ALICE NAS CORRENTES (2007)

Alice nas Correntes

Personagens
Alice
Gato
Chapeleiro
Rato
Lebre
Lagarta
Coelho
Rainha de Copas
Rainha Branca
Soldado de Copas 1
Soldado de Copas 2
Soldado Branco

CENA 1: “Alice deve morrer!”

(Alice entra pela platéia; ela corre desesperadamente com o vestido ensanguentado; ela está com um taco de golfe; chora compulsivamente e senta-se ao centro do palco)

CHAPELEIRO
(entra pela platéia) Alice! Você pode imaginar o que acabou de fazer? Pode imaginar o problema que você causou para todos nós?

ALICE
Me desculpe! Eu não sei como pude... Eu não sei... (chora) Se eu pudesse voltar no tempo, se eu pudesse ter feito diferente, eu juro que faria o contrário do que fiz!

CHAPELEIRO
Mas você não pode. Você conseguiu destruir anos de trabalho! E desperdiçou as tantas vidas que se sacrificaram para que o esquema continuasse em pé. Isso não foi justo, Alice! Você não pensou nas consequências! Como acha que devo tomar o meu chá agora? Acha que ficará tudo bem? Que cantaremos?

ALICE
Pois então me puna! Se vingue! Já que não conhece a palavra piedade.

CHAPELEIRO
Como pode falar de piedade? Isso é um país! Existem regras, além de tudo! E regras são regras!

ALICE
Minha escolha foi à curto prazo. Minha escolha foi posta sobre pressão! Me deram escolha e eu escolhi o que era justo ser feito. E... e minha mão fez o serviço sozinha. Eu juro! Eu agi por impulso. Eu salvei todos vocês! Ela os mataria de qualquer jeito.

CHAPELEIRO
Pois que me matasse! Eu sou insignificante perto da magnitude deste lugar. Seria um sacrifício aceitável.

ALICE
Era um sacrifício que eu não queria em minhas mãos! Eu não queria ter o seu sangue no meu vestido, Chapeleiro! Eu só queria... só queria que tudo ficasse bem.

CHAPELEIRO
Você matou a Rainha de Copas!

ALICE
Eu sei! Me desculpa! (chora)

CHAPELEIRO
O que acha que pode acontecer? Ela é a Rainha! Eu sei que ela era o maior pesadelo deste lugar, todo mundo a odiava. Todo mundo queria poder matá-la. Mas estava estampado na cara dela o que ela significava para este lugar. Por incrível que pareça, ela era o coração do país das maravilhas. Ridículo, não? Pois é. Sem ela, tudo vai acontecer igual aconteceu com o seu mundo!

ALICE
Pois eu peço perdão. Mas eu já fiz. E como você mesmo disse, não posso mudar.

CHAPELEIRO
E agora? O que espera fazer?

ALICE
Eu não sei...

CHAPELEIRO
Com certeza voltará para seu mundo, pra fugir dos problemas que irão acontecer.

ALICE
Pois está enganado. Meus amigos estão aqui. E eu lutarei para que nada de ruim aconteça com eles.

CHAPELEIRO
Te desejo sorte, Alice. Do fundo do coração. Mas eu... eu não creio que isso será possível.

ALICE
Eu matei a rainha! O que mais pode me deter?

CHAPELEIRO
Você não conhece esse lugar, Alice. Existem coisas que ninguém entende. E eu acho que você não entendeu quando eu disse que os problemas começarão à acontecer. Ninguém palpável, ninguém que você possa ver será o causador dessa guerra, das tragédias que virão. É uma força, Alice. O País das Maravilhas é uma energia. E no final, essa energia vai se implodir.

ALICE
Não pode ser! Você está dizendo que o País das Maravilhas vai desaparecer?

LEBRE
(entra) Eu juro que mato aquela menina!

RATO
(entra) Deixe um pedaço pra mim!

LEBRE
Aí está você, Alice!

RATO
Eu sabia que você era uma menina problemática! Agora vimos que não era você que todos nós esperamos a vida toda!

LEBRE
Decididamente não era você.

RATO
Eu te achei estranha no primeiro segundo que te vi! Mas não esperava que pudesse fazer isso!

LEBRE
Você tem noção do problema que você acabou de nos presentear?

RATO
Você tem noção do quanta gente morreu pra esse mundo continuar sendo do jeito que era?

LEBRE
Esse não era pra ser o final, Alice! Está tudo errado! Tudo!

RATO
Você acabou com tudo! Você arruinou as nossas vidas...!

LEBRE
Certamente a Alice tem algum plano pra nos tirar dessa. Não é mesmo, Alice?

ALICE
Eu não sei... eu peço desculpas, Lebre. Eu não sabia que isso seria...

LEBRE
Você não sabe muito das coisas, né?

ALICE
Se eu não tivesse matado aquela bruxa, vocês estariam sem cabeça agora!

LEBRE
Mil vezes morta, do que isso.

CHAPELEIRO
E os outros que estavam lá? O que aconteceu com os outros prisioneiros?

LEBRE
Alguns conseguiram fugir. Vi muita gente ser morta, Chapeleiro. Os guardas não tiveram piedade.

RATO
Tivemos que nos separar na floresta. Os guardas estavam atrás de nós, mas nós os despistamos.

CHAPELEIRO
Por pouco tempo. Temos que pensar em alguma coisa.

LEBRE
Fugir! Só nos resta fugir!

CHAPELEIRO
Quer fugir do País das Maravilhas? Pois vá. Tente.

LEBRE
Você tem uma idéia melhor, meu caro?

CHAPELEIRO
Tomar um chá. É do que eu preciso!

LEBRE
Ora, seu... tem sangue por todo o lado e você pensando no chá!

RATO
Seria algo para compensar a morte da Rainha. Algo que deixasse a balança estável.

LEBRE
O que disse?

RATO
Devemos balancear a morte dela. Temos que arranjar um jeito de equilibrar esse evento.

CHAPELEIRO
Meu maior medo é de não existir esse jeito. Preciso mesmo tomar um chá.

ALICE
Pois eu procurarei uma solução. É minha obrigação encontrar. Nem que pra isso... eu tenha que morrer.

GATO
(entra) Miau, esse é o jeito!

ALICE
Gato!

GATO
Esse é o jeito! Esse é o único jeito!

LEBRE
O jeito de que?

GATO
O jeito de tudo voltar ao normal. De a balança ficar estável novamente. Miau!

ALICE
Gato, precisamos da sua ajuda... eu...

GATO
Minha ajuda? Resolva seus problemas, Alice. Todos nós já te ajudamos demais nessa aventura. Agora o negócio tá mais sério. Isso não é mais um conto de fadas, menina.

RATO
E como fazemos pra voltar ao normal, Gato?

GATO
Não fale comigo, imundo!

RATO
Quem pensa que é para falar assim...?

GATO
Posso sentir seu gosto na minha boca, Rato!

RATO
Pois tente.

GATO
Se eu tentar, eu vou conseguir. Pode apostar.

RATO
Você não me assusta, Bichano. Você não sabe do que eu sou capaz...

GATO
Ora, faz me rir!

CHAPELEIRO
Querem parar com isso? Não temos tempo para discussão. Desembucha, Gato! O que podemos fazer pra reverter essa situação?

GATO
Existe alguém nesse mundo, que não pertence à ele. Alguém que já pendeu para um lado a balança, fazendo com que coisas pequenas mudassem sem percebermos. Não perceberam  que o sol está girando mais rápido? Não viram que o rio corre pro lado contrário? Vocês não se sentem cansados? Quando eu iria imaginar em pensar em cansaço nesse mundo maravilhoso? É esse parasita que está mudando tudo! E agora... a morte da rainha! Ah! Isso foi a gota, Alice! O único jeito de estabilizarmos esse problema é com a morte. Uma morte em sacrifício.

CHAPELEIRO
Sacrifício? Não somos monstros, Gato! Eu não faria mal à ninguém desse lugar.

