TUDO O QUE EU VEJO NA JANELA DO MEU QUARTO


TUDO O QUE EU VEJO NA JANELA DO MEU QUARTO
De Gabriel Tonin

PERSONAGENS:
TONINHO
FADA (BONECO)
DUENDE (BONECO)
ANJINHA (BONECO)
DIABINHO (BONECO)
BICHO-PAPÃO (BONECO)
MÃE (VOZ)

CENÁRIO: UMA JANELA PELO LADO DE FORA.

INTRODUÇÃO

(TONINHO APARECE ABRINDO A JANELA POR DENTRO, DEVAGAR, COM MEDO; ELE ESPIA O PÚBLICO E SE ESCONDE; UM TANTO TÍMIDO, AOS POUCOS ELE VAI ABRINDO A JANELA TODA; REPENTINAMENTE LUZES TEATRAIS O COLOCAM EM FOCO E UM MICROFONE SURGE)

TONINHO
AH!... Eu... Oi, gente! Como que ceis tão? Bom, vocês vieram pra ver a peça de teatro, né? Legal. Sem querer ser chato ou dar spoiler, mas a questão do nome da peça, “Tudo O Que Eu Vejo Na Janela Do Meu Quarto”, já está respondida. Tudo o que eu vejo é a rua e você, respeitável público pagante e não pagante! Oh, sejam bem vindos todos! Fim de uma história. (PAUSA) Mas tem mais uma forma de interpretar o nome da peça. A grande questão, que estamos aqui hoje, é sobre tudo o que eu vejo na janela do meu quarto, só que olhando pelo lado de fora, igual vocês aí! Eu aí fora, olhando aqui pra dentro. Sim, daqui de dentro eu vejo só vocês, normal, tudo bem, (MISTERIOSO) mas quando eu tô do lado de fora, ou em cima da janela, coisas muito estranhas acontecem aqui dentro. Começou numa manhã/tarde/noite como essa. Estava uma manhã/tarde/noite gostosa pra olhar um pouco a rua. Aí foi que eu tive a brilhante ideia de me sentar nessa janela e eu sentei nessa janela...

(ELE SENTA NA JANELA; O AMBIENTE MUDA PARA A CENA DE UMA MEMÓRIA DE TONINHO)


CENA 1: A FADA

(TONINHO COLOCA OS FONINHOS DE OUVIDO; A MÚSICA “PASSARINHOS” DE EMICIDA E VANESSA DA MATA TOCA E TONINHO CANTA JUNTO; UM SOM DE BRIGA BOBA DE FAMÍLIA DE FUNDO, TONINHO CONTINUA TENTANDO OUVIR A MÚSICA; UM COPO QUEBRA E JUNINHO TIRA OS FONINHOS VAI E FECHA A PORTA DO QUARTO E APAGA AS LUZES)

TONINHO
Mas que saco que vocês ficam gritando!

(ELE VOLTA E SENTA-SE NA JANELA DE NOVO, MAS NÃO LIGA A MÚSICA; ELE SE INTERESSA POR ALGO QUE ESTÁ NO CÉU)

TONINHO
Que negócio é aquilo? Cadê meu celular? Ah, é só um gato.  

(SEM SHOW TEATRAL, ELE CANTA COTIDIANAMENTE UM TRECHO DA MÚSICA “HISTÓRIA DE UMA GATA” DE CHICO BUARQUE)

TONINHO
Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhec...

(UMA COISA BRILHA DENTRO DO QUARTO, TIPO UM VAGALUME; TONINHO PÁRA NA HORA DE CANTAR)

TONINHO
Foi coisa da minha cabeça ou um negócio piscou aqui dentro?

(SILÊNCIO; NADA ACONTECE)

TONINHO
Ué.

(TONINHO VOLTA A LIGAR A MÚSICA NO CELULAR E OLHAR PARA FORA; RAPIDAMENTE A LUZ PISCA NOVAMENTE E TONINHO DESLIGA A MÚSICA; MAIS UMA VEZ A MESMA COISA, ELE RELIGA A MÚSICA, UMA LUZ PISCA VOANDO, ELE DESLIGA A MÚSICA ASSUSTADO)

TONINHO
Eita, que tem alguém dentro do meu quarto tirando foto de mim? Quem tá aí? (ELE COMEÇA A FICAR COM MEDO) Ai. Eu que não vou acender a luz lá.

