Nina e o Fantasma
Personagens:
Nina (criança e
adulto)
Tião (criança e
adulto)
Pai (voz)
Cenário: Móveis
cobertos com lençóis.
(Uma bola entra pela
janela derrubando um abajur)
Nina (em off)
Ahn, não. (entra)
Puxa vida, esse lugar está uma sujeira. Depois que a dona Tereza morreu ninguém
mais quis cuidar da casa. É uma pena... (encontra sua bola) Ahn, não. Quebrei o
abajur. E agora? Meu pai vai ficar um bicho se souber que eu entrei aqui, e
ainda quebrei o abajur! Tive uma idéia! (vasculha a bolsa) Eu sei que eu tinha
uma cola aqui em algum lugar... deixe-me ver... hum... achei! (senta no chão e
começa a consertar o abajur) Eu sei que ninguém se importaria com esse abajur
quebrado, mas vai saber se a dona Tereza ainda não mora aqui como fantasma...
talvez ela até esteja me olhando escondida naquele canto. (ri) Mas eu não tenho
medo, não. Eu tenho medo dos vivos que podem pegar minha bolsa e levar tudo o
que é meu, disso sim. Pobre dona Tereza. O gatinho dela entrou dentro do
microondas pra pegar um pedaço de carne. E como ele tinha uma coleirinha de
ferro, o microondas explodiu e milhões de pedacinhos voaram na cara dela. Mas
isso já faz muito tempo e nem foi assim que ela morreu. Ela continuou vivinha
da silva com a cara toda remendada. Todo mundo tinha medo dela, por isso
ninguém gostava de vir aqui. Mas eu não tinha medo. Só não gostava de ficar
perto de um microondas que já explodiu uma vez. Logo depois disso ela comprou
um cachorro bem grandão. E quase nunca saía pra passear porque ele era muito
grande e ela não conseguia com sua força. Mas um dia ela decidiu sair com o
bicho pra assustar a criançada que tava brincando aqui na frente. E o cachorro
a puxou com tanta força que ela foi parar em baixo de um ônibus. Coitadinha. E
o cachorro ainda conseguiu sobreviver. Ele mora lá em casa agora, meu pai o
adotou. Seu nome é Fred. Meu pai o apelidou de Fred Kruger depois que ele fez
isso com a dona Tereza. Mas ele nem liga. Só fica balançando o rabo como um
bobão. Que esquisito, né? Dois animaizinhos acabaram com a vida dela. Pronto.
Terminei de colar o abajur. (se levanta) Bom, acho que eu já terminei por aqui.
É melhor eu ir embora antes que meu pai descubra onde eu estou. (uma cadeira se
mexe sozinha) Opa. Dona Tereza? É você? Acho que estou vendo coisas. Fantasmas
não existem. (olha pela janela) Ahn, não. Meu pai já chegou em casa. Se ele me
ver saindo daqui ele vai ficar um bicho. É melhor eu esperar ele entrar pra que
eu possa sair. (senta-se novamente e suspira) Estou ficando com sono. Talvez se
eu deitar um pouquinho, e fechar um pouco os olhos, eu... (dorme)
(black-out)
(a luz sobe devagar e
mostra a noite)
Tião
(canta em off)
(entra cantando e se
assusta com Nina)
Ai! O que é isso? (se
aproxima devagar observando) Essa menina não estava aqui ontem. Problemas.
Problemas.
Nina
(acordando. Boceja)
(vê Tião e grita)
Tião
(grita
escandalosamente)
Nina
Onde eu estou?
Tião
Na minha casa.
Nina
Sua casa? Espere um
pouco. Essa casa é da dona Tereza. Quem é você?
Tião
Eu quem pergunto.
Quem é você?
Nina
Acho que eu perguntei
primeiro. E essa casa não é sua.
Tião
Pois eu não respondo
enquanto você não me responder. Ponto final.
