IMAGENS REAIS DE METEOROS/REPORTAGENS SOBRE O ESPAÇO/UM
NARIZ ESCORRENDO/MÃOS SE APERTANDO/MÃOS TROCANDO DINHEIRO/UM ESPIRRO/UMA
CRIANÇA COM O DEDO NA BOCA/UMA BOSTA DE CACHORRO/POEIRA/UM CABELO NUM COPO DE
LEITE/UM BEIJO DE LÍNGUA/UMA REPORTAGEM SOBRE PLANTAÇÕES E FERTILIZANTES/UMA
REPORTAGEM SOBRE MOLÉCULAS/UMA REPORTAGEM SOBRE MATADOUROS DE BOIS/A CRIANÇA
PÕE ALGUM BRINQUEDO NA BOCA/UM CACHORRO CAGANDO/SIRINGAS NUM LIXO
HOSPITALAR/UMA PESSOA CONVULCIONANDO/IMAGENS REAIS DE ALGUMA INFECÇÃO EM MASSA
O INÍCIO
I - EXTERNA/DIA/SAÍDA
DE UM AEROPORTO
UM AVIÃO POUSA/ UM JOVEM FUMA UM CIGARRO NA GRADE AO
LADO/LOGO UMA MENINA SAI DO AERPORTO
DOUGLAS
Finalmente!
BIA
Hi, Doug! It’s
nice to see you. How are you doing? Now, I’m able to speak another language.
DOUGLAS
Fresca.
BIA
Me deve uma noite de caipirinhas.
ELES SE ABRAÇAM.
DOUGLAS
E a tartaruga? Essa já fugiu, aposto.
BIA
(ri) Besta. A Tereza ficou com o Adam, tadinha.
DOUGLAS
Adam. Sei.
BIA
E você? Como tem passado, Douglas Roberto?
DOUGLAS
Normal. A vovó voltou pra Porto Alegre. Tô sozinho. E por lá? Nada mesmo? Nem teste, nem nada?
Normal. A vovó voltou pra Porto Alegre. Tô sozinho. E por lá? Nada mesmo? Nem teste, nem nada?
BIA
Tudo no seu tempo. Achei que precisava voltar um pouco.
DOUGLAS
Hum. Bacana ter você de volta.
BIA
É.
II - EXTERNA/DIA/CARRO
ELES VIAJAM EM SILÊNCIO/BIA VISIVELMENTE ABATIDA/DOUGLAS
LIGA O RÁDIO/SÓ ENCONTRA SERTANEJO/LOGO DESISTE E DESLIGA/BIA NÃO PENSA EM
NADA/OS DOIS VIAJAM POR MAIS UM TEMPO EM SILÊNCIO/BIA ESPIRRA
DOUGLAS
Saúde.
III - EXTERNA/DIA/FRENTE
DA CASA DE DOUGLAS
O CARRO ESTACIONA/DOUGLAS DESCE PRIMEIRO E RETIRA AS
MALAS DO CARRO/ELE ENTRA ENQUANTO BIA CONTINUA SENTADA QUIETA
DOUGLAS
Você não vem?
BIA
Tô indo.
BIA DESCE DO CARRO E ENTRA
IV - INTERNA/DIA/CASA
DE DOUGLAS
DOUGLAS DEIXA A CHAVE DO CARRO EM CIMA DA MESA
DOUGLAS
Sua cama tá do jeito que você deixou.
BIA
Hum.
DOUGLAS
Uns amigos vêm aqui em casa hoje. Vou te apresentar a
Soraia, ela foi na casa da mãe dela hoje.
BIA
Soraia.
DOUGLAS
Você vai gostar dela.
BIA
Eu sei.
DOUGLAS
Vou fazer alguma coisa pra comer.
DOUGLAS VAI ATÉ A COZINHA
DOUGLAS
Fique a vontade, Bia. Tá estranhando?
BIA
OFF – Tô bem.
