HEIN, TÉDIO? (2012)

HEIN, TÉDIO?

PERSONAGENS
TED
ZULEICA
ESTEFFANYA
LINDOMAR
SENHOR RITO


PRÓLOGO

(SENHOR RITO entra)

SENHOR RITO
Antes de a peça começar eu lerei uma poesia para conservar os bons tempos teatrais e culturais. (inicia lendo em um papel) “A vida, tem muito mato pra carpir. A enxada!...”

(os jovens entram e tiram SENHOR RITO de cena)

TODOS
Tá bom, vô. Legal. Chega, vai.

(um a um, exceto SENHOR RITO, voltam pra cena e fazem uma pose; todos muito entediados e com cara de nada; TED boceja, em seguida todos bocejam; ZULEICA boceja depois de uma pausa silenciosa, mais uma vez os outros respondem; forma-se um jogo: ESTEFFANYA inicia outro e depois LINDOMAR; todos, muito lentamente, observando a plateia sem ânimo, levantam-se e posicionam-se para apanhar na bunda; SENHOR RITO entra e dá uma chinelada em cada um)

SENHOR RITO
Isso é falta de levar umas lambadas na bunda! Quanto mais lambada, mais melhor! Eu tomei cintada até na cara e dei certo. Olha só! Educação é na cintada sim também! Porque tem que aprender na lambada.

TODOS
Ah, pai, quem é que fala lambada hoje em dia?

SENHOR RITO
Não mude de assunto quando eu estiver falando com você. Você já se acha bem espertinho, não é? Vai fazer o que da vida, hein? Bota o pé no chão que a vida tem que dar duro pra fazer alguma coisa direito. Vocês são tão jovenzinhos ainda. A enxada...!

TODOS
Posso mudar de assunto quando você não estiver falando comigo?

SENHOR RITO
Hã?

TODOS
Posso mudar de assunto quando você não estiver falando comigo? Quando for longe de você?

SENHOR RITO
Pode, caramba. Ué, e eu vou impedir como?

TODOS
Ufa. Pensei que você iria me privar da minha liberdade adolescente também.

SENHOR RITO
(pausa) Na verdade, tá privado o celular.

TODOS
O que?

SENHOR RITO
Uma semana sem celular e sem o tal do Facebook!

SENHOR RITO
Não, vô! O celular, não! Priva-me de toda a adolescência, mas o celular nããão! (eles se debatem pelo chão)

SENHOR RITO
(para a plateia) Educar crianças hoje em dia tá muito complicado. É culpa dessa revolução tecnológica e das abobrinhas socialistas!


CENA 1

(ameaçadoramente, TODOS os adolescentes avançam para a plateia; o SENHOR RITO vai aos poucos ficando avulso em uma cadeira de balança ao fundo)

TODOS
Tudo começou, quando eu nasci. E eu nem pedi pra vir nessa bosta.

SENHOR RITO
Olha a boca, seus pestinhas infernais! Não fale bosta se não eu conto pro seu pai!

TODOS
Não se mete, vô! Pelo amor de deus, que somos da geração Freedom. Freedom, pra quem não sabe, é liberdade em inglês.

SENHOR RITO
Chinelo é uma palavra bem em português. Querem ver?

TODOS
É muito fácil falar quando se tem a força de um adulto.

STEFFANYA
É muito fácil falar quando se tem setenta e todos anos e nem sabe qual é o sofrimento da juventude alheia da sociedade do século XXI. Pronto, falei!

SENHOR RITO
É muito fácil falar quando não tem que se preocupar com nada. E não trabalha e não quer estudar! Vocês têm de tudo hoje em dia!

TED
Você acha que é fácil? Ah, deve de parecer, né? “Não tem que trabalhar, não tem que ter responsabilidade nenhuma, não tem que ter preocupação de caramba nenhum!” Não é assim? É assim uma ova! É tudo muito complicado aqui também!

ZULEICA
Meu, meus pais me odeiam! Ninguém entende o que passa aqui dentro, cara. Botaram aula de filosofia na escola pra quê? É aula vaga? É aula livre?

SENHOR RITO
Ora! Tinha que ter moral e cívica! 

STEFFANYA
Assim, tipo... é muito fácil falar quando não tem mais nada a aprender já que você já é velho e já sugou tudo o que deram pra você sugar, já.

TED
E não adianta falar que é pro nosso bem que não cola mais! Pro nosso bem não deixar a gente fazer alguma coisa só por que a gente não fez alguma coisa que devia fazer? Não adianta isso!

STEFFANYA
Não adianta! Não adianta isso!

SENHOR RITO
Adianta pra aprender! Lambada! Enxada!

ZULEICA
Meu, todo mundo parece que tá contra a gente. E o que a gente quer? Hã?

STEFFANYA
O que?

(pausa)

ZULEICA
Ser feliz, meu.

STEFFANYA
Verdade.

TED
É. E tá tão difícil. Tem tanta pouca coisa pra se fazer nessa bosta.

SENHOR RITO
Olha a boca, moleque! Mas que caramba!

TED
Nessas fezes.

STEFFANYA
Meu, é um cocô ser tratado como criança. Meu pai nem sabia que eu já usava sutiã. Ele descobriu esses dias. Achei mó estranho ele ter ficado bravo. Uma hora eu ia ter que usar, não ia?

TED
Meu pai é igualzinho comigo.

ZULEICA
E aí a coisa fica de que jeito? Não fica, né? Ou seja, resumindo, a gente empaca.

TED
No tempo. Empaca bonito por não deixarem a gente fazer o que a gente quer. Meu, nós somos uma geração mais evoluída que a de vocês. Nós quem vamos ficar pro futuro adiante.

STEFFANYA
Agora você foi cruel.

ZULEICA
Quando eu tiver a sua idade, pai, com certeza absoluta...

TED
Isso é fato!

ZULEICA
... eu vou saber mais que você. Sem dúvida nenhuma. Na sua época a informação vinha pelo rádio. Pff. Rádio. (ri)

TED
Velho.