Nina
Você é muito do
teimoso, isso sim. Mas tá certo. Meu nome é Nina. E eu moro na casa ali do
lado. Tenho dois cachorros, três gatos, nove peixinhos dourados, cinco
peixinhos pretos, um casal de coelhinhos e um papagaio que pensa ser um galo.
Tião
Uau. Você tem um
zoológico na sua casa.
Nina
Que nada. Minha mãe
teve que dar meu pato e minha cabra pra sítio do meu avô porque eles cresceram
demais.
Tião
Puxa vida. Mas com
tanta coisa pra cuidar na sua casa, o que você veio xeretar aqui, hein? Sabe
que é feio ficar se intrometendo onde não é chamada.
Nina
É que minha bola caiu
aqui dentro. E Dona Tereza era minha vizinha e ela com certeza não se
importaria de eu vir aqui.
Tião
E quem é a dona
Tereza?
Nina
A dona dessa casa.
Tião
Ah, sim, claro! Eu
sabia. Ela me deu permissão pra ficar aqui o tempo que fosse necessário. E não
disse nada sobre uma menina intrometida chamada Nina.
Nina
Você conversou com a
dona Tereza?
Tião
Mas é claro.
Nina
Mas ela já morreu.
Tião
(engole em seco)
Hum... ela já...
morreu?
Nina
Já. Mas e você?
Tião
Eu também.
Nina
Você também o que?
Tião
Já morri, oras. Por
isso que eu consegui falar com ela.
Nina
Quer dizer que você é
um fantasma?
Tião
Sim.
Nina
Hum...
Tião
Bú!
Nina
Nem tente me assustar
porque eu não tenho medo de nada
Tião
Ah, desculpa.
Nina
Desconfiei mesmo que
você fosse um fantasma. Com essa cara pálida e com essa roupa desengonçada, só
poderia ser um fantasma. Além disso eu até posso sentir seu cheiro de morto.
Tião
Você não tem mesmo
medo de mim?
Nina
Eu? Eu não. Eu tenho
medo de gente viva.
Tião
Puxa vida, desconfiei
que você fosse esquisita mesmo.
Nina
Você não é o primeiro
a dizer isso.
(se entristece)
Tião
Desculpe. Eu não quis
ofender.
Nina
Não me ofendeu. É que
todo mundo na escola me diz isso. Ninguém gosta de ficar comigo no recreio
porque dizem que eu cheiro a peixe. Hoje, na escola, uma menina me prendeu no
banheiro e me obrigou a beber água da privada.
Tião
Eca! Você bebeu?
Nina
É claro que não. Eu
disse à ela que eu conhecia um fantasma e que se ela me fizesse algum mal, algo
de muito ruim ia acontecer.
Tião
E você conhece um
fantasma?
Nina
Conheço. Você.
Tião
Mas você não me
conhecia quando disse isso pra ela.
Nina
Não. Mas talvez eu já
sabia que isso fosse acontecer.
Tião
Você é mesmo bem
esqui... Diferente. Mas não cheira a peixe. (cheira) Você cheira a... Fumaça.
Nina
Fumaça?
Tião
Não, não! Tá
sentindo? Esse cheiro de queimado!
Nina
Nossa, é verdade! Tá
vindo lá de fora.
(olham pela janela)
Nina
Ah, é meu pai. Ele tá
queimando o matagal que tem no terreno do lado de casa. Que pena....
Tião
É verdade, toda essa
queimada só faz mal ao meio ambiente e...
Nina
É verdade, nisso
também.
Tião
No que você queria
dizer quando disse “que pena”?
Nina
Sabe que horas são?
Nove horas da noite. E eu estou aqui desde de tardezinha. Peguei no sono e
dormi a tarde toda..
Tião
E...?
Nina
Meu pai nem notou que
eu não estou em casa.
Tião
Puxa. Eu sinto muito.
Eu sei como é difícil ser esquecido.
Nina
Sabe?
Tião
Sei. Quando você
morre muita coisa muda. Ninguém consegue te ver, te notar... todo mundo que
você conhecia te esquece. É complicado de ficar bem numa situação dessa. Mas...
com você foi diferente. Você me viu e o melhor, me notou.
