Deixa eu pensar. (pausa) Nasce na terra!
MENINO
Um
tipo de arma que nasce na terra?
MENINA
Sim.
É um tipo de arma que nasce na terra, mais precisamente uma arma para o sistema
imunológico, uma arma de defesa.
MENINO
Hum...
Meu deus! Que difícil. Tipo um escudo?
MENINA
Mais
ou menos. Mais pro ataque mesmo. Agora você.
MENINO
Bom,
o meu segredo é frágil. Muito frágil. E tem uma beleza. Cheira.
MENINA
Como
assim “cheira”?
MENINO
Cheira
gostoso, cheira carinho. Por isso que é perigoso. Por ser tão cheirosa, tão
apreciada, ela está quase entrando em extinção. As pessoas usam pra fazer
perfume, é um absurdo!
MENINA
Usam
pra fazer perfume, vermelho...
MENINO
Ah!
E ela nasce na terra também.
MENINA
Nasce
na terra...
MENINO
E
fala!
MENINA
Fala?
Nasce na terra e fala?
MENINO
Exatamente.
Vai, você.
MENINA
Ah,
meu deus! Nossos segredos são a mesma coisa, menino! Nossos segredos são a
mesma coisa!
MENINO
O
que?
MENINA
(cantarola)
Eu já sei o seu segredo e você não sabe o meu. Ai, eu adoro isso!
MENINO
O
que que é então? Você nem sabe nada.
MENINA
Sei
sim. Sei o que é.
MENINO
E
o que é? Fala.
MENINA
Se
eu falar você vai descobrir o meu porque os nossos segredos são iguais, mas
talvez um pouco diferente. Mas são praticamente primos, eu acho.
MENINO
Primos?
Pode falar, caramba! Eu vou ficar bravo com você!
MENINA
Vou
dar mais uma dica. Meu segredo não fala, mas olha.
MENINO
Olha?
Como assim olha?
MENINA
Ele
olha.
MENINO
Uma
arma que olha?
MENINA
Não
é uma arma literalmente, você ficou preso no negócio de arma! Nasce na terra e
enxerga e pode ser usado pra se defender.
MENINO
Uma
câmera fotográfica?
MENINA
Não!
Câmera fotográfica nasce em terra agora? (pausa)
MENINO
Ai,
meu deus. Que raiva!
MENINA
Vai,
tá fácil.
MENINO
Ai,
chega! Você já descobriu. Já pode falar.
MENINA
Tá
bom. O seu é uma flor, não é? Seu segredo é uma flor, não é?
MENINO
Acertô,
miserávi! Ah, sua sem graça! É uma flor sim! Uma das últimas que sobreviveu. Não
conta pra ninguém, pelo amor de deus. Ela é linda.
MENINA
Não
vou contar.
MENINO
Então
quer dizer que o seu segredo...
MENINA
Meu
segredo também é uma flor. Uma planta, na verdade. Não é cheirosa e nem
carinhosa. É uma planta.
MENINO
Jura?
Uma planta de que tipo? Mas peraí, o que planta tem a ver com arma?
MENINA
É
uma planta venenosa, mas é um amor.
MENINO
Nossa.
Jura? Que interessante. Muito interessante. Mas, menina, por que você carrega
pra cima e pra baixo uma planta venenosa dessa, sua louca? Não é perigoso?
MENINA
Proteção.
É o meu sistema de defesa. Eu uso os espinhos em caso de perigo. E eu tenho
sempre um bom contato com a natureza. Eles costumam me amar.
MENINO
Interessante.
Muitíssimo interessante. Seu segredo é muito interessante.
MENINA
Vamo
mostrar um pro outro?
MENINO
O
que?
MENINA
Eu
mostro o meu segredo e você mostra o seu?
MENINA
Safada!
MENINA
O
que tem? Vai ficar trancafiado à sete chaves pro resto da vida, vai morrer sem
respirar.
MENINO
E
não é perigoso expor a sua?
MENINA
Sabendo
manusear, não. Eu te mostro como faz, não se preocupe.
(a
Menina se prepara para abrir o baú; o Menino faz o mesmo)
MENINO
Eu
fico nervoso. E se alguém ver.
MENINA
Se
alguém ver a gente esconde de novo. Não encare muito ela nos olhos, ela não gosta
muito que fique encarando.
MENINO
E
tente ser agradável com a minha, porque ela é bastante frágil.
MENINA
Tentarei.
(com
uma música de magia os dois tiram as suas plantas ao mesmo tempo; as plantas
são fantoches, a flor vermelha com boca e a planta venenosa com olhos)
MENINO
Oi,
Flor. Desculpe por...
FLOR
Filha
da puta! Se me acordar de repente de novo desse jeito eu vou fazer macumba pro
diabo comer o rabo da sua mãe, seu viado morfético. Lazarento, ordinário...
MENINO
Tenha
mais educação, querida, nós temos companhia.
FLOR
Educação
é a porra do caralho do meu cu, mocorongo filho de uma égua, cheio de contemporâneo
aqui, vocês – que eu tava sonhando gostoso –, cheio de sarna dos caralho, dos
fedor de artista – sonho dos fudidos mesmo e vocês... – cheio tudo de vagabundo
morfético – tudo vagabundo, tudo vagabundo! Seu bosta. O politicamente correto está
fudendo a sociedade! Fudendo! Mundo chato! Mundo chato pra caralho! Eu odeio
vocês seres humanos! Fedorentos! Fedem à merda!
MENINO
Calma,
fique calma, querida.
FLOR
O
que é que está acontecendo nessa buceta de situação de tão importante pra precisar
me expôr? Frágil, sem proteção, em perigo. Alguém pode me falar? Quem é que tá
aí?
MENINO
É
uma amiga que queria te conhecer.