STEFFANYA
Tão anos 90.

ZULEICA
Eu acho que as pessoas tem que ser o que é, manja? Sem firulas.

TED
Ninguém mais fala firulas hoje em dia.

STEFFANYA
É fácil demais ser feliz quando se já é velho e pode comprar uma garrafa de qualquer coisa e dirigir um carro sem ser numa rua onde não passa outros carros pra ver que você está dirigindo. De que serve daí?

(silêncio)

ZULEICA
Então, é complicado, meu.

TED
E você? Não vai falar nada?

LINDOMAR
É foda mesmo.

TODOS
Xiu!

SENHOR RITO
Eu ouvi, hein! Na próxima o chinelo vai cantar Aleluia!

LINDOMAR
Ah, vô! Por que você não pega esse chinelo e enfia no...

(todos tampam a boca de LINDOMAR)

TODOS
Calma, Lindomar!

SENHOR RITO
Moleque.

LINDOMAR
Já disse pra me chamar de Lindo. Odeio meus pais.

ZULEICA
É. Lindomar, pô? Lindomar é foda, né, gente? Dá pra odiar os pais. (ri)

LINDOMAR
Olha quem fala!

ZULEICA
Vai se ferrar!

TED
É que a gente ficar te chamando de Lindo fica meio estranho, cara. "Ei, Lindo, chega aí", imagina.

STEFFANYA
Ainda se você fosse um Reinaldo Gianechini da vida.

LINDOMAR
Vai te catar! As mina curte, tá?

ZULEICA
Curte zoar com a sua cara, né?

(todos riem)

LINDOMAR
Por isso que eu não falo nada. Se eu falo do jeito que eu falo todo mundo manda eu calar a boca ou tira sarro da minha cara.

(silêncio)

TED
Eu acho que a gente devia fazer uma greve.

STEFFANYA
Hein, Ted? Eu não entendi.

TED
Uma greve. Uma greve contra os pais. Contra tudo e contra todos!

ZULEICA
Como assim greve?

TED
Uma greve contra o tédio que eles nos obrigam a aceitar. E à má educação dos garotos populares da escola! Ocupar esse lugar! 

ZULEICA
Contra o futuro pré-programado!

STEFFANYA
E àquela vez que eles não deixaram a gente curtir um som no postinho de gasolina mais próximo da nossa casa, lembra? Um absurdo essas faltas de liberdade! 

ZULEICA
Contra o futuro pré-programado!

TED
E contra todas as nostalgias com o passado! A melancolia da educação militar. O futuro tá mais aí, galera! As coisas precisam mudar!

TODOS
É!

ZULEICA
Sem pré-programação!

LINDOMAR
E contra ao nome super discreto e bonito que os filhos da mãe me obrigaram a ter.

TODOS
Sim!

STEFFANYA
É o cúmulo!

ZULEICA
Eu também odeio meu nome, tá bom? Pronto, falei. Foi a primeira cagada dos meus pais depois de terem transados para me ter.

STEFFANYA
Para "me ter". (ri) Teve duplo sentido.

(silêncio; ninguém ri)

TED
Zuleica não é tão feio, vai. Eu acho pomposo.

(TODOS riem disfarçando)

ZULEICA
Só se eu fosse minha vó, né. Ou uma mordoma.

TED
Rainha Zuleica ficaria legal, por exemplo.

ZULEICA
É! Mas eu não sou rainha! Eu sou uma menina indo pro colegial! Existe martírio pior? Zuleica. Nome de bruxa. Nenhum menino quer ter uma namorada de nome Zuleica. “Zuleiquinha, meu amor...” Ah. É muita sacanagem!

TODOS
É.

LINDOMAR
Pior é chamar Zuleica e tirar sarro do meu.

ZULEICA
Vai se ferrar! Seu babaca!

LINDOMAR
Madura pra caramba, hein.

STEFFANYA
Meu nome tem dois Fs e um Y.

TED
Até que fica bonito. Eu gosto.

STEFFANYA
Eu gosto também. Eu não gosto mesmo é da última letra do meu nome. A letra A do final.

TED
Por que?

STEFFANYA
Era pra eu me chamar Stéffany – super legal e jovem e americano – mas aí o idiota do escrivão acrescentou o A sem querer. Foram ver só depois.

TED
E aí ficou Steffanya mesmo.

STEFFANYA
Exatamente. Poxa, logo eu que queria chamar Camila, ou Maria Camila.

ZULEICA
Por que Camila?

STEFFANYA
Sei lá.

(silêncio)

LINDOMAR
Bom, gente, então...

ZULEICA
A greve!

TED
É mesmo. Topam?

ZULEICA
Mas greve de que? Eu ainda não entendi.

STEFFANYA
De fome eu já tô fazendo porque eu tô de regime. Teria que ser de outra coisa, no caso.

TED
Sei lá, mostrar pra eles que nós não viemos no mundo pra brincadeira. Fazer uma revolução!

ZULEICA
Sim. Pintar a cara e ir na Paulista! Contar a eles nossos verdadeiros sonhos! Quebrar vidro de banco, destruir lixeira, matar criancinhas inocentes...

TED
Não! Eles vão nos convencer do contrário. “Pé no chão! Pé no chão!”. Lembram?

STEFFANYA
Que defecamento do caramba!

SENHOR RITO
Steffanya!

STEFFANYA
Caramba não é palavrão, vô!

ZULEICA
A parte de matar criancinhas era ironia, viu, gente? 

LINDOMAR
Sei.

ZULEICA
É verdade!

TED
Devemos fazer do mesmo jeito que eles fazem com a gente.

TODOS
De que jeito?

TED
Na pegada da porrada e do militarismo!