DOUGLAS
Eu queria pedir só pra você não sumir, ok? Eu sei dos
seus lances e tudo, mas queria pedir pra você não sumir, tá bom? Eu fico nos
nervos quando isso acontecia.
SILÊNCIO
DOUGLAS
Você não tá comendo nada de carne mesmo?
SILÊNCIO
DOUGLAS
Bia?! Pode pôr peito de peru?
Bia?! Pode pôr peito de peru?
DOUGLAS VAI ATÉ A SALA E VÊ QUE A CHAVE DO CARRO NÃO ESTÁ
NA MESINHA/VAI ATÉ A JANELA E VÊ O CARRO SAINDO RÁPIDO
DOUGLAS
Filha de uma puta.
EXTERNA/DIA/CARRO
BIA SE DEMONSTRA ABATIDA/ELA DIRIGE FOCADA/ELA LIGA O
RÁDIO/OUVE-SE UMA REPORTAGEM
REPÓRTER 1
Foi por volta das sete da noite, horário de Brasília, que
a família de fazendeiros ouviu o barulho. Eles relataram que um clarão invadiu
a sala onde todos estavam e logo depois um estrondo que arrebentou todas as
janelas da casa. O dono da fazenda, senhor Eugênio Prata e sua esposa
confirmaram nesta manhã a morte de todos os gados e frangos de uma mini granja.
Ainda não se sabe a causa da morte dos animais. Os especialistas sugerem
envenenamento em massa...
BIA MUDA DE ESTAÇÃO/ALGUMAS MÚSICAS/E OUTRA NOTÍCIA
REPÓRTER 2
O novo filme do Homem-Aranha estreia nessa sexta-feira...
MUDA DE NOVO
REPÓRTER 3
Eu não acredito que o H1N1 ainda seja um problema para a
população.
REPÓRTER 4
Na verdade, ainda temos que tomar as causas
preventivas...
BIA MUDA A ESTAÇÃO E DEIXA EM UMA MÚSICA CALMA/ALGUNS
SEGUNDOS, ELA APENAS DIRIGE/DE REPENTE, UM INSETO ATINGE O PARABRISA/BIA
OBSERVA OS RESTOS ESMAGADOS NO VIDRO.
V - EXTERNA/DIA/UMA
ÁRVORE NUM CAMPO
BIA ESTACIONA O CARRO/ELA RESPIRA E OBSERVA O AR/ELA
INICIA UMA DANÇA – DE INÍCIO UM TANTO TOSCA/LOGO A DANÇA FICA SÉRIA E BIA
RODOPIA CANSADA E AO MESMO TEMPO ALIVIADA/SEU NARIZ COMEÇA A SANGRAR – ELA NÃO
PERCEBE/A DANÇA VAI TOMANDO UM AR COMPULSIVO E ESTRANHO/ELA RODA/POR FIM, BIA
VÔMITA UM POUCO DE SANGUE/ELA SE LIMPA CALMAMENTE E AVISTA UMA VACA AO
LONGE/ELA CAMINHA ATÉ A VACA A OBSERVANDO COM CURIOSIDADE/ELA CHEIRA A VACA.
UMA MOTO PÁRA AO LADO DO CARRO/DOUGLAS DESCE E VÊ A POÇA
DE SANGUE/SORAIA FICA PARADA AO LADO DA MOTO SEGURANDO OS CAPACETES/DOUGLAS
CAMINHA ATÉ ONDE BIA ESTÁ DEITADA, PRÓXIMO DA VACA.
DOUGLAS
Bia...
BIA
Já tô indo, Douglas.
DOUGLAS
O que é aquele sangue?
BIA
É da vaca. Não se preocupe.
DOUGLAS PERCEBE QUE A BOCA DE BIA ESTÁ CHEIA DE SANGUE.
DOUGLAS
Você mordeu a vaca, Bia?
BIA
Eu queria saber o gosto.
SILÊNCIO.
DOUGLAS
Vamos embora.
ELE A PEGA PELO OMBRO E A LEVA ATÉ O CARRO.