FLOR
Amiga
mulher? O que é que quer essa porra?
MENINA
Oi,
Flor. Prazer. É uma honra. Eu sempre quis...
FLOR
Vadia.
O que você quer?
MENINA
Ah!
MENINO
Tenha
sororidade, Flor. Por favor.
FLOR
Meus
ovo. Quem mais que tá aí que eu tô percebendo outro ser vivo. É como se eu me
sentisse observada, vocês sentem isso? Vocês sentem? Hein? Hein? Sentem? Alguém
observando. Fede. Vocês fedem.
MENINA
É
a minha Planta.
FLOR
O
que? Uma espécime? Um parente? Quem é que tá aí? Quem é que tá aí?
MENINO
Ela
falou que acha que vocês são primos.
MENINA
Talvez...
FLOR
Primos?
Ah, se for a Jéssica. Eu mato a Jéssica! A Jéssica é uma lazarenta apta de
reproduções homoafetivas entre abelhas com o pólen dela! Com o o pólen dela e
homossexual! Dá pra acreditar? É uma sodomita! É a Jéssica? Se for a Jéssica
taca fogo nela, garoto! Taca fogo porque eu já tentei matar ela afogada, mas
ela não morre porque ela é a porra de uma planta hidropônica e transgênero!
Onde já se viu um troço desse!
MENINA
Amor,
você conhece ela?
FLOR
Fala,
Jéssica! Fala na minha cara!
(a
Planta faz que não)
MENINA
Ela
disse que não conhece você.
FLOR
Por
que ela não fala de uma vez?
MENINA
Ela
é muda. Ela só tem olhos.
FLOR
Fala
pra mim que raça que essa vagabunda é? Fala logo! Se fosse a Jéssica ela não
iria assumir que é ela mesma se ela estivesse na minha frente.
MENINA
Minha
planta é um Olho de Boneca do sexo masculino.
FLOR
Um
Olho de Boneca do sexo masculino? Olhos de Boneca são plantas venenosas, garota!
MENINA
Exatamente.
FLOR
E
ainda masculino! Uma planta Olho de Boneca e homem! Meu deus do céu! Você é
louca de carregar um troço desses, mulher! Nada do sexo masculino pode se
confiar muito, sua burra, ignorante.
(pausa)
MENINA
Eu
nunca tinha olhado por esse lado.
MENINO
Olha
a misandria!
MENINA
Eu
sei o quanto é perigoso, mas é bem por isso que eu o capturei. Porque ele me
faz proteção com seu veneno. E ele está comigo também porque gosta. Não é
verdade, meu amorzinho? Você está comigo pra me proteger, não é não?
(a
Planta faz que sim mais ou menos)
FLOR
O
que ela respondeu?
MENINO
Que
mais ou menos.
FLOR
(gargalha)
Trouxa. Amor é coisa de cinema, garota! Há interesses. Nem que não sejam
interesses sexuais, mas sempre há interesses. E se for sexual, é só sexo. Amor
é romântizar o gozo ou o interesse.
MENINA
Nossa,
como você é pra baixo. Deus me livre.
FLOR
E
você é galinha! Para pra conversar e já troca figurinha com o primeiro cara que
aparece na frente. Vadia. Toda arregaçada.
MENINA
E
daí? E se eu fosse arregaçada mesmo?
FLOR
Ah,
lá! Assumiu.
MENINA
(se
irrita chateada) Eu não sou sua inimiga, cara! Não precisa falar assim comigo!
Para de falar assim com as pessoas!
MENINO
Calma.
Eu pedi pra você ser agradável com ela, por favor...
MENINA
Agradável?
Ela é uma grossa boca suja e eu tenho que ser agradável? Puta flor chata.
FLOR
Chata
é a vaca da sua mãe e o corno do seu pai. Ô, prostituta! Feministinha sodomita
de merda.
MENINA
Você
é a flor mais mal educada que eu já vi na vida! Tinha que ser extinta mesmo!
Pra largar mão de ser trouxa!
FLOR
Me
segura que eu vou matar essa menina! Me segura! Não tem graça usar a extinção
da minha espécie como piada, sua bosta de cavalo! Você não tem coração? Eu
estou na merda. Eu sou a última da minha espécie! Tenha um pouco mais de
compaixão com essa tragédia global da natureza.
MENINA
Tragédia
ou seleção natural?
FLOR
(avança)
Olha aqui, sua...!
MENINO
Espere
um pouco. Parem de brigar. Eu tive uma ideia genial!
MENINA
Que
ideia? Adoro ideias!
FLOR
“Adoro
ideias”. Quer dar. Certeza. É uma vagabunda mesmo.
MENINA
Para
de me encher! Eu não quero dar!
MENINO
Parem
vocês duas! Chega! Eu sei como resolver a extinção de uma espécie frágil como a
sua flor.
FLOR
Como?
Me fala, bosta. Me fala, que é urgência sobreviver o legado. Quero deixar
filhos e netos para o mundo, e lhes ensinar sobre as coisas da vida e lhes mostrar
a forma como eu vejo o mundo. Todo cagado e com muita gente insuportável. Fala
aí, caralho. Como é que você vai salvar a porra do meu legado, viado?
MENINO
Procriação
artificial.
FLOR
O
que?
MENINA
Como
assim procriação artificial?
MENINO
Misturar
a natureza artificialmente.
FLOR
Calma...
MENINO
Ao
mesmo tempo que naturalmente, porque tudo é natural se existe.
MENINA
Eu
não tô entendendo...
MENINO
Feitiçaria...
FLOR
Peraí...
MENINO
Alquimia!
MENINA
Mas...
FLOR
Não!
MENINO
Drogarias!
