A CARTA DA MÃE MORTA


A CARTA DA MÃE MORTA

PERSONAGENS:
GUILHERME
VITÓRIA


CENA 1

VITÓRIA ESTÁ ESCREVENDO UMA CARTA SENTADA NUMA MESA. GUILHERME ESTÁ ASSISTINDO A CENA, EM TOM DE ORAÇÃO. ELA TERMINA A CARTA E SUSPIRA PROFUNDAMENTE SAINDO DE UM TRANSE.

VITÓRIA
A quem pertence? (ELA APONTA PARA GUILHERME) Irmão de alma, é pra você.

GUILHERME
Eu?

VITÓRIA
Você. A carta de hoje é pra você, Guilherme.

GUILHERME
Você tá falando sério, Vi?

VITÓRIA
Sim. Venha pegar.

GUILHERME
Minha mãe ou minha vó?

VITÓRIA
Mãe. Quer que eu leia ou você prefere ler sozinho?

GUILHERME
Prefiro ler sozinho.

VITÓRIA
Prudente.

GUILHERME PEGA A CARTA COM CURIOSIDADE, MAS NÃO ABRE.

GUILHERME
Não estou querendo parecer um descrente, mas... eu tô com medo...

VITÓRIA
Medo de quê?

GUILHERME
De ser algo muito genérico, que talvez não me convença. E a questão é que eu nem tô aqui buscando prova de nada, cê me entende? Eu nunca quis...

VITÓRIA
Leia a carta. Depois a gente conversa.

GUILHERME
Eu não duvido que você consiga fazer essas paradas, entende, Vi? Não é isso. É que só deus sabe o quanto eu questiono a vida em busca de clareza. E se tem uma coisa que eu nunca fiz questão foi de prova. Eu sempre pedi nas minha orações só por explicação lógica, não prova. (PAUSA) E se essa carta me sucumbir na fé pro lado negativo? Eu gosto de vir aqui. Justo agora? Por que agora?

VITÓRIA
Leia a carta, Gui.

GUILHERME
Eu tô com medo... que atrapalhe o bom momento que eu tô vivendo.

VITÓRIA
Então me dá aqui. (ELA TIRA A CARTA DA MÃO DELE)

GUILHERME
Não! Tá bom!

VITÓRIA PICOTA A CARTA.

GUILHERME
Não!

VITÓRIA
Não quer ver, não veja. Talvez a sua fé seja mais forte do que a da maioria da população, porque nem de evidência você precisa, de tanta fé que há dentro desse seu ser!

GUILHERME
Não.

VITÓRIA
Pronto.

GUILHERME
É sério que você faz isso com as pessoas?

VITÓRIA
Eu tento ajudar as pessoas nas suas questões. Qual foi a questão que você trouxe pra mim? Seu problema com a prova.

GUILHERME
Eu estava dizendo que talvez se não fosse uma carta muito específica até minha mãe saberia que eu não acreditaria e que isso mudaria a visão que eu tenho de você, Vitória! A visão que eu tenho de tudo isso! Justo agora que tava tudo caminhando bem!

VITÓRIA
Cara, você nem leu a carta. E até eu sei que você não acreditaria se não fosse muito específica.

GUILHERME
Exatamente! E se eu lesse e achasse que foi coisa muito óbvia que pudesse valer pra todo mundo que perdeu a mãe? Você me conhece, Vitória, não é difícil acertar algumas coisas óbvias! Eu não quero parecer um descrente, você sabe que eu boto fé nessas coisas, mas o pai da dúvida habita em mim... e oras, você é um ser humano feito eu, às vezes a gente se confunde tanto de propósito, mesmo que sem malícia, como inconscientemente.

VITÓRIA
Eu entendo o seu questionamento, Gui. Mas eu não ganho nada com isso aqui...

GUILHERME
Ganha sim, ganha uma autoridade sim, um poder de voz pelo menos aqui dentro.

VITÓRIA
Tá, tudo bem. Eu não estou tentando te confortar em nada, eu não sei explicar como essas cartas chegam à mim. Você me conhece um pouco, eu não estou tentando enganar você.

