JORGE (2013)

JORGE


PARTE 1: INSANA COINCIDÊNCIA

Personagens
Silvana, 40 anos.
Ludmila, 19 anos.
Voz 1
Voz 2

(um sex shop)

(Ludmila entra e procura tranquila; Silvana entra logo atrás um pouco aflita)

LUDMILA
Primeira vez?

SILVANA
Oi?

LUDMILA
Primeira vez?

SILVANA
Ah, não. Imagina. Eu sou casada.

LUDMILA
Digo de ir a um sex shop.

SILVANA
O que?

LUDMILA
Eu queria dizer se era a primeira vez que entrou num sex shop. Você tá meio nervosa.

SILVANA
Ah, sim. Nisso sim. (ri)

LUDMILA
Vicia, sabe.

SILVANA
É engraçado, né? Olha o tamanho disso. O que você disse?

LUDMILA
Eu disse que vicia.

SILVANA
O que?

LUDMILA
Sex shop. Vicia. É igual tatuagem. Tem alguma?

SILVANA
Não, não. Já pensei uma vez, mas não. Você trabalha aqui?

LUDMILA
Eu? Não, não. Eu tô igual você.

SILVANA
Ah, não. Igual, não.

LUDMILA
Digo de estar comprando.

SILVANA
Ah, sim. Nisso sim. Eu nem sei bem o que vim comprar.

LUDMILA
Eu vou levar esse. (levanta um pinto grande)

SILVANA
Ai, sua louca! (ri) Não, eu quero algo só pra ajudar, sabe.

LUDMILA
Ajudar o que?

SILVANA
Meu marido. O Jorge.

LUDMILA
Brocha? Meu namorado também chama Jorge.

SILVANA
Sério? Que bacana. Sério?

LUDMILA
Sério. Que engraçado.

SILVANA
Nossa. Muito engraçado isso.

LUDMILA
Jorge.

SILVANA
Ele manda bem?

LUDMILA
Manda, manda. E o seu Jorge?

SILVANA
Então...

LUDMILA
Brocha?

SILVANA
Não, mas...

LUDMILA
(ri) Nem precisa dizer mais nada.

SILVANA
Ele mandava super bem. Mas sei lá o que aconteceu. Ele tem sido meio... meio... (aflita) Eu sou feia? Olhe pra mim. Eu não acho que eu sou feia, eu sou? Eu sou? Tô muito velha? Muito gorda?

LUDMILA
Não. Você é muito bonita. E nem um pouco gorda.

SILVANA
Então eu não sei, moça.

LUDMILA
Já pensou se ele tem um caso? Essas coisas acontecem.

SILVANA
Já pensei. Mas não é isso, menina. Se ele tem um caso ele é muito esperto porque eu fico na cola, sabe. Eu não sei mais o que fazer!

LUDMILA
Por que você não joga a real pra ele?

SILVANA
Oi?

LUDMILA
Joga a real. Fala, manja? Diz pra ele o que tá acontecendo.

SILVANA
Mas e se o problema for eu? Aí ele me larga, me chuta e me deixa sozinha no mundo. E vai morar com uma vagabunda – que eu espero que nem exista ainda, pelo amor de deus!

LUDMILA
Vocês tem filhos?

SILVANA
Não. Não quero. Deus me livre.

LUDMILA
Ué, por que?

SILVANA
Não, não sei. Não quero só.

LUDMILA
E ele?

SILVANA
O que?

LUDMILA
Quer?

SILVANA
Não sei também. Nosso lance sempre foi mais no físico, sabe. Por isso o tamanho do problema.

LUDMILA
Mas calma, você é casada? No papel? Mora junto?

SILVANA
Claro, louca. Sou casada, oras. Com padrinhos e tudo.

LUDMILA
E não rola uns papos?

SILVANA
Como assim? Eu não entendo o que você fala, menina.

LUDMILA
Vocês não conversam? Não proseiam?

SILVANA
Claro que a gente conversa. Você podia me ajudar a escolher uma fantasia?

LUDMILA
Mas conversam como? Se você nunca nem falou de filhos ainda.

SILVANA
Eu não sou tão velha, garota. Posso querer pensar no meu sucesso profissional?

LUDMILA
Antes casamento?

SILVANA
Sim, antes casamento! Hoje é que eu tô um pouco carente e eu tô afim de... de... E aí o que eu faço? Você tem esses dias também, não tem? Eu lembro que eu sempre tive.

LUDMILA
Tenho. Tô num desses dias. Eu só vejo o Jorge no final de semana.

SILVANA
Quem?

LUDMILA
Meu namorado.

SILVANA
Ah.

LUDMILA
Aí eu vim comprar um vibrador mesmo e foda-se. (ri)

SILVANA
A última vez que eu transei já faz uns trinta dias, já. Já faz um mês.

LUDMILA
Com o Jorge.

SILVANA
Lógico. Eu nunca traí meu marido.

(silêncio)

LUDMILA
Posso propor uma dúvida?

SILVANA
Oi?

LUDMILA
Me intrometer nos seus assuntos?

SILVANA
Diga. Fale.

LUDMILA
A pergunta é: será que seu marido Jorge também está há trinta dias sem gozar?