(eles riem sinistramente)

SENHOR RITO
Criar criança hoje em dia tá muito difícil. Eles já sabem de tudo e tentam mostrar que sabem de tudo. Tem muito que amadurecer e muito mato pra carpir ainda. A enxada traz conhecimento. O suor até a exaustão traz a disciplina. É isso que falta pra essa geração.

TODOS
Mais do que apenas um pai ou um tutor, o mais legal seria se você curtisse essa descoberta da vida comigo. Eu iria curtir tanto! Eu iria até compartilhar.

(SENHOR RITO sai; ouve-se um sinal de escola)


CENA 2

(TODOS sentam em formato de classe de aula; muito entediados: TED ouvindo música no fone; ZULEICA dormindo; STEFFANYA mascando chiclete; LINDOMAR é o único interessado na aula)

ZULEICA
(desperta de um pesadelo e grita) Essa bosta de caramba de “não tem nada pra fazer”! (volta a dormir)

(todos olham assustados)

TED
E aí? Pensaram no que eu disse da tal greve?

STEFFANYA
Não sei, Ted. É meio maluquice, viu.

TED
Caramba.

LINDOMAR
(com a professora) Mas, professora, se descobriram o Brasil, mas o Brasil já estava povoado antes, como é que podemos dizer que quem descobriu o Brasil foi esse filho da puta? Os caras foram uns folgados. (pausa) Desculpe, professora, não vou mais falar palavrão se a senhora não me chamar de Lindomar, tá bom. Me chame só de Lindo. (pausa) O que o Gianechini tem a ver com isso, pô? (pausa) Olha, professora, eu acho que o nome disso é bullyng. (pausa) Calma, professora, você disse “pra mim fazer”? Espera um pouco. (pausa) Não, professora, eu não tô tentando te enfrentar. Mas é que se diz “pra eu fazer” e não “pra mim fazer”. (pausa) Não, eu não me acho mais inteligente que a senhora. (pausa) Ora, e o que deus tem a ver com isso agora?

TED
Ela disse que vai orar pela sua alma.

LINDOMAR
Mas dona, eu tenho só catorze anos. Você acha que deus vai me mandar pro inferno por corrigir a professora? Hoje em dia na internet, temos... (pausa) A senhora não precisa se exaltar.

TED
Eu acho que ela ficou brava.

LINDOMAR
Suspensão? Mas... (pausa) O que?

TED
Ela disse que você tá fazendo com que ela perca a autoridade do local.

LINDOMAR
Mas ela acabou de falar “pra mim fazer”. Dói meu ouvido, pô.

ZULEICA
(acorda) Chega! Pra diretoria! (dorme)

STEFFANYA
É muito fácil mandar alguém pra diretoria quando a escola tem uma diretoria. Queria ver se fosse ano passado que a escola estava em reforma e as pessoas ficavam de castigo na biblioteca.

LINDOMAR
Bons tempos. A gente se vê. (ele arruma suas coisas para sair)

STEFFANYA
Prefiro a diretoria. Me obrigaram a ler Vidas Secas naquela bosta. Eu não sei pra quê. Hoje em dia a gente tem que se preparar pra um ataque alienígena ou uma infestação de zumbis, não essa coisa de fome e falta de sorte e de cachorrinha baleia. Eu acho isso uma puta falta de sacanagem. Ninguém mais passa fome hoje em dia. Eu já tinha ouvido falar de peixe boi, mas cachorrinha baleia é demais.

(silêncio)

LINDOMAR
Eu não acredito que eu tô ouvindo isso. O que você vem fazer na escola, garota?

STEFFANYA
Paquerar o tédio e beijar na boca do Flávio Plínio.

TED
Quem é Flávio Plínio?

TED
Me paquerar? Jura?

STEFFANYA
Paquerar o tédio. O tédio. Não o Ted.

TED
Ah.

ZULEICA
(acorda) Eu quero ser artista! De circo! (faz uma dancinha toscamente; percebe que acordou e se encolhe envergonhada) Eu tenho insônia à noite.

LINDOMAR
Essa daí é maluca.

(tédio; eles ficam em silêncio por alguns segundos; ouve-se o barulho do vento e o grupo demonstra o pior tédio do mundo; mais uma vez acontece o jogo do Bocejo. A iluminação mostra que eles não estão mais na sala de aula; alguém, de fora, joga uma latinha em TED e grita “VIADINHO”; ninguém se mexe, tensão grandiosa)


CENA 3

TED
O que vocês querem ser quando crescer?

LINDOMAR
Quando eu crescer eu quero ser jogador de futebol.

TED
Legal, Lindomar.

LINDOMAR
Lindo.

TED
Obrigado.

ZULEICA
Eu quero ser atriz! Ou bailarina de circo. Ou aquelas que jogam as bolinhas.

TED
Legal, Zu. É uma boa ideia.

STEFFANYA
Modelo de mão.

TED
O que?

STEFFANYA
Quando eu crescer quero ser modelo de mão.

TED
Modelo de mão?

STEFFANYA
É. Eu gosto da minha mão. Do formato dela.

TED
Legal. Interessante.

ZULEICA
Eu também gosto da minha. Dá futuro?

STEFFANYA
Não sei. Mas que se foda. Se não der também, eu quero assim mesmo. E nem vem que eu vi primeiro!

TED
Eu acho que eu quero ser... Bom, meu pai me diz que eu deveria ser... (pensa)

(Zuleica trava; ela fica como se estivesse hipnotizada)

ZULEICA
Ai, meu deus... Ai, meu deus...

TED
O que foi, Zu? O que foi?

ZULEICA
Gente, eu tive um sonho! Premonitório. Nesse segundo. Eu tenho essas paradas, de verdade. Desde criança que eu prevejo algumas coisas. O mundo não acabou em 2012, mas se não fizermos alguma coisa contra essa manipulação juvenil o mundo vai pra merda. E vai ser logo.

TED
Não fale “merda”. O vô pode ouvir.

ZULEICA
Eu vi adolescentes mortos pelo corredor da escola. Adolescentes conhecidos. Essa escola. 