Nina
Eu sinto muito.
Tião
Não sinta. Eu estou
me superando.
Nina
Mas então, como você
morreu?
Tião
Ora, isso não é coisa
que se pergunte à um morto. Pode ser muito doloroso pra alguém responder à uma
pergunta dessas. Você quase partiu o meu coração.
Nina
Você não tem coração.
Você é um fantasma.
Tião
Oh, como pode dizer
uma coisa tão absurda? É claro que eu tenho coração. Ou eu acho que sim.
(coloca a mão no peito. Se entristece).
Nina
Não fique assim, o
coração nem é tão importante. O melhor de tudo é a boca e o estômago. (ri) Será
que você gostaria de uma maçã? (tira da bolsa, a corta pela metade com uma
faca, e entrega uma parte pra Tião)
Tião
Hum, eu mal me lembro
do gosto de uma maçã.
Nina
Então experimenta.
Tião
(come) Hum! Que
delícia. Essa maçã é a maçã mais gostosa do mundo.
Nina
É, não é? Não sabia
que fantasmas podiam comer.
Tião
É claro que pode.
Nina
Então um dia te faço
uma torta de maracujá que é uma delícia. Minha especialidade. Ou talvez uma
lasanha. O que acha?
Tião
Seria ótimo.
Nina
Sei também fazer um
creme de chocolate com pedacinhos de nozes. Você vai amar.
(Tião termina de
comer)
Tião
Eu só acordei assim.
Nina
Ahn?
Tião
Você me perguntou
como eu morri. Eu fui dormir numa noite como todas as outras. Daí... eu acordei
morto.
Nina
Que esquisito dizer
isso.
Tião
O que?
Nina
“Acordei morto”.
(riem)
Tião
Meu nome è Tião.
Nina
Prazer em te
conhecer, Tião.
Tião
O prazer é todo meu.
Nina
Bom, eu acho que eu
preciso ir. Meu pai já entrou em casa, ele não vai me ver saindo daqui.
Tião
Boa sorte, então
Nina.
Nina
Vou precisar. Bom,
até logo Tião.
Tião
Até logo.
Nina
Ah! Eu tenho mais
duas maçãs, uma banana, um pêssego e um pedaço de melancia aqui na minha bolsa.
Vou guardar na geladeira pra você. (sai)
Tião
Puxa. Que menina
legal. Queria muito ser amigo dela. Se alguém descobrir... eu tô frito. Talvez
seja melhor eu cortar essa amizade por aqui. Ninguém nunca entenderia a amizade
de uma menina como ela com um menino como eu. É coisa de filme, livro ou peça
de teatro. Ainda mais eu não posso me prender emocionalmente à ninguém, porque
como todo fantasma, eu sou um viajante. Vou ter que dizer à ela pra nunca mais
voltar aqui.
Nina
(entra) Pronto. Eu
coloquei tudo na geladeira pra você. Mas não vá comer tudo de uma vez, porque
você pode ficar com dor de barriga, hein.
Tião
Nina?
Nina
Sim?
Tião
Você vai voltar
amanhã?
Nina
É claro.
(ela sai)
(Tião bate na própria
cabeça e derruba o abajur)
(Tião arruma o sofá e
se deita)
Tião
É tão difícil estar
sozinho. (dorme)
(black-out)
Cena 2: Visita.
Nina
Tião! Tião! Acorde!
Ora, você quebrou o abajur que eu quebrei e arrumei. Sorte que eu ando com uma
cola dentro na bolsa. (se senta pra arrumar)
Tião
Que horas são?
Nina
Nove horas. Não sabia
que fantasmas dormiam.
Tião
Você não sabe muito
das coisas, né?
Nina
Sei muito bem que
você vai amar minha torta de limão. (tira da bolsa e entrega) Olha, fiz pra
você ontem à noite.
Tião
Puxa vida. Café da
manhã! Muito obrigado, Nina.