GUILHERME
Eu sei que não, Vi. Eu sei que não. O que eu digo é que, e se é sua mente que está enganando nós dois?

SILÊNCIO.

GUILHERME
De qualquer forma agora você já destruiu a carta. Eu acho... até melhor eu viver nessa dúvida.

VITÓRIA
Bom, como eu sabia que você daria esse show existencialista, eu guardei a original e te entreguei uma cópia.

GUILHERME
O que?!

VITÓRIA
Tome. (ENTREGA A CARTA ORIGINAL) Essa vem com a letra da sua mãe, acredito. Se tudo der certo.

GUILHERME
Sua lazarenta.

BLACK-OUT.


CENA 2

GUILHERME LÊ A CARTA EM UM FOCO.

GUILHERME
“Filhinho amado. (ELE VIRA OS OLHOS EM REPROVAÇÃO) Cada nano segundo longe de você parece uma eternidade. Saiba que eu estive olhando pelos seus caminhos e sei que você está conseguindo encontrar as respostas que buscava. Cuidado para não crer sem evidência; aquilo que parece ser bom, nem sempre é a verdade. Há um nirvana, filhinho, mas você não vai alcançá-lo com as drogas; lembre-se que eu tentei e ando tentando ainda. Estar aqui é quase como estar aí. Não se preocupe tanto com coisas simples. O sol nasce e o se põe e pronto. Às vezes é mais fácil aceitar do que ficar buscando por uma resposta que não mudará muita coisa porque o sol ainda estará nascendo e se pondo você buscando o porquê ou não. Não é um incentivo pra você se manter ignorante, é só pra tentar encontrar a paz nessa busca também, como prioridade ainda. Resposta certa em agonia serve de quê? Tenha juízo e aprenda logo a lidar com o dinheiro, não deixe a preocupação te dominar. Viva. Beijinhos de sua mamãe.” (PAUSA) Porra, que sermão consciente, bicho. Porém...

VITÓRIA ATRAVESSA O PALCO.

GUILHERME
Vitória!

VITÓRIA
Oi, Gui.

GUILHERME
Podia trocar uma palavrinha?

VITÓRIA
Eu sei o que você vai dizer. Se puder resumir... eu entendo.

GUILHERME
(PAUSA) Eu não acho que você seja uma farsa. Te juro que não acho que você esteja abusando da minha boa vontade, que tenha sido na malícia. Eu entendo a boa intenção, juro por deus. Mas eu acho que a carta é um sermão seu.

VITÓRIA
Entendo...

GUILHERME
Calma, deixa eu te explicar. Assim, eu sei que você tem essa parada de conversar com os mortos...

VITÓRIA
Eu sei tudo o que você vai falar.

GUILHERME
Você sabe porque vê o futuro? Porque tá lendo a minha mente?

VITÓRIA
Eu sei só porque é óbvio. É essa a parada que eu tenho, Gui. Eu saco, saca?

GUILHERME
Não saco.

VITÓRIA
(SILÊNCIO) Eu não consigo ilustrar pra você. Ou dar um exemplo que faça você entender. Eu só digo que as coisas estão além da nossa compreensão de percepção da realidade, entende? A gente sabe como é a sensação de ser um ser humano só, conscientemente. O que existe no inconsciente é onde habita o que você e nós aqui chamamos de espírito. Mas espírito não é como você imagina e é difícil ilustrar precisamente uma coisa que se sente, sabe? Manja uma frequência de rádio? É o mais próximo que eu consigo chegar, mas ainda assim é muito distante.

GUILHERME
Você é muito boa nisso, cara.

VITÓRIA
Desculpa, Gui.

GUILHERME
Eu que peço desculpas por fazer o papel do incrédulo. Me entenda...

VITÓRIA
Eu entendo.

GUILHERME
Minha mãe sempre deixava a letra de alguma música que ela inventava nos bilhetes. Em tudo ela escrevia um trecho de uma música que depois ela cantava pra gente.