SILVANA
O que?

LUDMILA
Porque a única coisa que homem faz é gozar! Na vida. É o que homem faz.

SILVANA
Ele deve se virar sozinho no banho, eu acho.

LUDMILA
Será?

SILVANA
Ai, sei lá! Não me encafife com a ideia de amante.

LUDMILA
Tô só dizendo.

(silêncio)

SILVANA
Será que ele iria gostar de uma fantasia de enfermeira? Já é batido, né?

LUDMILA
Eu tenho uma dessas. Meu Jorge adora. Se você quiser eu te empresto.

SILVANA
Ai, menina. Essas coisas não se emprestam.

LUDMILA
Ok.

SILVANA
Será que ele iria gostar? Ou de bombeiro? Não, bombeiro não. De policial. O Jorge adora ser parado pela polícia pra poder dizer que é filho de sargento.

LUDMILA
O pai dele é sargento? Mentira.

SILVANA
Verdade, menina. Como é seu nome mesmo?

LUDMILA
Ludmila.

SILVANA
Eu sou Silvana.

LUDMILA
Como é o nome inteiro do seu marido?

SILVANA
Por que?

LUDMILA
Jorge de que? É Jorge Gustavo?

SILVANA
Não, querida. Polônio.

LUDMILA
O que?

SILVANA
Jorge Polônio.

LUDMILA
Nossa, mas é porque meu Jorge também é filho de sargento. Ele adora tirar sarro de soldado.

SILVANA
Mentira.

LUDMILA
Juro. É muita coincidência.

SILVANA
Que engraçado.

LUDMILA
E o pai do Jorge já morreu.

SILVANA
Já.

LUDMILA
Calma, o pai do seu marido Jorge também morreu?

SILVANA
Sim. Faz tempo já. Mas é que o Jorge tem um pouco mais de idade.

LUDMILA
Meu Jorge também tem um pouco mais de idade.

SILVANA
Como assim?

LUDMILA
Meu Jorge é um coroa.

SILVANA
Você curte homens mais velhos?

LUDMILA
Curto. Homem o que faz da vida é gozar. Imagine os moleques, deixam a gente na mão.

SILVANA
(sonha) Pois eu os imagino bem. Quantos anos tem?

LUDMILA
Dezenove. Meu Jorge tem cinquenta redondo.

SILVANA
Mentira, menina. É o mesmo Jorge, então!

LUDMILA
Não é possível. Ele também tem cinquenta anos?

SILVANA
É o mesmo Jorge! Você tá de brincadeira comigo, né, menina?

LUDMILA
Jorge Gustavo Gomes.

SILVANA
Jorge Polônio Filho.

LUDMILA
Você já viu R.G.?

SILVANA
Eu sou casada com ele, minha filha.

LUDMILA
Mas não sabe se ele quer filho ou não.

SILVANA
É outro papo, isso daí. Meu nome é Silvana Polônio.

LUDMILA
Hum. Eu conheci a mãe dele!

SILVANA
Sim, tá viva. Uma insuportável. Mora no sul.

LUDMILA
Mora no sul! Sim! Mas ela foi um doce comigo.

SILVANA
Impossível. Então não era a mesma.

LUDMILA
Mas é muita coincidência. Mas pode ser que ela gostou de mim e de você não.

SILVANA
O que?

LUDMILA
Pode ser que a mãe do Jorge gostou de mim e de você não.

SILVANA
Imagina! O Jorge odeia ela também. Ela é uma bruxa.

LUDMILA
Ah, então não é o mesmo Jorge. Meu Jorge adora ela. Eles são uns fofos juntos. Precisa ver que belezinha o sotaque.

SILVANA
O Jorge já não tem mais sotaque.

LUDMILA
O meu tem um pouco ainda.

(elas se olham)

SILVANA E LUDMILA
Não é o mesmo.

LUDMILA
É muita coincidência, mas não é.

(silêncio)

SILVANA
Ai, que susto que tive, menina! Nem lembro como é seu nome, como é mesmo?

LUDMILA
Ludmila.

SILVANA
Ludmila. Sim. Era muita coincidência, não é possível.

LUDMILA
Inacreditável mesmo. Jorge, filho de sargento, cinquenta anos, a mãe mora no sul...

SILVANA
Comportamentos diferentes com relação à mãe.

LUDMILA
E o nome. Que não bate também.

(silêncio)

LUDMILA
Se bem que o nome podia ser falsificado, né? Sei lá.

SILVANA
Acho que vou levar isso daqui. (mostra uma calcinha comestível) O Jorge nunca gostou de sexo oral. Só eu nele.

LUDMILA
Ah, então não é mesmo o mesmo Jorge!

SILVANA
Seu Jorge faz em você?

LUDMILA
Uh! Imagina que não ia fazer! Eu que peço.

SILVANA
Você pede?

LUDMILA
Lógico! Tem que pedir, sua louca!

SILVANA
Não me chame de louca. Pelo menos temos mais uma coisa diferente em nossos Jorges.

LUDMILA
Né? Que engraçado isso.

SILVANA
O seu chupa. O meu...

(silêncio)

LUDMILA
Olha, por que não leva esse? Tem um cheirinho de baunilha, ó. (mostra um óleo de sexo)

SILVANA
Pra passar lá?