Nina
De nada. Eu conversei
com o meu pai ontem e ele me disse que semana que vem a gente vai viajar pra
praia. Eu gostaria de saber se você quer ir com a gente.
Tião
Eu? Mas... como? E
seu pai?
Nina
Ora, se só eu posso
te ver, ele nem vai perceber que você vai estar do meu lado no carro.
Tião
Mas Nina...
Nina
Ah, por favor,
Tião... é tão sem graça ficar sozinha com meus pais na praia. Eu queria que
você fosse junto.
Tião
Bom, eu vou pensar no
assunto. Depois te dou certeza.
Nina
Puxa vida! Vai ser
super legal! (abraça Tião) Você é meu melhor amigo!
Tião
Mas Nina, você me
conheceu ontem.
Nina
Não tem importância.
Você é o único que conseguiu comer um pedaço inteiro da minha torta de limão.
Tião
Por que? Tava uma
delícia.
Nina
Ninguém acha.
Tião
Talvez meus sentidos
tenham se perdidos depois que eu morri.
Nina
Pode ser. Mas mesmo
assim você é meu amigo.
Tião
Nina, eu não posso
ficar aqui por muito tempo.
Nina
Por que não?
Tião
Porque como você
mesmo disse, essa casa pertence á dona Tereza.
Nina
Então vamos morar lá
em casa. Sempre quis morar numa casa assombrada.
Tião
Credo, Nina. Que
coisa horrível de se falar. Depois a gente conversa sobre isso.
Nina
Tá bem. Já arrumei o
abajur de novo.
Tião
Obrigado.
Nina
Tião, essa noite eu
sonhei com você.
Tião
Sério? O que?
Nina
Sonhei que você tinha
morrido.
Tião
Mas eu morri.
Nina
Não, eu sonhei que
você tinha morrido depois de morto, e que eu nunca mais poderia falar com você
de novo. Que estranho, né? Como pode morrer depois de morto?
Tião
Sei lá. Eu nem quero
pensar nisso.
(toca a campanhia)
Tião
Quem será?
Nina
Você está esperando
alguém?
Tião
Não! Vamos nos
esconder.
Nina
Se esconder? Vamos
atender.
Tião
Não! Você tá louca!
Fica aqui bem quietinha que eu dou um jeito nisso.
Nina
O que você vai fazer?
Tião
Ficar quieto.
Nina
E isso é dar jeito?
Tião
Chiu!
Nina
Quem é?
Tião
Chiu! (coloca a mão
na boca de Nina) Você quer ir pra cadeia?
Nina
Pra cadeia? Mas você
é um fantasma! Não existem prisões pra fantasmas! Eu vou ver quem é. (vai em
direção à porta)
Tião
Não, Nina, não!
Nina
Viu? Já foi embora!
Não tem com o que se preocupar. Ah, olha lá. Era um menino vestido de palhaço.
Odeio palhaços! Acho que ele tá vendendo algum doce. Palhaço bobo. Odeio
confessar, mas eu morro de medo de palhaços desde que eu era pequenininha.
Tião
Ah... sério? Por que?
Nina
Não sei. Só tenho
medo.
Tião
Você não tem medo de
mim que sou um fantasma, e tem medo de um palhaço que vem pra alegrar todo
mundo.
Nina
Sei lá. Pra que nariz
vermelho? Isso me assusta.
(os dois ficam em
silêncio)
(Tião solta um pum)
Tião
Opa, desculpe.
Nina
Não foi nada.
Tião
É que eu fiquei
nervoso.
Nina
Não sabia que
fantasmas soltassem pum.
Tião
Já disse que você não
sabe muito das coisas.
Nina
Você pode atravessar
as paredes?
Tião
Lógico que não.
Nina
Pode voar?
Tião
Não.
Nina
Se transformar em
alguma outra coisa assustadora?
Tião
Não.
Nina
Então pra que serve
um fantasma?
Tião
Eu me pergunto isso
todos os dias.
Nina
Você é esquisito.