TED
O que?

STEFFANYA
Que horror, Zu! Para de besteira, meu. Eu não gosto dessas coisas, hein!

LINDOMAR
Continue, continue. O que mais você sonhou?

ZULEICA
Sabem que na cultura indígena os índios tratam as crianças de igual pra igual, né?

STEFFANYA
Sério?

ZULEICA
Sério.

LINDOMAR
Que evoluído, cara.

ZULEICA
E o que eles se tornam quando crescem?

STEFFANYA
Índios adultos?

ZULEICA
Não! Eles se tornam fiéis.

LINDOMAR
Fiéis?

ZULEICA
Sim! À tradição. Se você quer passar uma tradição à alguém, ou alguma ideia, a pior maneira é obrigá-la a isso.

TED
Calma que eu não tô conseguindo acompanhar.

STEFFANYA
Acompanhar quem, Ted? Como você é burro.

TED
O assunto, Steffanya. Acompanhar o assunto. Então isso tudo quer dizer o quê, Zuleica? O que o índio tem a ver?

LINDOMAR
Que devemos começar do zero.

TED
Como?

LINDOMAR
A tal greve que você disse. Podíamos mostrar como é que se educa uma criança da melhor forma possível. Dar o nosso exemplo à força. 

ZULEICA
Exato! Se não, acredito que as crianças e os jovens vão começar uma onda de suicídio pelo planeta. Foi isso aí que eu vi. Todo mundo morto.

STEFFANYA
Meu deus, que horror!

TED
A greve! A revolução!

STEFFANYA
Essa história de novo, gente!

TED
Calma, mas algum de vocês sabe exatamente como educar uma criança, sabe como dar alguma lição de moral em alguém?

STEFFANYA
Sendo que a gente só tem catorze anos, galera. Acorda.

LINDOMAR
Tá vendo? É esse tipo de atitude que a gente tem que abolir. Eu odeio que me subestimem. Meu, eu sei fazer tantas coisas que um velho de setenta não consegue fazer. Experiência não é nada. Só é um monte de memória juntada na cabeça.

STEFFANYA
Não vamos falar de cabeça que eu tô com uma leve enxaqueca.

TED
Tá bom, gente. Eu entendi. Mas o negócio é o seguinte, como é que vamos chamar a atenção deles sem que eles olhem pra gente e digam: “Puxa, que belezinha. Já acham que é gente grande”? Porque, vocês sabem, né? Eles riem de nós quando a gente faz coisa parecidaa com coisas de adultos.

ZULEICA
Assim como a gente ri dos animaizinhos de estimação quando eles parecem fazer algo humano. É verdade isso.

STEFFANYA
Ah, tá. Acho que entendi. Agora sim.

ZULEICA
Entendeu o que, Steffanya?

STEFFANYA
Isso aí dos animaizinhos.

(silêncio)

TED
Certo. E como será, então?

LINDOMAR
A greve, não?

TED
Mas como faríamos? Meu pai não quer saber o que eu acho, sua mãe também não. A vó dela pior ainda. A gente vai adotar um bebzinho?

STEFFANYA
Hein, Ted? O que você falou da minha vó aí?

TED
Que a sua vó não te ouve.

STEFFANYA
Eu sou muito menina pra entender.

LINDOMAR
Não! Não é! Nós temos mais disposição!

STEFFANYA
Ai, cara. Cale a boca! Reclamar é fácil, queria ver fazer alguma coisa.

ZULEICA
Devemos sequestrar alguém. É isso. Alguém velho mesmo, não um bebê. 

STEFFANYA
O que? Não! Sequestro não. Eu não quero ser considerada pedófila.

TED
Que pedófila, Steffanya? Você sabe o que é pedófila?

STEFFANYA
Não é criança que comete crime?

LINDOMAR
Ai, deus!

ZULEICA
Sequestrar um adulto.

STEFFANYA
O que?

ZULEICA
Um velho.

LINDOMAR
Um avô.

TED
O avô!

LINDOMAR
O meu, o seu, ou o deles?

ZULEICA
O nosso, tudo junto e misturado.

(música de ação; eles se ajeitam como um time de espião; formam pose de luta)

TODOS
Agora é nossa vez de mudar o planeta! E não vai ser plantando árvores dessa vez!


CENA 4

(foco em TED)

TED
As mina paga um pau, manja. Sério. Se eu tirar o óculos e arrepiar o cabelo. Mas eu nunca me dou bem. Eu não tenho uma auto estima suficiente. Fui forçado a acreditar que na vida a gente tem que dar duro pra sobreviver. Que a gente tem que sofrer pra lá no fim ser feliz. Lá no fim? Caramba, mas “lá no fim” é muito tempo. É muito difícil nascer num mundo curioso e as outras pessoas virem e podarem nosso instinto mais bonito. E aí você me pergunta: Instinto? Que tipo de instinto? O instinto de sobrevivência, não é?

TODOS
Não!

TED
O mais importante hoje em dia não é sobreviver. Eu não quero ter que pentear o cabelo, gente. Tem tanta coisa mais legal do que esse básico.

(luz; os outros estão em pose de gangue)

TED
E aí, uma grande revolução precisa de um líder!

TODOS
O nosso líder é o Ted!

TED
E o Ted vai ajudar a nos libertar desse tédio do caramba!

TODOS
Hein, Ted? Será você o escolhido?

TED
O escolhido?

ZULEICA
Ted, precisamos de um novo Jesus Cristo.

STEFFANYA
Meu deus! Cale a boca, menina. Que coisa mais estúpida! Você pensa que é fácil ser Jesus Cristo? Tem muito o que estudar!

LINDOMAR
Ela tem razão.

STEFFANYA
O que? Que papo é esse de Jesus Cristo, gente? Missa é coisa de domingo, pelo amor de deus!

LINDOMAR
É mais no sentido de compreender o ser humano. Os revolucionários.

STEFFANYA
Ai, muito difícil. A intenção não era acabar com o tédio, galera? 