LUDMILA
É.

SILVANA
Será que ele vai querer?

LUDMILA
Peça.

SILVANA
Ele vai estranhar, eu pedir.

LUDMILA
Que se foda! Peça. Tem que pedir.

SILVANA
Não é tão fácil.

LUDMILA
Eu acho que você devia pedir.

SILVANA
O negócio é que ele é pintudo, sabe?

LUDMILA
O que?

SILVANA
O Jorge é pintudo. Bem pintudão mesmo.

LUDMILA
Calma...

 SILVANA
E aí quando a gente era jovem, ele era lindo e foi uma luta pra descobrir quem ia ser a mulher dele. Todas as minhas amigas foram apaixonadas por ele. E nem todas elas sabem que o pinto dele é grande, viu. Ele é lindo de morrer. E aí foi meio que o meu troféu da vida, sabe. Como se ele fosse o macho alfa da nossa existência, tudo pelo tamanho do pênis dele. Claro que não foi só pelo tamanho do pênis. Antes eu já estava apaixonada. Antes de ver o pinto dele eu já estava louca por ele. Acho que era o cheiro, sabe? O cheiro do macho alfa. O cheiro do pinto hiper grande.

LUDMILA
Grande quanto?

SILVANA
Grande. Eu nunca medi. Mas é muito grande.

LUDMILA
Grande tipo monstro?

SILVANA
Não, grande tipo duas mãos fechadas.

LUDMILA
Uns vinte e três centímetros.

SILVANA
Pode ser. Dois terços e pouquinho de uma régua.

LUDMILA
É o mesmo Jorge!

SILVANA
O que?

LUDMILA
Meu Jorge tem o maior pinto que eu já vi na vida.

SILVANA
Impossível.

LUDMILA
E eu já vi muito pinto. Sério. Eu peguei geral antes de abandonar a faculdade de engenharia.

SILVANA
Eu só vi dois. O do Jorge e o de um primo. E vi pelo computador também algumas vezes. Mas não é possível! O seu Jorge também tem pinto grande?

LUDMILA
Grandíssimo. Olha, mas pode ser que o seu Jorge tenha um pinto de dezoito centímetros e como você não tem muitas outras experiências não sabe dizer o que é grande num pinto.

SILVANA
Eu sei dizer quando um pinto é grande e quando ele é um pequeno!

LUDMILA
Você só viu dois pintos! Em vídeo a gente perde a noção de tamanho.

SILVANA
O pinto do meu primo já era grande, tá bom! Era super grande. Aí eu conheci o Jorge e ele superou o do meu primo.

LUDMILA
Mas então! Você não tem noção de tamanho! Às vezes você acha que é grande porque o máximo que viu foi aquilo.

(silêncio)

SILVANA
Você tá querendo me fuder, menina.

LUDMILA
Eu tô querendo que não seja o mesmo Jorge.

SILVANA
Eu também.

LUDMILA
Eu também!

SILVANA
Então tá. O pinto do meu Jorge pode ser que tenha dezoito centímetros.

LUDMILA
Mesmo assim é considerado na média, ok?

SILVANA
Que sorte a minha.

LUDMILA
Não é o mesmo Jorge.

SILVANA
Não.

(silêncio)

SILVANA
Espera. Você disse que só vê seu namorado nos fins de semana, aquela hora?

LUDMILA
Sim.

SILVANA
Jorge, há um ano viaja todo final de semana num retiro espiritual.

LUDMILA
Eu namoro o Jorge há um ano.

SILVANA
Ele sai às seis da manhã no sábado e volta umas quatro da manhã na segunda.

LUDMILA
A gente fica da hora do almoço de sábado, quando ele chega de buzão, e fica até domingo à noite. Que ele tem que trabalhar segunda.

SILVANA
Buzão?

LUDMILA
Sim.

SILVANA
O Jorge nunca andaria de buzão. Ele trabalha com o que?

LUDMILA
Vendas. Ele tem uma loja.

SILVANA
Não. Meu Jorge é empresário.

LUDMILA
Quem tem uma loja é empresário.

SILVANA
Meu bem. Meu Jorge nunca andaria de buzão. Nós temos três carros.

LUDMILA
É. O Jorge não tem carro. Ele disse. Pode ser que seja mentira. Eu nunca fui na loja dele.

SILVANA
Eu fui em uma reunião uma vez. No escritório dele.

LUDMILA
Cara, isso tudo é muito estranho. Tem coincidências, mas também tem dúvidas.

SILVANA
Não é o mesmo, pronto, acabou. Eu acho que vou levar o de diaba.

LUDMILA
Meu Jorge adora minha fantasia de diaba. Eu tenho uma dessa também. Tenho de enfermeira e de diaba.

SILVANA
Meu deus, menina! As que eu mais gostei. Qual é seu nome, mesmo?

LUDMILA
Ludmila.

SILVANA
Ah, sim. Que medo dessas coincidências. Não vou levar mais nenhum, também!

LUDMILA
Nenhum?

SILVANA
Você trabalha aqui?

LUDMILA
Não.

SILVANA
Então.