Tião
Você não é a primeira
a dizer isso.
Nina
Imaginei. E tem
cheiro de peixe.
Tião
Você também.
Nina
Ontem você me disse
que eu não cheirava a peixe. Seu mentiroso.
Tião
Eu não sou mentiroso!
(irritado)
Nina
Me desculpe.
Tião
Eu não sou mentiroso.
Nina
Tudo bem, eu acredito
em você. Tião, você costuma sair daqui?
Tião
Daqui?
Nina
É. Sair pra dar umas
voltas. Passear, respirar ar puro...
Tião
Eu trabalho.
Nina
Trabalha? Não sabia
que fantasmas precisassem trabalhar...
Tião
Pois é... eu preciso.
Nina
Com o que?
Tião
Nina, eu não estou
passando muito bem. É melhor você ir embora.
Nina
Está bem. Vou, antes
que você se transforme em um lobisomem. E eu já estou atrasada pra aula de
dança.
Tião
Aula de dança? Você
sabe dançar, Nina?
Nina
Claro que sei. Quer
que eu te ensine.
Tião
Quero!
Nina
Uma outra hora. Eu
preciso ir. Até mais, Tião.
Tião
Tchau. Você vai
voltar amanha?
Nina
Claro!
(Nina sai)
(Tião se senta no
sofá)
Tião
Medo de palhaço? Que
menina maluca.
Cena 3: O Rato
Tião
Eu gosto muito dessa
menina. Ela é um barato. Mas eu não posso ficar me iludindo achando que ela vai
querer ser minha amiga se eu contar a verdade pra ela. Eu me sinto um monstro.
Um mentiroso! Amanhã, quando ela aparecer, eu vou dizer tudo e vou embora. Um
dia, ela vai ser só memória.(sai e grita) (volta correndo, derruba o abajur e
sobe no sofá) Ai, meu Deus! Tem um rato ali na cozinha! Que coisa nojenta! Não
que eu tenha medo de ratos mas não é um animalzinho agradável. E agora? Eu tô
morrendo de fome, mas eu prefiro morrer a entrar naquela cozinha com aquele
monstro correndo lá dentro. Ah, não! Quebrei o abajur de novo. A Nina vai ficar
uma fera. (ri) (Nina entra, mas Tião não percebe) O que seria desse abajur sem
a Nina, não é mesmo? Toda vez ele quebra e ela conserta, ele quebra e ela...
ela... Nina!
Nina
Tião? Aconteceu
alguma coisa? Você quebrou o abajur de novo!
Tião
Desculpe.
Nina
(começa a consertar)
Pensei ter ouvido um
grito.
Tião
Grito? Não sei do que
você tá falando.
Nina
Ora, Tião. Eu sei que
você está mentindo. E não precisa fazer isso.
Tião
Eu não estou
mentindo! (irritado)
Nina
Tião? Tem alguma
coisa que você quer me contar?
Tião
Não! Por que?
Nina
Porque você parece
nervoso. (pausa) Tião... você sabe que eu sou sua amiga. Eu não me importo se
você ronca à noite ou deixa a toalha em cima da cama. Você é do jeito que é. Você
pode sempre contar comigo. (termina o abajur)
Tião
É que... o
problema... Nina... tem um rato na cozinha!
Nina
Um rato? (grita e
sobe no sofá)
Tião
Opa, descobri mais uma coisa, além de palhaços, de que você
tem medo.
Nina
Eu não tenho medo de
ratos! Só não acho um animalzinho agradável. É nojento. De todos os animais o
rato é o que eu menos gosto.
Tião
Eu também. Aquelas
mãozinhas se coçando uma a outra.
Nina
Verdade. E aquele
rabo pelado e comprido.
Tião
Terrível.
(se olham e riem)
(olham pra cozinha e
percebem que o rato está se aproximando)
Nina
Ah, meu Deus! Ele tá
vindo pra cá!
Tião
Não!
(gritam e começam a
falar desesperadamente)
(Tião joga alguns
objetos, e sem perceber, joga o abajur)
Nina
Tião!