(ELE DESCE DA JANELA E FICA TENTANDO OLHAR)

TONINHO
Manhê!(COM A PLATEIA, DISCRETO) Vocês viram a luz piscando? Parecia que era um vagalume, não parecia? Eu vou ficar olhando daqui um pouco. (AVISA NO PORTÃO) Mãe, tô aqui fora com o pessoal.

MÃE
(VOZ) Tá!

(ELE VOLTA ESPIAR A JANELA)

TONINHO
Tinha uma luz que piscou, eu vi! Não tinha? Vou ficar olhando. Vou filmar! Boa ideia. Quem quiser filmar também...

(NADA ACONTECE)

TONINHO
Caramba, gente, deve ter sido coisa da cabeça. Reflexo de farol de carro, é isso.

(ELE SOBE NA JANELA NOVAMENTE)

TONINHO
A gente vem pra ver coisa esquisita e no fim tem nada de esquisito, né? (RI)

(A LUZ PISCA E A FADA APARECE)

FADA
Oi!

(TONINHO GRITA E DESCE DA JANELA)

TONINHO
O que que é isso? O que que tá acontecendo? Vocês tão vendo isso, gente?

FADA
É uma peça de teatro, ué. Não era?

TONINHO
É, mas você tá dentro do meu quarto!

FADA
Obviamente devo ter sido convidada. Gosto das música dos passarinhos. Eu sou muito fã da Vanessa da Mata.

TONINHO
Mas... o que você é?

FADA
Obviamente, eu sou uma fada. Mas isso contando com a magia de isso ser uma apresentação teatral e podemos existir, feitos de papelão até. É bastante interessante todo esse universo que vocês humanos normais não conseguem enxergar.

TONINHO
Isso é demais! Então quer dizer que você pode voar?

FADA
Sim, eu posso!

(A FADA VOA E PISCA PELO QUARTO)

FADA
E é bom avisando logo de início que não são só coisas boas que você pode vir aqui espiar pela janela aqui não. Venho exatamente para avisá-los vossas senhorias, público pagante e não pagante.

TONINHO
Então quer dizer que tem mais? Tem mais de vocês.

FADA
Infinitamente! Existe mais sobre o céu e a Terra que vocês nunca vão conseguir imaginar. Vocês até conseguem um pouquinho, mas é bem pouquinho perto da grandeza desse universo! Eu mesma confesso que sei bem pouco, e olha que eu sou eu, hein! Uma fada!

(O DUENDE APARECE ESCONDIDINHO)

TONINHO
Meu deus do céu!

FADA
Não, garoto é só um duende bobo.

(O DUENDE DESAPARECE E COISAS COMEÇAM A SER JOGADAS PRA FORA DA JANELA; COISAS PESSOAIS DE TONINHO)

TONINHO
Ei! Para com isso! Seu peste!

(O DUENDE REAPARECE RÁPIDO)

DUENDE
Tá com freada de bicicleta! Tem que jogar no lixo!

(DESAPARECE DE NOVO)

TONINHO
A rua não é lixo, tá bom? E para de jogar as minhas coisas!

FADA
Chega, cara. Vai sumir com uma caneta por aí, vai.

(O DUENDE REAPARECE E DESAPARECE RÁPIDO)

DUENDE
Boa ideia. Tchau!

FADA
Deu pra entender como que funciona essas paradas agora? Você não tem controle nenhum. A gente tá se acotovelando nesse mundo.

TONINHO
Isso é incrível! Na janela do meu quarto, pode existir qualquer coisa.

FADA
Isso é um privilégio, garoto! E perceba que eu sou a fada que vem te dar avisos do que pode vir por aí. É sempre assim, eu aviso, e depois no fim venho pra te salvar.

TONINHO
Você é um ser magnífico!

FADA
Cuidado com o resto da história...