LUDMILA
Mas leve alguns acessórios. Tem umas algemas bacanas.

SILVANA
(surpresa) Por que algemas, Ludmila?

LUDMILA
Oras, porque é legal. Você prende o marido, ou pede pra ele te prender.

SILVANA
Eu fui sequestrada há três meses e fiquei algemada por oito horas. Você sabe o que é isso? Você já foi sequestrada? Sabe o que é ficar sem conseguir mexer as mãos? É muita coincidência você sugerir que eu levasse as algemas porque isso é uma coisa muito próxima da minha realidade de hoje.

LUDMILA
Olha, acho que isso não...

SILVANA
É muita coincidência isso! Muita coincidência.

LUDMILA
Acho que esse tipo de coincidência aí, acontece.

SILVANA
Como assim?

LUDMILA
Meu, uma hora ou outra alguém iria falar a palavra algema. O lance dos Jorges – seu marido e meu namorado – que é uma coisa absurda de louca! Isso sim é coincidência das brabas! Eu tô inconformada com tanta coisa parecida.

SILVANA
Realmente. As algemas foram só pra finalizar minha tarde. O que isso significa, meu deus? Que mensagem é essa que está me dando?

LUDMILA
Silvana, e se é o mesmo Jorge?

SILVANA
Pode ser que não seja.

LUDMILA
Mas e se for?

SILVANA
Eu mato vocês dois!

LUDMILA
Eu? Mas eu não sabia!

SILVANA
Então está confessando, sua vagabunda! Era um plano, não era?

LUDMILA
Não, Silvana! Eu...

SILVANA
Você sabia que eu viria aqui nesse sex shop...

LUDMILA
Imagina, sua louca! Se eu fosse uma amante do seu Jorge o que diabos eu teria vindo fazer aqui? Te contar? Eu também quero saber, porra!

SILVANA
Eu tô muito confusa. Tô começando a ficar com dor de cabeça. Alguém trabalha nessa joça?

LUDMILA
Olha. O negócio é ligarmos pra eles ao mesmo tempo.

SILVANA
O que?

LUDMILA
Pra tirar a dúvida. Eu vou embora, você vai embora e deixamos essa coincidência da vida pra trás.

SILVANA
Jorge.

LUDMILA
Exato.

SILVANA
Vamos ligar.

LUDMILA
É o mesmo número?

SILVANA
Vamos ver.

(elas mostram o número uma pra outra)

LUDMILA
Não é o mesmo.

SILVANA
Ele deve ter dois telefones. Um pra mim e um pra você.

LUDMILA
Vamos ligar.

(elas discam em seus celulares e colocam no viva voz)

(os dois celulares chamam; eles demoram; elas aguardam ansiosamente)

(as duas são atendidas ao mesmo tempo)

VOZ 1
Alô?

VOZ 2
Lud?

VOZ 1
Pois não? Quem é?

VOZ 2
Quem que tá falando?

VOZ 1
Quer falar com quem, amigo?

LUDMILA
(cochicha) Eles estão conversando entre eles!

VOZ 2
Foi você quem ligou.

(desligam)

SILVANA
Viu! Não é o mesmo. Agora eles sabem que a gente ligou.

LUDMILA
Ai, eles conversaram!

SILVANA
E agora?

LUDMILA
É sempre o Jorge que atende o telefone?

SILVANA
Oi?

LUDMILA
É sempre ele que atende o telefone?

SILVANA
Nem sempre.

LUDMILA
Então pode ser que ele atendeu um. E outra pessoa tenha atendido o outro.

SILVANA
Pode ser! Será? Puta conspiração! E agora?

LUDMILA
Vamos ligar de novo.

(elas ligam)

(mais uma vez demora pra atender)

VOZ 1
Alô?

VOZ 2
Lud?

VOZ 1
Não tem nenhuma Lud aqui, porra. Quer falar com quem?

VOZ 2
Quem que tá falando?

VOZ 1
Cara, não fui eu quem liguei. Meu celular acabou de tocar. Quem é?

VOZ 2
Jorge?

VOZ 1
Sim. Quem é? Sobre o que seria?

VOZ 2
Sou eu, ô. Por que tá com um número da Lud?

VOZ 1
Quem é?

VOZ 2
Seu xará.

VOZ 1
Ah, Gu! O que foi? Quem é Lud?

VOZ 2
Minha namorada, cara. Você que me ligou desse número.

VOZ 1
Eu?

VOZ 2
Que estranho isso.

(elas desligam)

LUDMILA
Caralho!

SILVANA
Gu?

LUDMILA
Jorge Gustavo.

SILVANA
Como assim? Eles se conhecem?

LUDMILA
Eles devem estar se ligando agora.

SILVANA
Mas não é possível isso. É muita coincidência, meu deus.

LUDMILA
Ai, como eu queria ser uma mosca!

SILVANA
Ai, é verdade! E agora? Como assim?

LUDMILA
Isso é piração.

SILVANA
Quem é seu Jorge?

LUDMILA
Quem é o seu Jorge?

SILVANA
Eles são colegas do sul.

LUDMILA
Sim. As mães ainda moram lá.

SILVANA
Talvez meu Jorge vá mesmo pra retiros espirituais nos finais de semana.

LUDMILA
E o meu tenha uma loja comum.

SILVANA
Os dois tem cinquenta anos. Normal, isso. Por isso são amigos. E são amigos porque tem o mesmo nome!

LUDMILA
E os dois tem pinto grande? Não. Pode ser aquilo que eu falei.

SILVANA
Talvez eu não saiba mesmo o que é um pinto grande.

LUDMILA
Deve ser.

SILVANA
O Jorge nunca me falou de nenhum Jorge e nem de Gustavo.

LUDMILA
Nem o meu. Mas eu conheço ele há um ano, só.

SILVANA
Isso foi muito estranho. Mas tá fazendo mais sentido.

LUDMILA
Verdade. Que maluquice.

(o celular de Ludmila toca)

LUDMILA
É o Jorge.

SILVANA
Atende.

LUDMILA
Atende você. Se for o mesmo. Ele vai se confundir.

SILVANA
O que?

LUDMILA
Ele vai se entregar se for o mesmo Jorge.

SILVANA
Não é o mesmo Jorge, Ludmila.

LUDMILA
Pode ser. Homem sabe fazer bem essas coisas, Silvana.

SILVANA
Não é o mesmo.

LUDMILA
Atende! (ela aperta o botão e entrega para Silvana)

VOZ 2
Alô? Ludmila?

SILVANA
É a Sil, mô.

VOZ 2
Alô?

SILVANA
É a Sil, mô.

VOZ 2
Sil? Por que tá me ligando desse número?

SILVANA
Seu nome é Jorge Gustavo, mô? Nunca me contou.

VOZ 2
Como assim, Sil? Por que você está usando o número da Ludmila, Sil?

SILVANA
Quem é Ludmila, Jorge?

VOZ 2
A minha namorada, sua tonta!

SILVANA
Então você está mesmo me traindo?

VOZ 2
O que?

(Ludmila pega o celular)

LUDMILA
A gente já descobriu, Jorge. Acabou.

VOZ 2
Lud? O que foi, Lud? O que tá acontecendo?

LUDMILA
Você é casado, seu idiota!
 VOZ 2
Eu?

(o celular de Silvana toca)

SILVANA
É o Jorge.

LUDMILA
Espera.

VOZ 2
Alô?

LUDMILA
Espere na linha um minuto, seu otário! Atende.

SILVANA
Alô?

VOZ 1
Sil, você me ligou?

SILVANA
Eu... é...

LUDMILA
Alô?

VOZ 2
Oi.

LUDMILA
Falem ao mesmo tempo.

VOZ 2
O que?

VOZ 1
Quem é?

SILVANA
Onde você tá?

LUDMILA
Onde você tá?

VOZ 1
No escritório.

VOZ 2
Trabalhando.

(silêncio)

VOZ 1
Alô, alô?

SILVANA
(cochicha) Não é o mesmo.

LUDMILA
De onde você conhece uma Silvana, Jorge?

VOZ 2
Ela tá aí?

LUDMILA
Tá. Tá bem aqui do meu lado.

VOZ 2
Onde você tá?

LUDMILA
Diga de onde conhece ela!

VOZ 2
Minha prima. O que ela tá fazendo aqui?

LUDMILA
Prima?

VOZ 2
Aquela que mora no Rio Grande do Sul.

LUDMILA
Você mora no Rio Grande do Sul?

SILVANA
Não. Eu nasci na capital.

LUDMILA
É muita coincidência. Você tem uma prima que chama Silvana no Rio Grande do Sul?

VOZ 2
Você conheceu ela, Lud. Mora perto da minha mãe. O que é que tá acontecendo?

VOZ 1
Alô?

LUDMILA
Espere um pouco.

SILVANA
Não é o mesmo.

VOZ 1
Silvana?

SILVANA
Depois te ligo, amor. Foi uma confusão besta. Tô fazendo uma surpresa pra você a noite.

VOZ 2
Que ótimo.

LUDMILA
O que?

VOZ 1
Oi?

(elas desligam confusas)

SILVANA
Não é o mesmo.

LUDMILA
Eu sei. Deu pra perceber. Que loucura isso.

SILVANA
Que loucura.

(silêncio)

SILVANA
Mas que era uma coincidência incrível, era.

LUDMILA
Bota incrível nisso.

(silêncio)

SILVANA
Eu acho que vou levar a fantasia de diaba, mesmo.

LUDMILA
Mesmo depois de tudo isso?

SILVANA
Coincidências são coincidências. Superstição é outra coisa.

LUDMILA
Então leve as algemas.

SILVANA
Deus me livre, menina! Tenho pavor disso!
(silêncio)

LUDMILA
Bom, então eu vou indo, também. Vou mandar embrulhar pra presente ainda.

SILVANA
Não é pra você?

LUDMILA
É. É que depois de amanhã é meu aniversário. Queria me dar um presente.

SILVANA
Mentira! Sexta-feira?

LUDMILA
O que tem?

SILVANA
Para de brincadeira, menina!

LUDMILA
O que foi?

SILVANA
Você tá tirando com a minha cara, né?

(silêncio)

LUDMILA
Não vai me dizer que é seu aniversário também?!

(silêncio)

(black-out)




PARTE 2: O SEGREDO DE UMA SEMANA ATRÁS

Personagens
Jorge Polônio
Jorge Gustavo

(uma locadora pornô)

(Polônio está olhando um DVD em segredo; Gustavo entra e Polônio se assusta deixando cair o DVD)

GUSTAVO
Opa.

POLÔNIO
Puta susto.

GUSTAVO
Fique tranquilo. Todos sujos, estamos. Mulher não tá dando conta?

POLÔNIO
Oi?

GUSTAVO
Sua mulher não tá dando conta?

POLÔNIO
Como sabe que eu sou casado?

GUSTAVO
Sua aliança.

POLÔNIO
Ah, sim. Não é isso. A gente não conversa muito, sabe. Ela é ninfomaníaca, mas eu não sei o que acontece.

GUSTAVO
Como assim não conversam muito?

POLÔNIO
Já viu esse? (mostra um DVD) Tem um cara big cacetudo. Ele arrebenta a menina.

GUSTAVO
(ri) Já vi. Me reconheço nesse.

POLÔNIO
Oi?

GUSTAVO
Nada, nada.

POLÔNIO
Vou levar esse. (pega outro) Vi um trailer na internet.

GUSTAVO
Esse é legal. É esse que você tava vendo? (mostra aquele que Polônio derrubou; é um filme gay)

POLÔNIO
Não, não.

GUSTAVO
Era sim. Sem preconceito, cara.

POLÔNIO
Eu só fui dar uma olhada.

GUSTAVO
O cara é big cacetudo também.

POLÔNIO
Pois é.

GUSTAVO
Vou levar esse.

POLÔNIO
Vai levar? Você é?

GUSTAVO
O que?

POLÔNIO
Você não é casado.

GUSTAVO
Eu namoro.

POLÔNIO
E por que vai levar esse então? Namora mulher?

GUSTAVO
Sim, mulher. Você tava olhando esse, cara.

POLÔNIO
Só tava olhando.

GUSTAVO
Eu sou sem preconceito, cara. Gay é gente normal também.

POLÔNIO
Poxa, mas eu também acho isso. Acho que eu só não levaria esse.

GUSTAVO
Meu pai é gay, cara.

POLÔNIO
O que?

GUSTAVO
Ele é gay. Ficou casado com minha mãe até os sessenta anos. Depois foi morar sozinho.

POLÔNIO
Seu pai é gay?

GUSTAVO
É. Não foi fácil, sabe.

POLÔNIO
Eu imagino. Você deve ter sofrido.

GUSTAVO
Eu? Imagine ele. Aí às vezes gosto de ver uns filmes gays. Pra me lembrar dele.

POLÔNIO
Morreu?

GUSTAVO
Já. Faz tempo.

POLÔNIO
Meu pai também morreu.

GUSTAVO
Era gay?

POLÔNIO
Não, não. Minha mãe que matou ele. De nervoso. Ela é uma bruxa.

GUSTAVO
Hum.

(silêncio)

GUSTAVO
Bom, tô indo. Tenho que comprar o presente da minha namorada, ainda.

POLÔNIO
É. Eu também. Aniversário dela?

GUSTAVO
Sexta feira que vem.

POLÔNIO
Mentira, sério? Na sexta? É o aniversário da minha esposa.

GUSTAVO
Sério? Que coincidência. Dia 22?

POLÔNIO
Sim. É muita coincidência.

GUSTAVO
Vai comprar o que?

POLÔNIO
Não sei ainda.

GUSTAVO
Eu também não.

POLÔNIO
Coincidência também.

(eles riem)

POLÔNIO
Seu nome?

GUSTAVO
Prazer em conhece-lo.

POLÔNIO
Prazer.

GUSTAVO
Jorge.

POLÔNIO
Ah, para!

GUSTAVO
O que?

POLÔNIO
Seu nome é Jorge? Mentira.

GUSTAVO
Por que?

POLÔNIO
Meu nome é Jorge.

GUSTAVO
Não. Sério? (ri)

POLÔNIO
Que engraçado. Qual a probabilidade?

GUSTAVO
Jorge de quê?

POLÔNIO
Polônio.

GUSTAVO
Oi?

POLÔNIO
Jorge Polônio.

GUSTAVO
Polônio? Era o nome do meu pai, cara!

POLÔNIO
Sério? Mentira! Você tá brincando! Seu pai chamava Polônio? Não é um nome comum.

GUSTAVO
Polônio. Meu deus. Quem é você? É muita coincidência.

POLÔNIO
Cara, que estranho isso.

GUSTAVO
Muito estranho.

POLÔNIO
Agora eu tô com medo de perguntar o resto do seu.

GUSTAVO
Jorge...

POLÔNIO
Não fala! Não fala! Calma. Vamo respirar.

(silêncio)

GUSTAVO
Gustavo.

POLÔNIO
(bate na cabeça e anda extasiado) Putz!

GUSTAVO
O que? É o nome do seu pai?

POLÔNIO
É!

GUSTAVO
Impossível, isso.

POLÔNIO
Impossível! Meu deus. E agora?

GUSTAVO
Agora o que?

POLÔNIO
O que a gente faz? O que é isso?

GUSTAVO
Quantos anos tem?

POLÔNIO
Cinquenta.

GUSTAVO
Eu também.

POLÔNIO
Meu deus.

GUSTAVO
De onde você é?

POLÔNIO
Do sul. Rio Grande do Sul.

GUSTAVO
Meu deus! Eu sou de Jaguarão.

POLÔNIO
Eu sou de Arroio Grande. Meu pai trabalhou em Jaguarão.

GUSTAVO
É super perto de Jaguarão, Arroio Grande.

POLÔNIO
Caralho, cara.

GUSTAVO
Você já perdeu o sotaque.

POLÔNIO
Você tem um pouco ainda.

(silêncio)

POLÔNIO
Que engraçado isso. Jorge, cinquenta anos, do Rio Grande do Sul.

GUSTAVO
Nós somos quase a mesma pessoa.

(eles riem)

POLÔNIO
Qual o nome da sua esposa?

GUSTAVO
Eu não tenho esposa. É namorada. Ludmila, é o nome dela.

POLÔNIO
Ufa. Minha mulher se chama Silvana.

GUSTAVO
Ufa.

POLÔNIO
Cara, qual a probabilidade?

GUSTAVO
Não sei. Mas é incrível.

(silêncio)
POLÔNIO
Cara, isso é muito estranho. Eu tô com um sentimento estranho. É muita coincidência. Não sei o que fazer.

GUSTAVO
Calma. Como é o nome da sua mãe?

POLÔNIO
Marta.

GUSTAVO
Ufa. A minha se chama Judite.

POLÔNIO
Ufa. Seu aniversário?

GUSTAVO
Doze de setembro.

POLÔNIO
Não. Vinte e três de junho.

GUSTAVO
Setenta e três?

POLÔNIO
Setenta e três.

GUSTAVO
Estudou?

POLÔNIO
O colegial. Mas sou empresário. E você?

GUSTAVO
O colegial também. Tenho uma loja agropecuária.

POLÔNIO
Empresário, também.

GUSTAVO
Sim.

POLÔNIO
Cara, isso é muito estranho.

GUSTAVO
Muito estranho. (pausa)

POLÔNIO
Minha família teve que se mudar cedo pra cá. Eu tinha uns quinze anos quando saí do Sul.

GUSTAVO
Eu mudei de cidade, uma vez. Fui morar em Porto Alegre uma época. Acho que tinha quinze também. Dezesseis. Meu pai trabalhava no exército, ele era sargento. Aí eu acho que ele já era gay naquela época, e deve ter acontecido alguma coisa.

POLÔNIO
(surpresíssimo) Como assim alguma coisa?

GUSTAVO
Não sei. Ninguém nunca conversou sobre isso em casa. Mas eu desconfio que a gente se mudou porque minha mãe ficou com vergonha de alguma coisa. Alguma coisa que aconteceu no exército. Imagine naquela época.

POLÔNIO
Cara, meu pai também foi sargento.

GUSTAVO
Mentira. Sério? Eu não acredito.

POLÔNIO
Sargento em Jaguarão.

GUSTAVO
Eu não acredito.

POLÔNIO
Meu pai trabalhou anos em Jaguarão.

GUSTAVO
Nossos pais trabalharam juntos.

(silêncio; Gustavo entende)

GUSTAVO
Meu pai foi namorado do seu.

POLÔNIO
O que?

GUSTAVO
Eles tiveram um caso de amor.

POLÔNIO
Cale essa boca! Meu pai não era gay.

GUSTAVO
Daí ele fugiu pra cá de vergonha.

POLÔNIO
Pare com isso!

GUSTAVO
E deram o mesmo nome pros filhos. E se homenagearam com o segundo nome.

POLÔNIO
O que?

GUSTAVO
Seu pai chama Gustavo. Meu pai chama Polônio.

POLÔNIO
Isso não é possível. Meu pai não era gay. Ele era bem macho. Ele nunca teria feito isso.

GUSTAVO
Nunca vamos saber. Teremos que nos basear nas probabilidades.

POLÔNIO
Meu deus do céu, cara.

(silêncio)

POLÔNIO
O foda é que as probabilidades disso não batem em nada.

GUSTAVO
Será que devemos ser considerados irmãos?

(silêncio)

(black-out)




PARTE 3: SEXUALMENTE DESTINADOS

Personagens
Jorge Polônio
Jorge Gustavo
Silvana
Ludmila

(um restaurante)

GUSTAVO
E foi assim. Não dá pra acreditar nessas coisas.

LUDMILA
Não dá pra acreditar nessas coisas.

SILVANA
É muito estranho isso tudo.

POLÔNIO
Bota estranho nisso.

GUSTAVO
O mais incrível é a gente ter se encontrado assim, tão no acaso.

SILVANA
Sim, e a gente também, né?

LUDMILA
Não dá pra acreditar no tamanho dessa coincidência. É muito louco.

GUSTAVO
É muito louco. Eu fico pensando como todas as engrenagens desses dias estavam super calculadas, cara.

POLÔNIO
Como assim?

GUSTAVO
Pense bem. Eu e você, frutos de um amor proibido.

POLÔNIO
Calma, nós somos frutos do amor deles com nossas mães.

GUSTAVO
Com o sexo de nossas mães. Mas no pensamento gay do amor proibido deles.

POLÔNIO
Cale a boca.

GUSTAVO
E aí o universo jogou nós dois de frente, cara! Os dois decidiram naquele exato dia e exato momento ir na mesma locadora.

SILVANA
O mesmo pra gente! Nós nos envolvemos na história de vocês. Que esquisito!

LUDMILA
Que absurdo!

POLÔNIO
Esse tipo de coisa acontece, não é possível.

LUDMILA
Nossa, mas por que será que eu e ela também tivemos que nos encontrar?

POLÔNIO
Oi?

LUDMILA
Eu não entendo a grandeza dessa situação, manja? De repente, eu, que não tenho nada a ver com esses assuntos de cinquenta anos atrás, me vejo envolvida nesse assunto. Por qual motivo?

GUSTAVO
Talvez porque você me namora.

LUDMILA
Nossa, mas e a minha história? Sei lá. Tudo bem, é lindo a história de vocês e tudo o mais. Eu adoro meus amigos gays, deve ter sido uma loucura pros pais de vocês. Mas sei lá o que eu tenho a ver com isso. Será que tem mais coisa pra se descobrir?

SILVANA
Ai, será? Ai, se tiver eu vou ficar louca! É estranho mesmo. O meu encontro com o ela foi só pra descobrir que vocês se descobriram? É muito estranho.

LUDMILA
Não faz sentido, entendem?

GUSTAVO
Sei lá o porquê disso também.

(silêncio)

LUDMILA
Por que vocês não contaram logo que descobriram?

GUSTAVO
Ah, eu esqueci de contar.

LUDMILA
Uma história dessas?

SILVANA
É verdade. Por que não me contou, Jorge?

POLÔNIO
Porque... porque... a gente tem conversado pouco...

SILVANA
Mas isso você devia ter contado.

POLÔNIO
Sei lá.

(silêncio)

SILVANA
Você não trouxe nenhum filme pra casa aquele dia.

POLÔNIO
Oi?

SILVANA
Você não levou nenhum filme, nenhum desses dias.

POLÔNIO
Eu assisti sozinho.

SILVANA
E por que?

POLÔNIO
Porque sim.

SILVANA
Mas por que?

POLÔNIO
Porque sim, Silvana. Não começa.

(silêncio)

GUSTAVO
Estávamos numa locadora pornô.

SILVANA
Oi?

LUDMILA
Sério?

SILVANA
Era uma locadora pornô? Por que você não me disse, Jorge?

POLÔNIO
Eu...

GUSTAVO
Não é nada demais.

SILVANA
Eu não acredito que você tem alugado esses filmes, Jorge! Que absurdo.

LUDMILA
Não era uma loja de lingerie. Nós nos encontramos num sex shop.

POLÔNIO
O que?

LUDMILA
Nosso encontro não foi numa loja de lingerie...

SILVANA
Lud!

LUDMILA
Foi num sex shop.

POLÔNIO
Por que você foi num sex shop?

SILVANA
Eu queria comprar algo pra te excitar. Você não tá dando muita conta, Jorge!

POLÔNIO
Silvana!

SILVANA
Mas é verdade. Aquele dia eu estava subindo pelas paredes.

LUDMILA
Jesus.

GUSTAVO
Mais uma coincidência. Os dois encontros foram causados pelo tesão.

LUDMILA
Jesus do céu. E pior que é.

(silêncio)

LUDMILA/SILVANA
Preciso ir no banheiro/ Vou fazer xixi.

(elas riem)

LUDMILA
Eita!

SILVANA
Pega no verde.

(elas saem)

(Polônio e Gustavo ficam alguns segundos em silêncio; eles se olham e sorriem)

(Gustavo pega na mão de Polônio; eles se olham apaixonados)

(eles se arrumam decentemente e voltam ao disfarce)

GUSTAVO
Mediu?

POLÔNIO
Medi. Vinte e três.

GUSTAVO
Eu também. Dois terços e pouquinho de uma régua.

(eles riem)

GUSTAVO
O que será que significa o sex shop e a locadora?

POLÔNIO
O que?

GUSTAVO
Primeiro te encontro numa locadora pornô. Aí uma semana depois elas se encontram num sex shop. Isso deve significar alguma coisa.

(silêncio)

POLÔNIO
Talvez...

GUSTAVO
O que?

POLÔNIO
Ah, meu deus.

GUSTAVO
O que?

POLÔNIO
Talvez nosso encontro numa locadora tenha sido uma coincidência.

GUSTAVO
Será?

POLÔNIO
Mas o encontro delas deve ter sido um sinal para elas.

GUSTAVO
O que?

POLÔNIO
Um sinal.

GUSTAVO
Um sinal de quê?

POLÔNIO
Do que tá acontecendo.

GUSTAVO
Oi?

POLÔNIO
Um sinal. Do que está acontecendo entre a gente.

(silêncio)

(Silvana e Ludmila voltam em silêncio e se sentam)

(eles se olham, um desconfiado do outro)

(silêncio; a luz vai abaixando vagarosamente)

(black-out)

FIM





Nenhum comentário:

Postar um comentário