TUDO
O QUE EU VEJO NA JANELA DO MEU QUARTO
De Gabriel Tonin
PERSONAGENS:
TONINHO
FADA (BONECO)
DUENDE (BONECO)
ANJINHA (BONECO)
DIABINHO (BONECO)
BICHO-PAPÃO (BONECO)
MÃE (VOZ)
CENÁRIO: UMA JANELA PELO LADO DE FORA.
INTRODUÇÃO
(TONINHO APARECE ABRINDO A JANELA POR DENTRO,
DEVAGAR, COM MEDO; ELE ESPIA O PÚBLICO E SE ESCONDE; UM TANTO TÍMIDO, AOS
POUCOS ELE VAI ABRINDO A JANELA TODA; REPENTINAMENTE LUZES TEATRAIS O COLOCAM
EM FOCO E UM MICROFONE SURGE)
TONINHO
AH!... Eu... Oi, gente! Como que ceis tão? Bom,
vocês vieram pra ver a peça de teatro, né? Legal. Sem querer ser chato ou dar
spoiler, mas a questão do nome da peça, “Tudo O Que Eu Vejo Na Janela Do Meu
Quarto”, já está respondida. Tudo o que eu vejo é a rua e você, respeitável
público pagante e não pagante! Oh, sejam bem vindos todos! Fim de uma história.
(PAUSA) Mas tem mais uma forma de interpretar o nome da peça. A grande questão,
que estamos aqui hoje, é sobre tudo o que eu vejo na janela do meu quarto, só
que olhando pelo lado de fora, igual vocês aí! Eu aí fora, olhando aqui pra
dentro. Sim, daqui de dentro eu vejo só vocês, normal, tudo bem, (MISTERIOSO)
mas quando eu tô do lado de fora, ou em cima da janela, coisas muito estranhas
acontecem aqui dentro. Começou numa manhã/tarde/noite como essa. Estava uma
manhã/tarde/noite gostosa pra olhar um pouco a rua. Aí foi que eu tive a
brilhante ideia de me sentar nessa janela e eu sentei nessa janela...
(ELE SENTA NA JANELA; O AMBIENTE MUDA PARA A CENA DE
UMA MEMÓRIA DE TONINHO)
CENA
1: A FADA
(TONINHO COLOCA OS FONINHOS DE OUVIDO; A MÚSICA
“PASSARINHOS” DE EMICIDA E VANESSA DA MATA TOCA E TONINHO CANTA JUNTO; UM SOM
DE BRIGA BOBA DE FAMÍLIA DE FUNDO, TONINHO CONTINUA TENTANDO OUVIR A MÚSICA; UM
COPO QUEBRA E JUNINHO TIRA OS FONINHOS VAI E FECHA A PORTA DO QUARTO E APAGA AS
LUZES)
TONINHO
Mas que saco que vocês ficam gritando!
(ELE VOLTA E SENTA-SE NA JANELA DE NOVO, MAS NÃO
LIGA A MÚSICA; ELE SE INTERESSA POR ALGO QUE ESTÁ NO CÉU)
TONINHO
Que negócio é aquilo? Cadê meu celular? Ah, é só um
gato.
(SEM SHOW TEATRAL, ELE CANTA COTIDIANAMENTE UM
TRECHO DA MÚSICA “HISTÓRIA DE UMA GATA” DE CHICO BUARQUE)
TONINHO
Nós,
gatos, já nascemos pobres
Porém,
já nascemos livres
Senhor,
senhora ou senhorio
Felino,
não reconhec...
(UMA COISA BRILHA DENTRO DO QUARTO, TIPO UM
VAGALUME; TONINHO PÁRA NA HORA DE CANTAR)
TONINHO
Foi coisa da minha cabeça ou um negócio piscou aqui
dentro?
(SILÊNCIO; NADA ACONTECE)
TONINHO
Ué.
(TONINHO VOLTA A LIGAR A MÚSICA NO CELULAR E OLHAR
PARA FORA; RAPIDAMENTE A LUZ PISCA NOVAMENTE E TONINHO DESLIGA A MÚSICA; MAIS UMA
VEZ A MESMA COISA, ELE RELIGA A MÚSICA, UMA LUZ PISCA VOANDO, ELE DESLIGA A
MÚSICA ASSUSTADO)
TONINHO
Eita, que tem alguém dentro do meu quarto tirando
foto de mim? Quem tá aí? (ELE COMEÇA A FICAR COM MEDO) Ai. Eu que não vou
acender a luz lá.