VI - INTERNA/NOITE/CASA
DE DOUGLAS
BIA ESTÁ NO SOFÁ ASSISTINDO UM DOCUMENTÁRIO SOBRE A
EVOLUÇÃO HUMANA/SORAIA ESTÁ LAVANDO LOUÇA NA COZINHA/DOUGLAS PASSA PELA IRMÃ E
AFANA SUA CABEÇA – DEPOIS VAI ATÉ A COZINHA E CONVERSA BAIXO.
SORAIA
Ela não gostou de mim.
DOUGLAS
Gostou sim. Ela tá com uns problemas. Não deu certo os
planos em Nova York e aí ela tem pirado um pouco. Tenha paciência, tá?
SORAIA
Ela mordeu mesmo aquela vaca?
DOUGLAS
Ela tem uns negócios. Ela é bailarina e curte uns lances
meio malucos. Nem eu entendo muito.
SORAIA
Tá louco. Bailarina...
DOUGLAS
Ela faz uns negócios com arte e tal. Lá em Nova York ela
trabalhava na rua. Às vezes pelada até. Foi presa uma vez. Eu te disse, não
disse?
SORAIA
Disse.
Disse.
DOUGLAS
Ela faz umas paradas e fala que é arte e tal.
SORAIA
Sei. Ai, Douglas, eu sei que ela é sua irmã...
DOUGLAS
Sô, por favor...
Sô, por favor...
SORAIA
Ai, meu, eu tô morando aqui também, pô. E depois? Vai ser
o que?
DOUGLAS
Ela é minha irmã. Eu tenho que cuidar dela.
SORAIA
Meu, ela bebeu o sangue daquela vaca. Você tinha que
procurar um médico, sei lá.
DOUGLAS
Ela não ia querer.
SORAIA
E se ela decide fazer uma performance no meio da noite e
me morder também?
DOUGLAS
Ai, cala a boca, Soraia. Pelo amor de deus.
BIA ENTRA NA COZINHA
BIA
Eu não vou te morder. Eu não mordo meninas grávidas.
BIA SAI/DOUGLAS E SORAIA PERMANECEM EM SILÊNCIO
SORAIA
Eu não tô grávida.
VII - INTERNA/MADRUGADA/COZINHA
BIA ACORDA QUASE SONÂMBULA/ENTRA NA COZINHA E PÁRA DE
FRENTE PARA A GELADEIRA/ELA FICA POR ALGUNS LONGOS SEGUNDOS APENAS
PARADA/DEPOIS ABRE O REFRIGERADOR E RETIRA UM PEDAÇO DE CARNE DE UM SACO
PLÁSTICO/ELA SENTA E PICA A CARNE COM UMA FACA/ELA VAI ATÉ A GELADEIRA
NOVAMENTE E TIRA UMA LATA DE COCA COLA/ELA SENTA E COME A CARNE CRUA COM COCA
COLA.
VIII - INTERNA/NOITE/QUARTO
DE DOUGLAS
DOUGLAS E SORAIA ESTÃO DORMINDO/UM RELÓGIO MOSTRA DUAS E
MEIA/OUVE-SE BARULHOS BAIXOS/DE REPENTE UM GRITO SEGUIDO DE UM ESTRONDO/DOUGLAS
LEVANTA ASSUSTADO
SORAIA
O que foi isso, Dô?
DOUGLAS
A Bia!
A Bia!
OS DOIS SEGUEM PELO CORREDOR ATÉ A COZINHA/A ENCONTRAM ASSUSTADORAMENTE
CONTORCIDA NO CHÃO
SORAIA
Ai, meu deus!
DOUGLAS
Bia! Pelo amor de deus!
BIA
Eu vou morrer, Dô. Todo mundo vai morrer.
DOUGLAS
Calma. Não fale isso. (PARA SORAIA) Pegue o secador de
cabelo pra mim.
SORAIA
Pra quê?
DOUGLAS
Pegue logo.