Drogarias! Drogarias! Continuar a espécie naturalmente, porém de forma
artificial. E com melhorias para a espécie, evolução, super evolução. X-Flower! Imaginem comigo. Imaginem uma
flor, linda como você é, Flor, encorpada e cheirosa...
MENINA
Estúpida.
FLOR
Olha,
eu vou falar pra você quem é estúpida. Eu...
MENINO
Estúpida
às vezes sim, mas muito carinhosa também quando quer.
FLOR
Eu
não tenho papas na língua, esse é o meu defeito. Meu cu pra todo mundo!
MENINO
Imaginem,
imaginem! E além de tudo isso, linda, cheirosa, encorpada, carinhosa às vezes
e... venenosa. Com espinhos. Imaginem só como seria. Essa espécie seria venerada
e temida na mesma medida e jamais entraria em extinção. Porque saberia se
defender e saberia ser exposição. E saberia cuidar de si mesma e ao mesmo tempo
cuidar da beleza própria. Vai fazer perfume de você? Mas quem usar o perfume
morre envenenado! Pronto e acabou. Porque a sua beleza é pra ser amada e não
colhida. Amor não tem a ver com posse, tem a ver com observação, apreciação. O
poder impõe ordem! O poder e a beleza dominariam o mundo.
(silêncio)
MENINA
Tá,
mas eu não entendi nadinha de nada.
MENINO
Vocês
duas. Vocês agora vão ter que trepar.
FLOR
O
que?
(a
Planta Venenosa se esconde nos braços da Menina)
MENINA
Calma,
você tá falando de...
MENINO
Sim,
a mistura das duas genéticas criará uma nova espécie. Linda e venenosa. Natura in Love.
FLOR
Você
quer que eu trepe com essa coisa venenosa pela continuação da espécie?
MENINO
É
assim que é, não é? É assim que é ou não é assim que é?
FLOR
É,
mas é que eu odeio negócio arranjado. Soa artificial. Mas por mim tá bom. Já
que você insiste...
MENINO
Ótimo!
Vamos começar então.
MENINA
Acho
que o meu menino ficou com vergonha.
(a
Planta está tremendo e fazendo sinal de “não” com a cabeça)
MENINO
Ih,
o macho vai arregar, então?
FLOR
O
que é isso? Que despautério! Como não vai querer? Fui oferecida, agora vai ter
que querer sim! Pelo bem das espécies. Vai! Pode vir!
MENINO
Será
que ele é gay?
MENINA
Eu
acho que é melhor a gente respeitar as escolhas dele. Ele não parece muito
confortável com a situação. Ele parece estar com bastante medo que isso
aconteça, na verdade.
FLOR
Ô,
seu filho da puta, pra sua informação as pessoas me queriam tanto que elas
queriam passar o meu perfume nos seus corpos, ouviu? Você não tá ligado de quem
eu sou pra você ficar fazendo esse cu doce. Pode parar de gracinha e vamo ali
fora pra gente trocar uns pólens. Vem plantar sua sementinha em mim, vem, Olhinhos
de Bonequinha.
(a
Planta faz que não desesperadamente, implorando)
MENINA
É
pelo bem das espécies, amor. É tanto sacrifício assim? É só uma trepadinha.
Pelo bem da natureza.
(a
Planta arruma uma caneta e um papel; escreve:)
MENINA
(lendo)
“Imagina... uma... planta... como... ela... com o meu... poder... de... morte.
Nossos... filhos... (pausa) Nossos filhos seriam monstros.” Ele tem razão. Ele
me convenceu. Confio na preocupação dele.
FLOR
O
que? O que ele tá querendo dizer? Que eu sou uma planta ruim?
MENINO
Não,
querida, ele só quis dizer que...
MENINA
É
isso mesmo! Você é grossa e odeia as coisas. Você é só bonita, porque de resto
é uma porcaria, machista, homofóbica e preconceituosa. (ela abraça a Planta) Eu
não vou deixar eles te estuprarem, amor.
FLOR
Isso
é inveja porque eu sou linda e maravilhosa e vocês são um bando de pé rapados
filhos de uma puta mal comida. Bando de vagabundos, desalmados, esses seres humanos
e esses venenosos Olhos de Boneca da puta que o pariu! Não quer comer não coma,
não quer me apreciar não aprecie. Também não quero mais dar! Mas sintam o peso
da culpa da minha extinção. Do final de uma beleza que não tem com o que
comparar de tão perfeita e linda que é. Que eu sou. Rara. Se eu sou
preconceituosa é porque vocês dão motivo pra que eu seja. Vocês são o meteoro e
eu sou os dinossauros.
(silêncio;
o Menino e a Menina guardam suas plantas em seus baús coreografadamente)
MENINA
Bom,
a gente tentou.
MENINO
Pena
que ele não quis. É uma pena a extinção.
MENINA
Talvez
seja uma coisa natural. Eu acredito que deve continuar aquilo que acredita in Love. Sua Flor é muito negativa. É
bonita, mas é negativa.
MENINO
Quem
decide o que continua e o que deixa de continuar?
MENINA
Quem
decide eu não sei. Mas se foi assim que aconteceu, foi naturalmente que
aconteceu. Porque tudo o que existe deve de ser considerado natural se existe.
Tem que ter um lado positivo no negativo. Alguma coisa vai ter que dar certo no
final.
MENINO
Ou
simplesmente ordinário.
MENINA
Ou
simplesmente ordinário.
MENINO
Obrigado
pelo seu segredo.
MENINA
Obrigada
pelo seu segredo.
(eles
vão se cumprimentar com um abraço, mas se atrapalham; dão as mãos; eles ficam
um pouco constrangidos)
MENINO
A
gente podia se beijar agora.
MENINA
Melhor
não.
MENINO
Então
tá bom.
