PIGMAN - O GOZO NÃO QUERIDO

PIGMAN – O GOZO NÃO QUERIDO

Personagens
Pigman
Angel
Vaca

CENA I

(imagens em um telão mostram calcinhas filmadas por terceiros; Pigman está sentado ao centro; ele possui corpo de homem e rosto de porco; seus pés são feitos de espelhos; Vaca entra com roupas sensuais e faz alguma dança de acasalamento com Pigman; ela beija a boca do porco e se esfrega na cara dele, que não se mexe)

PIGMAN
Toda mulher devia receber uma boa surra de rola pra sossegar o facho.

VACA
É o que a gente sempre quis, o que a gente sempre quer. Tomar leite, esbofeteadas, dor, pênis ensebado, virilhas molhadas sem lavar a seis dias, um azedinho do suor masculino na língua, dor... Tudo o que eu sempre quis e desejei desde quando eu era apenas um feto é a humilhação natural feminina; porque esse é o carma por ter nascido com quinze, dezesseis centímetros a menos de músculo. Estar por baixo, ganhar puxões de cabelo. Estar por baixo mesmo quando por cima. Ser tratada como uma escrava sexual é o que eu mereço e o único jeito que me dá tesão. Ser virada, esperar o gozo dele, acreditar nas palavras românticas de um pinto esfomeado. E fazer tudo isso mesmo quando eu não quiser. Porque essa é a função da vagina. O buraco útil. Assim como a cabra é diversão pro jovem macho do campo. Ser inflada e ficar com a boca assim. (ela faz boca de chupar pau) Eternamente plastificada, sem movimentos, sem opções, sem peitos e respeitos. Ainda mais no país da bunda! É o destino, eu tenho que aceitar. Eles ainda ganham mais, a força do braço ainda é maior, a opinião deles tem muito mais fundamento que a minha, a assinatura final sempre é da pata de um pau. Porque foi deus que decidiu que ia ser assim. Deus é homem. Os grandes homens foram homens. Maria Madalena era a vaca e só. (imita o porco) “Você devia gostar. Você devia me agradecer. Aposto que quer mais. Não é assim que é pra ser? Eu por cima, você por baixo? Eu gozo, você trabalha. Eu trabalho, você cozinha. Seu cuzinho pra continuarmos o relacionamento sério, se não, meu instinto masculino será mais forte e eu terei que procurar por isso fora de casa. Entenda. Entenda, my darling. Não é algo que eu possa controlar. O pau é como um ponteiro. A cabeça pensa sozinha, não é culpa do porco, my darling, entenda. Você apenas deita e eu te furo. Foi assim que era pra ser. Pra você agradecer a minha costela.” (pausa; ela se vira para Pigman e grita raivosa) Enfie a sua costela no cu!

PIGMAN
Se abaixe.

(sem querer, ela se abaixa sozinha; um estupro sem violência acontece)

VACA
Por favor! Por favor! Não faça isso! Pelo amor de deus! Eu te imploro! Eu tenho família!

PIGMAN
É a natureza, my darling. Eu tenho orgasmos de trinta minutos.

(black-out; um grito)


CENA II

(Pigman está sentado ao centro enquanto imagens de calcinhas continuam passando em vídeo; a Vaca está caída ensanguentada; ela canta com mugidos)

VACA
Eu estava pedindo. Fui eu quem pedi.

PIGMAN
Pediu, levou. Não engravide porque eu não vou me casar com ninguém.

VACA
Podia ter pagado um drink primeiro. Um vinho. Teria sido menos dolorido e fedorento.

PIGMAN
Vaca não serve pra cavalheirismo.

VACA
Porcos não servem pra serem chupados.

(silêncio; Pigman sem muitos movimentos chuta as costas da Vaca)

PIGMAN
Servem para colocar ordem no mundo.

VACA
E fazer bacon. E só. Essa comparação é triste. Pobres dos porquinhos.

(silêncio)

VACA
Você sente esse cheiro?

PIGMAN
De excitação?

VACA
De menstruação. De uma terceira!