TED
Acabar comigo?

STEFFANYA
Acabar com o tédio, eu disse. Não com o Ted. Eu ainda tô morrendo de tédio. 

ZULEICA
Exatamente, Steffanya. E acabar com o tédio da forma que eles nos aplicaram. À força. Não tem outro jeito.

TED
Eu não tô conseguindo acompanhar muito bem...

STEFFANYA
Acompanhar quem dessa vez, Ted? Meu deus, que burro.

TED
Essa parte do assunto, sua tonta! Essa parte do assunto! Como é que a gente vai fazer no fim das contas!

ZULEICA
Precisamos de um novo líder. Mas ele tem que ser um líder supremo! Alguém que aguente o tranco!

STEFFANYA
Isso aí está me parecendo grandioso demais.

ZULEICA
Não adianta criar uma campanha no Facebook pros outros curtirem e pronto. A gente tem que ser radical.

LINDOMAR
Legal. Acho isso legal.

TED
Já acertamos. O negócio vai ser o sequestro de algum velho, alguém muito conservador.  

ZULEICA
Exatamente.

STEFFANYA
Caramba.

LINDOMAR
Precisamos só saber quando vamos fazer isso.

TED
E o principal, né? Como?

LINDOMAR
Eu tive uma ideia.

(eles confabulam em roda)

STEFFANYA
Meu deus! Vocês são perversos. Mas eu até que gostei.

TED
Então combinado, gente. Amanhã, neste mesmo horário e neste mesmo palco.

TODOS
Ok!

(SENHOR RITO entra e vê a cena dos “revolucionários”)

SENHOR RITO
Que bonitinhos. Brincando de gente grande. Esses jovens, se estivessem carpindo iam estar tão mais orgulhosos de si mesmo. (sai)


CENA 5

(a cena se transforma em uma sala de aula)

LINDOMAR
Mas, professora. Aquele assunto já era. Agora toda vez você vai me castigar por aquilo? Isso é bullyng, sabia? (pausa) Não estou te acusando sem provas, mas a sala toda pode ver o que você está fazendo. Não é verdade, pessoal? Hein?

(silêncio)

LINDOMAR
Ah, na hora de confabular sobre coisas todo mundo é presente, mas agora quando a água bate na bunda ninguém fala nada, né?

ZULEICA
Não põe eu no meio, pelo amor de deus. Minha mãe me mata.

LINDOMAR
A escola é foda, viu.

TODOS
E aí, nesse momento, os meninos mais populares da escola decidiram tirar sarro da cara de Ted.

TED
Da minha cara? Mas foi ele quem falou palavrão.

TODOS
Faz parte da história. Relaxa que acaba logo.

TED
Merda.

SENHOR RITO
(em off) Não fale palavrão, cacete!

(TODOS menos Ted se vestem com máscaras fingindo ser os garotos populares da escola)

TODOS
E aí, Tedinha? Muito sutiã pra pouco peito?

TED
Me deixem em paz!

TODOS
Ele tá pedindo paz, meu deus. O que vai fazer? Ligar pro vovô? 

TED
Já falei. Eu tô quieto aqui.

TODOS
A menina está quieta, gente. Deve ser o cheiro do batom que o deixou meio assim, viadinho.

TED
(se irrita) Me deixem em paz, caramba!

TODOS
Uh! “Me deixem em paz, caramba”! Ou o quê?

TED
Eu acabo com a raça de cada um! Meu vô tem arma! Meu vô é militar!

TODOS
A bichinha enrustida tá ficando valente. Pega lá sua arminha, mariquinha! Todo mundo sabe da sua fama e das coisas que você faz com seu primo no quintal.

(TED avança no grupo; os outros o seguram e batem nele)

TODOS
Bichinha!

(TODOS saem debochando)

TED
(machucado) A culpa é do meu pai. E do pai daqueles filhos da mãe. Pode crer que é.

(TED se levanta se arrumando e se recuperando da surra)


CENA 6

(ZULEICA entra correndo)

ZULEICA
Eu tive outra premonição! Eu tive outra premonição! 

(os outros entram)

STEFFANYA
Mais uma?

ZULEICA
O Ted. Ele vai virar um assassino!

TED
O que?

LINDOMAR
Além de viado, assassino, é?

TED
Ei!

LINDOMAR
Desculpe.

TED
Como assim assassino?

ZULEICA
Eu vi. Daqui uns dias. Ele vai entrar nessa escola e matar todo mundo. Foi isso que eu tinha visto aquele dia.

STEFFANYA
Ai, eu vou faltar nesse dia. Falte também, Zu. Deixa de ser boba.

ZULEICA
Ele vai entrar e matar duas professoras e dezesseis adolescentes. Igual aconteceu naquelas escolas americanas.

TED
Eu? Não.

ZULEICA
Sim. Você está com ressentimentos. Por ser zoado na escola.

STEFFANYA
Caramba, Ted. Não precisa disso, não. Nós gostamos de você. Em partes. Quando você não vem com aquelas ideias idiotas, eu digo. Eu só te acho meio burro.

ZULEICA
É o tédio, gente! É o tédio! A culpa toda é do tédio!

TED
Não é tudo culpa minha não. Agora vocês também?

LINDOMAR
Precisamos fazer algo pra mudar esse futuro. Temos que concretar o plano. E tem que ser agora. A gente não vai deixar que você faça uma coisa dessas, Ted.

STEFFANYA
Agora? Mas eu nem decorei o texto. Eu não sei o que é pra fazer!

ZULEICA
Vai ter que ser no improviso.

TED
Caramba.

STEFFANYA
Tem certeza, gente? Não é melhor pensarmos mais um pouco? E se formos presos?

LINDOMAR
Vai ficar tudo bem. Nós vamos mudar o planeta!

STEFFANYA
Certeza? E se não adiantar?

TED
Vai ter que adiantar.

ZULEICA
Preparados?