IX - INTERNA/MADRUGADA/QUARTO
DE BIA
DOUGLAS ESTÁ ESQUENTANDO O CORPO DE BIA COM UM
SECADOR/ELA ESTÁ UM POUCO MELHOR E MAIS CONSCIENTE/SORAIA ESTÁ ENCOSTADA NA
PORTA
DOUGLAS
Ela costumava ficar fria quando a gente era criança.
BIA
Eu tive meningite.
DOUGLAS
É.
SILÊNCIO
DOUGLAS
Ela pegou um vírus que ninguém conhecia.
BIA
É. Um vírus. Ficou instalado aqui. (MOSTRA A NUCA)
DOUGLAS
Além da meningite. A meningite foi o de menos. Foi uma
loucura. Teve umas reações no corpo que nenhum médico sabia dizer o que era.
BIA
Meu coração parou quatro vezes. E eu continuava de olho
aberto, não é, Dô?
DOUGLAS
Puta susto. Sem batimento e olhando pra gente. Olhando mesmo. Olhava no olho da gente. Por uns cinco minutos, sem falar, mas viva de coração parado. Aí o coração voltava. Quatro vezes aconteceu. Saiu numa revista e tudo. De médicos.
Puta susto. Sem batimento e olhando pra gente. Olhando mesmo. Olhava no olho da gente. Por uns cinco minutos, sem falar, mas viva de coração parado. Aí o coração voltava. Quatro vezes aconteceu. Saiu numa revista e tudo. De médicos.
SORAIA
Nossa. Você nunca me falou dessa parte. (PARA BIA) Quanto
anos você tinha?
DOUGLAS
Oito. E eu doze.
BIA
Eu tenho sangue dentro de mim que não é meu.
DOUGLAS
Meses de transfusão.
SORAIA
Deve ter sido foda.
BIA
Eu não lembro de nada.
DOUGLAS
Eu lembro.
SILÊNCIO
DOUGLAS
Depois disso que... daí ela sempre teve alguns ataques...
SILÊNCIO
BIA
A dança me ajudou bastante.
SORAIA
É.
SILÊNCIO
DOUGLAS
Como você estava sobrevivendo sem mim lá em Nova York,
menina?
BIA
O Adam é enfermeiro. Ele me ajudou em muitas coisas, além
de cuidar da Tereza...
DOUGLAS
Amolece o ombro! Tá tencionando de novo.
BIA
Aí ele começou a dizer umas coisas muito loucas, Dô. Ele
era doidão. Você ia gostar dele.
DOUGLAS
Era, é?
BIA
E ainda mais que o inglês, o jeito que se fala, pra gente
que fala português, soa-se um tanto romântico e tal.
DOUGLAS
Como?
BIA
Não romântico de amor. Romântico de pomposo, you know? E aí, meu, ele era louco.
DOUGLAS
Por que, louco?
BIA
Ele me contou que quando era criança ele tinha certeza
que um inseto entrou dentro do braço dele. E que o inseto tá lá até hoje. Vivo.
DOUGLAS
(ri) Que viagem!
BIA
Ué, mas pode ser, não pode? Aquele vírus nada mais é que
um serzinho que entrou dentro de mim, não foi? Ele me contou que em uma noite
eu morri nove vezes, Dô. “You died, girl! You died! You were not
supposed to be staring at me”. Mas ele era malucão. Aí ele começou a
dizer que a gente não é bosta nenhuma, sabe? Ele via as coisas que eu fazia, os
meus espetáculos, as minhas encenações, e ele entrava mais em choque. Ele
entendia o que eu dizia, e o que eu dizia o confundia mais do que me confundia.
Entendeu? Ele começou a me colocar mais
pra baixo porque ele tava ficando pior que eu, e por culpa minha. Entrou numa
paranoia que nem dá pra explicar. Eu tava deixando ele louco. Ele chegou a ter
certeza de que tinha nascido em outro planeta, e de que tá cheio de coisa que a
gente não enxerga que anda bem grudadinho com a gente, de milhões de coisas e
ideias que a gente nem imagina, e um monte de coisa mais. E aí eu já sou louca,
né? Juntou com a loucura dele, aí ficamos dois doidos olhando pra poeira da
estante e imaginando todo uma sociedade, todo uma civilização dentro daquele
grão de nada. Que é o que somos.