(A FADA DESAPARECE)


CENA 2: ANJOS E DEMÔNIOS

(TONINHO VOLTA PARA O TEMPO DA INTRODUÇÃO)

TONINHO
E foi assim a nossa primeira experiência com um bagulho sinistro. Uma fada dentro do meu quarto! E um duende que jogou minhas coisas aqui pra fora. Claro, ninguém acreditou em mim. Se alguém tiver filmado posta e coloca hashtag com o nome da peça ou do grupo. Enfim, continuando. A fada no fim das contas tinha razão. Existe muito mais coisa entre o céu e a Terra que a gente pode imaginar. E depois daquele dia, essa janela nunca mais foi a mesma...

(TONINHO DESAPARECE DE CENA E SAI PELA PORTA)

TONINHO
Eu estava um dia, voltando da escola, de mochila, claro, até aí tudo bem. E aí a janela do meu quarto tava aberta. E tudo bem, minha mãe sempre abre pra entrar um ar. Aí eu ouvi uma conversinha vindo de lá de dentro...

(UMA CENA DA MEMÓRIA DE TONINHO; ELE ESTÁ VOLTANDO DA ESCOLA DE MOCHILA, VÊ A JANELA ABERTA, NÃO DÁ BOLAS, E AÍ OUVE VOZES VINDO DO QUARTO E PÁRA PRA OUVIR EMBAIXO DA JANELA)

ANJINHA
(VOZ) Eu já falei que isso é coisa que ele tem que decidir por ele...

DIABINHO
(VOZ) E eu já acho que ele é burro demais pra fazer as coisas. Pra mim, um jovem sem futuro!

ANJINHA
(VOZ) São as suas influências que atrapalham o futuro dele.

DIABINHAO
Nossa divergência é moral, minha querida.

ANJINHA
Sem dúvida nenhuma!

(TONINHO SOBE NA JANELA)

TONINHO
(PARA A PLATEIA) Quem será que tá aí? Eu só moro com minha mãe e minha tia. (CHAMA NA JANELA) Quem que tá aí?

(NINGUÉM RESPONDE; ELE ESTRANHA)

TONINHO
Tinha alguém conversando, não tinha? Será que eu tô ficando maluco? Será que é a fada e o duende de novo?

(A ANJINHA E O DIABINHO APARECEM SENTADOS NA JANELA)

ANJINHA
Oi.

DIABINHO
Sem cerimônias, por favor! Músicas não! Por favor, não vamos cantar músicas!

TONINHO
Meu deus do céu! Mas o que é isso.

DIABINHO
Não está óbvio, garoto.

ANJINHA
Eu sou a sua anjinha da guarda e ele aí tá junto porque... faz parte.

DIABINHO
Eu sou o seu diabinho da guarda.

ANJINHA
O bem e o mal andam juntos.

TONINHO
Caramba, mas não é possível! Então existe tudo isso também?

ANJINHA
Pode existir o que você quiser, meu amor, a casa é sua, a janela é sua.

TONINHO
E foi você mesmo que fez a gente, que confeccionou a gente, porque duvido que vocês tem dinheiro pra contratar um cenografista profissional.

ANJINHA
Está fazendo um bom trabalho.

TONINHO
Estou? Você acha que estou?

ANJINHA
Quem sou eu pra julgar os seus sonhos? Principalmente se você consegue juntar todos eles e transformar em tudo isso aqui. É como magia!

DIABINHO
O verdadeiro amigo precisa falar as coisas na cara, então, eu fico com receio de colocar algumas coisas que você coloca dentro do seu quarto. Tipo... (ELE PEGA UMA CUECA) Essa freada de bicicleta aqui, por exemplo...

TONINHO
Esconde isso! É a mesma, gente, não é outra não. Foi só uma vez só.

DIABINHO
E também misturar crenças populares. Isso já está me parecendo um tipo de... balbúrdia.

TONINHO
Eu nem sei o que é isso.

ANJINHa
Tudo pode existir. O que você quiser, o que você escolher. Aquilo que escolher acreditar vai ser a verdade no seu mundo.

TONINHO
Então eu acredito em fadas e duendes e anjos e demônios... e o que mais?

DIABINHO
Ah, rapaz. Cadê aquele ladinho maroto do ser humano maluco que você é? Você tá crescendo, vai chegar nessas partes.

TONINHO
As coisas assustadoras...

ANJINHA
Sim. Mas você pode confrontrar as coisas assustadoras.

DIABINHO
Guerra perdida.