TODOS
Sim!

ZULEICA
Todo mundo lembra o que tem que fazer?

TODOS
Mais ou menos!

ZULEICA
Quando eu contar até três, tá bom?

TODOS
Sim!

ZULEICA
Um, dois e...

TODOS
(gritam) Vai tomar no meio do seu...!

(SENHOR RITO entra)

SENHOR RITO
Agora o chinelo vai gritar. Quem vai primeiro? Quem vai primeiro? Eu não quero palavrão, seus pestinhas!

(ele corre atrás do grupo)

SENHOR RITO
Volta aqui, seu pestinha! Quando eu te pegar, você vai ver! Mas que caramba!

LINDOMAR
Vô, a gente te chamou porque a gente fez uma peça de teatro pra você.

SENHOR RITO
O que? Vocês ficam falando palavrão e agora vem com essa de...

TED
É sério, vô. A gente ensaiou pra apresentar.

SENHOR RITO
O que?

ZULEICA
Uma peça, vô. É uma brincadeira. Venha ver.

LINDOMAR
Senta aqui.

STEFFANYA
Não tô gostando disso.

TED
E o mais legal é que é meio teatro contemporâneo. Você tem que participar, entende?

SENHOR RITO
Como participar?

TED
Senta aqui, ó.

(ele obedece)

ZULEICA
Agora eu vou tampar os seus olhos pra que os outros sentidos do seu corpo estejam libertos, ok?

(ela tampa os olhos do SENHOR RITO; os outros arrumam a cena formando um cativeiro de sequestro)

SENHOR RITO
Eu gosto de teatro. Vi um com sua avó há muito, muito tempo atrás. A turma dançava...

ZULEICA
Legal, legal.

SENHOR RITO
Era igual o Mazzaropi.

ZULEICA
Bacana.

SENHOR RITO
Vai demorar muito?

TED
Não, vô. Vai ser rapidinho. Só estamos terminando de colocar o figurino.

SENHOR RITO
Tinha uma música do Frank.

LINDOMAR
Que Frank, vô?

SENHOR RITO
Frank Sinatra.

TODOS
(sem ânimo) Putz, que super demais de interessante.

SENHOR RITO
Era mais ou menos assim.

(SENHOR RITO canta em ópera My Way de Frank Sinatra; o grupo se encapuza e deixa o ambiente sinistro; eles amordaçam SENHOR RITO que grita pedindo socorro; cruelmente eles o amarram com força; os jovens continuam a música do SENHOR RITO na versão de The Sex Pistols, em rock'in roll)


CENA 7

(STEFFANYA e LINDOMAR formam um noticiário de televisão)

STEFFANYA
As últimas notícias do dia.

LINDOMAR
Jovens infratores sequestram senhor de setenta e todos anos.

STEFFANYA
A polícia já cercou todo o lugar e estão tentando fazer um acordo com os delinquentes.

LINDOMAR
Os jovens exigem mais atenção aos seus ideais e menos encheção no saco.

STEFFANYA
Oh, jovens! O que fazer com eles? O que? Eu me pergunto.

LINDOMAR
É um absurdo mantermos cadeia somente para maiores de dezoito. Essa molecada sabe bem o que está fazendo.

STEFFANYA
Prisão pra criançada! Prisão pra criançada!

(voltam ao sequestro)

TED
(para SENHOR RITO) Vovô, percebemos que durante toda a vida o senhor reclamou da juventude e da era presente. Percebemos o quanto o passado é muito mais importante para o senhor do que o presente e o futuro. Fomos forçados a acreditar que a vida boa nunca mais vai voltar e que o mundo está perdido, que os jovens estão acabando com a moral e a decência. Estamos aqui para mostrar o contrário. Mostrar que o futuro tá logo ali e ele vai ser melhor do qualquer outra época. Mas eu não posso deixar de ser curioso com as questões do mundo. E a curiosidade é foda.

TODOS
Caramba de como é foda!

TED
E ao invés de você nos apresentar o mundo do jeito que ele é...

TODOS
Horrivelmente interessantíssimo.

TED
Você só diz: isso presta e isso não presta. E aí como é que fica? Temos que adivinhar o que realmente presta do que é tudo baboseira de eras passadas? 

TODOS
Abaixo ao conservadorismo!

LINDOMAR
Professora, a coisa tá foda desse jeito. Eu sou o aluno mais inteligente dessa sala e você ainda continua a me dar cinco de média. Isso não é justo! Você está tirando com o meu bom senso. E sim, eu me acho mais inteligente que a senhora e pronto!

STEFFANYA
Vó, eu sou muito melhor do que a senhora pensa! Não sou nenhuma vadia desbocada! E deus me ama sim, tá bom! Ele sabe que ele ama! É muito fácil falar que beijar na boca do Flávio Plínio é pecado quando não se tem mais nenhum Flávio Plínio correndo atrás da senhora!

ZULEICA
Mãe, meu, vê se me erra! Eu já sou bem grandinha pra escolher minha roupa! E a cor do meu cabelo! E o namorado, ou a namorada! E se eu quero ir pra Disney ou colocar silicone ao invés! Eu cresci, dãr! Se eu sou assim teimosa, a culpa só pode ser sua. É, sua, mãe. Todo mundo é aquilo que o meio construiu, foi você quem me educou.

TED
Eu apanho na escola, vô. Porque ensinaram um monte de bosta pra aqueles garotos. Agora, vô. A coisa vai ter que ser do nosso jeito. Entendeu? Entendeu?

(SENHOR RITO acena com a cabeça; LINDOMAR tira a mordaça pra ouvir o que o vô vai falar)

SENHOR RITO
Que merda é essa, hein? O que diabos pensam que estão fazendo? Que putaria é essa? Me desamarrem agora! Vai, anda! Seus moleques! Vocês se acham inteligentes, é isso? Caramba, mas que porcaria! Já falei um monte de vezes que tem que dar duro, que as coisas não caem do céu! O que vão fazer da vida agora com a ficha criminal suja desse jeito? O que que é isso?