(ouve-se um cântico religioso em off)

VACA
(desabafa) Eu não estava pedindo por nada. Minha sensualidade também foi natural. Eu apenas dancei a dança que todas fazem; por diversão, pra me parecer com aquelas da televisão. Nós também temos algum tipo de poder. Falta só um pouco de força muscular, mas também temos nossa importância. Eu não estava pedindo por nada. Eu nem estava afim. Eu precisava de um banho antes. Mas você quis e eu nada podia fazer. Eu nem estava pedindo. Eu não estava pedindo por nada. Mas você quis...

(Angel entra com roupas “decentes”, num estilo quase “beata”; ela dança sem muita sensualidade; ela para quando vê a Vaca caída)

ANGEL
(gargalha) Você está sangrando! Eu não acredito! Você não tem vergonha, vaca? (ela vê o porco e entende o que houve) Oh, meu deus. (silêncio; de repente ela gargalha de novo) Foi aquilo, é? Poxa, mas também, né? Olha pro seu decote, garota. Pra essa bunda. Se eu tivesse pinto eu também nem sei o que eu faria. É a mesma coisa quando vemos um cara sem camisa, entende? Sabe aquele fogo? Imagina aquele fogo externizado com quinze, dezesseis centímetros de músculo. Entende? Eu consigo entender a natureza de deus, essa é a nossa diferença. (pausa) Tá doendo? Tomara que você não engravide, né? E tomara que ele não tenha nenhuma doença.

VACA
Foram trinta minutos de orgasmo.

ANGEL
Nossa. Ele é macho mesmo, né? Dá até pra casar com esse tipo.

VACA
Eu não estava pedindo. Eu nem estava querendo.

ANGEL
Mas quando ele quer, vaca, tem que ser. Você sabe. Pediu, levou.

PIGMAN
Pediu, levou.

ANGEL
Olha pra mim. Tô com cara de que a sensualidade está em primeiro lugar? Tô com cara de que mereço uma surra de pau? Não. Quando deus está com a gente esse tipo de coisa não acontece, garota. Sexo tem cheiro. Quem quer, leva.

PIGMAN
Quem quer, leva.

ANGEL
Eu até que tenho um pouco de pena de você, sabia? Mas o que a gente pode fazer? Algumas precisam aprender pra daqui alguns anos a decência voltar. Faz parte da nossa evolução essa violência contra seu corpo, vaca. Sempre foi assim. Até que um dia a mulher saiba usar do seu poder e seremos nós quem os forçaremos a nos comer.

VACA
Você é mais vaca que eu.

ANGEL
(ri) Sim, querida. Lógico. É só nos colocar numa balança e veremos qual hormônio pesa mais. Até eu consigo sentir o seu cheiro de vontade de levar na bunda.

VACA
Mas se eu tô dizendo que eu não queria, quer dizer que eu não queria.

ANGEL
Querer não é a mesma coisa que merecer. Quando a gente nasce merecendo, é deus quem nos ensina. E às vezes ele nos ensina com provações e linhas tortas, não é assim? Eu acho que você devia agradecer ao Pigman pela lição.

(silêncio)

ANGEL
Agradeça, mal agradecida. Ele te deu o pinto que você tanto queria.

VACA
Mas tinha um sebo. Era azedo. Doeu pra caralho! Eu não queria! (ela chora) Eu cheguei a vomitar de nojo. Você já viu o pinto de um porco? É igual parafuso! Enroladinho.

ANGEL
(superior) Ai, meu deus. Tadinha, né? É assim que é, garota. É esse parafusinho quem domina o mundo. Não tem o que fazer, se não se dá o respeito. Pediu, levou.

PIGMAN
Pediu, levou.

VACA
Mas a gente já nasceu com isso! Olha pra eles! (ela mostra os peitos) Os respeitos já estão aqui desde sempre. Como eu ia imaginar que a culpa seriam deles?

ANGEL
Pra que rebolar?

VACA
Por que não? Eu rebolo pra mim mesma!

ANGEL
Errado! Você rebola e se veste pro macho, querida. Sempre foi assim. Você realmente acha que nós nos vestimos pras outras? Talvez pra mostrar qual fêmea manda mais, mas manda mais porque pode ter a maioria dos pintos da comunidade. Entende? A culpa é sua sim, querida. Porque você tava querendo mostrar que é a fêmea mais fértil.