ANJINHA
Você deve aprender a lidar com as coisas que acredita.

DIABINHO
(PARA A PLATEIA) O cara faz uma peça pra ficar conversando com o anjinho e o diabinho dele.

ANJINHA
Anjinha.

DIABINHO
Cresce, garoto! Tá na hora de crescer! Arruma um emprego decente...

ANJINHA
Nunca é tarde pra sonhar, Toninho. Lembre-se disso.

DIABINHO
E agora, a nossa saída grandiosa!

(ANJINHA COMEÇA CANTAR UM SOLO AVULSO)

ANJINHA
Ah, passarinhos bem fofinhos...

DIABINHO
Não, sem música! Pelo amor de deus! Vamo embora de um jeito normal, real.

TONINHO
Não! Esperem! Eu tenho mais dúvidas!

(O ANJINHO E O DIABINHO SAEM EXAGERADAMENTE GRANDIOSO, COM MÚSICAS E FUMAÇAS...)


CENA 3: O BICHO-PAPÃO

(TONINHO JOGA A MOCHILA PRA DENTRO DA JANELA E VOLTA PARA A CENA DA INTRODUÇÃO SUBINDO A JANELA)

TONINHO
E aí depois não parou mais. Se vocês passarem qualquer dia aí na frente, tá tendo dessas coisas acontecendo aqui, o tempo todo. Eu sempre fui muito criativo, desde criancinha, então não parou de aparecer coisas de todo tipo. Até que teve uma vez que eu não estava bem, as coisas estavam ruim aqui em casa, e na escola, e aí aconteceu a coisa que eu mais temia. Pensamentos ruins!

(CLIMA DE SUSPENSE; UIVO DE LOBO, LUZES ESCURAS NO QUARTO)

TONINHO
Mais uma vez eu estava ouvindo um som na janela, com o foninho de ouvido pra não incomodar os vizinhos...

(A MÚSICA NÃO TOCA, SÓ TONINHO OUVE; FICA UM SILÊNCIO DE TERROR COM SONS ESQUISITOS, ENQUANTO TONINHO CANTAROLA UMA MÚSICA TRISTE; NO FUNDO DO QUARTO, UM SER ESTRANHO E GRANDE APARECE EM UM CANTO; POUCO SE VÊ DO SER, APENAS QUE SEUS OLHOS SÃO VERMELHOS E QUE É GRANDE ATÉ A ALTURA DO TETO; TONINHO NÃO PERCEBE A PRESENÇA E CONTINUA NA MÚSICA; O SER VAI SE APROXIMANDO VAGAROSAMENTE ATÉ FICAR BEM PERTO DE TONINHO, QUE NÃO O VÊ; O SER VAI COLOCAR A MÃO EM TONINHO, COM SUSPENSE; TONINHO REPENTINAMENTE SENTE A PRESENÇA, MAS NÃO OLHA; ELE TIRA OS FONINHOS E CONVERSA COM A PLATEIA)

TONINHO
Tem uma coisa atrás de mim, né?

(ELE VAGAROSAMENTE SE VIRA E VÊ O BICHO-PAPÃO)

BICHO-PAPÃO
Bu!

TONINHO
Aaaaah!

(ELE PULA DA JANELA DE NOVO)

TONINHO
Meu santo deus todo poderoso do universo, o que é isso?

(UM MICROFONE SURGE; BICHO-PAPÃO FAZ UM SHOW MUSICAL SINISTRO)

BICHO-PAPÃO
Tem um climão
Que eu vejo aqui
Parece de mentira
É papelão, com cola madeira
Da imaginação

Sem ter que ter medo
Eu sim, sou do mal
Mas sou um terror de brinquedo
Não sou real, faz parte do enredo
Todo mundo tem pesadelo
Todo mundo tem pesadelo
Todo mundo tem pesadelo.

(BICHO-PAPÃO AGRADECE; TONINHO APLAUDE)

TONINHO
Uau! Quem é você?

BICHO-PAPÃO
Eu sou o Bicho-Papão!

TONINHO
O que? Para com isso! Isso não existe.

BICHO-PAPÃO
Você que me criou, Sr. Humano. E eu vou te atasanar até a morte e também depois dela.