STEFFANYA
Menor de idade sempre se safa, tá bom!

SENHOR RITO
Ah, a hora que eu pegar vocês vão ver o que é bom pra tosse! Me soltem! Já! Vai! Chega dessa palhaçada!

ZULEICA
(pega um pedaço de pau; grita irritadíssima) Você ainda não entendeu? Parece que não, né? Poxa, Zuleica? Podiam me chamar de outro nome qualquer, meu! Mas Zuleica! Vocês acham que sabem de tudo, mas tá todo mundo no mesmo barco! E a culpa toda é de vocês! (bate com força no canto da cadeira; SENHOR RITO quase chora) Aqui quem manda agora é a juventude! A sua era já passou, caramba! E olhe pra mim quando eu estiver falando com você! Olhe pra mim, seu bosta! (bate de novo)

TED
Caramba. Calma, Zu...

SENHOR RITO
Eu não achei que vocês estivessem tão chateados...

ZULEICA
Calma uma ova! Aqueles meninos idiotas que o senhor educou, sabe eles? Então, eles gostam de zoar com os outros. Tirar sarro da cara dos outros. E quem ensinou isso? Quem? A professora? Hum, talvez. Mas quem foi o que fez de principal na vida deles? Quem? As pessoas de dentro de casa! A culpa de existirem pedófilos é toda de vocês! E quando eu crescer e tiver meus filhos a culpa vai ser minha! Mas agora a coisa vai mudar, seu bosta! (bate de novo na cadeira)

STEFFANYA
Calma, Zu...

TED
Não vamos usar de violência. Eu acho que ele entendeu o recado.

LINDOMAR
Ele e o mundo inteiro, né? Tem uma câmera de televisão filmando tudo ali, ó.

ZULEICA
Seus filhos da mãe enxeridos! Filma! Filma agora a realidade brasileira! Pega aqui, seus bandos de otários!

TED
Chega! Me dá esse bastão, Zuleica.

ZULEICA
Ah, arranje o seu.

TED
Me dá agora!

(ela obedece)

TED
Tem que ser de outro jeito, gente. Isso não vai adiantar. Estamos forçando uma ideia na cabeça deles e a gente tá virando o vilão. Pensando melhor, acho que devíamos ir por outro viés.

STEFFANYA
Viés? Eu não sei o que é viés.

TED
Temos que ir ao contrário. Bater de frente. Positivo e negativo, entendem?

LINDOMAR
Continue.

TED
Eu sei que vai soar estranho. Mas...

LINDOMAR
Fale logo.

TED
É que a palavra em si é ridícula. Vai ficar ridículo a hora que eu falar. Portanto vocês tem que entender que...

STEFFANYA
Pare de enrolar e desembucha.

TED
Eles estão agindo da forma que a gente discorda. Na obrigação. Não é? No grito, na lambada militar ainda, não é?

TODOS
Sim.

TED
Temos que fazer o oposto pra dar um bom exemplo, então.

STEFFANYA
Mas a ideia da greve foi sua, Ted.

ZULEICA
Caramba, viu. Vai ramelar!

LINDOMAR
E devemos fazer o que, então, Ted? Fala!

TED
(depois de uma pausa) Amor. Talvez seja o único jeito. 

LINDOMAR
O que?

TED
Talvez, não. Certeza.

(grande silêncio)

TED
Vamos desamarrar ele. Se a gente sabe que à força não dá certo, à força não vai dar certo também. 

ZULEICA
Não! Você pirou? Agora não dá mais pra voltar atrás. Tá todo mundo assistindo no Datena!

TED
Tá do jeito errado, a gente tem que achar outro jeito...

LINDOMAR
Amor, amor! Pelo amor de deus, Ted. O que aconteceu com você?

STEFFANYA
Tô começando a acreditar que você é viado.

TED
Caramba, gente! Os grandes mestres na história da humanidade já diziam que... Vocês não queriam um novo Jesus Cristo? Então! Amor, porra!

ZULEICA
Eu não acredito nisso!

STEFFANYA
Era uma metástotra, seu burro!

ZULEICA
Uma metáfora, Steffanya.

STEFFANYA
Exatamente.

LINDOMAR
A coisa ficou ridícula mesmo. Tô vendo aqui na net, tão tirando sarro do líder da nossa facção. Tem uma montagem da Maryl Streep em O Diabo Veste Prada olhando com desdém pra uma foto do Ted e a frase: "Jesus Sequestrador? Senta lá, Cláudia." Tem várias pessoas de esquerda defendendo a diminuição da maioridade penal agora, tudo por culpa nossa!

ZULEICA
Idiota! Você fez com que a gente perdesse a autoridade do local. Tem a ideia e depois caga! Fala sério! 

LINDOMAR
A gente tá encurralado e sem propósito!

STEFFANYA
Que merda, hein, Ted! Tudo isso pra nada. Agora a gente faz o que?

TED
Ama. Ajuda a espalhar amor, não nessa violência. 

TODOS
Ai, cale a boca, Ted! Você é um bosta mesmo! Amor! Que coisa mais brega! Eu sabia que você ia estragar tudo! Um líder falando de amor quando devíamos pintar a cara e mostrar pra todo mundo que quem manda no planeta é o futuro. Ou seja, nós! E blá, blá, blá, blá, blá, blá... (eles continuam o blábláblá enquanto TED fala)

TED
A gente tenta e tenta. E a coisa se desconstrói sozinho. No fim, a culpa do tédio é de todo mundo. A culpa é do Ted, é sua, é deles. É de todo mundo.

TODOS
Blá, blá, blá, blá, blá! Viadinho! Caramba, hein, Ted. Você acabou com a nossa chance de ser feliz. A culpa do tédio é do Ted sim. (eles saem) Não atirem! Não atirem! Nós somos de bem! Somos apenas jovens indecisos e entediados! Nos perdoem!