Tião
Opa!
(se olham e riem)
Nina
Olha, será que você
consegue sobreviver por um tempo com esse rato aí?
Tião
Hum... talvez... por
que?
Nina
Porque eu tive uma
idéia. (começa a sair)
Tião
E eu vou ter que
ficar sozinho com aquele monstro?
Nina
Ora, se comporte,
homem! Você é um fantasma!
Tião
Ah... tudo bem. Mas
não demore!
Nina
Não.
Tião
O que vai fazer?
Nina
Você vai ver.
Tião
Amanhã?
Nina
Sim.
(sai)
Cena 4: O palhaço
Tião
(se senta, pega um
pano) (começa a retirar a maquiagem velha, e fazer uma nova) (Põe um nariz vermelho)
(música)
Nina
Tião, você acha que é
melhor eu trazer...? O que você está fazendo?
Tião
(assustado) Eu?...
Nada! (esconde o rosto)
Nina
O que você está escondendo,
então?
Tião
Nada, não é nada! Vá
embora.
Nina
Tião, deixa eu ver
seu rosto. (coloca sua bolsa no chão)
Tião
Não, Nina! Vá embora,
eu já disse!
(se vira pra ela)
Nina
Oh. Por que você está
com essa maquiagem?
Tião
Esse é meu trabalho.
Eu sou um palhaço.
Nina
Deixa de ser bobo!
Por favor, você está tentando me assustar. Fantasmas não se vestem de palhaço.
Tião
Eu não sou um
fantasma! Você tinha razão... eu sou um mentiroso.
(silêncio)
Nina
Mas...
Tião
Eu menti! Eu sou um
menino normal. Aquilo era um resto de maquiagem velha que me fazia parecer ser
pálido. Eu não sou o fantasma que você conhecia. Não exatamente. Sou um
fantasma só porque não existo pra ninguém. Não tenho pai, não tenho mãe... não
tenho ninguém. Ninguém me vê. Ninguém me nota. Ou ninguém “quer” me ver. Eu
estava sozinho até conhecer você e...
Nina
Eu estou com medo de
você! (esconde o rosto)
Tião
Nina, me desculpe...
é meu trabalho!
Nina
Seu mentiroso! Fique
longe de mim!
Tião
Você não me entende!
Eu nunca tive um amigo. Nunca ninguém quis ficar perto de mim. Mas você...
Nina
Eu não consigo te
olhar!
Tião
Me desculpe!
Nina
Como eu pude ser tão
boba? Você conseguiu me enganar direitinho... fantasmas... ah! Fantasmas não
existem!
Tião
Me desculpe, Nina.
Nina
Eu te desculpo, Tião.
Se esse é mesmo o seu nome. (pausa) Eu tenho que ir. Meu pai decidiu ir pra
praia mais cedo dessa vez. Tenho que arrumar minhas malas. (vai saindo)
Tião
Nina, espere...
Nina
Eu preciso ir. Não
posso ser sua amiga, Tião. Eu não posso conversar com estranhos.
Tião
Espere, Nina, espere!
Nina
Quando eu voltar,
talvez essa casa já tenha sido vendida, colocaram uma placa de venda lá fora.
Bom, até logo, Tião. Espero que você seja feliz.
Tião
Nina...
Nina
(coloca um bolinho em
cima da mesa) Aquele rato não vai mais incomodar!
(sai e esquece a
bolsa)
(Tião se deita e
chora) (black-out)
Cena 5: O sonho
(Nina aparece
correndo assustada. Acorda Tião. Os dois se olham)
Nina
Tião! O rato! Ele
destruiu a minha casa e comeu os meus pais!
Tião
Oh, Nina, eu senti
tanto a sua falta!
Nina
Tião, você precisa me
ajudar!
Tião
Não se preocupe. Nada
vai te acontecer
Nina
Obrigada, Tião. Você
é meu melhor amigo.
Tião
Nina, eu menti. Eu
não sou um fantasma!