TONINHO
Me atasanar? Mas o que foi que eu fiz pra você? Se eu te criei você deveria me agradecer.

BICHO-PAPÃO
Eu vou te atazanar pelo resto da eternidade e é exatamente pelo fato de você ter me criado!

TONINHO
Mas não é com uma musiquinha que você vai me atasanar. Foi super legal...

(O BICHO-PAPÃO AGARRA TONINHO PELOS CABELOS MONSTRUOSAMENTE)

BICHO-PAPÃO
E agora é que o bicho vai pegar!

TONINHO
Caramba! Que isso?

(A FADA SURGE)

FADA
Parado aí, bonitão! Eu disse que eu ia ter que vir fazer o salvamento no final.

BICHO-PAPÃO
O que? O que é isso?

FADA
Larga ele!

BICHO-PAPÃO
Quem é você? O que você é? Quem você pensa que é?

FADA
Eu sou a Fada Madrinha dele. Larga agora!

(ELA FAZ UMA MÁGICA E O BICHO-PAPÃO LARGA OS CABELOS DE TONINHO; A FADA E O BICHO-PAPÃO SE ENFRENTAM SE OLHANDO POR UM TEMPO)

BICHO-PAPÃO
Ah! Eu nunca tinha visto um ser como você.

FADA
Eu estive aqui o tempo todo.

TONINHO
(PRA SI) Então vocês também não sabem da existência um do outro...

FADA
Existem mais coisas entre o céu e a Terra...

TONINHO
(INTERROMPE) ...do que a gente pode imaginar.

(BICHO-PAPÃO PEGA TONINHO NOVAMENTE PELOS CABELOS E SURGE COM UMA MAQUININHA DE CORTAR CABELOS, ASSUSTADORAMENTE)

BICHO-PAPÃO
Agora você vai ver o que é bom pra tosse! Você vai ficar careca!

(ANJINHA SURGE)

ANJINHA
Ele não tá com tosse hoje! (ELA PASSA VOANDO E PEGA A MAQUININHA DAS MÃOS DO BICHO-PAPÃO)

BICHO-PAPÃO
Outro bicho!

ANJINHO
Meu filho, eu sou a anja protetora dele, ordenado por deus, pelo universo. Se quiser encrenca vai ter com nós duas. (PARA FADA) Prazer, Anjinha da Guarda.

FADA
O prazer é todo meu, Fada Madrinha.

BICHO-PAPÃO
Vocês não vão me impedir de encher o saco desse pré-adolescente que ainda deixa freada de cueca na bicicleta!

FADA
É o contrário. É freada de bicicleta na cueca.

BICHO-PAPÃO
Ele deixa na bicicleta também! Deixa freada na bicicleta sim!

TONINHO
Mentira!

ANJINHA
Você vai ter que lidar com as crenças do Toninho. E ele pode até acreditar em você, mas ele também acredita em nós duas. E nós vamos defender ele.

FADA
É isso aí, meu irmão!

BICHO-PAPÃO
(GARGALHA CONFIANTE) E por qual razão as minhas queridas acham que são mais poderosas do que eu? E se Toninho acredita mais em mim do que em vocês? Além do mais eu sou grande e vocês são... mulheres.

FADA
Você é grande, mas não é um cara bom.

(FÁCIL E RAPIDAMENTE AS DUAS LANÇAM FEITIÇOS QUE DERRUBAM O BICHO-PAPÃO; O BICHO-PAPÃO DESAPARECE)


CENA 4

(O DIABINHO SURGE DE REPENTE)

DIABINHO
Fui ali fazer um xixi e... O que foi que eu perdi? Ah, perdi a melhor parte de novo, aposto!

(TONINHO SOBE NA JANELA)

TONINHO
Obrigado, Fada Madrinha. Obrigado, Anjinha da Guarda. Eu não consigo evitar os pesadelos...

FADA
E quem consegue, meu filho? Quem consegue?

DIABO
Essas coisas aqui acontecem e depois a culpa é toda minha de novo. Tô cansado disso já.

ANJINHA
Você precisa usar a sua imaginação pra fazer o que acha certo e justo, Toninho. Use aquilo que tiver ao seu alcance, sempre com muita honestidade e sinceridade. A sinceridade, ela é...

