PRÓLOGO: Externa/Noite/Um beco
OS CRÉDITOS INICIAIS SÃO APRESENTADOS SOBRE UMA CENA DE UM
ESTUPRO. POUCO-SE VÊ REALMENTE O QUE ESTÁ ACONTECENDO. O HOMEM FORÇA
BRUTALMENTE A JOVEM A FICAR IMÓVEL. ELA APANHA, E ELE SOBE O SEU VESTIDO.
FINALMENTE, QUANDO O ESTUPRO É CONCUÍDO, A JOVEM DESISTE DE RESISTIR. O NOME DO FILME É MOSTRADO.
AQUÁRIO
A GRANDE VERDADE
CENA I: UM MENINO BRINCANDO NUM BALANÇO. ELE RESPIRA A
NATUREZA COM BASTANTE GOSTO. BRINCA DE OLHOS FECHADOS SENTINDO O VENTO NO
ROSTO. A CENA MESCLA COM UM BEBÊ SENDO BATIZADO. A ÁGUA CAI NA BASCIA E O BEBÊ
CHORA. AO MESMO TEMPO VEMOS UMA MULHER FAZENDO UMA ULTRASONOGRAFIA; ELA
DEMONSTRA UM DESPRAZER. A MESMA MULHER REGISTRA O BEBÊ; ELA SEGURA A MÃO DE UM
HOMEM COM FORÇA; O HOMEM RETRIBUI A ABRAÇANDO. O MENINO AINDA BRINCA EM UM
JARDIM. DENTRO DE UMA CASA VÊ-SE UMA DISCUSSÃO DA MULHER COM O HOMEM. O MENINO
AINDA BRINCA. A DISCUSSÃO VAI SE ACALMANDO. O MENINO ENTRA NA CASA.
MARRI
O nome dele era Gabriel,
Pedro. Contente?
PEDRO
Desculpe.
MARRI
Por que agora? Por
que justo agora, Pedro? Que besteira.
ELES PERCEBEM A
PRESENÇA DO MENINO, JOHN.
MARRI
Oi, John.
JOHN
O que foi?
MARRI
Nada, John.
SILÊNCIO. PEDRO SAI.
MARRI
John, seu pai já te
contou?
JOHN
O que?
MARRI
Ele não contou?
JOHN
O que, mãe?
MARRI
(grita) Pedro, você
não contou pra ele?
SILÊNCIO.
JOHN
Contou o que mãe?
MARRI
Filho, hoje de manhã
eu acordei e o Léo tinha morrido. Eu sinto muito.
O MENINO OLHA PARA O
LADO, ONDE POSSUI UM AQUÁRIO PEQUENO.
JOHN
Cadê ele?
MARRI
Ele morreu, meu amor.
JOHN
Mas cadê ele?
MARRI
A gente enterrou ele.
JOHN
Mas enterrou onde?
MARRI
John...
JOHN
Enterrou onde, mãe?
SILÊNCIO. A MÃE
RESPIRA FUNDO. JOHN CORRE PARA FORA DE CASA. ELE VASCULHA UMA LIXEIRA. ACHA UM
SAQUINHO DE PLÁSTICO. ANTES DE ABRIR, ELE CORRE ATÉ UM TANQUE E ENCHE O
SAQUINHO DE ÁGUA. ELE OBSERVA O SAQUINHO FECHADO POR ALGUNS SEGUNDOS. A MÃE
APARECE UM POUCO LONGE.
MARRI
John...
JOHN
Ele tá vivo, mãe.
MARRI
John, venha...
JOHN
Olha.
ELE ABRE O SAQUINHO E
O PEIXE ESTÁ VIVO. MARRI SE ESPANTA.
MARRI.
Mas... John... ele...
JOHN
Tá vivo.
MARRI
Tá. Mas eu... fui eu
quem...
SILÊNCIO.
MARRI
Ele deve ter se
fingido muito bem.
JOHN
Vou por ele de volta
no aquário.
O MENINO ENTRA EM
CASA. MARRI ESTÁ IMPRESSIONADA. REPETE-SE ALGUMAS CENAS DO ESTUPRO. UMA MÃO
ACARICIANDO UMA BARRIGA. UM BEBÊ SENDO BATIZADO. A ÁGUA SE TRANSFORMA EM OUTRA
CENA. UM JOVEM RAPAZ É AFOGADO DENTRO DE UMA BACIA POR DOIS HOMENS.