(cada
um sai com seu baú para um lado do palco)
FIM
ESQUERDALHÃO & DIREITOSO
ESQUERDALHÃO
& DIREITOSO
PERSONAGENS/PALHAÇOS
Esquerdalhão; mais jovem
Direitoso; mais adulto
Cenário:
Uma placa de bifurcação ao centro.
PRÓLOGO
(Esquerdalhão
e Direitoso brigam pra colocar seus nomes próprios em duas plaquinhas: uma
apontando pra esquerda e outro pra direita, respectivamente. Esquerdalhão
apontando para a esquerda e Direitoso apontando pra direita. Primeiro eles se
confundem e colocam a esquerda pra direita e a direita pra esquerda; percebem o
erro e se corrigem se colocando no foco onde a placa aponta)
CENA 1 – COISAS DE MENINA
(Esquerdalhão
está vestido com roupa de fazer faxina, com avental, balde e vassoura)
DIREITOSO
(tirando
sarro) Uhhh! Tá de aventalzinho. Uuuuh! Lacinho na cabeça. Uhhhh! Fazendo
faxina! De balde rosinha.
ESQUERDALHÃO
(não
entende a tiração) Uhhh! Fazendo faxina! De balde rosinha. (faz uma música)
“Uhhh! Fazendo faxina! De balde rosinha. Yeah! Balde rosinha, balde rosinha.” Adorei,
Direitoso! Você é demais, cara!
DIREITOSO
Você
é um chato, Esquerdalhão! Eu tava tirando um sarro de você! Era pra você ficar
aporrinhado comigo!
ESQUERDALHÃO
Eu
nem sei o que é esse negócio de aporrinhado. Mas tudo bem! Obrigado mesmo
assim!
DIREITOSO
Aporrinhado
é ficar de bode, virar a cara, dar uma de vítima da minha piada. Entendeu? Não
é pra agradecer, pô!
ESQUERDALHÃO
Ah,
era uma piada? É que eu não entendi a piada, Direitoso. Você sabe como eu sou.
Eu nunca entenderia uma piada do tipo das que você faz.
DIREITOSO
Eu
tava tirando um sarro porque você tá vestido feito uma mulherzinha fazendo
faxina, de aventalzinho que é coisa de mulherzinha, entendeu? Era isso! Porque
você tá parecendo uma marica.
ESQUERDALHÃO
Aaaah.
Mas eu só tô brincando de fazer faxina. Ó. Não é nem sabão de verdade. Eu tô
brincando de casinha. Esse aqui é o meu filho. (mostra uma boneca) A minha
esposa vai chegar logo logo que ela foi trabalhar. Aí eu faço a faxina, cozinho
a janta – macarrão, porque é a única coisa que eu sei fazer ainda – e cuido do
Jorge.
DIREITOSO
Jorge?
Quem é Jorge?
ESQUERDALHÃO
É
o meu filho, Direitoso! Quer carregar?
DIREITOSO
Mas
então é pior do que eu pensava.
ESQUERDALHÃO
O
quê?
DIREITOSO
Você
tá brincando de boneca, rapaz!
ESQUERDALHÃO
Ah,
não. É boneco. Jorge é um menino. Tem até pipi. Ó.
DIREITOSO
Não,
pode, Esquerdalhão! Isso não pode!
ESQUERDALHÃO
O
que não pode? Pipi?
DIREITOSO
Não
pode ter pipi e brincar de boneca. Isso que não pode. Homem não brinca de
boneca, Esquerdlhão.
ESQUERDALHÃO
Mas
é boneco.
DIREITOSO
Tanto
faz! Não pode brincar de boneca e nem de boneco! Tira logo esse avental! Tira
já que você tá passando vergonha na frente de todo mundo.
ESQUERDALHÃO
Não!
A minha esposa vai chegar e se ela ver essa casa uma bagunça eu vou ficar de
castigo! Aí ela não vai mais namorar comigo.
DIREITOSO
Você
não tem esposa, Esquerdalhão!
ESQUERDALHÃO
Mas
um dia eu vou ter e é exatamente por isso que eu estou treinando. O Jorge está
me ensinando como é que eu tenho que cuidar dele quando ele for um bebêzinho de
verdade. É ou não é?
DIREITOSO
Mas
não pode! Não pode! Você não pode fazer isso! Não pode! Não pode!
ESQUERDALHÃO
Quem
disse que não pode?
DIREITOSO
Eu
tô dizendo e todo mundo sabe disso. A sociedade inteira sabe disso! A Dilma
sabe disso! Deus sabe disso!
ESQUERDALHÃO
Que
bobeira! Se eu quiser brincar do que eu quiser eu vou brincar do que eu quiser.
Só se eu quiser e quando eu quiser!
DIREITOSO
Mas,
Esquerdalhão, larga a mão de ser otário, a mulher, a natureza da mulher é para
cuidar dos filhos, lavar a louça, cuidar de nós, enquanto nós, os maridos
fazemos as atividades de fora de casa. Mulher cuida da casa e dos filhos, e a
gente cuida da mulher. Pronto, não tem o que mudar.
ESQUERDALHÃO
A
minha esposa sabe cuidar de si mesma com muito mais responsabilidade do que eu.
Ela até prefere. Se eu sujei o prato e o garfo com a minha baba, pois eu que
lave o prato! Onde já se viu?
DIREITOSO
Tudo
bem, lavar um prato ou outro, tudo bem. Mas a faxina, esse avental e o bebê é
coisa da mulher. Pronto e acabou! E principalmente esse lacinho.
ESQUERDALHÃO
Mas
onde tá escrito isso? Quem que falou?
DIREITOSO
Onde
tá escrito o quê, Esquerdalhão?
ESQUERDALHÃO
Cadê
a bula? Quem que escreveu isso? Essa lei?