(ELE DESCE DA JANELA E FICA TENTANDO OLHAR)
TONINHO
Manhê!(COM A PLATEIA, DISCRETO) Vocês viram a luz
piscando? Parecia que era um vagalume, não parecia? Eu vou ficar olhando daqui
um pouco. (AVISA NO PORTÃO) Mãe, tô aqui fora com o pessoal.
MÃE
(VOZ) Tá!
(ELE VOLTA ESPIAR A JANELA)
TONINHO
Tinha uma luz que piscou, eu vi! Não tinha? Vou
ficar olhando. Vou filmar! Boa ideia. Quem quiser filmar também...
(NADA ACONTECE)
TONINHO
Caramba, gente, deve ter sido coisa da cabeça.
Reflexo de farol de carro, é isso.
(ELE SOBE NA JANELA NOVAMENTE)
TONINHO
A gente vem pra ver coisa esquisita e no fim tem
nada de esquisito, né? (RI)
(A LUZ PISCA E A FADA APARECE)
FADA
Oi!
(TONINHO GRITA E DESCE DA JANELA)
TONINHO
O que que é isso? O que que tá acontecendo? Vocês
tão vendo isso, gente?
FADA
É uma peça de teatro, ué. Não era?
TONINHO
É, mas você tá dentro do meu quarto!
FADA
Obviamente devo ter sido convidada. Gosto das música
dos passarinhos. Eu sou muito fã da Vanessa da Mata.
TONINHO
Mas... o que você é?
FADA
Obviamente, eu sou uma fada. Mas isso contando com a
magia de isso ser uma apresentação teatral e podemos existir, feitos de papelão
até. É bastante interessante todo esse universo que vocês humanos normais não
conseguem enxergar.
TONINHO
Isso é demais! Então quer dizer que você pode voar?
FADA
Sim, eu posso!
(A FADA VOA E PISCA PELO QUARTO)
FADA
E é bom avisando logo de início que não são só
coisas boas que você pode vir aqui espiar pela janela aqui não. Venho
exatamente para avisá-los vossas senhorias, público pagante e não pagante.
TONINHO
Então quer dizer que tem mais? Tem mais de vocês.
FADA
Infinitamente! Existe mais sobre o céu e a Terra que
vocês nunca vão conseguir imaginar. Vocês até conseguem um pouquinho, mas é bem
pouquinho perto da grandeza desse universo! Eu mesma confesso que sei bem
pouco, e olha que eu sou eu, hein! Uma fada!
(O DUENDE APARECE ESCONDIDINHO)
TONINHO
Meu deus do céu!
FADA
Não, garoto é só um duende bobo.
(O DUENDE DESAPARECE E COISAS COMEÇAM A SER JOGADAS
PRA FORA DA JANELA; COISAS PESSOAIS DE TONINHO)
TONINHO
Ei! Para com isso! Seu peste!
(O DUENDE REAPARECE RÁPIDO)
DUENDE
Tá com freada de bicicleta! Tem que jogar no lixo!
(DESAPARECE DE NOVO)
TONINHO
A rua não é lixo, tá bom? E para de jogar as minhas
coisas!
FADA
Chega, cara. Vai sumir com uma caneta por aí, vai.
(O DUENDE REAPARECE E DESAPARECE RÁPIDO)
DUENDE
Boa ideia. Tchau!
FADA
Deu pra entender como que funciona essas paradas
agora? Você não tem controle nenhum. A gente tá se acotovelando nesse mundo.
TONINHO
Isso é incrível! Na janela do meu quarto, pode
existir qualquer coisa.
FADA
Isso é um privilégio, garoto! E perceba que eu sou a
fada que vem te dar avisos do que pode vir por aí. É sempre assim, eu aviso, e
depois no fim venho pra te salvar.
TONINHO
Você é um ser magnífico!
FADA
Cuidado com o resto da história...