VITÓRIA
Gui, quando a gente desencarna a gente muda. Outras coisas são prioridades. Volta ao consciente toda a bagagem de outros tempos, que está gravado na memória do espírito. Não é a sua mãe, exatamente, sua mãe, com aquele nome, com aquele rosto, com aquela história de ser a sua mãe e artista e tudo o mais, aquela morreu. Ela faz parte do todo agora. Ao mesmo tempo que ela está aí dentro da sua cabeça quando você lembra ou você imagina e sonha com ela, ela está em cada nano partícula de todo o espaço, como espírito, como uma onda. Ao mesmo tempo que individual parte de um todo, ao mesmo tempo que consciente de sua existência individual consciente também que é um só. Eu ouvi a voz de uma mulher que se apresentou como sua mãe, Gui. É isso que eu sei. Você reconhece a letra dela?

GUILHERME
Eu não lembro da letra dela. Eu tinha doze anos. (PAUSA) Eu sinto... eu sinto que poderia ser você me falando as mesmas coisas que estão na carta, é isso.

VITÓRIA
Bom, se não te serviu como prova funcionou do jeito que você queria. Eu não tenho que te provar nada aqui, eu não sobrevivo às custas do centro.

GUILHERME
Por um sentimento que você acha ser altruísta, talvez. Mas... desculpe. Desculpe, desculpe. Você sabe o quanto eu sou confuso. Eu só não entendo por que você teve de fazer isso agora? Eu tava bem, tava tudo fluindo, tava confortável do jeito que tava...

VITÓRIA
Provas. Provações.

VITÓRIA SAI.

GUILHERME
Talvez ela seja uma boa manipuladora só. Talvez o dom da manipulação seja o que a gente chama de mediunidade! Mas manipular as pessoas nesse sentido pra qual razão? Ela não ganha nada com isso. (PAUSA) O instinto de querer ajudar. Pode não ser por malícia, por maldade. Não. Não é por mal. Mas não me fez bem também. Cara, caralho, eu não duvido da possibilidade de ser real, eu acredito nessas paradas pra cacete, mas ao mesmo tempo eu duvido da honestidade das pessoas, é isso. Eu duvido da honestidade das pessoas e não da ideia. Eu não sou um incrédulo. (PAUSA) Mãe, se você pode me ouvir, eu nunca precisei ou busquei uma mensagem sua, você sabe disso, não é por isso que eu gostava de ir no centro, eu nunca quis isso. Se você enviou aquela carta você havia de saber que seria difícil me convencer, e que até poderia me atrapalhar se a verdade é realmente essa. Você me conhece mais do que ninguém. E se não foi você então mais ainda que eu preciso da sua ajuda agora, porque eu acredito que há uma obrigação moral de a gente se unir pra desmascarar uma mentira que mancha o nome do espiritismo. O que você me diz, mãe? Não seria uma obrigação? Eu sinto. Você sempre me falava das intuições. É uma delas o que eu tô sentindo agora.

GUILHERME SENTE UM SONO PROFUNDO REPENTINAMENTE. VITÓRIA ENTRA TOCANDO UM VIOLÃO. GUILHERME BOCEJA E COÇA OS OLHOS.

GUILHERME
Nossa. O que significa isso? Vocês ouvem? Vocês tão ouvindo essa música? Minha mãe escrevia músicas quando era viva. É uma coisa específica que talvez teria me convencido de primeira. Seria mais fácil de reconhecer...

GUILHERME, NUM LEVE TRANSE, VAI ATÉ UM MICROFONE.

GUILHERME
Ele sou eu, ele me deu
Me deu meu filho
Me concebeu
Um menininho que sozinho
Me ensinou onde estava o amor
Amor de deus
Pra onde eu vou?
Hoje eu te empurro desse ninho
Vai voar, meu passarinho
Se cair estarei longe
Mas assoprarei mesmo assim o seu dodói

Você não é mais o centro quando carne se tornou
Menino egocêntrico não responde ao deus senhor
Às vezes perder a luta é vencer na contra mão
Aceite a história do seu irmão de alma
O nome disso é comunhão
Nessa imensa sala de aula sideral
Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal

Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal
 
VITÓRIA SAI E GUILHERME ACORDA DO TRANSE.

GUILHERME
Jesus, pai amado. Que caralho foi isso?

BLACK-OUT.