DIREITOSO
Eu
que tô falando! Você não confia em mim mais? Quem é seu amigo aqui?
ESQUERDALHÃO
Confio,
Direitoso, lógico que confio.
DIREITOSO
Pois
então! Tem coisa que é de menino e tem coisa que é de menina. Pronto e acabou!
ESQUERDALHÃO
Mas,
Direitoso, eu também vou ser pai! Eu tenho que brincar de trocar frauda também.
Por que eu não posso brincar de trocar frauda? Eu não consigo entender.
DIREITOSO
Porque...
porque... Porque aprende quando tiver que trocar frauda e pronto e acabou!
ESQUERDALHÃO
Nada
a ver, Direitoso. Eu acho que você tá sendo muito machista.
(música
de suspense)
DIREITOSO
(ofendidíssimo)
AH! Machista? Eu? Por que todo mundo agora vive falando que eu sou machista,
hein? Tudo agora eu sou machista! O que é ser machista? Eu não aguento mais
esse mundo sem humor! As pessoas estão ficando chatas demais! O que é machismo
pra você, Esquerdalhão?
ESQUERDALHÃO
É
um homem querendo dizer o que uma mulher deve ou não fazer, na maioria das
vezes à seu próprio favor.
DIREITOSO
Mas
eu só disse que homem não brinca de boneca!
ESQUERDALHÃO
Querendo
dizer que quem fica com os deveres da casa é só a mulher.
DIREITOSO
Ué,
mas é que sempre foi assim. Com a minha vó era assim, com a minha mãe era
assim. Não vejo motivos pra mudar.
ESQUERDALHÃO
Porque
não é você que vai ter que fazer a faxina, né? Folgado.
DIREITOSO
Claro!
Eu trabalho o dia todo e depois ainda tenho que fazer faxina?
ESQUERDALHÃO
A
minha esposa trabalha o dia todo também.
DIREITOSO
Mas
homem trabalha mais!
ESQUERDALHÃO
Mulher
recebe menos!
DIREITOSO
Homem
tem serviço militar obrigatório!
ESQUERDALHÃO
Criado
pelos próprios homens! Se liga, Direitoso! Eu vou ficar do lado da mulherada,
você falando o que quiser! Olha só, você acordou o Jorge! Calma, Jorge, não
liga pra ele.
DIREITOSO
Esse
mundo tá ficando muito chato. Não posso nem mais brincar com as coisas que tem
graça, que já vem esses maconheiro vir falar que eu sou machista. Onde já se
viu?
ESQUERDALHÃO
Mas
se você não luta pela igualdade entre homens e mulheres, feminista é que você
não é, Direitoso.
DIREITOSO
Eu
nunca serei um homem feministo!
ESQUERDALHÃO
Não
mesmo. Não existe homem feministo. Eu apóio a minha esposa em tudo o que ela
diz, é o que eu posso fazer.
DIREITOSO
Você
não tem esposa, Esquerdalhão!
ESQUERDALHÃO
Ah,
é. É que eu gosto de sonhar.
(silêncio)
DIREITOSO
Você
é um bobão, Esquerdalhão. Você me envergonha, mas eu gosto de você.
ESQUERDALHÃO
Eu
também gosto de você, Direitoso. Menos quando você quer dar uma de engraçadinho
de contar essas suas piadas que ninguém mais acha graça.
DIREITOSO
Você
viaja demais, Esquerdalhão. Vocês vivem numa utopia que vai ser impossível de
alcançar.
ESQUERDALHÃO
Teve
uma porrada de gente que falou pra Santos Dumont que o que ele queria de
colocar uma máquina pra voar nos céus era utopia das bravas, que jamais ele
iria conseguir, que só com magia seria possível. Pois eis que a magia se fez
realidade e hoje a gente voa em ônibus voadores pra lá e pra cá.
(silêncio)
DIREITOSO
Bobeira.
Coisa de maconheiro.
ESQUERDALHÃO
Eu
nunca fumei maconha.
DIREITOSO
Sei.
ESQUERDALHÃO
Te
juro.
DIREITOSO
Tá
bom.
(black-out)
CENA 2 - VIADINHO
(Esquerdalhão
está vestido como um popstar e dança alguma música pop; Direitoso entra e cai
gargalhando, tirando sarro do amigo; Esquerdalhão fica um pouco com vergonha,
um pouco sem entender)
DIREITOSO
Haha!
Eu não acredito nisso que eu tô vendo! A Britney Spears chegou, galera! A
mocinha loura e louca arrasando a palhaçada nos palcos. Sabe o que é isso? Sabe
do que que isso é coisa? Isso é coisa de viado! Vi-ado!
ESQUERDALHÃO
(se
ofende tragicamente) Oh! Do que você me chamou, Direitoso?
DIREITOSO
Viado.
Chamei de viado. Viado. Viadinho.
ESQUERDALHÃO
Ah,
bom. Ufa, cara. Pensei que você tinha falado outra coisa. Nossa. Que susto,
amigo. Achei que você tava querendo tirar uma com a minha cara. Valeu.
(silêncio)
DIREITOSO
Pode
parar! O que foi dessa vez?
ESQUERDALHÃO
O
que foi dessa vez o quê?
DIREITOSO
Eu
falei que você é viado!
ESQUERDALHÃO
Ainda
bem! Viado é legal!
DIREITOSO
Não
pode! Não pode!
ESQUERDALHÃO
Viado
pra mim é elogio! Todos os meus conhecidos viados são ótimas pessoas. Quando
você me xinga de viado eu fico me sentindo super bem por eles. Obrigado, de
coração. É uma honra, Direitoso. Eu não sabia que você podia ser tão generoso.
Obrigado mesmo.
DIREITOSO
Não!