DIABO
Ai, chega de discurso. Todo mundo sabe dessa história. Eu sempre falei com deus. O problema tá no livre-arbítrio.

ANJINHA
A função dessa vida é exatamente a liberdade de escolher o certo, Toninho.

DIABO
O certo anda sempre junto com o errado, só pra ficar claro as coisas aqui.

ANJINHA
Somos antagonistas.

DIABO
Tapas e beijos.

ANJINHO
Você deve estar delirando, né? Não tem nada de tapas e beijos não.

DIABO
É modo de dizer.

FADA
Chega vocês dois! Acredito que depois disso tudo, Toninho precisa de um tempo sozinho de reflexão. A gente sabe que muitas coisas surgirão nessa janela ainda, porque Toninho sempre foi muito criativo, desde criancinha. É bom que ele se prepare na filosofia. Pensando... Sozinho...

(O DUENDE SURGE REPENTINAMENTE)

DUENDE
Ninguém nunca tá sozinho, todos esses mundos paralelos teatrais estão se acotovelando pelo universo! É só isso mesmo que eu tinha pra falar.

(O DUENDE DESAPARECE)

FADA
Vamos embora.

TONINHO
Podem ficar, se quiserem...

DIABINHO
Ah, moleque vai cuidar da sua vida um pouco! (SAI; DE FORA ELE JOGA UMA CUECA NA CARA DE TONINHO) Vai lavar uma cueca!

ANJINHA
Temos que ir também. A vida no universo não gira em torno de vocês humanos somente. Tem toda uma estrutura, bastante burocrática, inclusive.

(ELAS VÃO SAINDO)

FADA
Nem me fale, miga, esses dias pra conseguir viajar daqui até Júpiter, tive que enfrentar uma fila danada...

(ELAS SAEM)


CENA FINAL

(TONINHO FICA SOZINHO EM CENA E RETORNA PARA O PRESENTE; ELE DESCE DA JANELA E FICA OLHANDO UM TEMPO, PROCURANDO ALGUMA COISA APARECER)

TONINHO
Às vezes eu gosto de ficar aqui na rua. Na rua mesmo. Ficar olhando. Pra ver se aparece coisa nova. O Bicho-Papão parou de me atasanar. Eu fiquei confuso porque eu não acreditava em Bicho-Papão, e se eles são minha imaginação, como poderia ele existir? Aí eu descobri que ele era algo que eu acreditava escondido. Um segredo. Eu falava que não acreditava, mas no fundo, no fundo, eu acreditava. Não no Bicho-Papão em si, mas no que ele representa. O medo de sentir... medo.

(SILÊNCIO; TONINHO SOBE NA JANELA E ENTRA NA CASA)

TONINHO
O mais engraçado de tudo, é que tudo isso só acontece quando se olha aí de fora, ou daqui de cima da janela. Quando eu tô aqui dentro, as coisas são... normais.

MÃE
(VOZ) Toninho! Já chega de brincar com seus amigos imaginários! Você já é quase um adolescente, menino. Fecha essa janela e chega por hoje!

TONINHO
Tá bom, mãe, vou fechar! Bom, gente, muito obrigado pela presença de todo mundo. Não sei se vocês acreditam nessas coisas sobrenaturais de teatro, mas bom... eu acredito. (PAUSA) Bom dia/boa tarde/boa noite!

(TONINHO FECHA A JANELA; GRANDIOSIDADE MUSICAL DE FINAL DE JORNADA; REPENTINAMENTE A JANELA SE ABRE UM POUQUINHO E O DUENDE INTERROMPE)

DUENDE
Peraí! É sério que a gente vai acabar sem musiquinha feliz?

(TODOS OS PERSONAGENS SURGEM EM CENA E FINALIZAM O ESPETÁCULO CANTANDO)

TODOS
História já finalizada
Cantar pra dar uma alegrada
Se alguém aqui tirou uma foto
Não vão esquecer... de postar com a hashtag
Não vão esquecer... da nossa caixinha

DUENDE
É pra sobrevivência!

TODOS
Não vão esquecer... eeer... eeeeer...
Fecham-se as cortinas!

DUENDE
Fim!

(ELES FECHAM A CORTINA DA JANELA SE DESPEDINDO DO PÚBLICO)

FIM








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