(A FADA DESAPARECE)
CENA
2: ANJOS E DEMÔNIOS
(TONINHO VOLTA PARA O TEMPO DA INTRODUÇÃO)
TONINHO
E foi assim a nossa primeira experiência com um
bagulho sinistro. Uma fada dentro do meu quarto! E um duende que jogou minhas
coisas aqui pra fora. Claro, ninguém acreditou em mim. Se alguém tiver filmado
posta e coloca hashtag com o nome da peça ou do grupo. Enfim, continuando. A
fada no fim das contas tinha razão. Existe muito mais coisa entre o céu e a Terra
que a gente pode imaginar. E depois daquele dia, essa janela nunca mais foi a
mesma...
(TONINHO DESAPARECE DE CENA E SAI PELA PORTA)
TONINHO
Eu estava um dia, voltando da escola, de mochila,
claro, até aí tudo bem. E aí a janela do meu quarto tava aberta. E tudo bem,
minha mãe sempre abre pra entrar um ar. Aí eu ouvi uma conversinha vindo de lá
de dentro...
(UMA CENA DA MEMÓRIA DE TONINHO; ELE ESTÁ VOLTANDO
DA ESCOLA DE MOCHILA, VÊ A JANELA ABERTA, NÃO DÁ BOLAS, E AÍ OUVE VOZES VINDO
DO QUARTO E PÁRA PRA OUVIR EMBAIXO DA JANELA)
ANJINHA
(VOZ) Eu já falei que isso é coisa que ele tem que
decidir por ele...
DIABINHO
(VOZ) E eu já acho que ele é burro demais pra fazer
as coisas. Pra mim, um jovem sem futuro!
ANJINHA
(VOZ) São as suas influências que atrapalham o
futuro dele.
DIABINHAO
Nossa divergência é moral, minha querida.
ANJINHA
Sem dúvida nenhuma!
(TONINHO SOBE NA JANELA)
TONINHO
(PARA A PLATEIA) Quem será que tá aí? Eu só moro com
minha mãe e minha tia. (CHAMA NA JANELA) Quem que tá aí?
(NINGUÉM RESPONDE; ELE ESTRANHA)
TONINHO
Tinha alguém conversando, não tinha? Será que eu tô
ficando maluco? Será que é a fada e o duende de novo?
(A ANJINHA E O DIABINHO APARECEM SENTADOS NA JANELA)
ANJINHA
Oi.
DIABINHO
Sem cerimônias, por favor! Músicas não! Por favor,
não vamos cantar músicas!
TONINHO
Meu deus do céu! Mas o que é isso.
DIABINHO
Não está óbvio, garoto.
ANJINHA
Eu sou a sua anjinha da guarda e ele aí tá junto
porque... faz parte.
DIABINHO
Eu sou o seu diabinho da guarda.
ANJINHA
O bem e o mal andam juntos.
TONINHO
Caramba, mas não é possível! Então existe tudo isso
também?
ANJINHA
Pode existir o que você quiser, meu amor, a casa é
sua, a janela é sua.
TONINHO
E foi você mesmo que fez a gente, que confeccionou a
gente, porque duvido que vocês tem dinheiro pra contratar um cenografista
profissional.
ANJINHA
Está fazendo um bom trabalho.
TONINHO
Estou? Você acha que estou?
ANJINHA
Quem sou eu pra julgar os seus sonhos?
Principalmente se você consegue juntar todos eles e transformar em tudo isso
aqui. É como magia!
DIABINHO
O verdadeiro amigo precisa falar as coisas na cara,
então, eu fico com receio de colocar algumas coisas que você coloca dentro do
seu quarto. Tipo... (ELE PEGA UMA CUECA) Essa freada de bicicleta aqui, por
exemplo...
TONINHO
Esconde isso! É a mesma, gente, não é outra não. Foi
só uma vez só.
DIABINHO
E também misturar crenças populares. Isso já está me
parecendo um tipo de... balbúrdia.
TONINHO
Eu nem sei o que é isso.
ANJINHa
Tudo pode existir. O que você quiser, o que você
escolher. Aquilo que escolher acreditar vai ser a verdade no seu mundo.
TONINHO
Então eu acredito em fadas e duendes e anjos e
demônios... e o que mais?
DIABINHO
Ah, rapaz. Cadê aquele ladinho maroto do ser humano
maluco que você é? Você tá crescendo, vai chegar nessas partes.
TONINHO
As coisas assustadoras...
ANJINHA
Sim. Mas você pode confrontrar as coisas
assustadoras.
DIABINHO
Guerra perdida.