CURTO SILÊNCIO
DOUGLAS
Já tá quente?
BIA
Quase. E aí ele dizia que estamos expostos pra qualquer
tipo de evento ou acontecimento ou situação. Entende? Que não existe limite de
fatos considerados não naturais! Entende, Soraia? Entende?
SORAIA
Sim, sim.
BIA
Então, eu concluí – sozinha! – que qualquer coisa,
qualquer tipo de acontecimento que possamos imaginar, qualquer coisa mesmo, é
possível de chegar um dia acontecer. Alguém voar, alguém conversar pelo
pensamento com outra, a existência de um deus, ou a não existência de nada,
alienígenas, fantasmas, demônios, super-heróis, vírus mutantes, viagem no tempo
e etc e tal. É uma loucura. Você ia adorar o Adam, Dô.
DOUGLAS
Ele parece ser legal, Bia.
BIA
E aí...
SORAIA
Eu vou dormir, gente. Tô quebradaça. Amanhã tenho que
acordar cedo.
DOUGLAS
Tá bom.
SORAIA
Beijo, pessoal.
SORAIA SAI/SILÊNCIO
BIA
Perdão. Eu tô ficando cada vez mais louca mesmo.
DOUGLAS
Não tá, não.
BIA
Tô sim. Eu sei que tô.
SILÊNCIO
BIA
E se eu já nasci com um destino programado, Dô?
DOUGLAS
Então, mas e as escolhas no meio desse caminho? Lembra?
BIA
Eu sei. (PAUSA) E se essas escolhas eram pra ser
escolhidas do jeito certinho que eu escolhi? Nos lugares certinhos que eu
passei. E se aquele vírus que eu peguei não foi um acaso, Dô? Eu tenho pensado
numa coisa muito idiota.
DOUGLAS
O que?
BIA
É muito idiota.
DOUGLAS
Fale.
BIA
E se eu estivesse sendo preparada para algo um pouco
maior?
DOUGLAS
Como assim?
BIA
Um acontecimento. De mudar o ruma da nossa existência. Eu
acho que eu fui escolhida para iniciar uma nova fase, Dô. Uma nova espécie.
SILÊNCIO/A REALIDADE VOLTA PARA O CLIMA/DOUGLAS NÃO
ACOMPANHOU O RACIOCÍNIO COM SERIEDADE/ELE ESTÁ PREOCUPADO
DOUGLAS
Uau.
BIA
É sério.
DOUGLAS
Bia, eu sei que as coisas são difíceis de entender. Eu
não duvido das suas coisas, das suas pirações. Mas me passa uma impressão que
você esteja fazendo algumas coisas de graça, sabe? A sua apresentação pra Soraia
podia ter sido menos dramática, não podia? Você tava falando com aquele tom
enquanto ela estava aqui, e a hora que ela saiu pareceu que tinha acabado o
espetáculo e finalmente podíamos conversar sério. Percebe isso? Parece que você
quer provar alguma coisa, entende, Bia?
SORAIA
Você não entende minhas pirações.
DOUGLAS
Porra, você mordeu uma vaca, meu! Isso é meio insano.
Porra, você mordeu uma vaca, meu! Isso é meio insano.
SILÊNCIO
DOUGLAS
Eu não tenho mais o que dizer. Não quero te desencorajar.
Mas não posso participar disso, Bia. Eu tenho minha vida também aqui. A Soraia
tem um pouco de medo de você.
BIA
Você não entendeu...
DOUGLAS
Bia, eu amo você. Você sabe, né?
BIA
Sei.