ALICE
Já morreu gente demais por hoje. Deve haver outro jeito. E eu não suportaria participar de outro... de outra... ah, eu não quero ser uma assassina de novo.

GATO
Não estou falando em sacrificar ninguém desse lugar, menina. E você não precisa se preocupar. (irônico) Você não vai participar desse ato horrendo. É você quem deve morrer.

CHAPELEIRO
O que?

GATO
Devemos matar Alice!

ALICE
Não!

CHAPELEIRO
Isso é loucura!

GATO
(ri) Até minutos atrás você era o Chapeleiro Maluco! O melhor que eu conheci. Loucura? Não, acho que não. O que aconteceu?

CHAPELEIRO
Eu... eu...

GATO
Você está sem referência! Todos vocês estão sem referência! O País das Maravilhas deixará de existir se não dermos à ele o que ele quer. Ele quer um sacrifício.

ALICE
A Rainha era má! Eu fiz um favor ao País das Maravilhas!

LEBRE
Sua idiota! Somos todos filhos do País das Maravilhas. Você ficaria feliz se alguém matasse seu filho, mesmo ele sendo o rebelde da família? Toda história tem seu vilão, Alice.

RATO
E você é nosso agora.

GATO
E sua tarefa, Alice, era perdoar. Como sempre esperamos. Como a profecia disse que aconteceria. O nosso trabalho desde que você chegou aqui, era fazer você aprender sobre a vida, sobre o amor e blá, blá, blá... durante todo trajeto até a Rainha. Mas você foi burra e não viu as pistas, não viu seu próprio destino. Você errou.

ALICE
Vocês já sabiam? Já sabiam que eu passaria por... por...? Por que não me falaram?

CHAPELEIRO
Esperamos você durante anos, Alice. Esperamos você para ensinar a Rainha que ela estava errada. Mas... (pausa) Meus avós me diziam sobre a menina de vestido azul que mudaria o coração do País das Maravilhas. Que mudaria a Rainha de Coração, a Rainha de Copas. Você era uma lenda.

RATO
Mas você estragou tudo!

LEBRE
Se a matarmos, Gato, tudo voltará ao normal?

ALICE
Lebre, por favor! Vocês não podem fazer isso comigo...!

LEBRE
Não é pessoal, querida. Você é uma menina adorável. Mas fez uma burrada. E eu te perdôo por isso. Só precisamos lutar por aquilo que sempre cuidamos e esperamos.

CHAPELEIRO
Você não pode ter tanta certeza, Gato! Como sabe que se matarmos Alice, tudo voltaria ao normal.

ALICE
Chapeleiro!

GATO
Eu não tenho certeza de nada. Mas é um risco que eu estou disposto à aceitar. E... eu meio que sinto que isso é o certo à fazer!

ALICE
É uma chance sem certeza! Vocês vão me matar e ainda assim seu país pode acabar!

GATO
Pois então será por vingança.

RATO
Eu concordo! Se vamos desaparecer de vez, devemos punir quem causou tudo isso!

ALICE
Não, Rato, por favor! Por que não me disseram qual era meu destino? Por que não me disseram o que eu devia fazer? Que eu devia perdoar?

LEBRE
Pois eu não sabia que naquele momento você arrancaria a cabeça dela!

RATO
Todos esperavam que você fizesse aquilo que estava escrito. Até mesmo a Rainha devia saber que seria perdoada.

LEBRE
Eu concordo em matá-la.

ALICE
Não está certo! Por favor! Eu tentei proteger vocês!

LEBRE
E não conseguiu, Alice! Errar é humano. Você é a única aqui. A única que podia ter errado.

RATO
Se não há outro jeito, eu concordo também.

ALICE
(chorando) Não, por favor, não...!

CHAPELEIRO
Como eu não pensei nisso antes? Era lógico que tudo iria dar errado.

ALICE
Você não via as coisas com tanta lógica, Chapeleiro. Você vivia a vida com o seu chá e suas músicas, esqueceu? Certamente me protegeria se ainda fosse o mesmo.

CHAPELEIRO
Ora, Alice. Isso tudo era uma loucura. Não existia preocupação. Mesmo com a Rainha matando sem motivos, tirando a cabeça de nossos amigos, nós tínhamos uma esperança. Você. Mas... e agora? Você está aqui e... está tudo pior. Agora é diferente.

ALICE
Chapeleiro, por favor, eu...

CHAPELEIRO
(suspira) Sinto muito, Alice. O Gato está certo.

ALICE
Não! Por favor!

GATO
Devemos nos apressar.

LEBRE
Pra onde iremos?

GATO
Eu conheço alguém que pode nos ajudar.

LAGARTA
(off) Senhoras e senhores!

RATO
Ah! E agora? Quem deve ser?

CHAPELEIRO
São os guardas! Ai, meu deus!

LAGARTA
Senhoras e senhores e senhoras e senhores e senhores e senhoras!

LEBRE
Não, é a voz da Lagarta. Não me diga, Gato, que você estava falando da estúpida e viciada Lagarta...! Ela é uma idiota!

GATO
Eu nem sei quem é essa tal de...

LAGARTA
(entra) Sem horas! Cem minutos! Cem segundos! Cento e um, cento e dois! Cento e noventa e nove! (gargalha)

RATO
Só pode ser brincadeira. Ela é a ajuda, Sr. Sabe-Tudo?

GATO
É claro que não, idiota! 

LAGARTA
(entra; exageradamente grogue) Oh! Os glóbulos vermelhos me mostraram os azuis com cara de problema intelectual e cebola sem medo de morrer de infarto fulminante. Quem sabe contar até dez põe o dedo aqui! E em inglês! Pedaços e pedaços de problemas! Muitos problemas! Onde estão meus irmãos? Onde estão meus irmãos? (chora)

LEBRE
Assustador.

RATO
Definitivamente.

GATO
Vamos embora! Não temos tempo para...

CHAPELEIRO
O que aconteceu com seus irmãos, Lagarta?

GATO
Era só o que faltava.

LAGARTA
Irmãos? Eu sou filho único!

CHAPELEIRO
Interessante.

LAGARTA
(vê a reunião) O que está acontecendo nesse lugar abençoado de bichos normais? Vocês estão discutindo qual será o nosso novo futuro aqui? Porque num sei o que tá acontecendo, mas o rio tá descendo em vez de subir. Alguém reparou? Eu sim. E o sol tá girando ao contrário. Estranho...

GATO
(pausa) Pois bem, agora devemos...

LAGARTA
Estranho! Muito estranho!

CHAPELEIRO
É mesmo muito estranho, não é?

GATO
Devemos ir agora! O tempo tá passando!

LAGARTA
(para Alice; surpresa) Humanóide esquisita! Você por aqui? Sabe que eu te acho bonitinha? (falando baixo) Viu, queria saber se sobrou algum pedacinho daquele cogumelo que eu te dei. (ri) É que o meu acabou.

ALICE
Lagarta! Me ajude! Eles querem me matar!

LAGARTA
O que? Até parece, menina! Essa bicharada é do bem! Isso era pra ser uma história infantil. Não existe morte, nem sangue, nem cabeças voando, nem nada.

ALICE
Pois tudo mudou. Eles já decidiram. Vão me matar.

LAGARTA
Vocês estão pensando em matar Alice? É verdade?

LEBRE
O mais rápido possível.

LAGARTA
Mas ela é uma menina! E de vestido azul, gente!

GATO
Não podemos falar agora, Lagarta. Temos que matá-la logo!

LAGARTA
Espera aí! Deixa eu ver se entendi. (pensa)

(longa pausa; o Gato demonstra irritação)

LAGARTA
Meu Deus! Como podem pensar em fazer tal coisa? Ela é a Alice. Aquela Alice! Devemos protegê-la! Devemos ensiná-la até perdoar a Rainha e...