Nina
Nada importa! Eu só
quero ser sua amiga pra sempre!
(eles dançam uma
valsa)
Tião
Nina, você me perdoa?
Eu fui um bobo em ter mentido. Ahn, e me desculpe pelo abajur.
Nina
Por que? Você quebrou
o abajur de novo?
Tião
É que... eu estava...
Nina
Eu não acredito! De
novo?
Tião
Foi sem querer, eu...
Nina
Eu te odeio Tião!
Tião
O que?
Nina
Eu te odeio, Tião!
Toda vez é a mesma coisa! Eu venho e te dou comida, frutas e doces... e você
sempre quebra aquele abajur idiota!
Tião
Mas, Nina... me
desculpe... eu não queria!
Nina
Vá embora, Tião! Suma
daqui! Eu não quero nunca mais te ver. Você só me fez mal. Mentiroso!
Mentiroso! Mentiroso!
(se senta e chora)
Tião
Nina, se você gostava
de mim como fantasma. Eu prefiro morrer pra você poder me aceitar.
Nina
Você faria isso por
mim?
Tião
Isso e qualquer
coisa.
Nina
Então eu quero que
você tire meus pais de dentro da barriga do rato.
(silêncio)
(ouve o som de um
monstro e o grito de Nina)
(black-out)
Cena 6: O veneno
Tião
(acorda assustado)
Nina! Puxa vida. Foi tudo um sonho. Se eu pudesse voltar atrás e não mentir. Se
desde o começo quando a conheci eu tivesse falado quem eu era... talvez ela
estivesse aqui. (olha pro bolinho) Oh, ela me trouxe um doce. Como eu pude ser
tão mal com uma menina tão doce. (olha pro bolinho e come) Ela não é a melhor cozinheira
do mundo, mas eu não a trocaria por nenhuma outra. Seus bolinhos sempre tem um
gosto diferente, acho que é amor que ela põe junto com os ingredientes. (começa
a se sentir sonolento) Nossa. Que sono que me deu. (passa mal) Eu não estou me
sentindo bem. Talvez porque eu comi todas aquelas frutas de uma vez. (cai
devagar, quase se sentando) Eu não queria quebrar o abajur.
(música)
Nina
(entra) Olha, eu só
vim buscar minha bolsa que eu esqueci aqui ontem e... Tião? Tião! Tião, acorde!
O que aconteceu? Ah, não! Não diga que você comeu esse bolinho, não, por favor!
(chora) Tião... por favor, não! Fale comigo, Tião.
Tião
Nina...
Nina
Tião, me desculpe! Eu
fui muito boba. Fui muito boba em ter te deixado sozinho! Me desculpe!
Tião
Nina, me desculpe pelo
abajur!
Nina
Oh, Tião! Por favor!
Abra os olhos! (gritando) Pai! Pai! Tião, fique comigo. Pai!
(black-out)
Nina
Pai! Tião, vai ficar
tudo bem.
Cena 7: 20 anos depois
Nina
(entra e começa a
tirar todos os lençóis dos móveis) Pronto. Agora sim essa casa está
apresentável. Mas de que adianta? Ninguém pra poder apreciar a beleza dela.
Ninguém pra poder aproveitar. (pausa) Como eu queria que o Tião estivesse aqui.
Ele foi embora e vai ser sempre um amigão.
Pai (voz)
Nina! Vamos, Nina! Os
móveis já estão indo.
Nina
Já vou pai. Meu pai
comprou uma fazenda. Eu vou morar perto do meu avô agora. E perto do meu pato
Frederico e da minha cabra Genoveva. Bom, então é isso. Tião, você vai sempre
morar no meu coração.(sai)
(black-out)
(sobe uma luz fraca e
toca um telefone)
(uma sombra de um
homem adulto atravessa o palco)
(música de circo)
(Tião – adulto – se
senta e pega um telefone)
Tião
Alô? Sim. Oi, Sandra.