(silêncio)

VACA
Como é que você pode dizer isso? Eu estou sofrendo. Talvez eu tenha um filho de porco, com fendas nas patas.

ANGEL
Vamos. Se limpe. Tome. (ela entrega um lencinho)

VACA
Eu só queria voltar pra casa. Tava calor e eu ganhei essa roupa de uma tia. Ela também é bastante religiosa e não gosta de besteiras. Eu pensei... eu pensei que não tivesse problemas.

ANGEL
Mas tem. Se você não é esperta nesse mundo, você merece ser dominada por eles.

VACA
Isso é um absurdo. O corpo é meu.

(Angel limpa Vaca com um pouco de violência)

ANGEL
Não é assim na prática. O seu corpo é seu, é dele, é meu, é do governador, do policial que vai te revistar, da TV, da presidente Dilma, dos impostos que você paga, da calçada, dos cheiros de mijo dessa cidade... Seu corpo está aqui, então pertence ao tudo.

VACA
E o seu?

ANGEL
Eu imponho respeito.

VACA
Que você supostamente já nasceu com eles, certo?

ANGEL
Certo. E eles estão bem escondidos.

VACA
E eu tenho que esconder os meus respeitos?

ANGEL
Sem dúvida.

VACA
Mas nascemos tão livres. Tão sem roupa. Aqui faz tanto calor. Eles podem mostrar os mamilos só porque eles não alimentam?

(silêncio; Angel termina de ajudar Vaca)

ANGEL
Garota, volte pra casa e torça pra não engravidar. Se não você terá que se casar com ele, lembre-se disso.

VACA
Mas eu não quero! Eu crio sozinha, se for o caso!

ANGEL
Uma criança sem a figura masculina pode dar merda. E se ele vira viado?

(silêncio)

VACA
(indignada) Você tá de brincadeira?

ANGEL
Garota, escute o que eu tô dizendo. O que aconteceu com você nunca aconteceu comigo simplesmente porque eu sou esperta. Eu não me entreguei ao luxo na sensualidade e por isso eles sentem o cheiro que eu não mereço passar por isso. Agora você estava andando na rua e pedindo por rola. Seu discurso não era esse? Não é rola que você procura quando você se arruma e se perfuma?

VACA
Pode até ser que seja. Mas só as rolas que eu quiser e escolher.

ANGEL
E eles não tem o direito de escolher também?

VACA
Mas deve ser uma escolha recíproca! Como é que você pode ficar do lado dele, meu deus? Você é maluca?

ANGEL
Só assim pra vivermos em paz, minha querida. E não me chame de maluca. Só eu posso dizer porque tem funcionado o meu jeito. Quando eu passo numa construção e os caras gritam “gostosa!” eu me viro e sorrio. E aí eles param. Eles só abusam das que se importam. Nós nascemos pra isso, garota. Pra ser deles.

VACA
Não! Eu nasci pra ser minha! Você é mais que louca!

(Angel esbofeteia Vaca)

ANGEL
Você pediu.

PIGMAN
Pediu, levou.

ANGEL
Vamos embora. Amanhã tente se vestir mais decentemente.

(elas saem; Pigman dorme roncando; black-out)


CENA III

(Pigman está sentado sozinho; música “Trepadeira” do Emicida; Vaca e Angel dançam ao lado dele, no estilo “ostentação”)

PIGMAN
“Margarida era rosa, bela, cheirosa e grampola
Tipo casa das camélia, gostosa!
Bromélia, toda prosa, a me enlouquecer
Bela, tipo um ipê, frondosa
É um lírio, causa delírios, mire-a
Vicio é vigiar, chique como orquídeas
Cabelos como samambaia e xaxim flor
Perto dela as outras são capim, pô
Girassol, violeta, beleza violenta
Passou aqui como se o mundo gritasse
Arrasa bi!
Flor de laranjeira ou primavera inteira
São flores e mais flores, todas as cores da feira, irmão
(Ô, essa nega é trepadeira, hein)
Minha tulipa, a fama dela na favela enquanto eu dava uma ripa
Tru, azeda o caruru
E os mano me falava que essa mina dava mais do que chuchu
(Eita nóis, aí é problema, hein, cê é louco)

Você era o cravo e ela era a rosa
E cá entre nós gatinha, quem não fica bravo
Dando sol e água, e vendo brotar erva daninha
Chamei de banquete, era fim de feira
Estendi tapete, mas ela é rueira
Dei todo amor, tratei como flor
Mas no fim era uma trepadeira

Mamãe olhou e me disse
Isso aí é igual trevo de três folhas
Quer comer, come, mas não dá sorte
Vai, brinca com a sorte

Bem me quer, mal me quer
Ó, nosso amor perfeito amargou
Tipo um jiló, Maria sem vergonha
Eu burro, chamei de trevo de quatro folhas
E o love enraizou, fundo
Mas você não dá, ou melhor, dá, mas pra todo mundo!
Eu quis te ver no jasmim, firmeza, no altar
Preza, "branquin", olha, magnólia, beleza
Vitória régia, Brincos de princesa
Azaleia pura, Madre Tereza
Mas não, cê me quis salgueiro chorão
Costela de Adão, raspou os cabelo de Sansão
E tu vem, meu coração parte e grita assim
Arrasa bi...scate!
Merece era uma surra de espada de São Jorge
Um chá de Comigo Ninguém Pode

É, eu vou botar teu nome na macumba viu?! Se segura!

Você era o cravo e ela era a rosa
E cá entre nós gatinha, quem não fica bravo
Dando sol e água, e vendo brotar erva daninha
Chamei de banquete era fim de feira
Estendi tapete, mas ela é rueira
Dei todo amor, tratei como flor
Mas no fim era uma trepadeira

Tá vendo aí parceiro?!
Fui dar assunto aí, virou bagunça
Me esculachou, haha, ô sorte (Que sorte, hein)
Também agora sai fora, xô xô (Vai embora pode descer a ladeira. Vai, sai, sai andando, não merecia nem esse rap, gastando tinta com isso aí, tá louco!)
Mas que era bom, era (Verdade)”

(as garotas saem)

PIGMAN
Inocente. Minha mãe já dizia: se divirta com as trepadeiras, mas não as traga pra casamento. Mulher decente pra ser mãe, biscate merece uma surra de espada de São Jorge.

(black-out)


CENA IV

(no vídeo, bundas de programa de televisão; Vaca e Angel entram vestidas “decentemente”)

VACA
(didática) Pode parecer anacrônico, irreal, pode soar tão estanho quanto um canibal vegetariano ou um torcedor do Flamengo alfabetizado. Parece, mas não é. Mas, como uma mulher pode ser machista? Simples, quando ela diz:

ANGEL
“A Jenyfer – você conhece a Jenyfer? – é uma vagabunda, a Jenyfer. Ela fala abertamente sobre sexo, você acredita?  Eu trabalhei com ela e ela só falava sobre aquilo. Pinto aqui, pinto ali. Tudo era pinto! E depois queria ser respeitada pelos caras ainda. Você acredita?” (pausa) Ou:

VACA
“Você conhece a Andressa? Ela tem dois parceiros sexuais por semana! Três, às vezes. Você acredita? Depois que nenhum homem quiser casar com ela, ela vai ficar reclamando que são um bando de machistas. Mas quem é que vai levar uma mulher rodada à sério? Quem?”

ANGEL E VACA
“Depois que é estuprada, a culpa é do homem.”

VACA
Por que isso acontece? Bom, dentro da minha detalhadíssima pesquisa científica de uma hora de observação no Twitter, percebi que esta atitude é típica de dois tipos de mulheres: as que costumavam ser de um jeito e hoje criticam aquele comportamento, e as que gostariam de ser daquele jeito, mas não tem coragem.

ANGEL
Então, como elas não conseguem repetir aquele comportamento por algum motivo, elas o criticam. É a velha história do sujeito feio que diz que não liga para beleza nas mulheres, ou dos evangélicos que dizem que tudo o que eles decidem não poder fazer é abominado por deus. Aí, se você parar pra pensar, as mulheres machistas repetem um comportamento errado dos homens – o de serem machistas – e vivem a partir disso.

VACA
Se não houvesse o julgamento da sociedade, elas não agiriam assim.

ANGEL
Logo, o que podemos concluir com isso, amigos? Que, na maioria dos casos, as mulheres machistas querem somente uma coisa: serem aceitas em seu comportamento, e serem vistas como “modelos” de mulher aos olhos dos homens. Mas é claro!

VACA
O grande problema é que enquanto elas estão em casa, sendo mulheres boazinhas como manda a moral e os bons costumes, elas correm o sério risco de o marido ou namorado estar se engalfinhando com alguma daquelas mulheres que elas criticam. É a velha história: jogar tinta marrom no gramado do vizinho não vai fazer o seu gramado ser mais verde.

ANGEL
Eu sou do tipo que queria ter coragem de ser biscate.

VACA
Eu sou do tipo que foi do tipo que dava igual chuchu.

ANGEL E VACA
E agora somos defensoras dos porcos. Por que quem é que consegue viver sem a escrotice masculina? Quem?

(silêncio)

VACA
Ainda bem que você abriu os meus olhos para a realidade, viu. Você é um anjo.

ANGEL
Eu te disse. Alguém voltou a te desrespeitar?

VACA
Não. Depois que eu escondi os meus peitos, ganhei respeito.

ANGEL
Pois bem. No fim das contas, o único jeito de não ser mais uma vítima de estupro é se esconder.

VACA
Tomara que demore pro calor voltar, né?

ANGEL
Nem diga.

(silêncio)

VACA
Onde está o Pigman?

ANGEL
Por que quer saber? Sentindo saudade?

VACA
Curiosa.

ANGEL
Talvez esteja fazendo seu trabalho de macho por aí.

VACA
Num transporte público, talvez?

ANGEL

Talvez. Ou defendendo o Bolsonaro no Facebook. Ele sim é um exemplo do macho Adão criado pelo nosso senhor.

VACA
Tem razão. (pausa) Ai, eu me sinto tão mais segura assim, com o corpo coberto. Minha bunda só será vista de novo pelo meu marido, que eu ainda nem conheço.

ANGEL
Você está certíssima. Só depois de um trauma como o que você teve é que dá pra entender, não é?

VACA
Você também já teve aquele problema?

ANGEL
Eu não. Por sorte eu sempre fui de ler a bíblia.

VACA
Hum.

(silêncio)

VACA
O estuprador deve se casar com a estuprada, não é?

ANGEL
Ao meu ver, e ao ver de deus, devia sim. Mas as mulheres de hoje em dia são todas vacas.

VACA
É verdade. Esse já foi um elogio pra mim, antigamente. Deus nos livre.

ANGEL
Deus nos livre.

VACA
Ah! Soube que vai acontecer a marcha pra deus e pela moral e boa decência?

ANGEL
Soube sim. Acho que eu vou. Lá talvez possamos usar camiseta regata porque os homens de deus são diferentes dos homens do mundo.

VACA
Sério? Pensei que todos pensassem com a cabeça de baixo.

ANGEL
Alguns são diferentes.

VACA
Ouvi dizer que os gays também são diferentes.

ANGEL
Diferentes do direito, né? Isso é coisa do capeta, minha querida. Se isso for liberado em breve seremos obrigados a aceitar. Um absurdo. Imagine seu filho virando viado de propósito!

VACA
É verdade. (pausa) Ai, ai. Ele tava certo no fim das contas.

ANGEL
Quem?

VACA
O Pigman. O que eu precisava era de uma boa surra de rola pra sossegar o facho. Voltei pra Jesus pela dor e humilhação.

ANGEL
É verdade.

VACA
É verdade. Pela moral.

ANGEL
Pela moral.

(silêncio; a luz cai em resistência; black-out)


CENA V

(Pigman arrasta as garotas pelos cabelos; elas estão calmas e conformadas)

PIGMAN
Quem quer viver com uma mulher rodada? Mulher é igualzinha cozinha de restaurante: se você conhecer, você não come.

VACA E ANGEL
Quem ama bate, quem apanha gama.

PIGMAN
Feminista até o tesão esquentar a buceta.

VACA E ANGEL
Se o gay tivesse cólica por um dia, voltaria a ser homem rapidinho.