ANJINHA
Você deve aprender a lidar com as coisas que
acredita.
DIABINHO
(PARA A PLATEIA) O cara faz uma peça pra ficar
conversando com o anjinho e o diabinho dele.
ANJINHA
Anjinha.
DIABINHO
Cresce, garoto! Tá na hora de crescer! Arruma um
emprego decente...
ANJINHA
Nunca é tarde pra sonhar, Toninho. Lembre-se disso.
DIABINHO
E agora, a nossa saída grandiosa!
(ANJINHA COMEÇA CANTAR UM SOLO AVULSO)
ANJINHA
Ah,
passarinhos bem fofinhos...
DIABINHO
Não, sem música! Pelo amor de deus! Vamo embora de
um jeito normal, real.
TONINHO
Não! Esperem! Eu tenho mais dúvidas!
(O ANJINHO E O DIABINHO SAEM EXAGERADAMENTE
GRANDIOSO, COM MÚSICAS E FUMAÇAS...)
CENA
3: O BICHO-PAPÃO
(TONINHO JOGA A MOCHILA PRA DENTRO DA JANELA E VOLTA
PARA A CENA DA INTRODUÇÃO SUBINDO A JANELA)
TONINHO
E aí depois não parou mais. Se vocês passarem
qualquer dia aí na frente, tá tendo dessas coisas acontecendo aqui, o tempo
todo. Eu sempre fui muito criativo, desde criancinha, então não parou de
aparecer coisas de todo tipo. Até que teve uma vez que eu não estava bem, as
coisas estavam ruim aqui em casa, e na escola, e aí aconteceu a coisa que eu
mais temia. Pensamentos ruins!
(CLIMA DE SUSPENSE; UIVO DE LOBO, LUZES ESCURAS NO
QUARTO)
TONINHO
Mais uma vez eu estava ouvindo um som na janela, com
o foninho de ouvido pra não incomodar os vizinhos...
(A MÚSICA NÃO TOCA, SÓ TONINHO OUVE; FICA UM
SILÊNCIO DE TERROR COM SONS ESQUISITOS, ENQUANTO TONINHO CANTAROLA UMA MÚSICA
TRISTE; NO FUNDO DO QUARTO, UM SER ESTRANHO E GRANDE APARECE EM UM CANTO; POUCO
SE VÊ DO SER, APENAS QUE SEUS OLHOS SÃO VERMELHOS E QUE É GRANDE ATÉ A ALTURA
DO TETO; TONINHO NÃO PERCEBE A PRESENÇA E CONTINUA NA MÚSICA; O SER VAI SE
APROXIMANDO VAGAROSAMENTE ATÉ FICAR BEM PERTO DE TONINHO, QUE NÃO O VÊ; O SER
VAI COLOCAR A MÃO EM TONINHO, COM SUSPENSE; TONINHO REPENTINAMENTE SENTE A
PRESENÇA, MAS NÃO OLHA; ELE TIRA OS FONINHOS E CONVERSA COM A PLATEIA)
TONINHO
Tem uma coisa atrás de mim, né?
(ELE VAGAROSAMENTE SE VIRA E VÊ O BICHO-PAPÃO)
BICHO-PAPÃO
Bu!
TONINHO
Aaaaah!
(ELE PULA DA JANELA DE NOVO)
TONINHO
Meu santo deus todo poderoso do universo, o que é
isso?
(UM MICROFONE SURGE; BICHO-PAPÃO FAZ UM SHOW MUSICAL
SINISTRO)
BICHO-PAPÃO
Tem
um climão
Que
eu vejo aqui
Parece
de mentira
É
papelão, com cola madeira
Da
imaginação
Sem
ter que ter medo
Eu
sim, sou do mal
Mas
sou um terror de brinquedo
Não
sou real, faz parte do enredo
Todo
mundo tem pesadelo
Todo
mundo tem pesadelo
Todo
mundo tem pesadelo.
(BICHO-PAPÃO AGRADECE; TONINHO APLAUDE)
TONINHO
Uau! Quem é você?
BICHO-PAPÃO
Eu sou o Bicho-Papão!
TONINHO
O que? Para com isso! Isso não existe.
BICHO-PAPÃO
Você que me criou, Sr. Humano. E eu vou te atasanar
até a morte e também depois dela.