Não pode! Não pode! Não pode! Macho que é macho tem que ficar bravo de ser
xingado de viado! Ou então você é viado também! Vai falar então que você é
viado de verdade?
ESQUERDALHÃO
Obrigado
de novo, cara! Puxa vida! É muito bom ser confundido com pessoas tão
maravilhosas. Nossa, eu estou realmente muito agradecido por tanto carinho,
Direitoso. Eu te subestimei, confesso.
DIREITOSO
Para
de me irritar, Esquerdalhão! Você tá fazendo de propósito! Custa você ser
normal pelo menos uma vez na vida, caramba? Eu te xingo de viado e você fala
“viado é você”. Fim! Todo mundo se ofende e todo mundo fica feliz!
ESQUERDALHÃO
Ai,
cara, me desculpa, sério. De coração. Mas é que eu não consigo me ofender
quando você me xinga de viado, entendeu? Eu não tenho nenhum problema com quem
é viado, inclusive eu adoro.
DIREITOSO
Eu
também não tenho nenhum problema. Eu não tenho nenhum preconceito. Eu tenho um
monte de amigo que é. A questão é que piada não faz mal à ninguém. Nunca vi
ninguém morrendo por causa de uma piadinha.
ESQUERDALHÃO
Eu
sei que você tem boas intenções, Direitoso, mas estamos no século XXI. As suas
piadas não têm mais graça. Eu não consigo entender, de verdade.
DIREITOSO
Isso
é um tipo de opressão também, sabia?
ESQUERDALHÃO
O
que?
DIREITOSO
Isso
que você fica fazendo comigo, me tesourando. Vocês vivem falando de opressão,
mas quem mais tá sendo oprimido nessa história aqui hoje sou eu! Eu fico me
sentindo super excluído de ser o cara que conta as piada e ninguém ri. Tá bom? Isso
aqui era pra ser uma comédia! Você não sabe como tá sendo ser o tio que parece
que tá cagado porque todo mundo fica corrigindo. Isso tá ficando muito chato!
ESQUERDALHÃO
É
só você mudar o tom das piadas, Direitoso. Muda o tom das piadas. Muda o tema. Não
faz mais piadas tirando o sarro dos outros, pronto, é simples. Ninguém mais
acha graça. É tão difícil assim mudar, se é pra melhor? É só mudar.
DIREITOSO
Que
mudar, Esquerdalhão! Que mudar! Não existe esse negócio de mudar! É a natureza
humana, rapaz. As tradições. Não tem porque mudar um negócio que já tava dando
certo. Era engraçado pra caramba piada de gordo, agora não pode nem fazer mais
piada de gordo que já vem os cara e “Nossa, gordofóbico”.
ESQUERDALHÃO
Mas
quem tira sarro de gordo é gordofóbico, essa é a definição da palavra
gordofóbico, cara. Como você não quer ser chamado do que você é, pela definição
da palavra? E você só acha que tava dando certo antes porque você não era o
gordo da sua piada.
DIREITOSO
Meus
amigos gordos todos adoram as piadas. Eles riem de si mesmo.
ESQUERDALHÃO
Mas
têm os que não gostam. Custa ouvir um pouco a reclamação de quem não gosta pra
gente poder viver um pouco em paz? O que que custa? Me fala. E outra coisa, às
vezes seu amigo finge que não liga só pra não ser excluído no rolê, oras. Como
a gente vai saber? Ouvindo.
(silêncio)
DIREITOSO
Nossa,
não exagera, vai. Vocês são muito exagerados. Vendo assim até parece que eu tô
trazendo a terceira guerra mundial só por fazer piada de gordo.
ESQUERDALHÃO
Quando
você for o gordo, aí você diz o que te ofende, amigo.
DIREITOSO
Olha,
esse mundo não tá ficando chato, tá ficando insuportável!
ESQUERDALHÃO
Espero
do fundo do meu coração que fique cada vez mais. (vai sair)
DIREITOSO
Onde
você vai?
ESQUERDALHÃO
Eu
vou numa manifestação agora.
DIREITOSO
Manifestação?
Manifestação de quê?
ESQUERDALHÃO
Militância.
DIREITOSO
Militância?
Mas militância de quê?
ESQUERDALHÃO
Das
minhas utopias, das minhas ideologias e da minha turma.
DIREITOSO
Bobeira,
rapaz! Política não muda nada! Você vai é fumar maconha que eu sei, seu
desgraçado! Bando de vagabundo.
ESQUERDALHÃO
Só
vou ali apanhar da polícia um pouco pra inflar mais ainda o meu coração e a
necessidade da luta e eu já volto! Se eu não voltar inteiro, diga-lhes que fui
feliz!
DIREITOSO
Se
você pedir pra tirar foto eles não batem não! Pode crer. Eu já fiz o teste.
ESQUERDALHÃO
É
só você ser branco, hétero e não fumar maconha que a polícia tira até selfie
com você.
DIREITOSO
É
um serviço bastante comunitário e temos que agradecer a deus pelos homens de
farda. Afinal, quando você for assaltado você vai ligar pra quem? Pro Batman?
ESQUERDALHÃO
Na
verdade, eu vou ligar pra polícia mesmo, é o serviço deles proteger a
população.
DIREITOSO
Na
hora de falar mal aí ninguém pensa no policial, né? Seu hipócrita!
ESQUERDALHÃO
Ai,
meu santo! É igual se um médico esquecer um bisturi dentro da sua barriga. Você
pode processar o médico, você vai reclamar do médico, você vai xingar todas as
gerações do médico que fez essa cagada de deixar a porcaria de um bisturi
dentro da sua barriga. E você não vai parar de precisar do atendimento médico porque
um médico fez essa merda. Inclusive vai ter que ser outro médico que vai ter
que tirar o bisturi de dentro de você caso isso acontecesse, é ou não é? (pausa)
É. Aplausos para mim, eu sou artista e até mais galerinha! Diga-lhes que fui
feliz! (sai)
(silêncio)
DIREITOSO
Ah,
vá, vai ser feliz em Cuba! (pausa) Arrasei. Porque Cuba tem a palabra cu, que
daí fica super engraçado de falar. (sem graça) Eu também tenho o meu direito de
me manifestar, oras bolas!