CENA II: MARRI ESTÁ COM UM POUCO MAIS DE IDADE. JOHN, JOVEM,
CHEGA DE VIAGEM COM UMA MOCHILA GRANDE. ELES SE ABRAÇAM NUM REENCONTRO DE
MESES. ELES SE OBSERVAM E MARRI O ADMIRA COM ORGULHO. JÁ DENTRO DE CASA ELES
TOMAM UM CAFÉ, CONVERSANDO ALEGRES. MARRI COLOCA UM PANO DE MESA BRANCO E
BADULA O FILHO. APARECE UMA FOTO DE PEDRO. MARRI E JOHN COMENTAM ALGO SOBRE A
SAUDADE. UMA MENINA BONITA ENTRA NA COZINHA CORRENDO. ELA VÊ JOHN E O ABRAÇA
CONTENTÍSSIMA. ELES RIEM. EM UM FLASH MOSTRA JOHN OLHANDO UMA PROSTITUTA PELA
JANELA DE UM ÔNIBUS. OUTRO JOVEM CHEGA À CASA DE JOHN DE BICICLETA. ELES SE
ABRAÇAM. EM OUTRO FLASH JOHN ESTÁ CAMINHANDO PELA CIDADE QUANDO UMA MULHER À
FRENTE É ASSALTADA PELO RAPAZ DA BICICLETA. O RAPAZ CORRE E ENCARA JOHN POR
ALGUNS SEGUNDOS ANTES DE FUGIR. MOSTRA-SE O REENCONTRO DE TRÊS AMIGOS. JOHN,
MARIANA E LUCAS. ELES ABREM UM VINHO. PERCEBE-SE QUE MARRI E OS AMIGOS,
OBSERVAM JOHN COM MUITO ENTUSIASMO.
A CENA CONTINUA PELA
METADE DA CONVERSA. LUCAS ESTÁ SE SERVINDO DO VINHO E DEIXA CAIR UM PINGO EM
SUA CAMISETA. ELE NÃO PERCEBE.
JOHN
... e foi mais de um
mês nisso.
MARIANA
John, você é louco.
JOHN
Necessário. É
diferente.
LUCAS
Lou-co! Sem comer!
Maior viagem.
JOHN
Tá bom. Talvez um
pouco louco mesmo.
MARRI
Um pouco não.
ELES RIEM.
JOHN
A coisa toda é muito louca.
TODOS FICAM EM
SILÊNCIO. O ASSUNTO ACABOU.
MARRI
Bom, quem diria que
eu teria um filho tão lindo e tão gostoso e tão importante, não é?
MARRI VAI APERTAR O
FILHO E ESBARRA EM UM COPO DE VINHO QUE ESTAVA NA MESA. ANTES DE O COPO CAIR,
JOHN COLOCA A MÃO SOBRE A MESA. MAIS UMA VEZ APARECE UM JOVEM SENDO AFOGADO
NUMA BACIA POR DOIS HOMENS; AGORA VÊ-SE QUE O JOVEM É JOHN. O COPO CAI SOBRE O
PANO. O VINHO DO COPO NÃO MANCHA O PANO BRANCO. O LÍQUIDO É ÁGUA. UNS SEGUNDOS DE
TENSÃO ENTRE OS PRESENTES. MARIANA COLOCA A MÃO NA BOCA DE EMOÇÃO. MARRI ESTÁ
EXTASIADA. LUCAS RI. LONGO SILÊNCIO.
LUCAS
Caralho, cara. Que
maluquice.
A CASA É VISTA DE
FORA.
BLACK-OUT.
CENA III: CENAS SE INTERCALANDO. APRESENTA-SE UM JOHN
REVOLUCIONÁRIO. JOHN ESTÁ FAZENDO MANIFESTAÇÕES, ALGUMAS ARTÍSTICAS, COM
CARTAZES APOIANDO ASSUNTOS HUMANISTAS. JOHN DISTRIBUI ALIMENTOS E PRESENTES
PARA CRIANÇAS. EM UMA RODA DE PESSOAS, UM VIOLÃO E UMA FOGUEIRA, JOHN SEMPRE
AVANTE. JOHN APANHA DE ALGUÉM. CURTE A NATUREZA. SEMPRE COM A MOCHILA. JOHN
CONSOLA PESSOAS. CONVERSA COM AS PESSOAS. SENTA COM O MENDIGO. TEM AMIZADE COM
TRAVESTIS. FUMA. LEMBRA-SE DO JOHN MENINO BRINCANDO NO BALANÇO. FINALIZA-SE COM
UMA GALERA CONVERSANDO EM UMA SALA COMUM. TODOS SÃO QUASE “HIPPIES”. ELES COMEM
UMA PIZZA.
MENINA
... tipo, sei lá,
todo mundo fala que não tem problema com isso, sabe. Mas eu duvido que alguém
deseje um filho assim. Sei lá.
JOHN
Moça, talvez esse
pensamento...
MENINA
Cara, não me leve a
mal. Mas eu tô dizendo lá no fundo, manja? Tipo, legal, todo mundo aqui
respeita e tem compaixão por um... deficiente físico, certo? Ou sei lá, por um
síndrome de Down, não é? Mas ninguém ficaria contente na hora, digo na hora, se
descobrisse um filho assim.
JOHN
Calma. Você tá comparando
essas coisas com...?