LEBRE
Ela matou a Rainha de Copas.

LAGARTA
Tá bom. Entendi, dentinho. (gargalha)

RATO
É sério.

LAGARTA
Eu comi o cogumelo inteiro. Só pode. Eu não ouvi o que você acabou de dizer. Vocês talvez nem existam! Só pode ser. Que viagem maluca! A Rainha de Copas morta... Não tô entendendo mais nada! Matar a Rainha de Copas. Impossível. Isso é impossível!

CHAPELEIRO
A Alice realmente matou a rainha, Lagarta!

GATO
Tirou a cabeça dela com um taco de golfe!

CHAPELEIRO
Temos que sair daqui. Os guardas estão matando todo mundo. E o País das Maravilhas está... todo mudado. E vai desaparecer.

LAGARTA
É sério isso? Não pode ser.

GATO
É sério, Lagarta. Caramba, meu!

CHAPELEIRO
Eu queria que não fosse.

LAGARTA
Então... não há mais jeito! Agora ferrou tudo!

GATO
Ainda há um único jeito, Lagarta. Temos que matar Alice!

LAGARTA
Oh! Não! Alice é apenas... uma menina. Uma criança viciada em cogumelos, mas além de tudo ela é uma menina de vestido azul, meu! Que é extremamente lindo. Isso é meio absurdo, compreende?

GATO
Será um terrível sacrifício. Eu também estou sentido com o fato. Mas é extremamente necessário, infelizmente.

CHAPELEIRO
Talvez seja o único jeito de voltarmos ao normal.

GATO
Talvez não. É o único jeito.

LAGARTA
(pensa) O único jeito mesmo?

ALICE
Lagarta! Por favor!

GATO
Não vejo outro. E temos de ir logo!

LEBRE
Sim. Vamos! Estou ficando nervosa com essa expectativa. Os guardas à qualquer momento podem chegar.

RATO
Você vem com a gente, Lagarta?

LAGARTA
Espera, eu tô pensando...

GATO
Não temos tempo! Vamos logo!

RATO
Eu disse que ela pensava.

LEBRE
Pensa nada. É charme.

ALICE
Lagarta, não deixe que eles façam isso. Eu só... eu só tentei ajudar. (chorando) Eu não quero morrer!

LAGARTA
Se não fizermos, se não a matarmos... tudo isso vai desaparecer, não é?

CHAPELEIRO
É isso mesmo.

GATO
Meu Deus, vocês estão nos atrasando!

ALICE
Por favor, por favor...

LAGARTA
(pausa) Alice, eu te ajudei algumas vezes.

ALICE
Por favor...

LAGARTA
Mas... dessa vez... eu preciso pensar mais em mim, não é mesmo? E você acabou com meu cogumelo!

ALICE
Vocês não podem fazer isso comigo! Não é justo!

LEBRE
Cale essa boca! Já tá ficando feio de tanto implorar.

RATO
Você espera que deixemos você apenas ir embora? Alguém tem de ser punido.

ALICE
Eu não quero morrer! Por favor! Por favor! Deve haver outro jeito... Rato! Por favor! Nós rimos juntos, lembra? Foi o melhor chá da minha vida.

GATO
Não tente chantageá-lo!

RATO
Não se preocupe, Gato. Meu coração é de pedra. Sinto muito, Alice. Eu simplesmente não posso te ajudar.

ALICE
Chapeleiro, meu amigo...

GATO
Cale a boca! Não tente suborná-los com esse seu jeitinho...

ALICE
Eu tenho o direito de tentar!

CHAPELEIRO
(quase chorando) Me desculpe, Alice! Eu não posso fazer nada.

ALICE
Eles vão me matar. E você não vai fazer nada.

CHAPELEIRO
(chora) Prometo que não sentirá dor!

GATO
Não prometa o que não pode cumprir, Chapeleiro. A dor será necessária. A morte não deverá ser rápida. Alice terá que sofrer.

LAGARTA
E por que?

LEBRE
Sério isso?

RATO
Vixi.

GATO
(inventando) Regras básicas de sacrifício.

ALICE
Por favor...

(todos se olham refletindo sobre o caso)

RATO
Eu concordo.

LEBRE
Eu também.

LAGARTA
Topo o que vier.

ALICE
Não!

CHAPELEIRO
Onde devemos ir? Quem irá nos ajudar?

GATO
Vamos levá-la à casa do Coelho.

ALICE
O coelho?

GATO
Ele saberá o que fazer. Me desculpe, Alice.

ALICE
(grita)

(eles a acorrentam; uma música acompanha a cena em crescente)

(black-out)

* * * * *


CENA 2: “O Carrasco”

(muitos relógios de diversos tamanhos; uma caixa ao centro)
(o Coelho está deitado no palco)

COELHO
(acorda assustado) Uh! Que pesadelo terrível! (se levanta e confere todos os relógios; calmo) Está certo. Tudo certo. Bonitinho. Tudo certo. Certo. Aham. Ok. Podemos simplesmente fazer alguma coisa. Há muito tempo agora. Até parece que o tempo parou... Não estou mais atrasado! (pensa; se desespera) Não estou mais atrasado? O tempo está parado! O tempo parou! Como é possível? Isso não... não tem sentido nenhum! Não tem mais sentido! Não tem mais nada! (olha pela janela) O sol! O sol está ao contrário! Não pode ser... aconteceu alguma coisa! Alguma coisa de muito ruim! O que eu faço agora?

(ouve-se conversas em off)

COELHO
Que barulheira é essa? Que bagunça é essa na frente da minha casa?

RATO
(off; bate na porta) Coelho! Coelho!

COELHO
Ah! Odeio visitas! Quanta gente! Vão embora!

CHAPELEIRO
(off) Coelho! É importante!

LEBRE
Abra a porta!

COELHO
Não tem ninguém!

GATO
Caramba, Coelho! É sempre a mesma coisa!

(eles arrombam a porta)

COELHO
Oh! O que é isso? O que pensam que estão fazendo...?

GATO
Aconteceu o que nós temíamos, Coelho. A profecia aconteceu ao contrário.

COELHO
(se mostra preocupado) Gato, não brinca com esse tipo de...

GATO
A rainha está morta!

COELHO
O que?

GATO
É isso mesmo. Alice a matou.

COELHO
Alice! Eu sabia! Você só trouxe problema, menina! Todo o tempo eu sabia que isso ia dar merda! Tanto trabalho! Tanta correria pra você...

ALICE
Eu já fui julgada, Coelho. Não precisa me dizer mais nada.

COELHO
Julgada? Você merecia a morte, menina! Você não sabe o que...

ALICE
É isso o que eles vieram fazer aqui. Decidir como me matar.

RATO
É isso mesmo. Não temos escolha, Coelho. Ela vai ter que morrer.

GATO
Viemos aqui pelo seu passado, Coelho. Pelas coisas que eu sei que você guarda aqui.

RATO
O que?

COELHO
Não. Não. Eu não quero participar disso! Vocês querem matá-la? Ela merece. Mas eu não vou ajudar! Não faço mais esse tipo de coisa.

GATO
Você sabe quais são as regras, Coelho! Ela deve morrer sofrendo! E você, só você pode nos ajudar.

COELHO
Eu...

GATO
Não se preocupe que você não vai precisar encostar nela. Nem nenhum de vocês. Podem deixar que eu faço o serviço.

COELHO
Não! Eu prometi que nunca mais pensaria nisso! Eu jurei pra mim mesmo!

LEBRE
Vamos matá-la de outro jeito, Gato!

GATO
Não! Eu quero as ferramentas que ele tem!

RATO
Ferramentas?

GATO
Ela deve morrer torturada. Eu já disse! Tem que ser com muita dor.

ALICE
Por favor, façam logo! Eu não vou suportar essa espera. Esperar para morrer.

COELHO
Procurem outro jeito! Eu não vou ajudar!

GATO
(grita) Coelho! Você não entende! Pense um pouco! Pense no que conversamos!

(silêncio)

LAGARTA
O que conversaram?

GATO
Não interessa!

COELHO
(pensa por um tempo) Tudo bem. Você está certo. Eu vou ajudar.

GATO
Muito bem. O que é certo é certo! Devemos fazer logo.

LAGARTA
Que tipo de ferramentas você disse?

GATO
O Coelho tem um passado que vocês não conhecem. Ele trabalhou para a Rainha. Ele era o carrasco.

CHAPELEIRO
O carrasco?

LEBRE
O carrasco! Sim. Eu me lembro de você! Me fez contar onde tomávamos nosso chá, tirou unha por unha da minha pata.

RATO
Viemos pedir ajuda à um assassino?

ALICE
Você será cúmplice do meu assassinato, Rato! Você também é um assassino!

RATO
Como ousa...? (ameaça bater em Alice; a Lebre o segura)

COELHO
Eu me arrependi de tudo o que eu fiz! Eu era um coelho diferente!

LAGARTA
Você... você certamente matou muitos de nós.

COELHO
Pra falar a verdade eu matei muitas lagartas. E me envergonho disso. Eu peço desculpas.

LEBRE
Ora, desculpas é fácil.

COELHO
Eu mudei, tá bom? Vocês querem minha ajuda? O réu hoje não sou eu. É a menina.

CHAPELEIRO
Podemos fazer isso logo?

RATO
É. Os guardas estão vasculhando tudo. Eles logo chegam aqui.

LAGARTA
O que faremos exatamente com ela?

CHAPELEIRO
Cortar a cabeça? Como fez com a Rainha.

GATO
Eu disse que tem que ser lentamente. Que ela sofra o máximo possível.

(Alice começa a chorar desesperadamente)

COELHO
Não chore na minha casa, menina! Você fez sua escolha!

ALICE
Eu escolhi salvar aqueles que me ajudaram. Eu escolhi fazer o que parecia certo. Eu certamente seria julgada culpada se deixasse que todos vocês fossem decapitados. Pois era isso o que a Rainha ia fazer. Mas... eu não ouvi um “obrigado” se quer. Mesmo estando errada, eu merecia um agradecimento. Foi uma burrada achar que você fossem meus amigos.

CHAPELEIRO
(amável) Alice, isso não se trata de amizade. É maior. É de toda uma população que estamos falando. De todos os habitantes do País das Maravilhas. A coisa vai ficar bem feia por aqui. (pausa) Mas... mesmo assim. Muito obrigado.

GATO
Idiota. Deixem comigo! Eu sei o que deve ser feito.

(black-out; ouve-se um grito de Alice)

* * * * *

CENA 3: “Alice nas correntes”

(luz; Alice está acorrentada ao centro, com as pernas e braços esticados; o Gato a chicoteia diversas vezes; ela grita e chora desesperada; logo, Alice desmaia; o Gato joga água em seu rosto e a acorda com tapas no rosto)

GATO
(calmamente) Você deve estar se achando uma idiota de ter pensado em vir para esse mundo, não? De ter seguido o coelho até o buraco. Certamente se você soubesse que seu destino era morrer torturada por um gato (ri) - Miau! -, você teria dado meia volta e, neste exato momento, estaria deitada aconchegada na sua cama cor de rosa. É uma pena. É uma pena de verdade eu ter que fazer isso. Mas nós não tivemos escolha, menina. Nós não tivemos alternativa. (longa pausa; ri com o canto da boca) Ou tivemos. (segura um bastão de madeira com pregos na ponta) Alice, eu espero que você entenda. (se prepara para bater na cabeça de Alice, e...)

LAGARTA
Hey, Gato!

GATO
O que você quer? Agora não, Lagarta.

LAGARTA
O Rainha Branca! Ela está aí! O que devemos fazer?

GATO
O que? Ela...? Ela...? O que ela quer? O que ela está fazendo aqui? Ainda não.

LAGARTA
Eu não sei. Ela quer entrar aqui! O que vamos fazer?

GATO
Que droga! Mulher intrometida! Deixe que eu cuido dela. Se quiser bater, pode usar essas ferramentas. Mas não a mate. Deixe o serviço mais pesado para mim. (sai)

LAGARTA
(imitando) “Deixe o serviço mais pesado para mim.” Gatinho do mal!

(A Lagarta pega um alicate, e se dirige à Alice)

ALICE
(zonza) Lagarta... por favor... me mate...

LAGARTA
Eu nunca faria isso, menina! (corta as correntes) Venha, se apóie em mim.

ALICE
Você vai me torturar? Vai me bater de novo?

LAGARTA
Alice, eu não vou te machucar. Eu vou te tirar daqui.

ALICE
Por que? Por que está me ajudando, Lagarta? Eles vão te matar também.

LAGARTA
A morte deve ser uma viagem bizarra. Se for a hora, estou pronto pra conhecer. Temos que fugir rápido.

ALICE
Pra onde vamos? Não temos pra onde ir. Os guardas estão nos procurando e...

LAGARTA
Você lembra onde fica o buraco de onde veio?

ALICE
Acho que sim.

LAGARTA
Você deve voltar pra sua casa.

ALICE
Eu não posso ir embora. Tenho que ajudar o País das Maravilhas.

LAGARTA
Não tem mais o que ser feito, Alice. Tá tudo mudado pra sempre! E logo... nada disso mais vai existir. Eu já me conformei. (olhando os machucados de Alice) Você está bem, querida? Consegue andar?

ALICE
Acho que sim.

(o Coelho entra)

COELHO
O Gato mandou eu... O que pensa que está fazendo, Lagarta?

LAGARTA
É... eu... eu... estou enforcando ela. (finge enforcar Alice; Alice finge ser enforcada) Morra! Morra!

COELHO
Muito bem, Lagarta. Todo mundo tem o seu lado malvado.

LAGARTA
Pois é. Eu adoro enforcar meninas de vestidos azuis!

COELHO
Agora é minha vez. Deixe-me brincar um pouco com ela.

LAGARTA
Ah... é... você disse que não fazia mais esse tipo de coisa.

COELHO
Eu não vou matá-la. O Gato que vai. Só quero brincar um pouco. Matar a saudade.

LAGARTA
Claro. (pausa) Meu Deus! O que será aquilo? (aponta para o alto)

COELHO
(olha) O que?

LAGARTA
(aplica uma injeção no pescoço de Coelho, que cai duro) Como pode ter caído nessa, trouxa? É mais velha que minha avó! (tira as correntes) Não se preocupa que vai dar tudo certo, viu, menina?

ALICE
Lagarta, obrigada. Nem sei como te agradecer. Eu fiquei tão assustada.

LAGARTA
Eu tive que falar que estava de acordo para que eles não desconfiassem. Eu nunca machucaria uma mosca. Eu prego paz e amor, bebê.

ALICE
Obrigada.

LAGARTA
Agora eu vou te levar até o buraco.

ALICE
Eu quero tentar ajudar!

LAGARTA
Não! Não há mais jeito! Se houvesse outra forma eu certamente saberia... (pensa)

(longo silêncio; a Lagarta tem uma ideia)

LAGARTA
Eu tive uma ideia. Você quer ajudar? Acho que você pode ter uma chance.

GATO
(entra) Acha que vai conseguir fugir, Lagarta?

LAGARTA
Eu estou enforcando ela... é quer dizer, estava...

GATO
Bom golpe. Meus parabéns. Como eu pude acreditar que a Rainha estivesse aqui? Meus parabéns. Você é um bom mentiroso. E conseguiu enganar o Coelho também. Excelente.

LAGARTA
Olha, o que será aquilo? (aponta para o alto)

GATO
Eu não sou idiota, não vou cair na sua...

LAGARTA
(dá um murro na cara do Gato)

GATO
(atordoado) ... lábia de lagartixa. (desmaia)

LAGARTA
Vamos! Minha idéia tem que dar certo!

ALICE
E o que é? O que vamos fazer?

LAGARTA
Eu acho que você vai poder mudar o que aconteceu, Alice. Temos que sair daqui antes que os outros percebam.

ALICE
Pra onde vamos?

LAGARTA
Pro castelo branco.

ALICE
A Rainha!

LAGARTA
Isso mesmo. Agora vamos!

ALICE
Espere! O que aconteceu com o Coelho? Ele vai ficar bem?

LAGARTA
Não se preocupe, Alice! Eu disse que não faria mal à uma mosca. Ele só vai ficar desacordado por um bom tempo.

ALICE
O que tinha na injeção?

LAGARTA
Laxante e coca-cola. Isso não vai matá-lo.

ALICE
Bom... então é melhor sairmos logo.

LAGARTA
Sim. O negócio vai ficar bem sujo por aqui. Vamos!

ALICE
Eca.

(os dois saem)

* * * * *

CENA 4: “O castelo branco”

(cenário branco; muitos panos e enfeites)

BRANCA
(ela anda impaciente pelo palco; pensativa)

SOLDADO BRANCO
Majestade.

BRANCA
Sim! Diga!

SOLDADO BRANCO
Não encontramos nada, majestade. Os animais são os únicos que conseguem achar a casa do Coelho. E nenhum, dos que sobreviveram, quis nos contar.

BRANCA
Pois os force a contar!

SOLDADO BRANCO
Não adianta, Rainha. O País das Maravilhas está um caos. Eu vi cadáveres por todo canto. Os sobreviventes estão apavorados. A lei está sem força.

BRANCA
Aquele Coelho! Quero o meu relógio de volta! (pausa) Notícias da menina?

SOLDADO BRANCO
Ouvi boatos de que estaria morta.

BRANCA
Morta?

SOLDADO BRANCO
O Coelho, mais uma vez...

BRANCA
Impossível ela estar morta. Eu quero esse Coelho! Me tragam esse Coelho!

SOLDADO BRANCO
Ouvi dizer que o único jeito de tudo voltar ao normal é matando Alice.

BRANCA
Mentira! Se Alice morrer, todos os nativos do País das Maravilhas morrerão.

SOLDADO BRANCO
Quando diz “os nativos”... Você quer dizer aqueles que nasceram aqui? Os que são realmente filhos deste país?

BRANCA
Exatamente. O País das Maravilhas aceitou imigrantes, e os adotou como filhos. Mas alguns são ambiciosos. Eles desejam nosso mundo só pra eles. E fariam de tudo para acabar com os nativos e dominar o País. Enquanto estivermos vivos, significa que Alice também está. Agora... eu quero que tente procurar novamente. Eu preciso daquele relógio. E rápido. Antes que alguém consiga matar Alice.

(Alice e a Lagarta entram)

LAGARTA
Minha majestade! (ajoelha-se)

BRANCA
Alice, eu te aguardava. Eu sabia que conseguiria chegar até mim.

SOLDADO BRANCO
Ela não está morta.

BRANCA
Eu vejo.

ALICE
Majestade, por favor. Eu preciso de sua ajuda. A Lagarta me ajudou, mas todos os outros querem me...

BRANCA
Te ver morta, não é? Isso é mentira, Alice. Você não precisa morrer. Você não pode morrer. Você é visita aqui. Deverá ser tratada como tal.

ALICE
Majestade, eu faço qualquer coisa. Qualquer coisa pra que eu possa consertar esse erro.

BRANCA
Alice, eu só preciso saber se essa vontade é de verdade. Se você realmente está arrependida do que fez.

ALICE
(pensa) Eu estou arrependida pelas consequências que vieram depois. Mas... eu não consigo me arrepender de ter matado a Rainha de Copas. Ela torturou todos eles, e mesmo assim, mesmo eu salvando as suas cabeças, eles me julgaram e planejaram minha morte. Eu queria poder me arrepender. Mas ela... ela... merecia ser morta!

BRANCA
Alice, não é você quem escolhe quem merece ser morto. Não sou eu, não é nenhum de nós. Todos temos o direito de se arrepender um dia. Se arrepender de nossas mais fedidas cagadas.

SOLDADO BRANCO
Majestade!

BRANCA
E não é? E você não deu essa chance para a Rainha de Copas, Alice. Ela era má, todos sabemos. E da boca pra fora, eu acho que ela merecia mesmo morrer. Mas não cabe à mim escolher.

ALICE
Mas ela matou muitos outros. Ela tirou a oportunidade de muita gente.

BRANCA
Ela iria pagar pelos erros. Uma hora ou outra. O País das Maravilhas é justo, Alice.

ALICE
Eu sei.

BRANCA
Espere um pouco. (ela medita alguns segundos) Você terá uma segunda chance. Houve mentiras sobre matar você, Alice. Mentiras com o nome majestoso do País.

ALICE
O que eu devo fazer, Rainha?

BRANCA
O único jeito é você não matar a rainha.

ALICE
Mas... mas como? Eu já matei. Eu não posso voltar e...

BRANCA
Você está no País das Maravilhas, menina! O que você acha que não pode fazer? Você cresceu, você diminuiu, você conheceu lagartas, coelhos, chapeleiros, gente ruim, gente boa... E é claro que tem um jeito, Alice. Sempre tem um jeito. Você vai viver aquele momento de novo. Mas você vai ter que fazer sozinha. Terá que fazer a mesma escolha, Alice. E espero que escolha a coisa certa dessa vez. Mas necessito da sua vontade mais verdadeira de fazê-lo.

ALICE
Majestade, eu aceito. Eu quero reverter essa situação.

BRANCA
Só tem um problema, o relógio que permite a viagem no tempo foi roubado. Está na casa do Coelho. Aquele larápio. Meus homens não conseguem encontrar a casa dele há dias. Mas você, Lagarta, certamente encontrará.

LAGARTA
Estou à disposição.

ALICE
Não posso voltar àquela casa. Eles vão me matar.

LAGARTA
Certamente. E eu também.

BRANCA
(pensa; fecha os olhos; tira um cogumelo do bolso)

LAGARTA
Um cogumelo! Dá um pedaço!

BRANCA
Este cogumelo é um truque, Lagarta. Não recomendo.

SOLDADO BRANCO
Putz, pode crer.

BRANCA
Quando chegarem à casa do Coelho, joguem o cogumelo para dentro. Espere fazer o efeito e pronto. Todos estarão imobilizados o tempo suficiente pra você tocar o relógio.

ALICE
E como eu ligo o relógio? Pra eu poder voltar pro horário certo?

BRANCA
Pense onde você quer estar e o relógio te leva.

ALICE
Entendi.

BRANCA
É arriscado, Alice. Mas não há outro jeito. O relógio já está preparado.

ALICE
Beleza

BRANCA
Então, boa sorte. Ah! Você não vai se lembrar desse incidente. Não vai lembrar que já matou a Rainha. Não vai se lembrar dessa conversa. Então, eu peço que você siga o seu coração, Alice. É a sua chance de mudar o que aconteceu.

LAGARTA
Mas Rainha, com sua permissão, se algo já aconteceu, e se ela não se lembrar de já ter feito, ela vai fazer o que já aconteceu, não?

BRANCA
O tempo é estranho, Lagarta. O tempo não vai conseguir mudar esta angústia do peito de Alice. Então, de certo modo, inconscientemente ela vai lembrar. Eu confio em você, Alice. Só deixe o destino fazer o que deve fazer.

ALICE
Obrigada, Rainha!

BRANCA
Até mais, Alice.

(Alice e a Lagarta saem)

SOLDADO BRANCO
Rainha, você acha que vai dar certo?

BRANCA
A porcentagem de dar certo e de não dar é a mesma. Mas devemos ser otimistas.

SOLDADO BRANCO
Mas... Rainha, o que aconteceu de errado? Todo mundo confiava na profecia de que tudo ia dar certo. A menina chegou conforme previsto, conheceu todos que deveria conhecer. Eu nunca iria imaginar que eu viveria pra ver esse dia! Mas... por que? Por que Alice matou a Rainha?

BRANCA
E se aquele que previu esses eventos mentiu? E se ele omitiu algumas partes? Se tudo isso já tivesse sido previsto? Alice matando a Rainha, a Lagarta a ajudando a fugir dos outros... Ele só contou a história que seria a mais confortante. Sem problemas, sem turbulência. Pra que a esperança de um lugar melhor fosse maior do que o medo. Talvez, por isso mesmo devemos ser otimistas. Se está escrito, Alice deve perdoar a Rainha de Copas. Não importa quantas vezes isso tenha que ser feito.

(black-out)

* * * * *

CENA 5: “O relógio do tempo”

GATO
Burro! Burro! Muito burro! Coelho burro!

LEBRE
Eu sabia que não devíamos confiar naquela Lagarta! Ela é a maior drogada!

CHAPELEIRO
E agora? O que faremos?

RATO
Não há mais nada à fazer. Certamente, Alice deve estar deitada em sua casa rindo da nossa cara.

GATO
Como pode ter deixado uma lagarta burra e uma menina te dopar, Coelho? É muita idiotice. Eu sabia que não deveria deixar uma tarefa importante nas mãos dos outros. Eu tinha que ter matado ela! (disfarçando) Mas... a hora que eu cheguei lá... eles já tinham sumido.

CHAPELEIRO
Você parece certo de que devia matá-la. Nós nem tínhamos certeza de que funcionaria.

GATO
Eu sei que funcionaria!

RATO
Como?

GATO
Apenas sei.

COELHO
Talvez ela não precisasse morrer.

GATO
Cale a boca, Coelho! Não pense em...

COELHO
Não pense em o que? Você acha que é o líder mais não é, Bichano! Estou cansado dos seus planos! Dessa obsessão por querer dominar o mundo! Você não cansa? Não cansa de perder?

CHAPELEIRO
Do que estão falando?

LEBRE
Dominar o mundo? O que é isso?

GATO
O Coelho está delirando. Aquela Lagarta te drogou com alguma coisa bem forte.

COELHO
Eu não estou delirando! Só caguei pra caramba.

RATO
Desembucha, Coelho! Diga o que você sabe!

COELHO
Ele enganou Alice. E enganou todos vocês.

GATO
Está louco! Não ouçam o que ele diz! Eu tentei ajudar todo mundo, eu...

RATO
Cale a boca!

CHAPELEIRO
Continue, Coelho

GATO
Não ouçam! Ele é louco!

CHAPELEIRO
Os loucos se entendem.

COELHO
Ele fez Alice matar a Rainha.

RATO
O que?

COELHO
Todos sabem que ele pode ficar invisível, não? Alice acha que matou a Rainha, mas o Gato estava o tempo todo com a mão no taco de golfe. Ao lado dela. Invisívelsíssimo.

LEBRE
Eu não acredito!

RATO
Não é possível!

CHAPELEIRO
Fomos tão estúpidos com Alice! Seu... seu...

RATO
E a gente confiou em você! Todo mundo acreditou no que você disse!

GATO
Eu não...

LEBRE
Por que você mesmo não matou a Rainha, Gato? Envolveu uma menina nas suas sujeiras.

COELHO
Ele precisava fazer com que Alice virasse a sucessora. A nova Rainha.

RATO
O que? Como assim?

COELHO
Existe uma lenda que diz que aquele que conseguir matar três Rainhas humanas, ou meio-humanas, se tornará o rei de todo o universo.

RATO
De todo o universo?

LEBRE
Todo, todo?

COELHO
Todíssimo!

CHAPELEIRO
O problema é que só existem duas Rainhas nos País das Maravilhas.

COELHO
Exatamente. Quando alguém mata uma Rainha, essa pessoa se torna a nova rainha ou rei. A Rainha de Copas está morta, pelas mãos de Alice e do Gato. Alice e o Gato dividem o mesmo posto de Reis. Temos dois reis de copas.

CHAPELEIRO
Calma. Não tô entendendo...

COELHO
O gato, participando do assassinato da verdadeira Rainha de Copas, já matou uma. Agora, a intenção era matar Alice. Duas.

GATO
(tenta correr; eles o seguram)

CHAPELEIRO
Se ele matar Alice...

COELHO
Todos vocês vão morrer. Todos os nativos.

RATO, CHAPELEIRO e LEBRE
O que?

GATO
É mentira! Que absurdo! Eu não...! Eu também morreria se fosse assim! Não tem esse negócio de todos morrem? Então.

RATO
Silêncio! Estou farto de você!

LEBRE
Eu sabia que você era um charlatão, Gato! Um mentiroso! Quase matamos uma menina por sua culpa!

CHAPELEIRO
É claro! Como não pensei nisso antes? Quando Alice matou a Rainha, mesmo matando o coração do País das Maravilhas, ela se tornou a Rainha. Uma Rainha morta, tudo muda. O sol, o rio... Duas Rainhas mortas, todos morrem. Também estava escrito. Mas vocês dois também morreriam, é verdade!

COELHO
Nós não nascemos aqui, Chapeleiro. Só os nativos morrem.

LEBRE
Meu deus.

CHAPELEIRO
Que absurdo. Virar o rei do universo, Gato! Como pode?

COELHO
Mais do que justo virar o rei de tudo quando se consegue matar três Rainhas de uma vez.

LEBRE
Tá. Mas peraí. E a terceira?

RATO
É, e a terceira Rainha?

COELHO
A Rainha Branca.

TODOS
Oh!

COELHO
Ele me fez roubar esse relógio. Era o xodó da Rainha. Esperávamos que ela viria buscar pessoalmente. E então...

RATO
Meu Deus!

GATO
Vocês não batem bem da cabeça! Que história ridícula!

RATO
(dá um soco no Gato) Você é ridículo!

GATO
(atordoado) De novo? (desmaia)

RATO
É por isso que eu odeio gatos!

LEBRE
Parabéns.

RATO
Eu sempre quis fazer isso.

(o cogumelo é arremessado de fora de cena, e explode numa fumaça densa; todos ficam imóveis)

RATO
O que é isso?

LEBRE
Não consigo me mexer!

CHAPELEIRO
Eu também não!

COELHO
Deve ser mais uma desse Gato infeliz!

LEBRE
Como? Ele está desmaiado!

(Alice e a Lagarta entram)

LAGARTA
Olá, pessoal! Viemos salvar o mundo! Fiquem aí paradinhos! (ri; zombando) Não podem ser mexer. O cogumelo da Rainha Branca é o mais poderoso. Idiotas. Vão perder. Lá, lá, lá. Eu sou o coadjuvante amigo dessa história! E vocês são os vilões! Vilão no plural fica esquisito, né?

LEBRE
Finalmente! Alice, como conseguiu...?

ALICE
Não temos tempo. Onde está o relógio da Rainha, Coelho?

COELHO
E por que eu diria?

ALICE
(dá um chute no saco do Coelho) Agora!

COELHO
Está dentro daquela caixa.

ALICE
Me ajude, Lagarta!

CHAPELEIRO
Alice...

ALICE
O que quer?

CHAPELEIRO
Me perdoa.

LEBRE
Estávamos errados.

RATO
O Gato planejou tudo isso.

LAGARTA
No caminho, ligamos os pontos. Montamos o quebra-cabeça. Já sabemos de tudo.

ALICE
Eu não vou guardar mágoas. Vocês estavam desesperados. E outra, ninguém vai se lembrar do que aconteceu.

LEBRE
Não? O que...?

ALICE
Eu vou salvar a Rainha de Copas.

CHAPELEIRO
Mas como?

ALICE
Até mais, pessoal!

(Alice toca no relógio; jogo de luz)

(black-out)

***************

CENA 6: “A Rainha de Copas”

(Alice está deitada no centro; os Soldados de Copas estão imóveis ao lado; a Rainha de Copas entra e chuta Alice)

RAINHA DE COPAS
Acorde, retardada! Menina estranha! Vamos!

ALICE
O que foi?

RAINHA DE COPAS
Levanta, bruxinha! Vai! Se mexe! (chuta Alice novamente)

ALICE
Não precisa me chutar. Já estou levantando.

RAINHA DE COPAS
(imitando) “Não precisa me chutar. Já estou levantando.” Menina metida! (cospe na cara de Alice)

ALICE
Por que fez isso?

RAINHA DE COPAS
(gargalha) Por que? Porque eu posso, querida! Porque eu sou a Rainha de Copas e eu posso fazer o que bem entender!

ALICE
Mas não deve ser assim, majestade. Eu não fiz nada de errado para ser presa.

RAINHA DE COPAS
Você me irrita! Sua cara de idiota me irrita profundamente!

ALICE
E por isso eu devo ser presa?

RAINHA DE COPAS
(gargalha)

SOLDADOS
(gargalham)

RAINHA DE COPAS
Ora, pobre Alice. Foi presa por ter cara de retardada. E é por isso, somente por isso, que eu te desafio em um jogo.

ALICE
Mas eu não quero jogar nada.

RAINHA DE COPAS
Você não tem escolha, burra!

SOLDADOS
Burra!

ALICE
Mas, majestade, eu não sou boa em desafios e...

RAINHA DE COPAS
Cale essa boca! E este desafio te custará a vida!

ALICE
Como...? Eu não entendo...

RAINHA DE COPAS
Sabe jogar golfe, querida?

ALICE
Golfe? Meu pai me ensinou uma vez e...

RAINHA DE COPAS
Cale a boca! Deverá jogar golfe comigo, se perder, perderá a cabeça.

ALICE
O que? Mas, majestade...

RAINHA DE COPAS
Cale a boca!

ALICE
Mas eu não...

SOLDADOS
Cale a boca!

ALICE
Eu não estava falando com vocês!

RAINHA DE COPAS
AH! Como ousa desrespeitar meus homens, sua imbecilzinha? Eles são uns idiotas, mas são meus homens! Eu exijo respeito no meu castelo! Peça desculpas!

ALICE
Mas, majestade...

RAINHA DE COPAS
Desculpas!

ALICE
Mas...

RAINHA DE COPAS
Agora!

ALICE
(suspira) Me desculpem...

RAINHA DE COPAS
Muito bem...

SOLDADO 1
Menina mal educada!

SOLDADO 2
Foi criada no mato, foi?

RAINHA DE COPAS
Calem a boca, idiotas! (pausa) Quem é que manda nesse lugar? Quem é a mais bela de todas?

SOLDADOS
Você, senhora!

RAINHA DE COPAS
Não estava falando com vocês, imbecis! Então, Alice... quem é a melhor Rainha do mundo?

ALICE
Eu conheci uma. Ela é branca, mora num castelo inteiro branco e...

RAINHA DE COPAS
Não! Não! Sou eu! Arranquem a cabeça dela!

ALICE
Não, por favor!

SOLDADOS
Cale a boca!

(os Soldados a acorrentam e a levam)

RAINHA DE COPAS
Menina intrometida! O que mais me irrita é que todo mundo estava certo! Todo mundo falava da menina de vestido azul que me derrotaria com o perdão. Ai, que ódio! Que raiva! (grita e joga coisas) Menina chata! Menina idiota! (chora escandalosamente) O que eu fiz? Porque esses monstros me odeiam? Porque todo mundo me odeia? Eu não queria ser assim. Eu não queria... (muita raiva) Pois foram eles que pediram! Eu era uma criança adorável! Uma criança especial! Mas todo mundo riu de mim! Todo mundo! E hoje eles sentem a minha vingança! (planeja) Eu vou mudar aquela profecia dos infernos! Essa menina não vai me perdoar! Ela deve morrer... e logo! (sai)

(os Soldados entram carregando Alice)

ALICE
Me soltem! Me soltem!

SOLDADO 1
Finalmente, hein, menina? Demorou, não?

SOLDADO 2
Minha avó contava histórias de você! Ela dizia que você nos salvaria da terrível e criminosa Rainha de Copas.

(os dois riem debochando)

SOLDADOS
Terrível e criminosa Rainha de Copas! (gargalham)

SOLDADO 1
Sabe o que eu acho? Que você foi uma história pra criança dormir.

SOLDADO 2
Uma coincidência absurda, mas nada além de lenda!

SOLDADO 1
O que você é?

SOLDADO 2
De que mundo veio?

SOLDADO 1
Você tem algum poder?

SOLDADO 2
Você é um alienígena?

ALICE
Eu sou uma menina normal!

SOLDADO 1
Normal? Você é estranha!

SOLDADO 2
Nunca vi igual!

ALICE
Não sei se perceberam, mas eu não sou uma carta de baralho!

SOLDADO 1
E qual o problema em ser uma carta!

SOLDADO 2
Tem as suas vantagens!

SOLDADO 1
E quais são?

SOLDADO 2
Cale a boca, idiota!

SOLDADO 1
É! Tem suas vantagens! Você pode, por exemplo... é... pode...

SOLDADO 1
Jogar truco à qualquer momento!

ALICE
(com falso entusiasmo) Uau.

SOLDADO 1
Não zombe de nós, menina!

SOLDADO 2
Menina estranha! Menina tapada!

ALICE
Tapados são vocês! Eu seria também se tivesse que viver como uma carta! E ainda de coração! Me parece um tanto marica. Vocês brincam de boneca?

SOLDADO 1
Olha como fala! Eu te mato se...

SOLDADO 2
Relaxa, cara, não vamos perder a cabeça. Porque é ela quem vai. (gargalha)

SOLDADO 1
(ri) É mesmo! Você já era, menina!

ALICE
Veremos!

SOLDADO 1
Veremos?

SOLDADO 2
Ela disse “veremos”?

(Soldados gargalham)

SOLDADO 1
Aceite, menina. Todo mundo que entra na frente da Rainha se ferra.

SOLDADO 2
Ou você acha que pode fugir daqui? (ri)

ALICE
Meus amigos... eles vão me ajudar!

SOLDADO 1
Seus amigos não estão nem aí pra você!

ALICE
Mentira!

SOLDADO 2
Eles já foram capturados, bobinha!

ALICE
Quantos amigos você acha que eu tenho?

GATO
(off) Miau!

SOLDADO 2
O que foi isso?

SOLDADO 1
Quem está aí?

GATO
(off) Que animal faz “miau”, seus idiotas?

SOLDADOS
Um gato!

(o Gato entra)

GATO
Olá, rapazes!

ALICE
Gato!

SOLDADO 1
Você não devia estar aqui!

GATO
(imitando) “Você não devia estar aqui!”

SOLDADO 2
Vaza, bichano, vaza!

GATO
“Vaza, bichano, vaza!”

SOLDADOS
Pare com isso!

GATO
“Pare com isso!”

SOLDADOS
Pare de nos imitar!

GATO
“Pare de nos imitar”

SOLDADOS
AH! Cale a boca!

GATO
Se não o que?

SOLDADOS
Te matamos!

GATO
Essa eu quero ver.

(correm atrás dele; o Gato corre; eles se atrapalham e batem ao centro)

ALICE
Parabéns, Gato!

GATO
Vamos, Alice, não temos tempo!

ALICE
Tempo de que?

GATO
A Rainha matou todo mundo! Você é a próxima!

ALICE
Não! Ela não pode... não! (chora)

GATO
Eu sinto muito, Alice. Sinto muito por seus amigos.

ALICE
Foi... foi... tudo culpa minha!

GATO
Calma, menina. Alguma coisa está estranha. Temos que ir logo.

ALICE
Eu sinto como se eu tivesse que fazer alguma coisa... não sei explicar.

GATO
Você deve sair daqui! Vamos! Leve esse taco de golfe, pode ajudar. (entrega)

ALICE
Espere. Alguma coisa me diz para eu ficar.

GATO
Não, sua imbecil! Ela vai te matar!

ALICE
Eu não sou imbecil! E eu vou ficar!

GATO
Você tem que matar a Rainha!

ALICE
Matar a Rainha? E por que?

GATO
Porque... porque.... ela matou seus amigos!

ALICE
Eu... eu sinto muito. Mas eu não sou vingativa.

GATO
Não! Você tem que se vingar! Você precisa!

ALICE
Pois daqui eu não saio.

(a Rainha de Copas entra e segura o Gato pelo pescoço)

RAINHA DE COPAS
Você por aqui? Tentando mais uma vez, Gato? Se tornar o rei desse lugar?

ALICE
O que?

RAINHA DE COPAS
(levanta um facão na direção do pescoço do Gato) É o seu fim Gato!

GATO
Tentando não, Rainha, conseguindo! (enfia uma faca no peito da Rainha)

RAINHA DE COPAS
Ah! O que...? Você...! (cai)

ALICE
Gato! Você matou a Rainha de Copas! Isso não... não era pra ter acontecido!

GATO
(desesperado) Eu... eu... Era pra você ter feito isso, sua idiota! Você acabou com tudo!

ALICE
Do que está falando?

GATO
(pausa) Ainda tem uma chance! Vamos! (segura a mão de Alice)

ALICE
Não! Eu não vou pra nenhum lugar!

GATO
Você deve matar a Rainha Branca!

ALICE
Eu não vou...

GATO
(grita) Agora! Você precisa! Você tem que fazer isso agora!

ALICE
Pois você não vai me forçar!

GATO
Você não entende? As três devem morrer! As três Rainhas!

ALICE
Três?

GATO
Sim, Alice! Temos que ir agora!

ALICE
Eu não vou! (dá um murro na cara do Gato; o Gato cai, Alice geme de dor)

GATO
(desiste) Era pra você ter matado a Rainha de Copas! Tudo seria mais fácil!

ALICE
E pra que?

GATO
(triste) Pra eu me tornar o Rei do Universo! Mas você... você estragou tudo.

ALICE
O Rei do Universo? Mas que loucura! Como se consegue isso?

GATO
Matando três Rainhas.

ALICE
Eu não acredito... você... mas...

GATO
(chora alto)

ALICE
Bom, a Rainha de Copas já está morta. E tem a Rainha Branca. Quem era a terceira? Não sabia que existia outra Rainha.

GATO
Era pra ser você! Se tivesse feito do jeito que eu planejei!

ALICE
Eu? Rainha?

GATO
Sim! Se tivesse matado a Rainha de Copas, você seria nomeada Rainha.

ALICE
E depois estava pensando em me matar, não é isso?

GATO
(cerrando os dentes) Até sonhei que te espancava.

ALICE
Mas você a matou. E é o novo Rei! Não está feliz?

GATO
Não se compara o Rei de Copas com o Rei do Universo!

ALICE
Vai lá e mate a Rainha Branca! Não é isso que estava planejado?

GATO
Agora não adianta. Se eu a matar, terei matado duas Rainhas. E a terceira, que devia ser você, sou eu!

ALICE
(pega a faca no chão) Talvez... eu pudesse ajudar.

GATO
(entusiasmado; de costas para Alice) Sim! Se você matasse a Rainha Branca, depois eu te mataria! Daí tudo daria certo.

ALICE
Pensei em algo melhor. (Alice enfia a faca nas costas do Gato)

GATO
Ah! (cai) Você... não...

ALICE
Rei do Universo? Interessante. Muito interessante.

GATO
Não vai funcionar, Alice...

ALICE
Como sabe?

GATO
Eu já matei a Rainha de Copas. Você deve matar três se pensa em...

RAINHA DE COPAS
(se arrasta lentamente) Ah... Alice... por favor! Chame ajuda!

GATO
Menina sortuda! Eu não acredito! (Alice esfaqueia o Gato várias vezes)

RAINHA DE COPAS
(se arrasta lentamente) Alice... por favor! Eu... eu preciso...

ALICE
Rainha, você foi uma menina muito má. (enfia a faca na Rainha)

(Chapeleiro, a Lebre e o Rato entram)

LEBRE
Alice, viemos te salvar... Opa! Acho que não precisa da nossa ajuda!

RATO
O que aconteceu? Quem matou os dois?

ALICE
Eles se mataram, dá pra acreditar?

CHAPELEIRO
Meu Deus! O mundo está um caos!

RATO
Temos que sair daqui!

(Os Soldados acordam e fazem postos ao lado de Alice)

RATO
O que é isso?

ALICE
(para os Soldados) Quero que levem esse animais daqui!

SOLDADOS
(sem entender)

ALICE
Eu disse levem-nos! Os três!

SOLDADOS
(se ajoelham) Sim, Majestade.

CHAPELEIRO, LEBRE E RATO
Majestade?

LEBRE
O que é isso?

RATO
O que diabos aconteceu?

ALICE
Eu matei os dois! E sou a nova Rainha de Copas!

LEBRE
Alice, mas...

CHAPELEIRO
Você... você...

ALICE
Matem os três!

RATO
Não!

LEBRE
Alice! Por que...?

CHAPELEIRO
Não faça isso!

ALICE
Vocês não tiveram piedade! Me chicotearam e cuspiram em mim!

LEBRE
O que? Pirou?

RATO
Isso nunca aconteceu.

CHAPELEIRO
A gente nunca faria isso.

ALICE
Quietos! Guardas, quero que a morte deles seja bem devagar, que sofram bastante! Os acorrentem com os braços e pernas esticados e chicoteiem, até tirar o couro das costas de cada um.

SOLDADOS
Sim, senhora! (saem arrastando os animais desesperados)

ALICE
Soldado! Mais uma coisa.

SOLDADO 1
(retorna) Sim, Majestade?

ALICE
Eu quero que marque uma reunião com a Rainha Branca. Hoje.

SOLDADO 1
E qual é o assunto?

ALICE
(ri) A paz do universo! (gargalha)

(black-out com gargalhada sinistra)

********

FINAL: “Alice nas correntes – Um delírio”

(em off)

GATO
(calmamente) Você deve estar se achando uma idiota de ter pensado em vir para esse mundo. Certamente se você soubesse que seu destino era morrer torturada por um gato (ri) - Miau! -, você teria dado meia volta e, neste exato momento, estaria deitada aconchegada na sua cama cor de rosa.

(as luzes se acendem; Alice está acorrentada com os braços e pernas esticados; está desmaiada; é a mesma cena anterior)

GATO
É uma pena. É uma pena de verdade eu ter que fazer isso. Mas nós não tivemos escolha, menina. Nós não tivemos alternativa. (longa pausa; ri com o canto da boca) Ou tivemos. (segura um bastão de madeira com pregos na ponta) Alice, eu espero que você entenda. (se prepara para bater na cabeça de Alice, e...)

LAGARTA
Hey, Gato!

GATO
O que quer agora, Lagarta?

LAGARTA
Deixa que eu faço isso.

GATO
E por que? Quais os seus motivos?

LAGARTA
E quais são os seus?

GATO
(pensa) Tudo bem. (entrega o bastão à Lagarta)

LAGARTA
(golpeia o Gato; o Gato cai com metade do corpo pra fora de cena; a Lagarta o espanca até a morte)

ALICE
(acorda) Lagarta! Você veio me salvar! Eu sabia! Eu sabia que você...

LAGARTA
(bate na cabeça de Alice com os bastão) Tudo e sempre tem base na imaginação. Nada existe. Tudo é piração. (pausa; acorda de uma viagem) Caramba. Eu matei Alice, cara. Foi piração. Foi mal...

(black-out)

***FIM***




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