(TED olha para o SENHOR RITO com pena; ele vai até a cadeira e o desamarra)

SENHOR RITO
Acabou a palhaçada? Muito bonito, né, senhor Ted? Que papelão. Eu devia dar umas lambadas na sua bunda pra você aprender.

TED
Ninguém mais fala lambada hoje em dia, vô.

SENHOR RITO
Eu entendi a intenção disso tudo. Vocês estão descontentes com a vida, não é?

TED
Não é fácil ser adolescente.

SENHOR RITO
Vocês ainda vão chegar na parte mais difícil. E aí vão poder reclamar com gosto. Hoje vocês não precisam trabalhar, não tem que ter responsabilidade com nada. Vocês estão reclamando de barriga cheia.

TED
Você não sabe como é.

SENHOR RITO
Sei sim. Já fui criança também.

TED
São outros tempos.

SENHOR RITO
Ah. Você que sabe.

(SENHOR RITO vai sair)

TED
Vô!

SENHOR RITO
Sim?

TED
Eu queria dizer que...

(silêncio)

SENHOR RITO
Fala, garoto.

TED
Eu amo o senhor.

SENHOR RITO
Ah, para de besteira, moleque. Tá bom, tá bom. O vô também ama do jeito do vô. Vou ter que dar um jeito nessa confusão que você deixou agora. Tá de castigo. Uma semana sem mexer no computador e celular. (ele sai)

TED
Que droga.

SENHOR RITO
(entra com uma espingarda) Toma. Vai lá brincar de matar passarinho. Desestressa.

(suspense)

TED
Isso sim é a boa educação de como formar um homem digno de honrar o que tem no meio das pernas. Talvez a educação militar dê a possibilidade de se fazer justiça com as próprias mãos. Se é isso que a gente quer, é isso que a gente vai ter.

(ele termina a cena matando passarinhos imaginários)


CENA 8

(formam-se a sala de aula; alguns bocejos e muito tédio)

TODOS
(entram em coro) E aí, o tédio voltou para a escola. O Ted, eu quis dizer. E as coisas continuaram do mesmo jeito.

(eles estão como sempre)

LINDOMAR
Puta que o pariu, professora! Eu já disse que “mim” quem faz é índio!

TED
E aí o tédio voltou para a escola.

ZULEICA
(acorda) Eu vou ser um incrível palhaço quando eu crescer! (dorme)

STEFFANYA
Ted, quem é que descobriu o Brasil mesmo? O filho da puta do Lindomar me confundiu a cabeça. Olha, entrou um passarinho dentro da sala!

TED
Deixe comigo.

LINDOMAR
Suspensão de novo, professora? Mas o que foi que eu fiz? Não tem nada a ver eu ter participado de um sequestro revolucionário com a aula da senhora, a gente já tá pagando a punição com ajuda social!

TED
Mas a rotina bate na nossa cabeça e enfia ela dentro das privadas sempre quando o tédio bate na porta dos meninos populares. E os meninos populares, por educação, precisam fazer o papel de encher o saco de novo. Mas vovô também me deu a educação que me deu. 

TODOS
(como os meninos populares, com máscaras) Olha lá o viadinho revolucionário. Apareceu até na televisão falando de amor. (gargalham) Ui, amor!

TED
Me deixem em paz.

TODOS
Só isso que você sabe falar? “Me deixe em paz! Me deixe em paz”! Marica!

TED
Parem com isso!

TODOS
Ou o que?

(TED saca a arma; suspense; o grupo se desmonta de meninos populares para os seus personagens principais; todos tiram as máscaras com realidade e seriedade)

ZULEICA
O que é isso, Ted? Era brincadeira.

LINDOMAR
Somos nós. Baixe essa arma, cara. Se alguém vê...

STEFFANYA
Pelo amor de deus, Ted! O que você tá pensando?

TED
Eu tô cansado. Cansei dessa babaquice!

LINDOMAR
Somos seus amigos, cara!

TED
Eu não sou amigo de ninguém! Ninguém ama ninguém nessa bosta! Todo mundo só quer ser legal e foder com a vida do outro!

ZULEICA
Está acontecendo...

TED
Eu me cansei! Vocês são tudo farinha do mesmo saco! Ninguém quer nada com nada. Acabou a brincadeira!

ZULEICA
Está acontecendo! Está acontecendo...

TODOS
E aí mostraremos a visão de Zuleica, que por ser uma adolescente de não muita experiência, não pode imaginar em sua premonição uma cena tão sanguinária e violenta como foi e como seria na vida real. (pausa) Ele apontou a arma para a professora quando ela disse que deus castiga os assassinos de professoras. E atirou por primeiro. (ouve-se um tiro) Depois atirou nos seus inimigos, os garotos populares. (ouve-se três tiros) Depois atirou nos alunos indiferentes. (ouve-se mais tiros) Por fim, virou-se para seus amigos.

TED
Ser jovem é foda, viu. A culpa não é de ninguém. A culpa é de todo mundo.

(TED deixa todos os colegas encurralados; ao som do tipo de Sympathy For The Devil, TED mata um a um, que morrem dramaticamente exagerados; ele vai até a plateia e mata alguns espectadores; ele retorna ao palco e se acalma; a música cai)

TED
A culpa é sempre do Ted. (pausa) Do tédio, eu disse.

(por fim, coloca a arma na boca; black-out)


EPÍLOGO

(a luz acende; SENHOR RITO entra e vê todos caídos; tira seu papel com um poema e lê calmamente enquanto a luz desce)

SENHOR RITO
“A vida, tem muito mato pra carpir. A enxada!
A bifurcação ou a encruzilhada
Esquina que não tem muito pra onde ir.
A espada do jovem guerreiro
Não é a espada que envolve dinheiro
Mas é aquela que envolve o coração e a vontade de ser melhor
Só que às vezes dói.”

FIM

(Texto de Gabriel Tonin de 2012)


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