PIGMAN
Por que a mulher tem o pé menor que o homem?

VACA E ANGEL
Pra ficar mais perto do tanque.

(eles riem forçadamente por um longo tempo)

ANGEL
Eu adoro essas piadas.

VACA
Eu comecei a gostar. Deus é bom.

ANGEL
Deus é ótimo. Ele fez tudo direitinho. A mulher por baixo e o homem por cima. O resto é sodomia abominada.

PIGMAN
Quem vai hoje?

VACA
Eu não mereço mais.

ANGEL
Eu nunca mereci.

(Pigman coloca seu pinto parafuso pra fora e se masturba demoradamente; por alguns minutos a cena é essa: a masturbação do porco; elas ficam em silêncio um pouco constrangidas; ele finalmente goza muito em cima delas; encharcadas, elas não reagem)

PIGMAN
Hum. Isso foi ótimo pra mim. (pausa) É o que importa.

(Pigman sai; as garotas ficam quietas por um tempo, cobertas do gozo)

VACA
Eu tô com um pouco de calor.

ANGEL
Chiu. Aceite.

(silêncio; black-out)


CENA VI

(Pigman está ao centro; Angel entra curiosa; ela quer falar alguma coisa para ele, mas não consegue; num surto, ela tira a blusa e se refresca)

ANGEL
Eu até que adoraria ser biscate por um dia! Eu sinto o cheiro do macho e eu queria um macho dentro de mim! A decência diz que eu não devia. Que eu devia ser decente e menina. Que eu devia ser uma princesa da Disney e nunca dizer que eu gosto de sexo. Cantar uma música e esperar o porco virar príncipe é o máximo de expectativa. Mas eu não me aguento. Eu queria ser uma vaca por um dia e falar putarias. Mas não com você. Não com você, porque você é nojento. Eu queria ser uma vaca com um cara que eu escolher. Mas a gente não pode fazer isso, se não porcos se acharão no direito de esfregar o parafuso em mim. Masturbação? Imagina, mulher não pode. Ter mais de um homem? Imagina, só os machos podem participar de sodomias! (pausa) Vai tomar no cu, Cinderela! Vai tomar bem no meio do seu cu!

PIGMAN
Se abaixe.

(sem querer, ela se abaixa sozinha; outro estupro sem violência acontece)

ANGEL
Por favor! Por favor! Não faça isso! Pelo amor de deus! Eu te imploro! Eu tenho família!

PIGMAN
É a natureza, my darling. Eu tenho orgasmos de trinta minutos. Você me excitou com sua crise existencial.

(black-out; ouve-se um grito)


CENA VII

(Vaca entra correndo; Angel está caída sozinha, ensanguentada)

VACA
Você não vai acreditar! Um filho da puta com a bíblia na mão gozou na minha perna no metrô. Você acredita? Eu estava com aquele meu vestido que vai até aqui! E ainda assim ele fez isso. (ela vê Angel) Oh, meu deus! O que aconteceu com você?

ANGEL
Fui estuprada.

VACA
O que?

ANGEL
Pigman não resistiu a minha crise existencial.

VACA
Meu deus do céu! Você pediu?

ANGEL
Não! Eu só estava com tesão. Eu não queria que fosse ele o sortudo. Eu era virgem.

VACA
Meu deus!

ANGEL
Ele me forçou. Seu pinto é azedo. Com sebo na virilha.

VACA
Não me lembre! Tadinha. Eu me lembro que você me ajudou a ver deus quando aconteceu comigo.

ANGEL
Deus?

VACA
Sim. Fique tranquila. Só torça pra não engravidar.

ANGEL
Eu aborto. Não quero ter um porco dentro de mim.

VACA
Mas é contra as leis de deus e da decência familiar!

ANGEL
Quero mais é que se foda. Esse trauma abriu meus olhos.

(silêncio)

VACA
Calma. Você o que?

ANGEL
Isso não está certo. O cara gozou na sua perna mesmo você estando vestida decentemente. Talvez os imorais sejam eles, não?

VACA
Você tá louca? É sempre culpa nossa, menina! Eles não tem culpa de não resistirem a nós. É o instinto de procriação! A nossa sensualidade é irresistível pra eles então temos que nos dar o respeito!