Tudo bem? Sim, sim. Já mandei os documentos por fax pra você. Como posso fazer
pra assinar e finalizar as papeladas? Ok, então. Obrigado, Sandra. (ri) Sei,
sei. A casa já é quase minha. Tchau, abraços. (Desliga. Pensa e disca outro
número) Alô? Quem? Meu nome é Sebastião. Eu gostaria de falar com a Nina. (a
luz se acende – ele está vestido com um terno e um nariz de palhaço) Nina?
Nina, desculpe incomodar. Mas é muito
importante. Você morou numa casa rosa quando era pequena, não é mesmo? Eu te
conheci há muito tempo, a gente... (Nina entra com um celular na mão) Nina,
talvez você não se lembre de mim. Eu...
Nina
É claro que eu
lembro. (Nina está vestida socialmente)
Tião
Nina!
Nina
Tião!
Tião
Puxa vida, Nina! Eu
te procurei por tanto tempo!
Nina
Eu já tinha desistido
de te procurar! Depois que você saiu do hospital meu pai me disse que você ia pra
um lugar melhor. (ri) Eu entendi mal. Pensei que você tivesse morrido. Mas
depois de um tempo vi seu nome num jornal, anunciando um circo. Eu fiquei tão
assustada! Pensei: “Puxa! Tião agora é mesmo um fantasma!”.
Tião
Um fantasma? (ri)
Nina
O tempo passou. E...
eu confesso ter tentado esquecer você. Mas o seu fantasma me perseguia em todo
o lugar. Eu te procurei, procurei por todos os circos possíveis. Enfrentando o
meu medo de palhaços. E sempre só achava o seu rastro indo embora. Se mudando
de novo.
Tião
Puxa. Tenho tanta
coisa pra contar do que conheci.
Nina
Eu me casei, Tião.
Tenho dois filhos.
Tião
(se entristece mas
logo disfarça) Dois filhos? Que legal.
Nina
O nome do mais velho
é Tião.
Tião
Puxa, Nina. Obrigado.
Nina
Obrigado por que?
Tião
Por ter feito quem eu
sou hoje.
Nina
O que? Você ficou com
algum trauma depois de tomar veneno de rato?
Tião
Não! Não é nada
disso! Por ter feito uns dias da minha infância mais felizes. Foi a melhor
época da minha vida.
Nina
Da minha também.
(se abraçam)
Nina
Então você comprou
essa casa?
Tião
Sim, a dona Tereza me
visitou num sonho e me deu a autorização pra morar aqui.
Nina
Ah, claro!
Tião
E como agora eu to
trabalhando num teatro, eu consegui um dinheiro...
Nina
Num teatro? Que
demais!
Tião
Pois é... eu mesmo
escrevi a peça e tal.
Nina
Nossa. Que legal. Eu
fico feliz em saber que deu tudo certo pra você.
Tião
Sabe qual o nome da
peça?
Nina
Não.
Tião
Nina e o fantasma.
Nina
Sério? Não acredito!
Tião
Pode acreditar que
dessa vez eu não tô mentindo.
Nina
Tião, eu preparei um
bolo. Você quer ir lá pra casa?
Tião
Mas... e seu
marido... ele? Você disse que tinha se casado e...
Nina
Eu me casei. Mas ele
faleceu. Eu moro com meus filhos na fazenda que meu pai me deixou.
Tião
Eu sinto muito.
Nina
Sente mesmo?
(brincando)
Tião
Nina! Que isso?
Nina
Quer ir lá pra casa
conhecer o Tião e a Tati ou não?
Tião
Tudo bem, então. Tô
morrendo de saudades do seu bolinho.
Nina
Eles não melhoraram,
ouviu?
Tião
Nem precisavam. Era
uma delicia.
Nina
Sei.
Tião
É sério.
Nina
Aham.
Tião
Ah! Só uma coisa.
Nina
Sim?
Tião
Sem venenos de rato,
ok?
Nina
Claro. E sem
palhaços?
Tião
Tudo bem. Sem
palhaços.
(saem)
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