DOUGLAS
Às vezes a gente tem que manter algumas loucuras só pra
gente. Deixar lá dentro da cabeça. Puxa, se eu falasse das minhas pirações,
elas não soariam mais normais que as suas. Acho que dentro da cabeça a gente
controla melhor. Tá quente, já?
BIA
Tô.
DOUGLAS
Eu vou dormir, então. Boa noite.
BIA
Boa noite.
DOUGLAS
Fique de boa, tá.
BIA
Tá.
ELE A BEIJA NA TESTA E SAI/BIA FICA PENSATIVA/ALGO
INCOMODA EM SEUS DENTES E ELA APALPA SEUS CANINOS E COÇA A GENGIVA IRRITADA
X - EXTERNA/DIA/SONHO
DE BIA/CAMPO COM UMA ÁRVORE
BIA ESTÁ DANÇANDO PRÓXIMO UMA VACA/UM CACHORRO CAGA ALI
PERTO/VÊ SE CENAS DE MATADOUROS/BIA LAMBE OS LÁBIOS/ELA CONTINUA DANÇANDO
DESESPERADAMENTE/ ADAM APARECE ENSANGUENTADO
BIA ACORDA EM SUA CAMA/ELA VAI SE ACALMANDO AOS POUCOS
XI – INTERNA/MADRUGADA/QUARTOS
BIA FICA PENSATIVA/ELA SENTA NA CAMA E SE ESPREGUIÇA/ELA
COÇA A BOCA/ELA COÇA A CABEÇA TODA/A NUCA COMEÇA A INCOMODAR/UM CACHORRO ENTRA
EM SEU QUARTO/OUVE-SE UM ROSNADO
XII - INTERNA/DIA/BANHEIRO
SORAIA ENTRA NO BANHEIRO PRA ESCOVAR OS DENTES/ELA SENTE
ALGO DE LEVE NA BARRIGA/SENTE UM LEVE ENJÔO E RI SEM GRAÇA DA COINSCIDÊNCIA/PERCEBE
UM BURACO EM SEU PESCOÇO
XIII - INTERNA/DIA/COZINHA
DOUGLAS ESTÁ PREPARANDO O CAFÉ/BIA ENTRA NA COZINHA/ELA
SENTA EM SILÊNCIO
DOUGLAS
Bia, por que você não disse que o Adam estava
desaparecido?
LONGO SILÊNCIO/BIA COME SEM SE IMPORTAR
DOUGLAS
Bia, eu te fiz uma pergunta. Ligaram hoje. Querem falar
com você.
BIA
Coitada da Tereza.
SILÊNCIO
XIV - INTERNA/DIA/CORREDOR
DOUGLAS ESTÁ ARRUMANDO ALGUMAS COISAS E ANDA DE UM QUARTO
PARA OUTRO
DOUGLAS
Sô, você viu a chave do carro? Eu tinha certeza que tinha
deixado na cabeceira.
SILÊNCIO
DOUGLAS
Sô, onde você tá?
ELE PASSA PELO BANHEIRO E OUVE A ÁGUA DA TORNEIRA
DOUGLAS
Soraia, tá tudo bem? Sô? Sô, abra a porta!
ELE SE DESESPERA
DOUGLAS
Abra a porra da porta, Soraia!
ELA ABRE/SORAIA ESTÁ TERRIVELMENTE PÁLIDA E COM OS OLHOS
FUNDOS E VERMELHOS
SORAIA
Acho que não tô bem, Dô.
DOUGLAS
Meu deus do céu. O que é isso?
SORAIA
Acho que eu tô grávida.
ELA CAI NO CHÃO/ELE A SEGURA
DOUGLAS
Soraia! Pelo amor deu deus! Bia! Bia!
ELE SAI DO BANHEIRO, VAI ATÉ UMA JANELA E VÊ BIA SAINDO
COM O CARRO
DOUGLAS
Caralho! Bia! Caralho!
ELE VOLTA PARA O BANHEIRO E SORAIA ESTÁ MORTA COM OS OLHOS
ABERTOS
DOUGLAS
Ai, meu deus do céu!