CENA 3

VITÓRIA ESTÁ EM MEDITAÇÃO.

VITÓRIA
Pai, eu não peço mais compreensão, eu peço paz. Não que eu tenha chegado no limite da sabedoria, muito longe disso. Mas acho que daqui por diante eu posso me atrapalhar na linha da sanidade e eu estou confortável aqui. Você sabe o quanto eu duvidei de mim mesma durante todo esse tempo. Dom? Maldição? Não me parece uma coisa tão surreal como as pessoas pensam, porque, oras, essa é a vida que eu conheço desde sempre, eu só posso saber do que eu sei! E mesmo assim o pai da dúvida também me atentou, você sabe disso, é você que guia essa harmonia, eu sei. Ao mesmo tempo que eu quero evoluir pro nível seguinte, pai, não sei se é coisa do orgulho, mas eu tenho... eu tenho medo do passo seguinte, de como ele virá, de quem ele virá, com qual resposta ele virá. E se essa resposta ainda desbanca a minha resposta! (PAUSA) Talvez chegue uma hora de simplesmente passar o bastão. Faz muito tempo que a gente tem feito esse trabalho junto, pai, eu sei. Mas é onde as pessoas me escutam, onde algumas pessoas me dão algum propósito. Vai ser complicado passar adiante assim sem mais nem menos. (PAUSA) Eu entendo.

SILÊNCIO. VITÓRIA VAI ATÉ UM ESPELHO E SE ENCARA.

VITÓRIA
É você mesmo ou sou eu? (PAUSA) É você. Ou sou eu.

BLACK-OUT.


CENA 4

GUILHERME ESTÁ COM O VIOLÃO E UM CADERNO TENTANDO LEMBRAR DA LETRA DA MÚSICA EM PENSAMENTO.

GUILHERME
Cara... tá na ponta da língua. “Paz que acalma a alma sua, e a dela também, é a principal...” Não. Cacete. Sideral. (ANOTA) Eu sei que as palavras estão aí em algum lugar. Tem espaço pra porra aí dentro, eu tô ligado! Vamo, vamo! “Paz que acalma a alma dela, e que acalma a sua...” (REFLETE NA MENSAGEM) Cacete.

VITÓRIA ENTRA.

VITÓRIA
Gui!

GUILHERME
Vitória!

VITÓRIA
Cê pode trocar uma palavrinha?

GUILHERME
Claro.

VITÓRIA
Fazendo música?

GUILHERME
Tive... uma inspiração.

VITÓRIA
Eu nem sabia que você tocava.

GUILHERME
Minha mãe me ensinou um pouco, mas... eu parei de praticar depois.

VITÓRIA
Entendi.

SILÊNCIO.

GUILHERME
Você ia dizer alguma coisa?

VITÓRIA
Ah, sim. É... eu sinto... Eu venho pensando... se a gente poderia passar um tempo junto. Só pensado nisso. (BRINCA) Não é o que você tá pensando, a gente não tem química pra brincar de casal, não insista.

GUILHERME
Eu insistir?

VITÓRIA
Só porque somos um homem e uma mulher não significa que precisa ser uma relação de amor.

GUILHERME
De amor tem que ser sim. Talvez não precise de sexo, mas uma relação que não seja de amor tem qual propósito?

VITÓRIA
(SURPRESA) Esse é o motivo. Eu quero passar mais tempo com você porque... tem uma coisa em você. Eu vejo desde que você entrou no centro lá daquela vez, que tem uma coisa em você?

GUILHERME
Você diz um enconsto?

VITÓRIA
Não. O contrário disso. Na verdade, depende do ponto de vista!

GUILHERME
Ladainha, Vitória, fala logo!

VITÓRIA
Eu acho que você também tem um tipo de mediunidade. Eu sinto isso em você. Eu sempre soube.

SILÊNCIO. GUILHERME FICA CURIOSO, PENSANDO NA MÚSICA. INSTANTANEAMENTE ELE TERMINA O TRECHO QUE FALTAVA, PEGA O VIOLÃO E CANTA PARA VITÓRIA.

GUILHERME
Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal

Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal

VITÓRIA
Você canta bem, Gui.