TONINHO
Me atasanar? Mas o que foi que eu fiz pra você? Se
eu te criei você deveria me agradecer.
BICHO-PAPÃO
Eu vou te atazanar pelo resto da eternidade e é
exatamente pelo fato de você ter me criado!
TONINHO
Mas não é com uma musiquinha que você vai me atasanar.
Foi super legal...
(O BICHO-PAPÃO AGARRA TONINHO PELOS CABELOS
MONSTRUOSAMENTE)
BICHO-PAPÃO
E agora é que o bicho vai pegar!
TONINHO
Caramba! Que isso?
(A FADA SURGE)
FADA
Parado aí, bonitão! Eu disse que eu ia ter que vir
fazer o salvamento no final.
BICHO-PAPÃO
O que? O que é isso?
FADA
Larga ele!
BICHO-PAPÃO
Quem é você? O que você é? Quem você pensa que é?
FADA
Eu sou a Fada Madrinha dele. Larga agora!
(ELA FAZ UMA MÁGICA E O BICHO-PAPÃO LARGA OS CABELOS
DE TONINHO; A FADA E O BICHO-PAPÃO SE ENFRENTAM SE OLHANDO POR UM TEMPO)
BICHO-PAPÃO
Ah! Eu nunca tinha visto um ser como você.
FADA
Eu estive aqui o tempo todo.
TONINHO
(PRA SI) Então vocês também não sabem da existência
um do outro...
FADA
Existem mais coisas entre o céu e a Terra...
TONINHO
(INTERROMPE) ...do que a gente pode imaginar.
(BICHO-PAPÃO PEGA TONINHO NOVAMENTE PELOS CABELOS E
SURGE COM UMA MAQUININHA DE CORTAR CABELOS, ASSUSTADORAMENTE)
BICHO-PAPÃO
Agora você vai ver o que é bom pra tosse! Você vai
ficar careca!
(ANJINHA SURGE)
ANJINHA
Ele não tá com tosse hoje! (ELA PASSA VOANDO E PEGA A
MAQUININHA DAS MÃOS DO BICHO-PAPÃO)
BICHO-PAPÃO
Outro bicho!
ANJINHO
Meu filho, eu sou a anja protetora dele, ordenado
por deus, pelo universo. Se quiser encrenca vai ter com nós duas. (PARA FADA) Prazer,
Anjinha da Guarda.
FADA
O prazer é todo meu, Fada Madrinha.
BICHO-PAPÃO
Vocês não vão me impedir de encher o saco desse
pré-adolescente que ainda deixa freada de cueca na bicicleta!
FADA
É o contrário. É freada de bicicleta na cueca.
BICHO-PAPÃO
Ele deixa na bicicleta também! Deixa freada na
bicicleta sim!
TONINHO
Mentira!
ANJINHA
Você vai ter que lidar com as crenças do Toninho. E
ele pode até acreditar em você, mas ele também acredita em nós duas. E nós
vamos defender ele.
FADA
É isso aí, meu irmão!
BICHO-PAPÃO
(GARGALHA CONFIANTE) E por qual razão as minhas
queridas acham que são mais poderosas do que eu? E se Toninho acredita mais em
mim do que em vocês? Além do mais eu sou grande e vocês são... mulheres.
FADA
Você é grande, mas não é um cara bom.
(FÁCIL E RAPIDAMENTE AS DUAS LANÇAM FEITIÇOS QUE
DERRUBAM O BICHO-PAPÃO; O BICHO-PAPÃO DESAPARECE)
CENA
4
(O DIABINHO SURGE DE REPENTE)
DIABINHO
Fui ali fazer um xixi e... O que foi que eu perdi?
Ah, perdi a melhor parte de novo, aposto!
(TONINHO SOBE NA JANELA)
TONINHO
Obrigado, Fada Madrinha. Obrigado, Anjinha da
Guarda. Eu não consigo evitar os pesadelos...
FADA
E quem consegue, meu filho? Quem consegue?
DIABO
Essas coisas aqui acontecem e depois a culpa é toda
minha de novo. Tô cansado disso já.
ANJINHA
Você precisa usar a sua imaginação pra fazer o que
acha certo e justo, Toninho. Use aquilo que tiver ao seu alcance, sempre com
muita honestidade e sinceridade. A sinceridade, ela é...