XV - EXTERNA/DIA/CARRO
BIA ESTÁ CHORANDO/SEU NARIZ SANGRA/OUVE-SE O BATIDO DE
SEU CORAÇÃO/ELA ESTÁ DESESPERADA E COÇA A GENGIVA/O CORAÇÃO VAI PERDENDO FORÇA/DE
REPENTE O BATIDO PÁRA/ELA FREIA O CARRO E FICA IMÓVEL/SEUS OLHOS OBSERVAM AS
COISAS AO REDOR/POR LONGOS SEGUNDOS ELA APENAS OBSERVA/DE LONGE VEMOS O CARRO
PARADO/OUVE-SE UM GRITO HORRÍVEL
XVI - INTERNA/DIA/BANHEIRO
DOUGLAS ESTÁ SENTADO COM SORAIA EMS SEUS BRAÇOS/ELE
CHORA/ELE VÊ O BURACO NO PESCOÇO
XVII - EXTERNA/DIA/RUA
BIA ESTÁ CAMINHANDO APALPANDO O PEITO, TENTANDO SENTIR
SEU CORAÇÃO/ELA TENTA SENTIR O PULSO/UM MENINO PASSA DO SEU LADO COM UM
CARRINHO AMARRADO EM UMA CORDINHA/O MENINO LIMPA O NARIZ/ELE SE AFASTA E ELA
VIRA PARA OBSERVÁ-LO/ELA COÇA A GENGIVA NOVAMENTE/DECIDE IR POR ONDE FOI O
MENINO
XVIII - INTERNA/DIA/CASA
DE DOUGLAS
DOUGLAS SEGURA UM CAPACETE E ANDA APRESSADO/ELE SE ARRUMA
PARA SAIR/O TELEFONE TOCA
DOUGLAS
Alô? É... ela não pode falar agora. Sobre o que seria?
Exame? Exame de quê? Gravidez.
ELE DESLIGA/SORAIA ESTÁ ATRÁS DELE EM PÉ NO BATENTE DA
PORTA/ELE SE VIRA
DOUGLAS
Soraia! Puta que o pariu! Você tá bem?
SORAIA ABRE OS OLHOS/ELA VOMITA SANGUE
XIX - EXTERNA/DIA/UM
PARQUINHO
BIA SE APROXIMA DO MENINO/ELE AGORA BRINCA NA TERRA COM O
CARRINHO
BIA
Oi.
MENINO
Eu não posso falar com estranhos.
XX - INTERNA/DIA/CASA
DE DOUGLAS
SORAIA SE CONTORCE E GRITA NO CHÃO/OUVE-SE O BATIDO DO
SEU CORAÇÃO/DOUGLAS, DESESPERADO TENTA SEGURÁ-LA
DOUGLAS
Calma! Eu tô aqui, Sô! Eu tô aqui!
AOUS POUCOS ELA VAI SE ACALMANDO E O CORAÇÃO VAI
DESACELERANDO
DOUGLAS
Eu tô aqui.
O CORAÇÃO PÁRA/DOUGLAS A SEGURA COMO SE A FIZESSE DORMIR
DOUGLAS
Shiii. Vai ficar tudo bem.
POR UM TEMPO, SORAIA PERMANECE IMÓVEL COM OS OLHOS
ABERTOS/DE REPENTE, ELA FIXA OS OLHOS EM DOUGLAS E PULA SOBRE ELE/ELA O MORDE
NO PESCOÇO
XXI - EXTERNA/DIA/RUA
BIA APARECE CAMINHANDO PUXANDO O CARRINHO PELA CORDINHA E
COM A BOCA ENSANGUENTADA
CRÉDITOS FINAIS
Direção
Elenco
Produção
XXII - CENA PÓS
CRÉDITOS/INTERNA/NOITE/CASA DO MENINO
O MENINO ABRE A PORTA/ELE ESTÁ PÁLIDO E COM OS OLHOS
VERMELHOS
MÃE
Filho! Eu estava tão preocupada.
FIM
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