GUILHERME
Mãe.

VITÓRIA
O que foi isso?

GUILHERME
Mãe.

SILÊNCIO.

VITÓRIA
Você tá dizendo que...

GUILHERME
Sim, acho que sim.

VITÓRIA SORRI E ABRAÇA GUILHERME.

GUILHERME
Desculpe ter desconfiado de você.

VITÓRIA TENTA SORRIR, MAS DESABA.

VITÓRIA
Desculpe, desculpe!

GUILHERME
O que foi, Vi? Eu disse alguma coisa?

VITÓRIA
Não. Eu quero pedir perdão. Eu nunca pretendi fazer o mal pras pessoas. Mas... eu acho que eu fiz. Eu acho que eu fiz, eu acho que eu fiz! Agora eu entendo.

GUILHERME
Vi, calma!

VITÓRIA
Eu não posso afirmar com cem por cento de certeza que foi a sua mãe quem escreveu aquela carta, Guilherme. Eu escuto, eu quero acreditar, eu busquei uma resposta pro que eu sentia que acontecia comigo e por fim eu aceitei a resposta que mais bateu. Simples assim! E... eu não tenho certeza. Pode ser coisa da minha cabeça...

GUILHERME
Como pode ser real também.

VITÓRIA
Sim, pode ser real, mas pode ser que não seja! Pode ser que eu seja louca! Pode ser que meu instinto seja manipulador!

GUILHERME
Vitória, mesmo se você manipula as pessoas pra coisas boas por que isso deveria ser ruim?

VITÓRIA
Porque pode ser tudo mentira! Pode ser mentira, Guilherme! Existe mentira boa? Fala pra mim. Existe mentira boa?

GUILHERME
Talvez até exista. Se eu sei que uma verdade pode te magoar eu acho justo a mentira.

VITÓRIA
Sou eu quem decido se a verdade me magoa ou não.

GUILHERME
Sou eu quem decido se eu quero te fazer passar por essa provação ou não.

SILÊNCIO.

VITÓRIA
Seu lazarento. Você é bom. Eu estou meio desesperada porque eu sinto que está na hora de eu passar meu bastão.

GUILHERME
Como assim?

VITÓRIA
Eu estou saturada. A gente precisa evoluir, eu sei disso. E na lição de casa da vida a parte principal é saber querer aprender. Saber querer aprender.

GUILHERME
A paz que acalma a alma também.

VITÓRIA
Eu vou encontrar essa paz. Eu preciso parar. Parar e refletir um pouco. Eu não posso liderar uma igreja vivendo com essa dúvida.

GUILHERME
O que você tá falando, Vi? Todo mundo precisa de você.

VITÓRIA
Todo mundo quem?

GUILHERME
Eu, todo mundo lá! Você tem um dom, Vitória, eu já vi o que você fez pras pessoas, pra mim! Cara, agora eu sei que foi a minha mãe.

VITÓRIA
Foi a sua mãe que falou com você, por causa de uma mentira minha!

GUILHERME
Pois veja outro exemplo de uma mentira boa, Vitória! Tá aí!

SILÊNCIO.

VITÓRIA
Isso é não é certo, Gui.

GUILHERME
Foi certo pra mim. Vou te confessar. Eu pedi ajuda da minha mãe, quase exigindo justiça contra sua mentira. É sério. Eu sei que aquela carta pode ter saído da sua cabeça, Vitória, é tudo muito genérico o que você escreveu. Eu já sabia.

VITÓRIA
Ela saiu da minha cabeça mesmo. Eu sei.

GUILHERME
No fim das contas, Vitória, minha mãe me trouxe um outro ensinamento. E pode ser que seja coisa da minha cabeça também! Mas me pareceu no mínimo pertinente. A justiça não é a pauta principal, não depende de nós conscientemente. Eu acho que a nossa missão é trabalhar a paz. Eu não posso viver em paz se você não estiver em paz também. Eu não posso ser a pessoa que vai desbancar a sua mentira pelo meu simples ego em nome da justiça, não se isso não faz mal pra ninguém. Eu não posso ter como propósito destruir o seu propósito! Você não está fazendo mal nenhum, você sabe que faz o bem pras pessoas, e fazendo o bem você faz bem pra você mesma. Por que diabos eu faria o papel de destruidor disso?