ANGEL
Besteira! Se eles não resistem, os fracos são eles e não nós! Eles são os putos! Eles são as vacas! Por que diabos ser galinha é ruim se você for mulher, mas se você é um galinha macho isso é super bacana e “vamos bater palmas pra ele”? Por que?

VACA
Eu também, não sei. Eu voltei pra Jesus pela dor e pela...

ANGEL
Besteira! Acho que você estava certa. Eu estava louca. Eu não pedi por isso. Eu senti um pequeno calor e quis tirar a minha blusa. Só isso. Não pedi pra enfiarem nada em mim! O corpo é meu. Eu quero enfiar algo em mim só quando eu quiser. Não quando alguém decidir que eu mereço. Ninguém merece. Eu não mereço e você não merece ficar coberta porque a porra do caralho não consegue se segurar! Quer dizer que se não houvesse vítimas não existiria violência?

(silêncio)

ANGEL
Eu acho que somos machistas, colega. E só é culpa nossa por todo nosso discurso.

(Pigman entra calmamente)

ANGEL
Aí está o filho da puta.

PIGMAN
Cale a boca.

(silêncio; ele se senta em seu trono)

ANGEL
Você não pode falar assim com a gente. Você...

(Pigman gruda Angel pelo pescoço)

ANGEL
Ah...

PIGMAN
Já ouviu falar sobre músculos?

VACA
Larga ela! Larga ela!

PIGMAN
Desculpem por meu pau ser mais forte.

(Vaca aperta o pinto de Pigman que cai gritando desesperado)

PIGMAN
Biscate, vaca, lazarenta!

VACA
Não tô vendo tanta força nessa porra.

PIGMAN
Larga, caralho! Me solta!

(Angel tira a máscara de porco e ele é um homem assustado)

ANGEL
Hum. Então é assim que um porco é na vida real.

(Pigman cospe nela)

VACA
Para de se mexer se não eu arranco ele fora!

ANGEL
Você agora me parece pedir por uma tensão sexual, não é?

PIGMAN
Vai se fuder!

(Angel gruda Pigman pelo cabelo)

VACA
Você curte uma boa putaria? Seu pau resistiria em ver duas mulheres nuas?

(silêncio)

PIGMAN
O que é que tá acontecendo? Vocês duas são loucas, é isso?

ANGEL
Queremos um ménage.

VACA
Sabe o que é um ménage?

PIGMAN
É sério?

VACA
Super sério.

PIGMAN
Então podem me soltar. Se é isso que vocês querem é lógico que eu posso dar.

ANGEL
(ri) Pode dar, é?

PIGMAN
Que homem negaria transar com duas mulheres ao mesmo tempo?

VACA
Pensei que você fosse do tipo que gostasse das coisas à força.

PIGMAN
É uma fraqueza que eu estou trabalhando.

ANGEL
Ah, é? Então você reconhece a fraqueza?

(Vaca aperta o pau dele novamente)

PIGMAN
Ai, caralho! Para de apertar! Se quiser chupar, chupa! Mas não aperta!

(Angel cospe na boca dele; Pigman, com muita raiva, tenta se soltar das garotas, mas elas conseguem o segurar; a luta dos três deve ser demorada até finalmente elas conseguirem dominar a situação)

VACA
Fica quietinho se não eu vou arrancar seu saco com o dente!

PIGMAN
Aposto que se eu fosse um gostosão vocês não iriam reclamar de um estupro!

ANGEL
Cale essa boca! Para de ser ignorante que o discurso todo já acabou.

VACA
Agora é só a hora da vingança.

ANGEL
Sexo a três. Porque hoje eu não tô conseguindo resistir.

VACA
Você está com uma bundinha irresistível.

ANGEL
E aposto que você vai gostar.

VACA
Hoje você está merecendo.

(elas surgem com dois objetos fálicos; Pigman tenta correr, mas elas abaixam sua calça)

PIGMAN
Não, não! Por favor! Eu tenho família!

(black-out; ouve-se um grito)

VACA E ANGEL
Goze, filho da puta! Goze!

FIM




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