(black-out)
CENA 3 – ECONOMICAMENTE
FALANDO
(Direitoso
está em seu foco à direita com uma camiseta da CBF; Esquerdalhão com uma
camiseta vermelha)
DIREITOSO
Ouviram do Ipiranga as
margens plácidas
ESQUERDALHÃO
De um povo pobre o brado
retumbante,
DIREITOSO
E o sol da Liberdade, em
raios fúlgidos
ESQUERDALHÃO
Sufoca esse povo a todo
instante.
DIREITOSO
(esquece)
É...
ESQUERDALHÃO
Se a pior desigualdade
Conseguimos suportar de sul
a norte,
Eu receio a sociedade
Venha a ter no seu salário
mais um corte.
Está tramada
Outra arrancada.
Salve-se! Salve-se!
DIREITOSO
Brasil, um sonho intenso, um
raio vívido
De amor e de esperança à
terra desce
Se em teu formoso céu,
risonho e límpido
A imagem do Cruzeiro
resplandece
ESQUERDALHÃO
Gritante pela própria
natureza,
Perverso é o golpe sobre esse povo,
Que no futuro espera mais pobreza.
Perverso é o golpe sobre esse povo,
Que no futuro espera mais pobreza.
DIREITOSO
Pátria amada
OS
DOIS
Entre outras mil
És tu, Brasil
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe
gentil
ESQUERDALHÃO
Fora Temer, Brasil!
DIREITOSO
Pátria amada, Brasil!
(eles
agradecem)
DIREITOSO
Paródia
de merda, essa sua!
ESQUERDALHÃO
Pelo
menos eu sabia a letra.
DIREITOSO
A
nossa bandeira jamais será vermelha.
ESQUERDALHÃO
Ai,
Direitoso! Muda esse disco, cara. Renova.
DIREITOSO
Eu
tenho uma reclamação pra fazer! Uma manifestação de verdade! Essa peça não está
sendo justa comigo. Ela é claramente tendenciosa e é esquerdopata. Não está
sendo neutra. Está defendendo você, não está mostrando os dois lados. É uma
generalização barata de gente binária, de gente corrompida e alienada com a
doutrinação Marxista e Paulo Freirista. O personagem que representa a esquerda
é sempre o cara legal, o cara que trepa, o cara que fuma um béck. Aí o cara da
direita é o chato, o homofóbico, o machista. Eu tenho certeza absoluta que o
cara que escreveu essa peça é bicha e ele tem raiva da sociedade patriarcal por
alguma possível falta da presença de uma figura paterna. Tem estudo disso! Eu
sei do que eu tô falando.
ESQUERDALHÃO
Meu!
Não é o autor que faz você falar merda. Você fala merda sozinho! Acredite.
DIREITOSO
É
o autor sim. É ele que escreve as falas. Olha como você é burro.
ESQUERDALHÃO
Não,
eu sei. Claro que sim. Nesse caso aqui sim. Mas eu tô dizendo que isso tudo é o
que você fala, poxa. Você fala essas coisas. O que a gente pode fazer? Tem um
monte de gente que é do jeito que você é. A gente tá sendo representado nos
extremos, entendeu?
DIREITOSO
E
ser do jeito que você é o certo, e ser do jeito que eu sou é o errado, então, é
isso agora?
ESQUERDALHÃO
Pra
mim é. Eu acredito em outro formato de uma sociedade que seja bacana pra gente
viver.
DIREITOSO
Pra
mim, errado é você. Eu acredito que o meu formato daria muito melhor.
ESQUERDALHÃO
Certo,
então.
DIREITOSO
Certo,
então.
ESQUERDALHÃO
Beleza.
DIREITOSO
Pra
mim tá beleza, também.
ESQUERDALHÃO
E
como a gente faz pra viver em paz agora?
(silêncio)
DIREITOSO
Sabe
o que que é o problema? Que tudo isso que tá acontecendo aqui não tem nada a
ver com direita e esquerda. Tem a ver com moral, essas coisas, tradição. Não
tem nada a ver com esquerda e com direita.
ESQUERDALHÃO
Mas
é claro que tem. Faltou ainda a gente falar de racismo ainda. Mas é que eu
acredito que racismo precisa de uma peça inteirinha só pra esse assunto. É
muito pesado.
DIREITOSO
Não
tem nada a ver, não senhor. Direita e esquerda é política, meu caro! Economia!
Liberalismo versus comunismo. Parada gay não tem nada a ver com política.
ESQUERDALHÃO
Tem
tudo a ver! Tem tudo a ver! Cara...
DIREITOSO
Agora
tudo é política então? É tipo artista contemporâneo, agora? Pode tudo.
ESQUERDALHÃO
Pode,
cara! Se é luta por liberdade, se é luta pelo direito, é luta política! Como é
que você não consegue enxergar isso?
DIREITOSO
Mostrar
o cu em peça de teatro é arte política de militância agora? Com o nosso
dinheiro ainda!
ESQUERDALHÃO
(se
irrita) É sim! E eu vou defender esse direito até a morte! Você só tem direito
ao palpite do seu cu, Direitoso. Só esse cu aí é seu. Só esse. Você palpita só
sobre esse cu seu. Só sobre o seu. Do meu cu, não. Você não tem noção de como a
arte funciona na vida da comunidade, Direitoso. É um bagulho muito incrível de
se ver. Acredite no seu amigo.
(silêncio)
DIREITOSO
Pra
mim, e eu quero que você respeite a minha opinião, política é a economia. Fim.
ESQUERDALHÃO
Tem
razão. Economia também. Mas não tem como a gente discutir sobre a luta
socialista, ou sobre o liberalismo, sem falar sobre a luta da mulher, sem falar
sobre a luta das liberdades e direitos das pessoas.
DIREITOSO
Nada
a ver, cara. Lógico que tem. É só a mulher deixar que a gente faz e pronto. (sem
graça) Mulher no volante, perigo constante.
ESQUERDALHÃO
Ah,
meu, cansei. Vai se fuder, cara. Cansei. Eu vou embora.
DIREITOSO
Vai
se fuder você! Se liga. Vocês falam de paz e amor aí, mas vocês são tudo
violento. Assim é fácil. Quero ver ter argumento sem precisar mandar se fuder.
Aí eu quero ver.
ESQUERDALHÃO
Vai
se fuder. Vai-se-fuder!
DIREITOSO
Vá
você! Aposto que nunca leu Misés, ele refutou seu Marx queridinho há muito
tempo. (recita mal decorado) “Ludwig Heinrich Edler von Mises, 29 de Setembro
de 1881 — Nova Iorque, 10 de Outubro de 1973, foi economista teórico judeu de
nacionalidade austríaca e, posteriormente, americana, que foi membro da Escola
Austríaca de pensamento econômico. É conhecido principalmente por seu trabalho
no campo da praxeologia, o estudo dedutivo das ações e escolhas humanas. Defensor
da liberdade econômica como suporte básico da liberdade individual, em seu
livro Ação Humana – Human Action, em inglês –, Mises expõe as posições epistemológicas
e metodológicas que caracterizam a Escola Austríaca: concepção subjetiva de
valor, individualismo metodológico e praxeologia. Além disso, dedicou-se à
crítica do Socialismo enquanto sistema econômico – grande Misés – por
considera-lo inviável em razão de não apresentar mecanismos de fixação de preço
pelo mercado – abre parênteses – (problema do cálculo econômico) – fecha
parênteses.
ESQUERDALHÃO
Uau.
DIREITOSO
Obrigado.
ESQUERDÃO
E
aí então isso quer dizer que na sua opinião...?
DIREITOSO
O
que?
ESQUERDÃO
Isso
tudo que você falou significa que você...
DIREITOSO
Você
não conhece Misés?
ESQUERDÃO
Eu
tô conhecendo agora. Desculpa, pô. Explique pra mim, na sua opnião, como deve
ser o formato econômico da sociedade?
DIREITOSO
Na
minha opinião, devemos ter pouco Estado, ou nenhum. O povo devia ser livre do
Estado, deixar que as pessoas tenham as suas liberdades de produção, que possam
usufruir da liberdade do capitalismo. Ter o direito de se armar. Sim, sim, ter
o direito de se armar sim, pra proteger a família de bem. E não ter um
governante que tire cinco meses do salário do meu funcionário, que queira dizer
o que eu devo ou não fazer com minha empresa e meus colaboradores. Quando as
pessoas tiverem mais liberdade no empresariado, com menos impostos, mais a
riqueza cresce no bolso de quem se esforça. Sobrevive e consegue quem corre
atrás, e não ficar sustentando vagabundo.
(silêncio)
DIREITOSO
É
isso o que eu acho.
ESQUERDÃO
Você
tem uma empresa?
DIREITOSO
Não,
mas eu pretendo ter um dia.
(silêncio)
ESQUERDÃO
Eu
realmente não consigo enxergar como é que alguém que defende o porte de arma
está lutando por paz e amor.
DIREITOSO
Ai,
meu deus! Eu estou falando racionalmente, Esquerdão, e essa é nossa diferença.
Você vem muito com o coração, rapaz. Você vai se arrepender dessa bobeira...
ESQUERDÃO
Acho
que se não existir um órgão regulador meu patrão não vai me dar de bom grado os
impostos que paga sobre mim. Na verdade eu acredito fielmente que se não houver
um órgão regulador tudo nóis vira escravo, trabalhando pra comer. Acho que
assistência social é um dever, e acho isso porque agradeço ao universo por ter
tido nessa vida todos os dias pelo menos café da manhã, almoço e jantar. E tive
leite com Nescau também! E tem criança que não tem. Tem criança que não janta. Tem
criança que tá morrendo. Não acho que dá tempo de contar com a sorte de um menino
conseguir sair do lixão direto pra uma faculdade de medicina por esforço
próprio tirado do cu da alma. Acho que enquanto um consegue, um milhão... (faz
cara de que “não conseguem”). É só isso o que eu sinto.
(silêncio)
DIREITOSO
Você
é jovem ainda. Vai perder toda essa emoção e amor quando ver que na realidade é
cada um por si e deus lá em cima.
ESQUERDALHÃO
Eu
ainda acredito na bondade das pessoas. Eu prefiro que a gente tente viver em
comunidade.
DIREITOSO
Bom,
ambos expomos a nossa opinião.
ESQUERDALHÃO
Sim,
ambos expomos.
(silêncio;
eles se cumprimentam)
DIREITOSO
É,
e a gente vai ter que continuar convivendo, né?
ESQUERDALHÃO
Pois
é. Ao menos que você me mate.
DIREITOSO
Ou
ao menos que você me mate.
ESQUERDALHÃO
Paz
e amor, mas se me chamar pra guerra, eu prometo não morrer.
DIREITOSO
Eu
também prometo não morrer.
(os
dois vão sair para o lado errado correspondente; eles se trombam no meio quando
percebem e saem, o Esquerdalhão para a esquerda, e o Direitoso para a direita)
FIM
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