VITÓRIA
Porque é mentira.

GUILHERME
(LÊ) “Você não é mais o centro quando carne se tornou
Menino egocêntrico não responde ao deus senhor
Às vezes perder a luta é vencer na contra mão
Aceite a história do seu irmão de alma
O nome disso é comunhão
Nessa imensa sala de aula sideral
Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal”

SILÊNCIO.

VITÓRIA
Gui, essa é a mensagem pra você. A minha paz agora é refletir sobre tudo isso. Alguém vai precisar tomar conta do centro. Eu posso ajudar na burocracia até você pegar o jeito, eu vou estar sempre ali com você mesmo que de longe, sempre que precisar...

GUILHERME
Vitória, pelo amor de deus, eu não posso assumir um negócio assim. Você tá falando sério?

VITÓRIA
Você não quer? Se você não quiser eu passo pra Antônia, ela está mais preparada mesmo, tá até esperando o momento dela, ela e o marido...

GUILHERME
Não. É que... é sério mesmo?

VITÓRIA
Sim. Eu acho realmente que tinha que ser você.

GUILHERME
Por que?

VITÓRIA
Porque não sei.

GUILHERME
(PAUSA) Você está decidida mesmo, né?

VITÓRIA
Não sei. Se der na telha eu volto. Eu preciso de um tempo. Eu sei que você pode fazer um trabalho melhor que o meu, se quiser. Eu vou visitar a minha mãe. Mãe. Entende?

GUILHERME
Entendo.

VITÓRIA
Escute, nosso centro é bastante independente, mas tem alguns ritos que eu vou passar pra você, você já conhece a maioria.

GUILHERME
Menina. Calma. Não é assim...

VITÓRIA
Gui, se você acha que não consegue, a Antônia é super gente boa, e o marido... mais ou menos, mas...

GUILHERME
Tá. Espera. Tá bom.

VITÓRIA
Tá bom?

GUILHERME
Menina, mas como eu vou passar confiança com as minhas dúvidas, Vitória?

VITÓRIA
As suas dúvidas é a exata benção que deus te deu, Guilherme. É a benção que você passou pra mim, repare! É a benção que você passou pra mim. A benção da dúvida.

GUILHERME
Benção?

VITÓRIA
Benção.

SILÊNCIO.

VITÓRIA
Obrigada, Gui. Eu já sabia que você estava disposto a me ajudar. Eu sempre soube.

GUILHERME
Porque você prevê o futuro, né?

VITÓRIA
(RI) Exato. Eu já sei de tudo e mais um pouco.

ELES RIEM. VITÓRIA ABRAÇA GUILHERME E SAI. GUILHERME FICA POR UM TEMPO PENSATIVO; ELE PEGA UM COPO COM WHISKY.

GUILHERME
Você ter a responsabilidade e voz para transmitir uma ideia tanto de conforto como respostas absolutas para certas coisas, é necessário adquirir um nível espiritual e de moralidade à frente da média. Porque para domar um poder, é necessário estar pleno e em profunda harmonia com o todo. Não se pode manter egoísmos e até mesmo o prazer da carne pode atrapalhar, se você pretende-se dizer um líder espiritual. Pode dar uma grande merda você aceitar ser pastor, porque se você for um influenciador bosta você criará ovelhas bostas. Vejamos, por exemplo uma pessoa que não sabe lidar bem com o dinheiro. Ela pode ser uma boa pessoa, essa pessoa. Ela pode ter algum tipo de poder divino e mesmo assim não saber lidar com honestidade na área financeira, por exemplo. (PAUSA) Dinheiro sempre foi uma prova na minha vida. Eu aprendi a conversar com os mortos, oras, as pessoas pagam por isso, e pagam bem pra ouvir o filhinho morto falar umas palavras óbvias de consolação! Sobreviver às custas de um dom de deus pode ser considerado pecado? (COM MALÍCIA) Deus acaba de me responder aqui na minha cabeça de que está tudo muito bem.

BLACK-OUT.

FIM





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