DIABO
Ai, chega de discurso. Todo mundo sabe dessa
história. Eu sempre falei com deus. O problema tá no livre-arbítrio.
ANJINHA
A função dessa vida é exatamente a liberdade de
escolher o certo, Toninho.
DIABO
O certo anda sempre junto com o errado, só pra ficar
claro as coisas aqui.
ANJINHA
Somos antagonistas.
DIABO
Tapas e beijos.
ANJINHO
Você deve estar delirando, né? Não tem nada de tapas
e beijos não.
DIABO
É modo de dizer.
FADA
Chega vocês dois! Acredito que depois disso tudo,
Toninho precisa de um tempo sozinho de reflexão. A gente sabe que muitas coisas
surgirão nessa janela ainda, porque Toninho sempre foi muito criativo, desde
criancinha. É bom que ele se prepare na filosofia. Pensando... Sozinho...
(O DUENDE SURGE REPENTINAMENTE)
DUENDE
Ninguém nunca tá sozinho, todos esses mundos
paralelos teatrais estão se acotovelando pelo universo! É só isso mesmo que eu
tinha pra falar.
(O DUENDE DESAPARECE)
FADA
Vamos embora.
TONINHO
Podem ficar, se quiserem...
DIABINHO
Ah, moleque vai cuidar da sua vida um pouco! (SAI;
DE FORA ELE JOGA UMA CUECA NA CARA DE TONINHO) Vai lavar uma cueca!
ANJINHA
Temos que ir também. A vida no universo não gira em
torno de vocês humanos somente. Tem toda uma estrutura, bastante burocrática,
inclusive.
(ELAS VÃO SAINDO)
FADA
Nem me fale, miga, esses dias pra conseguir viajar
daqui até Júpiter, tive que enfrentar uma fila danada...
(ELAS SAEM)
CENA
FINAL
(TONINHO FICA SOZINHO EM CENA E RETORNA PARA O
PRESENTE; ELE DESCE DA JANELA E FICA OLHANDO UM TEMPO, PROCURANDO ALGUMA COISA
APARECER)
TONINHO
Às vezes eu gosto de ficar aqui na rua. Na rua
mesmo. Ficar olhando. Pra ver se aparece coisa nova. O Bicho-Papão parou de me
atasanar. Eu fiquei confuso porque eu não acreditava em Bicho-Papão, e se eles
são minha imaginação, como poderia ele existir? Aí eu descobri que ele era algo
que eu acreditava escondido. Um segredo. Eu falava que não acreditava, mas no
fundo, no fundo, eu acreditava. Não no Bicho-Papão em si, mas no que ele
representa. O medo de sentir... medo.
(SILÊNCIO; TONINHO SOBE NA JANELA E ENTRA NA CASA)
TONINHO
O mais engraçado de tudo, é que tudo isso só
acontece quando se olha aí de fora, ou daqui de cima da janela. Quando eu tô
aqui dentro, as coisas são... normais.
MÃE
(VOZ) Toninho! Já chega de brincar com seus amigos
imaginários! Você já é quase um adolescente, menino. Fecha essa janela e chega
por hoje!
TONINHO
Tá bom, mãe, vou fechar! Bom, gente, muito obrigado
pela presença de todo mundo. Não sei se vocês acreditam nessas coisas
sobrenaturais de teatro, mas bom... eu acredito. (PAUSA) Bom dia/boa tarde/boa
noite!
(TONINHO FECHA A JANELA; GRANDIOSIDADE MUSICAL DE
FINAL DE JORNADA; REPENTINAMENTE A JANELA SE ABRE UM POUQUINHO E O DUENDE
INTERROMPE)
DUENDE
Peraí! É sério que a gente vai acabar sem musiquinha
feliz?
(TODOS OS PERSONAGENS SURGEM EM CENA E FINALIZAM O
ESPETÁCULO CANTANDO)
TODOS
História
já finalizada
Cantar
pra dar uma alegrada
Se
alguém aqui tirou uma foto
Não
vão esquecer... de postar com a hashtag
Não
vão esquecer... da nossa caixinha
DUENDE
É pra sobrevivência!
TODOS
Não
vão esquecer... eeer... eeeeer...
Fecham-se
as cortinas!
DUENDE
Fim!
(ELES FECHAM A CORTINA DA JANELA SE DESPEDINDO DO
PÚBLICO)
FIM
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