MENINA
Cara, não me venha
com essas demagogias, por favor. Eu conheço você. Lá no fundo a gente sente o
que é certo e o que é errado, ou o que é duvidoso. Eu já disse, eu não tenho
preconceito. Tenho um monte de amigos que é. Mas duvido que alguém aqui quer
que seu filho seja também.
A INTERRUPÇÃO
CONSTRANGE TODOS. ELES SE MECHEM DESCONFORTÁVEIS. PAIRA-SE UM BREVE SILÊNCIO.
JOHN
Menina, eu espero que
você alcance calma. Seu medo da diferença pode passar. Mas as marcas do que você
fala a alguém pode ficar pra sempre. Essa comparação não é válida.
MENINA
John, é seu nome,
certo?
JOHN
Sim.
OS OUTROS SEGURAM O
RISO. A MENINA DEMONSTRA CERTO NERVOSISMO, MAS SEGUE EM FRENTE COM A
DISCUSSÃO.
MENINA
John, perdoe-me
dizer. Mas a luta não vai acabar nunca. É tão desnecessária como todas as
outras. No fim das contas, vai dar em quê?
JOHN
Eu também não sei.
Vai que a vida na verdade é um sonho seu. Que as minhas falas estão sendo
criadas por você. A coisa toda é uma maluquice. Por isso que penso que as
pessoas estão perdendo tempo com besteiras. Com conceitos. Com relíquias que de
nada vai servir. Quando digo relíquias falo do que se pensa do passado. Do que
se está vivendo no presente. E do que faremos daqui dez segundos. Tenho medo de
que meu filho acorde ao lado de pessoas com medo. Com medo de aceitar que a
gente não sabe de nada.
MENINA
Filho?
JOHN
Sim. Um dia quem
sabe. E ele pode ser o que ele quiser ou o que vier.
MENINA
Ouvi falar por aí que
você é virgem. É verdade?
TODOS RIEM
JOHN
Ouviu falar?
MENINA
Ouvi. Te pregam
santo.
JOHN
Em qual conceito de
santidade? Estamos em quantos aqui hoje?
MARIANA
Onze.
JOHN
Eu já dormi com dez
pessoas aqui dessa sala.
LUCAS CHEGA DO
BANHEIRO.
MARIANA
Doze.
JOHN
Onze, então. Só
faltaria você, no caso.
A MENINA ESTÁ
DESCONCERTADA COM A DIRETA; UM POUCO ENVERGONHADA.
JOHN
Menina, eu vim ao
mundo pra dar testemunho da verdade. E sabe qual é a verdade? Ela não existe.
Invente uma e esta será. E não digo somente de um conceito. Digo do físico
mesmo. Do palpável. O que quisermos que o mundo se torne, ele se tornará. Eu
quero um mundo onde todos se amem por igual. E você?
FIM DA CENA. JOHN
APARECE TRANSANDO COM A MENINA.
BLACK-OUT.
CENA FINAL: JOHN É ESPANCADO EM UMA CADEIRA AO CENTRO DE UMA
SALA ESCURA. AO MESMO TEMPO, O ESTUPRO SE REPETE. JOHN APARECE CONVERSANDO COM
MARIANA AINDA COMO PROSTITUTA. LUCAS APARECE RECEBENDO DINHEIRO DE UM HOMEM.
LUCAS ARREBENTA A CORDA DO BALANÇO E SE ENFORCA. MARRI APARECE CHORANDO EM SEU
QUARTO. NOVAMENTE MOSTRA-SE O BATISMO DE JOHN BEBÊ. DOIS HOMENS AFOGAM JOHN EM
UMA BACIA. OUTRO HOMEM, AO LADO, LÊ UM LIVRO E FALA ALGUMAS PALAVRAS. APARECE
JOHN FALANDO EM UMA RODA DE PESSOAS. MAIS UMA VEZ É AFOGADO. JOHN ABRAÇA UMA
CRIANÇA QUE FOI ATROPELADA, E ELA ACORDA BEM. JOHN ABRE OS OLHOS DE UMA PESSOA.
E FINALMENTE, É INTERROGADO PELA ÚLTIMA VEZ.
HOMEM 1
Rapaz, a sua batata
tá ardendo. É muito problema nas suas costas!
HOMEM 2
Você não dizia por aí
que podia fazer qualquer coisa? Cadê?
HOMEM 3
O capeta não tem
ordem nesse mundo!
HOMEM 2
Cadê?
HOMEM 1
Fuja, rapaz! Quero
ver.
HOMEM 3
Fuja! Vai! O capeta
não foge das mãos do senhor!
HOMEM 2
Fuja! Prove, deus!
HOMEM 1
Prove!
HOMEM 3
Nos prove, Satanás!
NUM ESTALO, JOHN
DESAPARECE DAS MÃOS DOS HOMENS.
BLACK-OUT
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário